Cristianismo. www.ofielcatolico.com.br. QUEM AMA CORRIGE.
Como deve o cristão católico proceder diante de um familiar, um amigo ou mesmo
algum colega de estudos ou do trabalho que erra, que está em pecado ou, melhor
seria dizer, um que persista no erro, imaginando que acerta
(já que errar todos nós erramos, pecar todos pecamos). Corrigir os erros
alheios pode ser muito difícil. Exige coragem, boa vontade, paciência (...) e
principalmente verdadeiro amor fraterno, que é a autêntica caridade cristã.
Como diz o querido padre Francisco Faus (1931- ) em um de seus
admiráveis livros (Tornar a Vida Amável, Cultor & Cleofas) "corrigir
um amigo – com amor e ânimo de ajudar – é uma das melhores maneiras de
compreendê-lo". Antes de entrar na análise da questão, entretanto,
importa contextualizá-la. Vivemos hoje o pleno apogeu da temível ditadura do
relativismo, contra a qual tanto nos advertia o papa Bento XVI
(1927- ) e que já foi também condenada por Francisco como
"a pobreza espiritual dos nossos dias". Vivendo num mundo em que
tudo é relativo e tudo se questiona, por todos, o tempo todo, fica muito
difícil dizer a um irmão: "Cuidado, não vá cair em tal erro", porque
o mundo grita intermitentemente aos nossos ouvidos que absolutamente tudo é
relativo e que ninguém possui autoridade para dizer o que é certo e o que é
errado. Mais além, nossa geração é extremamente orgulhosa e pendente para o
pecado da soberba. Nossos pais e avós aceitavam com mansidão a reprimenda dos
pais, mestres e superiores hierárquicos, diferente de nós. Eu mesmo não podia
reclamar dos meus professores do ensino fundamental ou médio para meus pais (a
não ser que se tratasse de algum problema realmente grave), porque, se o
fizesse, ganharia apenas uma nova reprimenda. Meu dever era respeitar sempre, e
me esforçar ao máximo para aprender e me aperfeiçoar, e não criticar
aquele (a) cuja função é justamente me ensinar e disciplinar. Hoje, se um professor
adverte uma criança ou adolescente em sala de aula, terá que responder aos
pais, que via de regra já têm como premissa que o aluno, em tudo, está certo, e
o professor errado (como aconteceu no caso do professor processado em juízo por
ter proibido um aluno de usar o celular durante sua aula). Temos
assim, por um lado, que em nossos tempos é muito difícil corrigir alguém, mesmo
quando o erro é flagrante. Por outro, que é muito importante saber corrigir.
Ninguém gosta de ser repreendido, em especial se a reprimenda for feita
publicamente. Ninguém gosta de se sentir desrespeitado e, a não ser que você
mesmo seja perfeito, como poderia apontar o dedo para as falhas do seu próximo?
Com que autoridade o faria? Mesmo assim, é um erro comum pensar que, pelo fato
de Nosso Senhor ter nos exortado a "não julgar", isto seria motivo
para a omissão, isto é, deixar cada um cuidar da própria vida, sem se importar
com o bem do próximo ou com a defesa do bem, da verdade, da justiça. Aliás, as
passagens em que o Cristo ensina a "não julgar" estão entre as mais
desvirtuadas das Sagradas Escrituras, que também nos mostram claramente como
nosso Salvador (e antes d'Ele os profetas, até São João Batista, e depois d'Ele
os santos Apóstolos), apontava com clareza todo erro, onde quer que o
encontrasse. Assim é que as Epístolas vão insistentemente nos orientar neste
sentido: “Exortamos-vos,
também, irmãos, a que admoesteis os insubmissos. (1Tessalonicenses 5,14)
Irmãos, se alguém for surpreendido em alguma falta, vós, que sois espirituais,
corrigi-o, com espírito de brandura; e guarda-te para que não sejas também
tentado. (Gálatas 6,1). Acautelai-vos! Se teu irmão pecar contra ti,
repreende-o; se ele se arrepender, perdoa-lhe. (Lucas 17,3-4) Irmãos, se
alguém for surpreendido em alguma falta, vós, que sois animados pelo Espírito,
admoestai-o em espírito de mansidão” (Gálatas 6,1). Especial
atenção requer a exortação de S. Judas Apóstolo, por muito precisa:
"Procurai convencer os hesitantes (compadecei-vos deles); procurai
salvá-los, arrebatando-os do fogo (do Inferno); dos outros, tende misericórdia
(sede compassivos), mas com temor, detestando até as vestes contaminadas pela
carne" (Judas 22-23). O resumo de tudo em 4 pontos bem claros. Nosso dever
é: 1) proclamar a Verdade do Evangelho; 2) procurar salvar a todos 3); ter
misericórdia dos que vagam sem direção, perdidos no erro, sendo compassivos
para com eles; 4) mas nada disso exime de manter o temor de Deus, e nem nos
desobriga de detestar radicalmente o pecado. Em resumo, devemos ser
"imitadores de Deus", amando os pecadores e odiando o
pecado. Muitos confundem as duas coisas: uns são caridosos em excesso,
entendendo equivocadamente que, por amarmos os pecadores, deveríamos tolerar
também o pecado. Alguns vão tão fundo nesta compreensão espúria que caem no
erro ainda mais grave de concluir que até o chafurdar no pecado seria "graça
de Deus"(...). Outros, seguindo no sentido contrário e igualmente
equivocado, por muito odiar o pecado, confundem-no com o próprio pecador, e
assim terminam por trocar o Caminho de Cristo por um caminho de ódio e
intolerância. Esquecem-se que a Caridade é como que uma das pernas do caminhar
do cristão, sendo a outra perna a própria Verdade: se uma das duas falhar, o
andar torna-se manco, e em alguns casos o progresso vai se tornar finalmente
impossível. Não basta só a Caridade sem a Verdade. Também os hipócritas e os
desonestos são capazes de amar. Já o conhecimento da Verdade, sem a Caridade,
será estéril. Assim como os "bonzinhos" e "politicamente
corretos" de plantão dos nossos tempos entendem que seria mais próprio do
bom católico "compreender" e concentrar todos os nossos esforços
apenas e tão somente em perdoar, relevar e "não julgar"; considerando
sempre exclusivamente o lado bom da pessoa, outros comportam-se como fariseus,
assentados em seus tronos de hipocrisia e apontando seus dedos duros para todos
os lados, como se tivessem já, eles próprios, atingido a perfeição cristã. A
solução para o problema está no caminho reto, que não se desvia nem para a
direita e nem para a esquerda (Provérbios 4,11,27). Nosso Modelo máximo e
perfeito, evidente, é o Cristo, e Ele resumiu tudo ao dizer: “Se o teu irmão pecar, vai ter com ele
e corrige-o a sós. Se ele te der ouvidos, terás ganho o teu irmão.” (Mateus
18,15) Está tudo dito aí, numa única frase: • Deve o cristão repreender o
seu irmão, que caiu ou está em pecado; • Deve corrigi-lo com caridade e
misericórdia, a sós, sem a pretensão de humilhá-lo ou fazer-se superior a ele;
• "Se ele te der ouvidos (...)": é preciso compreender que aquele
irmão pode simplesmente não querer ouvir, não considerar a correção, comportar-se
com orgulho e persistir no erro. Nesse caso, não cabe querer forçá-lo e sim,
simplesmente, deixá-lo seguir seu próprio caminho, pois quem o julgará é Deus,
e não nós, que somos também imperfeitos. Jesus, depois de censurar a pessoa que
só enxerga o cisco no olho do irmão, fala mais uma vez do dever de corrigir:
"Tira primeiro a trave de teu olho e assim verás para tirar o
cisco do olho de teu irmão" (Mateus 7,5); • "(...) terás ganho o
teu irmão". O objetivo do que corrige não é impor-se, disputar, mostrar
que tem razão ou qualquer outra coisa desse tipo, mas sim o bem do outro. É
ganhar a sua alma para Cristo e para a vida eterna. Como vemos, o mesmo Cristo
que nos ama e perdoa, sempre de novo e de novo, com infinita Misericórdia
(louvado seja, por isto, Nosso Senhor!), manda-nos corrigir, exatamente porque
quer sempre o nosso bem. Porque nos ama, não hesita em alertar, em corrigir, em
repreender, ainda que isso doa, como fez tantas vezes com seus Apóstolos (cf.
Mateus 16,23 e 20,25-26), seus amigos mais caros. Nunca é demais lembrar que
identificar e acusar os erros é coisa diferente de julgar. Se eu testemunhasse
um assassinato, estupro ou tortura, e dissesse que tudo isso é erro, pecado e
crime, estaria "julgando"? Não, por certo. Estaria, isto sim, fazendo
uso do discernimento racional mais elementar para identificar um comportamento
condenável, e nestes casos extremos seria uma obrigação moral denunciar. Julgar
tem mais a ver com condenar pessoas do que os atos cometidos por pessoas. Quem
não é capaz de alertar um irmão que se está a perder é o egoísta indiferente,
que só pensa em si e prefere não se meter com os problemas alheios, repetindo o
mantra maldito dos que não conhecem a caridade: "Cada um com os seus
problemas"... E, quando o outro se complica de vez, naufragando em meio a
mil dores e dificuldades, amortece a própria consciência repetindo para sim
mesmo que não teve culpa, afinal, "cada um (...)". Quem não corrige é
porque não ama o suficiente, ou não sabe amar; são os frouxos, os covardes, os
"mornos" de quem nos fala o Cristo (Apocalipse 3,15-16). Acham que
ser bom é aceitar tudo, porque corrigir pode magoar, provocar alguma dor, algum
constrangimento (...) "Passa por cima" de tudo e tudo tolera. Nunca
adverte nem corrige, por medo de magoar ou da reação do outro. É a atitude
típica dos sentimentais e covardes, e contra estes disse o Espírito Santo no
Livro dos Provérbios: "Melhor é a correção manifesta do que uma amizade
falsa" (Provérbios 27,5). É muito fácil cair na tentação de olhar só as
qualidades, dizer sempre somente as coisas boas, os acertos e as virtudes de um
parente, um amigo, um colega, um irmão de fé, e fingir que as falhas não
existem. Uma falsa tolerância que mais prejudica do que ajuda. Os tolerantes de
araque, que são moles de espírito, acham que corrigir alguém vai
"traumatizar" ou "tirar a liberdade" do outro, e assim vão
todos ficando igualmente moles. Isto é uma grande tragédia dos nossos tempos.
Lembro-me bem da primeira reunião que tive com Felipe Marques, um valoroso
jovem que desempenha um belo papel em nosso apostolado. Num momento da
conversa, perguntei a ele: "O que você acha de ser repreendido? Como reage
quando alguém aponta alguma falha em alguma coisa que você fez? O que acharia
de ter os seus textos corrigidos, ou mesmo parte deles reescritos?"; ao
que ele prontamente, olhando nos meus olhos, com verdade e numa atitude de
cavalheiro, respondeu: "É o que eu espero! Eu quero ser corrigido porque
quero aprender, e tenho muito que aprender". Naquele momento entendi que
estava diante de um verdadeiro fiel católico, um guerreiro de Cristo, um jovem
cruzado verdadeiramente disposto a fazer a diferença nesta Igreja combalida. E
eu respondi: "Muito bem. Somos homens! Não tenha medo em também me
corrigir, quando eu cometer alguma falha". Já se foram alguns anos desta
conversa, e de lá para cá a verdade é que temos aprendido um com o outro, sem
falsos orgulhos nem vaidades, mas com o amor fraterno que deve existir entre os
membros do Corpo de Cristo. Lembremos, por fim, que para corrigir, antes é
preciso dar exemplo, e é preciso cultivar um sincero afeto pela pessoa, além de
saber perdoá-la no mais íntimo da alma, conscientes de que nós também erramos.
É preciso que a motivação e a razão da correção seja sempre o querer o bem do
próximo, como quem estende a mão para ajudar. Pense que não é obstáculo para
corrigir com eficácia o fato de sentir dificuldade em fazê-lo. Quase sempre
custa falar de um defeito diretamente com o interessado; é natural que soframos
com o receio de que – ainda que falemos com carinho – o outro não entenda e
possa se melindrar. Rezemos, então, antes de falar, pedindo a Luz e a Fortaleza
do Espírito Santo. Coragem! O mundo só terá a ganhar se nós, cristãos, nos
corrigirmos fraternalmente, uns aos outros. Lembre-se: por mais difícil que
seja, isto é melhor –, infinitamente melhor –, do que calar-se na presença
daquela pessoa, para depois criticá-la pelas costas. Referindo-se aos
comodistas, que preferem calar do que corrigir quando é preciso, disse S. Josemaria
Escrivá (1902-1975): “Talvez poupem desgostos nesta vida, mas põem em risco a Felicidade
eterna – a própria e a dos outros – pelas suas omissões, que são verdadeiros
pecados.” (Forja, n. 577). Nós, Igreja, precisamos de homens e
mulheres de verdade, guerreiros da fé valorosos e destemidos, que saibam
respeitar, sim e sempre, mas igualmente saibam se posicionar e proclamar quem
são, em que creem, pelo que lutam. Rogai por nós, São Miguel, São Jorge, São
Sebastião, Santa Joana d'Arc (1412-1431)! www.ofielcatolico.com.br.
Abraço. Davi
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