Xintoismo.bushidor.br. Mitologia e influência na formação da cultura e o caráter do povo japonês. XINTOISMO. Parte VI. Nos Princípios fundamentais da estrutura nacional japonesa, publicados em 1937 pelo Ministério da Instrução Pública, lê-se: o coração de sinceridade é a mais pura manifestação do espírito do homem. Sinceridade significa que de palavras verdadeiras nascem ações verdadeiras. O que é dito pela boca deve certamente se manifestar nas ações... A sinceridade é a fonte de onde provêm a beleza, a bondade e a verdade (m. t. idem). O xintoísmo ensina que apenas pela convivência se pode aprender a ser xintoísta. Não apenas a convivência pessoal é importante no Xintô. O cuidado com as relações sociais daí advindas são igualmente importantes. Para os praticantes das artes marciais japonesas, por ex, o local de treinamento, é como no xintoísmo, terreno merecedor de respeito e reverência. É local de aprendizado e aprimoramento espiritual, para o que as lutas são instrumentos. Praticantes de judô, sumô, kendô ou outra arte marcial de origem nipônica, costumam reverenciar o local da prática e o adversário antes e depois da luta. Nas escolas, antes do início das atividades, alunos e professores também costumam se cumprimentar com uma pequena reverência. Mas não só os esportes sofreram essa influência. As atividades que enlevam o espírito, aproximando do Caminho, têm alto prestígio na sociedade japonesa. Os artistas, calígrafos, monges e poetas figuram nessa categoria. Os artesãos de raro talento são classificados como "tesouros da nação". O professor, aquele que divide com os pais a tarefa da formação dos filhos, desde os tempos feudais, goza de elevado prestígio social e gratidão dos pais, como nos relata Lafcadio Hearn (http://www.nipocultura.com.br/?p=1066) (HEARN, 1984, p. 434-437). Dedicação que constata também Wenceslau ao narrar, espantado, caso de um professor em Tóquio "que para poder sustentar em casa alguns estudantes sem recursos, sustentava-se ele, a si próprio, com o regime exclusivo de batatas!". E prossegue relatando caso de descendentes de antigos senhores feudais que se viam em dificuldades para atenderem às necessidades de muitas das famílias e indivíduos dos seus extintos feudos. Incluindo estudantes pobres; encargo que nenhuma lei escrita impõe, evidentemente, mas que é sugerido por íntimos brios de pundonor, Vindo de longe e ninguém quer eliminar dos usos e costumes (MORAES, op. cit., p. 256). Akira Kurosawa (1910-1998), o cineasta japonês mais conhecido no Ocidente, filmou "Madadayo" em 1993 sobre a vida do professor Hyakken Uchida, seu último trabalho, já em cadeira de rodas. É versão romantizada pelas lentes do cineasta, mas vê-se o relacionamento professor-aluno, puro, bem-humorado, respeitoso. Ao final, a seu modo, o poeta das telas, ciente do seu estado de saúde, se despede do seu público. ( http://www.nipocultura.com.br/?s=madadayo&submit=Pesquisar). Em vez de direitos e prerrogativas, a educação japonesa atribuiu ao nipônico obrigações e deveres com a família, com a sociedade e com a nação (BARROS, op. cit., p. 19). Aos princípios sociais éticos e objetivos do confucionismo juntou-se a ética subjetiva do amor ao próximo do Xintô. Na consciência desse povo, basta-lhe o privilégio não escrito, não declarado, não garantido em lei, mas compreendido e aceito, de morar no seu país com a sua gente. Constata sobre a obrigação do japonês, Benedicto Ferri de Barros (1920-2008), comentarista do jornal "O Estado de S. Paulo". Os japoneses recebem desde o nascimento uma herança de dívidas sociais e crescem sob um código de obrigações que não cessa de aumentar, à medida que eles se desenvolvem pessoal e socialmente. De tal maneira que, iniciando-se como devedores de seus antepassados, passam depois a devedores do pai, em seguida do mestre. Depois de cada um dos seus superiores, e, assim, quanto mais ascendem, mais devedores se tornam. Sendo o imperador o maior devedor de todos os japoneses. Por reciprocidade, cada japonês tenta aliviar os débitos dos que, acima deles, estão acumulados de tamanha responsabilidade (ibidem p. 20). As obrigações assumidas e cumpridas acabam por determinar consensualmente direitos e posições. Não se discute nem se disputam direitos e posições (idem). Como descrito por Offner e Straelen, citados linhas atrás, "o japonês gosta do que não é formulado e contenta-se com sugestões sutis...", o Rescrito Imperial promulgado em 1º de janeiro de 1946, com o país já sob ocupação dos Aliados. Também, genericamente fixa princípios e não normas, ou seja, orienta, mas não especifica. Afirmava que o elo entre o soberano e seu povo, liga, "do primeiro ao último pela confiança e afeição mútuas" (Sakamaki Shunzo in MOORE, op. cit., p.31). Como vemos, não é norma ou lei escrita no sentido ocidental. É, como define Morton, referindo-se à Constituição do príncipe Shotoku (574-622), "uma coleção de máximas provindas principalmente do confucionismo para guiar e estimular pessoas envolvidas no governo" (MORTON, 1984, p.20). Já no primeiro artigo da "Constituição dos 17 Artigos" de 604, o príncipe inscrevera o princípio do "Wa", harmonia, paz, reconciliação (YAMASHIRO, 1986, p. 42). No Decreto Imperial sobre a Educação (Kyôiku Chokugo) promulgado pelo Imperador Meiji (1868-1912) em 1890, nada há de norma específica, declarando apenas valores éticos, o culto às artes, o incentivo à educação. Destacando à ancestralidade, o cuidado que devem ter uns para com os outros: Decreto Imperial sobre a Educação, Sabei vós, meus súditos: Nossos Ancestrais Imperiais fundaram o Nosso Império em uma base ampla e eterna e têm implantado firme e profundamente a virtude; Nossos Súditos sempre unidos na lealdade e piedade filial têm ilustrado de geração em geração a beleza disso. Isto é a glória do caráter fundamental do Nosso Império e inclui-se também a fonte da Nossa educação. Vós, Meus súditos, sede filiais aos seus pais, sede afetuosos com seus irmãos e irmãs; sede harmoniosos como marido e mulher. Como verdadeiros amigos, levai convosco a modéstia e a moderação, estendei a vossa benevolência a todos, prossegui o aprendizado e cultivai as artes. Desenvolvei as faculdades intelectuais e os poderes da perfeita moral, além disso, levai adiante o bem público e promovei interesses em comum, sempre respeitai a Constituição e observai as leis. Quando surgir emergência, devei vos oferecer corajosamente ao Estado, e assim guardar e manter a prosperidade do Nosso Trono Imperial coevo com o Céu e a Terra. Assim vós deveis ser os Nossos bons e fiéis súditos, transmitir as melhores tradições de vossos antepassados. O Caminho traçado aqui é de fato o ensinamento legado pelos Nossos Ancestrais Imperiais, a ser observado pelos Vossos Descendentes e súditos, infalível para todas as idades e verdadeiro em todos os lugares. Esse é o Nosso desejo que seja levado a sério em toda reverência, em comum convosco, Nossos súditos, que nós possamos alcançar a mesma virtude.30º dia do 10º mês do 23º ano de Meiji (Dia 30 de Outubro de 1890). Assinatura Manual Imperial; Selo Imperial (SASAKI, 2009, tese de doutorado disponível em: www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000442741 acesso em 19/11/2012, pag. 29). Na religiosidade desse povo ou antes, no comportamento formado pela religiosidade, por vezes confunde-se o que é de uma ou de outra religião. Mais acertada seria a assertiva de que a religiosidade do nipônico é formada pela mescla das três religiões que mantêm áreas de influência próprias e áreas onde se somam. Há nos contos budistas, fato ocorrido com o monge zen-budista Bankei (1622-1693), tido como grande sábio e cujos retiros eram bastante concorridos, recebendo em seu templo monges do Japão inteiro, interessados nos seus ensinamentos. Numa ocasião os monges descobriram um que era ladrão e foram falar com Bankei, que ouviu pacientemente, mas nada disse e nada fez. Pego novamente furtando dinheiro dos colegas, os monges novamente foram a Bankei, desta vez indignados, exigindo sua retirada como condição para que permanecessem no seminário. Bankei novamente ouviu-os com paciência, dizendo-lhes ao final do relato: "− vocês podem abandonar o seminário, podem ir embora, porque já sabem a diferença entre o certo e o errado, mas eu ficarei com esse monge, que aqui veio para aprender e ainda não sabe a diferença". E o monge errante chorou copiosamente, perdendo a compulsão pelo furto. O budismo prega a benevolência e a compaixão, mais subjetivas, mais próximas do homem, mas sob a ampla, objetiva e genérica óptica xintoísta, removeu-se a nódoa, a mancha, que como uma ilusão, obstava a manifestação do coração claro e puro do monge errante, ou seja, o monge voltou novamente a trilhar o Caminho, voltou ao seu estado natural de bondade, permitiu ao seu kami interior se manifestar. (http://pt.scribd.com/doc/89138298/Contos Zen-Budistas - conto 12 - acessado em 19/11/2012). O reconhecimento da bondade natural do ser humano ou na sua capacidade de regeneração, é o que muda também completamente o homem e o destino de Jean Valjean, trazido ao convívio do amor humano pela acolhida do benevolente bispo Bien venu que se recusa a ver no ex-presidiário o ladrão, mas apenas o homem digno, sob cujas vestes rotas se abrigava um bom coração. Em meio a um mundo de penúria e sofrimento, são as personagens que vêm a lume sob a pena humanitária de Victor Hugo (1802-1885) em "Os Miseráveis", fazendo com o calor humano o contraponto à miséria social e econômica que permeiam o romance. "A bondade em palavras cria confiança, a bondade em pensamentos cria profundidade, a bondade em dádiva cria amor", dizia Lao-Tsé, fundador do taoísmo de cujas raízes ideológicas medrou o xintoísmo. Do amor às belezas da Natureza teria surgido esse amor ao ser humano, segundo Nakamura Hajime (in MOORE, op. cit., p. 145). Extensivo aos elementos da Natureza, também aos animais, devotasse-lhes idêntico tratamento. Relata-nos Wenceslau: "mas o camponês trata o boi como um irmão de trabalho, não como um quadrúpede escravizado. Com o boi se entende pela palavra e pelo gesto, conversa mesmo com ele sobre coisas de lavoura, nunca se lembrou de construir um aguilhão" (MORAES, op. cit., p. 54-55). A Associação dos santuários xintoístas (Jinja Honchô) resumiu a fé xintoísta: 1. Ser grato às bênçãos divinas e aos benefícios dos ancestrais. Ser diligente na observação dos rituais xintoístas, executando-os com sinceridade, regozijo e pureza do coração. 2. Servir ao próximo sem pensar em recompensa e buscar largamente o desenvolvimento da vida neste mundo, como desejado pela vontade divina. 3. Unir-se uns aos outros em harmonioso reconhecimento da vontade do imperador. Orando para que o país possa prosperar e que outros povos também possam viver em paz e prosperidade (Ueda Kenji in TAMARU et alii, op. cit., p. 31). O cristianismo no Japão. A ausência no xintoísmo de um ser único, absoluto, que enfeixa todo o poder como no cristianismo, constituiu-se na dificuldade de se compreender o deus do monoteísmo ocidental (OSHIMA, 1992, p. 28). Acostumado a uma relação aberta, livre, sem regras morais, coletiva, pacífica, harmoniosa com outras religiões, com ligações a vários deuses, invisíveis ou corporificados em objetos ou na Natureza. Deve ter lhe parecido estranha a promessa de uma vida melhor, proporcionada por um único e diferente deus, cujo monopólio da salvação se dá pelas suas regras. Deve ter causado não apenas estranheza, mas espanto um "Deus ciumento dono absoluto dos destinos do homem, cuja justiça sem misericórdia, envolve o inferno e o eterno tormento", o que seguramente fez os nativos, reticentes diante de tão "terrível ensinamento" (HITCHCOCK, op. cit., p. 509). Mas a maior dificuldade na aceitação do cristianismo constituiu-se no abandono de seus ancestrais. Que não seriam salvos por não terem seguido os mandamentos, e, portanto, destinados ao fogo do Inferno (YUSA, op. cit., p.73. O choque das crenças, que obrigava o nativo a abjurar seu credo e promover a destruição de templos e santuários. Incentivados pelos religiosos cristãos como prova da aceitação do novo credo como o único verdadeiro, contribuiu também para a impopularidade da cristianização. Culminando com o edito do kanpaku Hideyoshi Toyotomi (1537-1598) que acabou expulsando os cristãos Ocidentais das terras japonesas: "é inaudito que os missionários obriguem as pessoas a converterem-se à sua fé e as incitem a demolir templos e santuários" (ibidem p. 70). Relata-nos Lafcadio Hean (1850-1904) sobre o assunto: Lemos nas histórias das missões sobre daimyôs convertidos queimando milhares de templos budistas, destruindo incontáveis obras de arte e matando monges budistas. Encontramos ainda escritores jesuítas louvando suas cruzadas como evidência do santo zelo (m. t. HEARN, 1984, p. 306). São dessa época as palavras de um desiludido pensador católico japonês, Fabian Fukan (1565-1621): Os cristãos dizem que os fenômenos do mundo natural nos mostram a existência de seu Deus Criador. A mudança das estações também nos indica a existência do Autor Sábio que causa a mudança, mas, que há de extraordinário no mundo da natureza? Não há nada de extraordinário! Tudo funciona naturalmente. Seja Lao Tse, Confúcio, Buda ou o Xintoísmo, todos eles nos explicam a origem do mundo cada um à sua maneira. Por que os cristãos se creem os únicos conhecedores do Criador do Universo? Desde a antiguidade, todos os filósofos e os santos nos vieram explicando a mesma lei. Não há razão alguma pela qual o ensinamento do Deus cristão seja superior ao de Confúcio, Buda ou ao de Lao Tse (apud in OSHIMA, op.59. Página 35. Abraço. Davi.
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