quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

O ALTRUISMO E AS SEIS PERFEIÇÕES. Parte I

Budismo. Livro Bondade, Amor e Compaixão. Por Tenzin Gyatso – O Dalai Lama (1935 - ). O ALTRUISMO E AS SEIS PERFEIÇÕES. Parte I. O principal tema do budismo é o altruísmo, baseado na compaixão e no amor. O sentimento de compaixão é importante, sejamos ou não crentes, pois todas as pessoas compartilham ou sentem o valor do amor. Quando somos crianças, nós, seres humanos, dependemos muito da bondade dos nossos pais. Sem sua afeição seria difícil sobreviver. Quando chegamos a uma idade avançada, necessitamos, mais uma vez, da bondade alheia – dependemos dela. Entre essas duas fases – a infância e a velhice, nos tornamos bastante independentes. Sentimos que por não depender dos outros, não necessitamos praticar a bondade. Isso é errado. Aqueles que estão envolvidos na prática da compaixão se sentem muito mais felizes interiormente, mais calmos, mais tranquilos, e as outras pessoas retribuem esse sentimento. A verdadeira paz, amizade e confiança são impossíveis de se obter por meio de um sentimento hostil. Entretanto, por meio do amor podemos desenvolver a compreensão, a união, a amizade e a harmonia. Desse modo, a bondade e a compaixão são as coisas mais importantes, preciosas e valiosas. Os seres humanos possuem um cérebro sofisticado e, como resultado, tem desenvolvido um grande progresso material. Contudo, se equilibrarmos o desenvolvimento externo com o interno, poderemos usar as coisas materiais de maneira correta. Como a compaixão e o altruísmo são tão importantes, darei algumas explicações do ensinamento budista a respeito de como praticá-lo. A espécie de boa atitude, à qual estou me referindo é um sentimento que temos quando, defrontados com a escolha entre nossa própria felicidade e a do outro, optamos pela felicidade alheia. Acalentar os interesses do próximo em detrimento dos nossos é algo que não pode ser desenvolvido, imediatamente. Necessário se faz um treinamento. No budismo, existem duas técnicas fundamentais para se alcançar essa atitude altruísta. Uma é a chamada “estabilização e mudança do eu e do outro”. A outra é chamada de “as sete instruções quintessenciais de causa e efeito”. No que diz respeito a primeira, a teoria do renascimento não é necessária, ao passo que na última, o é. Como já expliquei anteriormente a primeira , falarei hoje sobre as sete instruções quintessenciais de causa e efeito. Para desenvolver uma forte consideração pela felicidade e bem-estar alheios, é preciso adotarmos uma especial atitude altruísta, na qual assumimos a responsabilidade de ajudar aos outros. Para gerar uma atitude tão incomum, é necessário ter fuma grande compaixão. Preocupar-se com o sofrimento do próximo, e quere fazer alguma coisa a respeito. Para sentir uma tal compaixão devemos, em primeiro lugar, ter um vigoroso sentimento de amor que, ao perceber o sofrimento dos seres sencientes, venha a fazer com que almejemos sua felicidade. Tal como uma mãe procede com seu único e amado filho. Para que possamos ter um sentimento de proximidade e de apreço pelos outros, devemos primeiramente nos acostumar a sentir a bondade, adotando como modelo. Uma pessoa que tenha sido muito bondosa conosco nesta vida, e depois estendendo essa sensação de gratidão a todas as criaturas. Como, em geral, nossa mãe é o ser mais próximo e aquele que mais nos auxiliou, o processo de meditação começa com o reconhecimento de todos os outros seres sencientes como se fossem nossa mãe. Esse sistema de meditação passa por sete etapas: 1. Reconhecer todos os seres sencientes como mãe. 2. Ficar atentos a bondade deles. 3. Desenvolver a intenção de retribuir essa bondade. 4. O amor. 5. A compaixão. 6. A atitude incomum. 7. A intenção altruísta de se tornar iluminado. Para realizar esta meditação, é preciso conhecer o processo do renascimento. O motivo final que mostra a existência do renascimento é que a nossa consciência, por ser uma entidade de mera luminosidade e conhecimento, deve ser formada a partir de um momento de consciência anterior. Uma entidade luminosa e sábia previamente existente. Não é possível que a consciência seja produzida tendo a matéria como sua causa substancial. Uma vez que ela tem origem num momento anterior da consciência, não se pode estabelecer um começo para o seu continuum. Desse modo, o tipo mais geral e mais sutil de consciência não possui começo nem fim. Com base nisso, fica demonstrado o renascimento. Uma vez que os renascimentos são necessariamente infinitos, todas as pessoas já tiveram conosco um relacionamento como o da nossa mãe na vida presente. Para poder praticar esse reconhecimento, é preciso, inicialmente, ter uma mente equânime. Comecemos por perceber que em nossa mente classificamos as outras pessoas em três categorias básicas: amigos, inimigos e relacionamentos neutros. Assim sendo, adotamos três diferentes atitudes com relação a elas: desejo, ódio e uma indiferença indolente. Com essas atitudes, é impossível gerar uma conduta altruísta, consequentemente, torna-se importante neutralizar o desejo, o ódio e a indiferença. Para isso, devemos refletir a respeito do renascimento. Como nossos nascimentos não tem início, seu número é ilimitado. Assim, não podemos ter certeza de que aqueles que agora são nossos amigos sempre o foram no passado. Os que ora são nossos inimigos sempre o foram em outras épocas. Mesmo em termos de nossa vida atual, existem pessoas que em dado momento forma hostis a nós e mais tarde se transformaram em amigos, e vice-versa. Desse modo, não há sentido em considerarmos alguém unicamente como amigo e alguém mais apenas como inimigo. Quando encaramos as coisas assim, a concepção de que algumas pessoas são amigas e outras inimigas, e o consequente surgimento do desejo e do ódio, começa a tornar-se mais débil. Imaginemos a nossa frente três pessoas: um amigo, um inimigo e uma neutra. Enquanto as observamos, consideremos que não há nenhuma certeza de que qualquer uma delas sempre nos ajudará ou, pelo contrário, sempre nos fará mal. É importante proceder a essa meditação visando pessoas específicas e não apenas seres sencientes em geral. Sendo que a imagem destes últimos é por demais vaga para produzir a mudança de atitude aplicável a pessoas específicas. Gradativamente, uma sensação de equanimidade – imparcialidade, se desenvolve com relação as três pessoas aludidas. Depois disso poderemos, devagar, estender esse sentimento para outras criaturas. Depois de passarmos por essa mudança, temos de considerar que, como todos os nascimentos não tiveram um início, portanto são limitados em número, cada indivíduo já foi nosso melhor amigo. Nosso pai, nossa mãe, ou tivemos com ele outros laços, no decorrer das nossas vidas. Tomando essa constatação como base, poderemos desenvolver uma conduta em que consideramos todos os seres sencientes como nossos amigos. Vamos pensar, então, na bondade que cada um deles nos proporciona quando foram nossos pais. Sendo nossa mãe ou nosso pai, em geral, nossos melhores amigos, protegeram-nos com zelo. Exatamente como nossos pais nesta vida fizeram quando éramos pequenos. Uma vez que não há diferença entre o fato de as pessoas que foram bondosas terem expressado essa bondade há pouco ou muito tempo. Todos os seres já foram bondosos nesta existência ou em vidas passadas, são todos igualmente bondosos. Além disso, mesmo que o próximo não tenha sido nosso pai, demonstrou muita bondade para conosco. Sim, porque devemos a maior parte das boas qualidades que possuímos a outras pessoas. Como explicarei a seguir, a prática das seis perfeições depende quase totalmente de outros seres sencientes. Da mesma forma, a prática inicial da ética, o abandono das dez não virtudes: matar, roubar, o mau procedimento sexual, mentir, criar a discórdia por meio da palavra, dizer palavras rudes, tagarelar sem finalidade, cobiçar, ter intenções nocivas e opiniões falsas. Se faz, em sua maior parte, na relação com outros sencientes. E ainda, em nossa vida atual, o conforto que temos, belos prédios, estradas, e tudo mais, é produzido por outras pessoas. Para que nos tornemos iluminados, precisamos nos engajar na prática da paciência, e para desenvolver a paciência precisamos de um inimigo. Assim sendo, os inimigos são muito valiosos. Se examinarmos o assunto em profundidade e detalhadamente, mesmo os grandes inimigos que durante certo tempo apenas nos prejudicaram, terminaram por nos causar um grande bem. A razão disso é que, com um inimigo, podemos aprender a verdadeira tolerância e a paciência, ao passo que com um mestre religioso ou com nossos pais o poder da nossa tolerância não consegue ser testado. Apenas quando nos defrontamos com a atividade dos inimigos conseguimos aprender o que é a autêntica força interior. Sob este ponto de vista, os adversários são professores de força interior, coragem e determinação. Por possuirmos um inimigo, podemos também nos aproximar mais da realidade, ficando livres da vaidade. Quando praticamos o altruísmo, os adversários não podem ser negligenciados, devemos tê-los em maior conta ainda. Assim, em vez de nos zangarmos com eles, devemos pensar em retribuir-lhes a bondade, pois é preciso recompensar todo o bem que nos tenha sido concedido. Não o retribuir seria ignóbil. Depois de percebermos a bondade alheia, nasce um sentimento que faz com que queiramos retribui-la. Como fazer isso? O passo imediato é gerar uma atmosfera de amor, desejando que todos os seres sencientes seja feliz, e que aqueles desprovidos de ventura venham a atingir um estado de felicidade junto as causas que o geram. Quanto mais contemplarmos tudo e todos com amor, descobrindo uma qualidade agradável em todas as pessoas que encontramos e tratando-as com carinho, mais desenvolveremos a próxima etapa. Essa é a compaixão, que é o desejo de que o outro se liberte do sofrimento e de todas as suas causas. O crescimento progressivo do amor e da compaixão envolve nossa mudança de conduta, desse modo, os seres que são objeto desses sentimentos continuam sofrendo. Assim, após gerar o amor e a compaixão, é preciso fazer com que tais atitudes se estendam para além do seguinte pensamento. Como seria bom se eles se libertassem do sofrimento e de suas causas, e passassem a possuir a felicidade e o que a suscita. O próximo passo é desenvolver um pensamento mais resoluto. Farei com que eles se libertem do sofrimento e de suas causas e passem a ser contemplados com a felicidade e o que a suscita. Desenvolvemos, assim, a forte determinação de não apenas gerar essas boas atitudes mentais, mas de, efetivamente, libertar os seres sencientes da dor, firmando-os na felicidade através do nosso próprio esforço. Tão elevada intenção nos dotará da coragem maior de assumir a grande responsabilidade de elar pelo bem-estar de todas as criaturas sencientes. Ao dispormos dessa força mental, não importa quão grande sejam as adversidades, nosso senso de determinação e de coragem se tornará enorme. As adversidades darão força à nossa determinação. A coragem é importante não apenas para os que praticam a religião, mas também para quaisquer outras pessoas. O ditado que diz que onde existe a vontade existe uma forma de se atingir o que se quer é realmente verdadeiro. Se, quando nos defrontarmos com uma situação difícil, nossa vontade ou nossa coragem minguarem e cairmos na indolência de nos sentirmos inferiores. Pensando que não poderemos de modo algum leva a cabo uma tarefa tão difícil. Abraço. Davi

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