sexta-feira, 18 de junho de 2021

O ELIXIR DA VIDA I

 

Espiritualidade. Texto de N. Sri Ram (1889-1973). Livro Em Busca da Sabedoria. Capítulo XV. O ELIXIR DA VIDA I. Um dos fenômenos mais comuns a realizar-se sempre em todo o lugar onde a vida está presente, e que tem profundo significado e importância, é o destino a que está sujeita toda a coisa desde o menor micróbio até o homem, e este fenômeno é a morte. Não gostamos de pensar muito sobre ela porque para a maioria das pessoas constitui uma perspectiva perturbadora: olham-na com pavor e repugnância. Algumas observações profundas foram feitas a este respeito em um artigo publicado em The Theosophist, de outubro de 1881, por Eliphas Levi (1810-1875), para o qual foi dada atenção em uma das cartas dos Mahatmas. Eliphas Levi era um erudito e um abade católico-romano que foi secularizado pela sua igreja porque ela considerava os seus escritos como heréticos. Esses escritos são de uma qualidade mista. Há um livro em particular de sua autoria, intitulado Os Paradoxos da Ciência Oculta, publicado pela Editora Teosófica em Adyar – Índia, a pedido do Senhor C. Jinarajadasa (1875-1953), parte do qual são extremamente sugestivas, mostrando uma visão notável nos assuntos que ele aborda. O artigo em questão faz, entre outras, a afirmação de que “a morte é a dissolução necessária de combinações imperfeitas”. Tudo que percebemos no mundo da forma é realmente uma combinação: consiste de diferentes partes ou elementos. Até mesmo o átomo que conhecemos, e o seu núcleo, foram descobertos pela pesquisa científica como não sendo a coisa indivisível que supostamente era e sim algo deveras divisível. Neste sentido, faz parte da categoria das coisas formadas de alguma maneira que podem ou terão de chegar a um fim em dado momento. Consta que o Buda disse na véspera do dia de sua passagem, que todas as coisas compostas precisam ser decompostas. É apenas aquilo que na última análise não pode ser dividido que é verdadeiramente simples e imperecível. A palavra Mônada, embora não se refira a nada sobre a natureza da matéria como a conhecemos, mas a uma manifestação da Vida Uma ou Espírito, tem esta significação. Conforme concebida na literatura teosófica, ela constitui a essência última de algo que é distinto e individual em sua natureza: existe nela como um ponto de unidade adimensional, que a torna única. Assim ela é indissolúvel. Há uma implicação na afirmação de Eliphas Levi de que quando determinada combinação é perfeita, pode não estar sujeita àquele destino. Por mais perfeita que seja – nada neste mundo imperfeito é absolutamente, impecavelmente perfeito – se for uma combinação, deve ter sido formada de seus elementos – ao menos assim nos parece – e é difícil imaginar que qualquer coisa possa ser formada de tal maneira que jamais venha s ser desfeita depois. Mas talvez aquilo que está implícito seja diferente, e refira-se à forma material visível para nós, mas àquilo que através dela manifesta-se, a alma de sua perfeição, como poderíamos denomina-la, ou o arquétipo divino. O que torna uma coisa perfeita? No nível físico, a forma precisa ser uma combinação de elementos que podem ser movimentos ou linhas e cores, sons e assim por diante, todos da natureza da percepção sensorial. Mas, a partir de um ponto de vista interior, ou para a percepção mais profundamente sensível, a forma merecerá a descrição de “perfeita”, apenas se tiver também a qualidade ou os atributos da beleza, como a proporção, expressão e assim por diante, todos de uma ordem mais intangível. Deve haver harmonia, e não meramente o tipo de ordem que assegura estabilidade por manter unidos os elementos individuais distintos. A harmonia é uma criação ou fato subjetivo estranho, que pode apenas ser sentido ou vivenciado. Constitui a base da beleza. Onde há verdadeira beleza, há uma coalescência de forma e de alma. A forma não mais é algo meramente composto, mas torna-se psicologicamente identificada com o que é expresso, que pode ser um sentimento ou uma qualidade muito sutil. O exemplo mais simples da unidade que pode ser incorporada por algo que é múltiplo em sua constituição é um acorde perfeito na música. As notas permanecem individuais e separadas, mas o sentimento evocado em quem responde àquela beleza não pode ser fragmentado. O mesmo se aplica a todas as outras formas de beleza. As partes existem para revelar a beleza do todo, a qualidade, a perfeição, a divindade do que é expresso. Aquilo que é indissolúvel em uma combinação assim é o que a inspira. As notas que exprimem a beleza do acorde perfeito podem ou não ser soadas, mas a natureza ímpar do acorde permanece como uma realidade subjetiva e pode ser relembrada ou tornar-se manifesta novamente por uma inteligência que dela tem conhecimento. Da mesma maneira o corpo humano, que se desenvolveu através de muitos processos para vir a ser uma vestidura adequada da alma, pode ser deixado e decomposto em seus elementos, mas a alma, se for a alma espiritual, não é um composto e não pode ser dissolvida. Ela pode recolher-se no Espírito, de que é uma expressão, como um círculo de energia através da reversão das forças que o mantém como uma radiação ou impulso a partir do seu centro, podendo recolher-se naquele centro. A possibilidade de uma integração assim perfeita das partes como que manifestarão o tipo de unidade que reside no acorde: sem uma partícula sequer de desarmonia ou dissonância, sem a mínima falha, pode apenas existir em uma natureza da mais alta homogeneidade e adaptabilidade, em que há também um espírito ou instinto de harmonia profundamente arraigados – em outras palavras, apenas na natureza de uma mente e de um coração purificados e sensibilizados, ou a natureza da alma. Qualquer coisa construída da matéria como nós a conhecemos, por mais perfeita que possa se apresentar, provavelmente terá algum pequeno espaço em si para forças de desajuste que trarão como consequência o seu colapso final. A consciência que está totalmente aberta a qualquer forma de harmonia, seja no som, nas cores, no pensamento ou qualquer outra coisa, é assim unificada e integrada; torna-se impregnada com a qualidade que permeia aquela forma. Esta qualidade, absorvida naquela consciência individua, é como uma essência que pertence à substância daquela consciência. Ela não pode tornar-se absolutamente uma com aquela consciência, a menos que a sua natureza esteja inerente naquela consciência como uma potencialidade que pode vir a manifestar-se a qualquer momento. Esta linha de pensamento nos conduz à conclusão de que todas as formas de harmonia, embora cada uma delas seja individual e ímpar, estão latentes na unidade e na aparente monotonia da consciência individualizada em seu estado puro. Cada uma constitui um aspecto da natureza daquela consciência. A monotonia é como a cor branca em que todas as cores distintas estão sintetizadas. O que dá origem a cada forma específica de harmonia na atividade daquela consciência é uma lei ou instinto inato em seu interior similar à de um artista perfeito. Esse instinto pertence à natureza da consciência individualizada em sua pureza; a lei inata é a lei que se obtém em sua liberdade, protegendo-a. Essa consciência, quando em seu estado pristino, não modificado, sempre é um todo. A beleza que a impregna quando encontra um objeto de beleza é a beleza dela evocada. É realmente harmonia que constitui o fundamento comum para sujeito e objeto que superficialmente parecem tão completamente à parte um do outro. A forma de harmonia que surge no campo da consciência como uma realidade subjetiva não é uma combinação imperfeita, mas ela falha quando a energia que a sustém dela se retira. Embora a forma possa deixar de existir, aquilo que estava expresso naquela forma, a sua qualidade essencial, não é perdida, mas permanece como algo distinto, com uma identidade capaz de manifestar-se, não necessariamente no mesmo meio de antes, mas em qualquer meio. Diz-se que um ser humano liberto, que não mais está sob a necessidade de renascer, pode soltar-se não apenas de seu corpo físico, mas também da forma sutil que exprime exatamente a beleza ímpar de sua natureza. Neste último caso, diz-se que ele pode criar à sua vontade esta forma sutil que é sua “própria forma”. Até mesmo quando ele se tiver soltado de sua forma sutil, de modo que ela não se manifesta de forma objetiva, ela terá que ser considerada como existindo em alguma outra condição, sendo portanto, capaz de materializar-se prontamente em um meio que se presta a tal propósito; e se a sua perfeição individual for traçada até sua fonte, talvez se apresente como uma “ideia” divina imperecível. Eliphas Levi continua dizendo que “esta dissolução” de combinações imperfeitas – “é a reabsorção do esboço grosseiro da vida individual no grande trabalho da vida universal”. O homem é um ser complexo. O fenômeno de encarnações repetidas apresenta inevitavelmente diferentes aspectos, considerados em relação aos diferentes tipos de energia nele presente. Olhado do ponto de vista da energia espiritual inicialmente latente em seu interior, mas que ao final deverá tornar-se o fator central e predominante de sua existência, o trabalho a ser realizado constitui em pintar, em termos dos detalhes de sua vida e ação, incluindo todo o pensamento e emoção, a imagem perfeita daquilo que ele deve ser, a imagem de um protótipo preexistente, a ideia divina. Na realização deste trabalho, o seu julgamento, vontade livre e todas as faculdades desenvolvidas no decorrer de sua evolução precisam desempenhar o seu papel e dar a sua contribuição. Assim, aquilo que é criado pela sua livre vontade, originando-se de seus instintos puros e tendências, funde-se em seu predestino. Na verdadeira obra-prima que um artista pinta, usando o seu instinto e julgamento interiores próprios, nenhuma linha poderá ser defeituosa e nenhuma cor poderá estar fora de seu lugar. É concebível que a vida possa ser vivida com uma perfeição assim, expressando, em cada detalhe e no todo, a beleza que constitui a individualidade espiritual do homem, uma beleza atemporal. Apoia-se em torno de uma mudança fundamental que precisa realizar-se em seu interior, mas mesmo antes que esta mudança seja completa, esta ação das correntes espirituais, na medida em que são postas em movimento e que começam a operar em partes da sua natureza. Naturalmente deixariam a sua marca como prenúncios ou traços daquilo que terá de aparecer como o quadro perfeito, traços em forma de um esboço fragmentário ou grosseiro. O esboço superficial produzido em cada vida é apagado pela morte, e apenas partes dele, que podem ser usadas como uma base para uma nova tentativa, permanecem como ideias que podem ser corporificadas no quadro a ser pintado. O restante do esboço, sendo totalmente inaproveitável para o futuro quadro perfeito, é descartado e retoma para a massa cósmica, da mesma maneira como as partes que constituem o corpo físico cremado, após a morte retornam aos elementos da terra, água, ar e assim por diante. “Apenas o perfeito é imortal”, diz Eliphas Levi. O templo da perfeição pode ser construído apenas com o material certo. Helena P. Blavatsky (1831-1891) exprime a mesma verdade quando diz que de todas as experiências de uma vida, apenas uma parte, ou ainda sua essência, a sua qualidade espiritual pura, é assimilada pela individualidade espiritual da pessoa. O resto é rejeitado da mesma maneira que um supervisor pode rejeitar material inadequado. Quando usamos a palavra “qualidade”, ela soa adjetival; a palavra “essencial” possui uma significação substantiva. Mesmo na natureza real das coisas pode não haver uma separação assim entre elas como pensamos. O nosso pensamento raramente percebe a unidade do todo. Vê as partes e as une para compor o todo, mas assim procedendo cria uma lacuna e não consegue apreender a natureza da unidade. A individualidade espiritual é uma mistura perfeita de essências ou de qualidades. Contudo, ela é mais “real” do que qualquer objeto material. Pode ser que o adjetivo contenha a semente do substantivo e possa cria-lo. O sentimento que revolve no coração de um músico cria a canção apropriada. A teoria dos universais de Platão (427 AC 347), dos quais são derivados todos os particulares, tornar-se mais compreensível quando entendermos que uma qualidade é também uma essência que pode moldar uma forma ou tipo a ela ajustável. Isto é, porque o substrato do universo, Svabhavat, para usarmos a palavra budista, é simultaneamente Espírito e Matéria. Eliphas Levi continua com outro pensamento que não pertence a qualquer forma ou combinação, mas à consciência interior: a morte é um “banho no esquecimento”. As suas ideias sobre este assunto são expressas de forma profunda e bela. O que acontece à entidade humana na morte do corpo físico? Gradualmente se desprendem os conteúdos da mente desenvolvida em associação com aquele corpo. O que é expresso na literatura teosófica como pertencente às mudanças que depois se realizam nas condições post-mortem ilustra detalhadamente este processo da dissolução das memórias, camada por camada. Na medida em que determinadas partes desaparecem, outras permanecem, e a consciência é centralizada nelas. Isso realiza-se de acordo com leis psicológicas até que permaneçam apenas memórias de amor, de felicidade imperturbável e outros momentos belos na vida que agora terminou, mas esses sentimentos também desaparecem na medida em que se exaure a energia que lhes aviva. A entidade viva, o homem como é no fim da sua vida física, é transformada nas condições às quais passa na morte, devido ao desgaste da vestidura (ou vestiduras), nas quais então as suas atividades estão centradas, e o desaparecimento das memórias que corporifica. Com o desaparecimento da memória, o apego à memória também desaparece. As memórias permanecem e são ativas apenas enquanto forem reanimadas pelas condições ou experiências das quais se originaram. Quando desaparece o elo com o mundo físico, não há mais o processo reanimador. Visto que todo desejo baseia-se na memória, os desejos que obsedaram ou influenciaram a entidade também desaparecem. Quando este é o caso, é um ser transformado que emerge do processo. Para usar os expressivos termos sânscritos, Kama-manas (desejo-mente), passa a constituir Manas puro. A vestidura é solta quando se torna fragmentada e reduzida a farrapos. Ela representou muito a personalidade anterior, enquanto distinta do Ego sobrevivente, assim denominado porque é uma unidade de consciência e não um ego no sentido estrito da palavra. Tudo, na natureza de uma pessoa, que for construído pelo ambiente, está sujeito ao processo de dissolução. Apenas aquilo que constitui um florescer de dentro, expressando uma natureza diferente não construída, permanece naquele Ego. A entidade que atravessa o processo da morte retoma ao renascimento, tendo esquecido o passado. O passado é complemente eliminado e esquecido e nem sequer um traço permanece na consciência novamente emergente. O indivíduo que retoma é praticamente um ser novo, sem memória do antigo, e assemelha-se muito a uma alma nova que goteja do céu, como algumas pessoas acreditam. O velho foi transformado no novo simplesmente pela desagregação de sua experiência acumulada, e a vida, que é sempre inextinguível, reinicia como um germe de consciência nesta Terra. O germe expande-se muito rapidamente, faz contato com uma coisa após a outra por todos os lados e segue o padrão comum de desenvolvimento, embora não sem variações. Algumas vezes uma criança é precoce, porém mais tarde integra-se em uma rotina normal e estereotipada. Às vezes a planta floresce tardiamente. Nos seus primeiros anos, a criança pode parecer estar nas nuvens, distraída, mas posteriormente chega a um ponto em que a sua qualidade inata precipita-se de forma inesperada. Existem todas as espécies de irregularidades e variações, devido ao fato de que há muitos fatores em cada um de nós, e eles são postos em contato com condições cambiantes. A partir da raiz espiritual imperecível e dos elementos psíquicos sobreviventes e aderentes, brota uma nova árvore da vida, e é este fenômeno do nascimento e do crescimento. Eliphas Levi usa a comparação “uma fonte de juventude, na qual de um lado imerge a velhice e do outro emerge a infância”. O mar do esquecimento contém as águas do rejuvenescimento. O homem idoso que talvez tenha sido difícil e desagradável passa a ser uma criança jovem, dócil, brincalhona e amável – uma transformação incrível. A natureza da vida, quando é incondicionada por qualquer organismo em particular que a limita e condiciona, é diferente de quando está condicionada. As suas qualidades e energias são abafadas e oprimidas pelo organismo no nível do seu próprio funcionamento. A própria vida à parte de qualquer forma com que se revista é eternamente jovem, porém o corpo com o qual se identifica endurece e decai. Quando a vida flui livremente, ela tem uma qualidade muito diferente da que exibe quando obstruída com elementos que penetram sua corrente, turvando-a e encobrindo-a. Vemos a qualidade inata da vida no nível físico apenas em seus primórdios, com as folhas frescas na primavera e o viço de tudo o que é jovem, porque em breve é tolhida pelas mudanças hostis à sua livre expressão. A criança tem uma qualidade de frescor; o jovem, seja menino ou menina, também é assim, não apenas no corpo, mas também na mente. Mas perde progressivamente aquela característica, o homem em idade média, via de regra, mostra muito pouco disso e, na medida em que envelhece, torna-se não apenas evanescido no corpo, mas também mais estabelecido e contraído na mente e no coração, capaz de funcionar apenas dentro de determinados sulcos estreitos. O corpo físico torna-se velho na natureza das coisas, através de reações químicas, deteriorização de células e muitos processo que a sua mente não pode controlar. Ninguém pode reter o envelhecimento do corpo. Talvez o homem esteja destinado a aprender determinadas coisas através das inabilidades que este processo lhe impõe. Mas por que a pessoa torna-se velha internamente? A resposta é que ela é retardada, enrijecida e limitada por aquele processo de acumulação, cujos resultados são eliminados no “banho em esquecimento”. Se observarmos o processo enquanto se realiza durante a vida, pode-se ser capaz de livrar-se dele. É um processo de fixar-se em uma coisa após a outra que lhe dá prazer, porque ele anseia e deseja possuir, seja dinheiro, posição, estima, poder, relações sexuais ou qualquer outra coisa. Livro Em Busca da Sabedoria. Abraço. Davi

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