Cinema. Editor do Mosaico. SAMSARA. “Samsara é
uma produção independente de 2001, indiana, italiana, francesa e alemã.
Dirigido pelo cineasta indiano Pan Nalin. A narrativa fala de um monge budista
que busca a iluminação. O protagonista, desde os 5 anos vive num monastério
budista, até o momento em que se torna um homem e decide conhecer a vida
mundana material. Desse modo, ao se apaixonar, sente grande atração por uma
camponesa chamada Pema. O filme mostra uma faceta do misterioso mundo do
Tibete; isso numa instigante história de busca profunda. O dilema entre –
procurar a verdade única do nirvana ou satisfazer a mil desejos do corpo e da
mente de um homem comum (...). Aclamado em toda a Europa e vencedor de diversos
festivais de cinema". Samsara não é um filme que digamos, nos comove do
início ao fim, contudo por ser uma produção independente se descola de alguns
conceitos da filosofia budista; sem perder de vista a essência desta rica
tradição. Mesmo com uma proposta de questionar alguns milenares pressupostos
dessa religião, assume esses aspectos numa discussão filosófica
conscienciosa, ligada numa referência subjetiva a elementos de pesquisa
histórica. Desse modo, os que já apreciam essa filosofia espiritual
reconhecerão, que esse foi, no âmago aquilo que o Iluminado Budha disse a seus
discípulos em particular, num de seus sermões "a verdade não
está fora, a verdade está dentro de você". O Budha nunca arrogou para
si a posse única da verdade e nem encorajou seus discípulos a que o fizessem.
No entanto em suas predicas pediu que seus seguidores aceitassem as verdades
dos outros, sem censurá-los ou menosprezá-los, mostrando um coração complacente
e interagindo com essas opiniões divergentes. A proposta do diretor indiano na
perspectiva filosófica e cultural, se reverte de coragem e importância, pois
passa a caracterizar, enfatizando mais na secularização do roteiro que no
enfoque eminentemente espiritual. Este a meu ver foi o diferencial que fez com
que o filme recebesse diversos prêmios da crítica especializada, inclusive
expandindo a cultura budista pelo – Europa – velho mundo. O cenário é
belíssimo, rodado nas majestosas paisagens do Ladakh, nas cordilheiras do
Himalaia indiano. O filme começa com uma caravana com dezenas de pessoas indo
para um monastério budista levando algumas crianças. Quando alguns olham para o
céu percebem uma ave ao alto voando em círculo, e logo depois algo cai em cima
de uma espécie de pagode – pavilhão de construção típica, onde alguns povos do
oriente rendem culto a seus deuses – altar budista. No Tibete antigo muitas
crianças eram levadas à vida religiosa por suas famílias, quem sabe, na
intenção de verem seus filhos escolhidos como um Bodhisattva, uma encarnação do
Budha. Outras, pela pobreza mesmo, e melhores condições quanto a educação e
colocação social. Já que o Budha disse; "Não sou o primeiro Budha que
existiu na Terra, e nem serei o último. No tempo devido outro Budha
levantar-se-á no mundo, um santo, um ser divinamente Iluminado. Dotado de
sabedoria em sua conduta, benigno, conhecendo o universo, um líder incomparável
dos homens, um mestre dos anjos e dos mortais". Esse é o Budha Maitreya o
renovador do Budismo, o próximo Budha que reiniciará o atual ciclo começado por
Sidharta Gautama. Acontecerá quando o ensinamento deste estiver esquecido neste
mundo. Supõe-se que isso se dará daqui a aproximadamente uns 30.000 anos no
porvir. O jovem Tashi o personagem principal do filme, é encontrado pela
caravana numa caverna, tendo meditado por mais de três anos. Retirado por seus
párias cortam os seus longos cabelos. Ele toma um banho num rio vestindo um
hábito, sendo por eles levado ao monastério. Ao chegarem percebe-se que o local
é simples, contudo seguro dentro das limitações da vida religiosa. As crianças
introduzidas brincam sem entendem o que foram fazer por lá; e Taishi começa o
cotidiano da rotina monástica. Numa das salas há uma grande estátua retratando
a face do Budha. O Budismo não têm dogmas, muito menos o conceito cristão de
idolatria; a imagem do Budha têm o intuito de trazer a honra e reverência à
seus ensinos, e a lembrança de que a ignorância produz sofrimento – samsara,
retardando a Iluminação. Nesse ambiente se desenvolve a crise existencial
de Tashi, revelada no conflito, se continuaria na vocação para alcançar a purificação
completa e o estado desperto de iluminação ou retornaria à normalidade leiga
renunciando a vida religiosa. Tashi tem sonhos eróticos onde é acariciado por
uma mulher. Conversa com um monge sobre o ocorrido e este o consola mostrando
que as tentações quando rejeitadas são forma de aperfeiçoar nosso dharma –
missão divina. O sofrimento, ao contrário, advindo delas demonstram o ciclo do
Samsara – sofrimento – pelo qual devemos passar, além da acumulação do carma
negativo que deverá ser reparado pela disciplina, na atual vida ou no próximo
renascimento. Tashi ao receber uma incumbência de seus superiores, fora do
monastério, troca olhares com uma jovem conhecida, entrando na propriedade
da família desta. Refletindo sobre esse fato, ao dormir, pela manhã decide
abandonar o monastério, seguindo seu próprio caminho pelo mundo. Esse fato é
marcado por um belo "ritual" onde Tashi vai a um lago, e despido de
suas vestes monásticas toma um banho. Já com vestes normais montado num cavalo
e acompanhado por um cão segue à uma região distante. Depara-se com um campo de
trigo, dormindo aos arredores. Uma linda jovem da propriedade, Pema, vendo o
estranho naquele estado, se compadece dele, trazendo comida e cobertor para
passa a noite. Acabam fazendo sexo. Ela fala sobre ele para seu pai, que
convencido resolve contratá-lo, pois é tempo de colher a lavoura para ser
comercializada. Na região existe um comprador das mercadorias dos fazendeiros,
que desonesto, usando uma balança com aferição incorreta rouba na pesagem dos
produtos. Além de ameaçar aqueles que não negociarem com ele. Tashi descobre
essas falcatruas e junto com seu patrão decide negociar os produtos diretamente
na cidade. Retorna com o valor da venda, agora correto, e casa-se com Pema
tendo um filho. Quando este nasce para a felicidade da família, a parteira diz:
"acaba de renascer mais uma vida". No budismo reencarnação e
renascimento são coisas distinta; essa é uma questão de opinião nas tradições
orientais. O hinduísmo por falar em espírito universal, entende que a mônada, a
centelha divina primordial do ser que evoluirá, até alcançar a consciência
cósmica, está presente em todas as consciência, desde a elemental até os
avatares e mahatma. O budismo ao tratar do conceito da Vacuidade do Eu e do
princípio da Não Existência, ou seja se a nossa própria individualidade – alma
no cristianismo – é uma ilusão, Maya. Como essa ilusão pode existir e
transferir-se para outro corpo num outro reino. Desse modo preferem o termo
transmigração ou renascimento. “Para os budistas,
a existência não acaba com a morte. Quando uma pessoa morre, renasce em outro
ser vivo. Ao morrer, a mente se desprende do corpo físico e renascerá em outro
corpo. Segundo os ensinamentos, o período que se segue à morte é conhecido como
– bardo. Existem várias fases desse bardo, e os grandes mestres e praticantes
mais realizados, encontram nesse momento da morte e da transição o momento
ideal para alcançar a iluminação – neste momento, eles reconhecem a natureza
verdadeira da mente e se iluminam. No entanto, nem todos os que morrem têm essa
capacidade de alcançar a iluminação no momento da morte. Nesses casos, após a
morte, o que se seguirá será todo o processo de transição até um novo
renascimento. Os ensinamentos budistas dizem que o carma individual de cada ser
é que irá determinar o seu renascimento. Por carma, podemos entender tudo
o que é acumulado e criado com ações, palavras e pensamentos – tanto negativas
como positivas. Se na vida anterior, esse ser cometeu muitos atos negativos movido
pelo veneno da raiva, seu renascimento será muito doloroso. Ele renascerá como
um ser no reino dos infernos. Se na vida anterior, esse ser cometeu muitos atos
negativos movido principalmente pelo veneno do apego e da avareza, ele
renascerá como um ser no reino dos fantasmas famintos. Se ele cometeu muitos
atos cometidos pelo veneno da ignorância, renascerá como um ser no reino dos
animais. Além desses reinos, chamados de reinos inferiores, os seres podem
também renascer nos três reinos superiores, se em suas vidas tiverem cometido
mais atos positivos do que negativos. Assim, renascerão como seres no reino
humano se tiverem criado bastante mérito e carma positivo, mas ainda assim com
um pouco de ações negativas movidas pelo desejo. No reino dos semideuses eles renascerão
se tiverem, além de muito carma positivo, cometido muitos atos negativos
movidos pelo veneno da inveja. E renascerão no reino dos deuses, se além de
muito carma positivo, tiverem sido manchados pelo veneno do orgulho. De todos
os renascimentos, o considerado mais afortunado é o do seres humano: eles têm,
na medida certa, condições para criarem mérito e condições positivas, e ao
mesmo tempo, podem conhecer o sofrimento que trazem os venenos da mente – o que
os torna capazes de ter compaixão por todos os seres vivos”. Fonte Budismo Joia
Rara. Uma cena que aparentemente pode chocar-nos, é quando Tashi e
Pema tem relações sexuais, e seu filho garoto assiste a esse fato. Isso não é
comum entre casais cristãos, tão pouco recomendado, se pensarmos numa ética
religiosa. Tashi pela terceira vez tem relacionamento sexual, agora com a
melhor amiga de Pema, quando esta vai resolver algumas questões na cidade.
Decididamente Tashi não tem escrúpulos morais, e seu mundanismo licencioso
assustaria qualquer monge comprometido com a vida religiosa. O desejo, é
segundo os ensinamentos dos sutras, um grande inimigo a ser vencido.
Incontrolavelmente, muitas vezes, somos enganados pela mente, caindo na teia do
apego e exagerada afeição natural. Uma passionalidade que requer meditação
constante para controlar o cavalo indomável que muitas vezes a nossa mente se
torna. Essa foi a característica criada pelo diretor para definir o mundanismo
humano, uma essência impregna em nosso comportamento, que mesmo com a meditação
nirvânica não é possível debelar. Teremos sim, condições de resistir as
tentações vinda do exterior e também do nosso interior. Isso com muito esforço
e perseverança para o desapego da luxúria e concupiscência impregnada em nossa
natureza humana É percebido que Tashi confundia as três joias do Budismo.
O Budha, aquele que está desperto. O Dharma, o caminho da compreensão e do
amor. A Sangha, a comunidade que vive em consciência e harmonia. Tinha
percepção de seu Budha interior, porém quanto aos outros dois itens, seus
conceitos eram elementares, e desprovido de argumentação espiritual. Tanto que
sua fala como monge, é pobre e sua prática do Dharma não se sobressai em sua
experiência particular. Tashi não tomou o caminho da conscienciosa decisão ao
entrar para a vida monástica. Tudo indica que foi influenciado por terceiros,
não assumindo propriamente a importante decisão. Assim, os conflitos e desviou
morais se acentuavam comprometendo sua busca pela verdade e compreensão do
Samsara existencial. No meio desse descontrole emocional e mental, resolve
retorna para o monastério. Na visão de quem assiste o filme uma decisão
temerária e irrefletida. Sem comunicar à sua esposa, na calada da noite, Tashi,
foge de sua responsabilidade de marido, abandonando mulher e filho. Esse ponto
do roteiro, foi brilhantemente explorado pelo diretor, pois implicitamente traz
à luz o tema de Sidharta Gautama. Ele deixando sua esposa Yashodhara e seu
filho Rahul enquanto estavam dormindo. Para compreender porque o homem sofre o
Samsara, e como libertá-lo dessa situação, abandona o palácio e sua posição de
futuro monarca do reino. É interesse que se prestarmos atenção aos fatos
subsequente a esse evento, reconheceremos que o indiano diretor Pan Nalin,
deixa claro a diferença da atitude de Tashin em relação ao Gautama. Yashodhara,
em sua sabedoria aceita a decisão de seu marido Siddharta, se
"sacrificando" para que ele siga o caminho da iluminação para
libertar todos os seres do cativeiro do Samsara. Budha compartilhou antes com
Yashodara sua decisão de encontrar a libertação para o sofrimento humano. Ela
prontamente o apoiou, inclusive anos depois quando o Budha retorna ao palácio,
ela torna-se discípula dele, instituindo uma ordem religiosa budista para
mulheres. O Budha foi perguntado, depois que alcançou o Nirvana, se ele ainda
amava seu filho Rahul, pois Yashodhara havia falecido. Ele disse que o amava
muito mais agora. O diálogo ao final de Tashi e Pema, que não entende tal
atitude tomada pelo marido, é uma expressão do desconsolo e inconsequência
daquele que desrespeitando o outro, desonra e fere o sentimento daquela que
dividiu com ele o leito nupcial. Não poderia terminar diferente –
lamentavelmente – a trajetória de Tashi em busca de prazeres
transitórios, e sua irresponsabilidade em tratar com as emoções alheias. Ele
segue solitário por uma longa estrada, com o propósito de tentar novamente
voltar ao monastério. E por sua mesquinhez de caráter, implicitamente, o
roteirista deduz que isso não ocorreu, para sua tristeza e desgosto. Ou para
que refletisse sob sua condição, tomando agora o caminho da virtuosidade com a
intensão de diminuir o carma negativo acumulado em sua trajetória de
compromisso com a mundanidade. O filme está disponível no YouTube com
legenda em português e várias outras línguas. Recomenda-se indicativo de 18
anos para apreciar a projeção. Abraço. Davi.
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