domingo, 29 de dezembro de 2024

O MISTÉRIO DO GÓLGOTA

 

Fraternidade Rosa Cruz. www.fraternidaderosacruz.net. "A Bíblia foi dada ao Mundo Ocidental pelos Anjos do Destino, que dão a cada um e a todos exatamente aquilo que necessitam para o seu desenvolvimento.” Max Heindel (1865-1919). Lição nº 16. O MISTÉRIO DO GÓLGOTA. 

 

Referências : Mateus 27, 28 "E, despindo-o o cobriram com uma capa de escarlate". Marcos 15, 16 "E os soldados o levaram dentro à sala, que é a da audiência e convocaram toda a corte". Lucas 23, 24 "Então Pilatos julgou que devia fazer o que eles pediam". João 19, 19-22. "E Pilatos escreveu também um título e pô-lo em cima da cruz. E nele estava escrito: Jesus Nazareno o Rei dos Judeus. E muitos dos judeus leram este título. Porque o lugar onde Jesus estava crucificado era próximo da cidade. E estava escrito em hebraico, grego e latim. Diziam, pois, os principais sacerdotes dos judeus a Pilatos: Não escrevas: O Rei dos Judeus, mas que ele disse: Sou o Rei dos Judeus". Respondeu Pilatos: O que escrevi, escrevi".

 

Durante os últimos 2.000 anos, muito tem sido dito sobre “o sangue purificador”. O sangue de Cristo tem sido enaltecido dos púlpitos como o soberano remédio para o pecado: o único meio de redenção e salvação. Mas, se as leis de Renascimento e de Consequência atuam de tal modo que os seres em evolução colhem aquilo que semearam, e se o impulso evolutivo constantemente eleva a humanidade cada vez mais alto até alcançar a perfeição, onde está então a necessidade de redenção e salvação? Mesmo que existisse essa necessidade, como poderia a morte de um indivíduo ajudar os demais? Não seria mais nobre cada um sofrer as consequências dos próprios atos do que esconder-se por trás de um outro? Estas são algumas das objeções à doutrina da expiação e redenção vicárias pelo sangue de Cristo Jesus. Vamos tentar respondê-las antes de demonstrar a harmonia lógica entre a operação da Lei de Consequência e a Expiação de Cristo. Em primeiro lugar, é absolutamente verdadeiro que o impulso evolutivo atua até todos alcançarem a máxima perfeição, mesmo que existam alguns que constantemente se atrasem. No momento presente, acabamos de passar pelo ponto máximo da materialidade e avançamos através das dezesseis raças. Estamos trilhando “os dezesseis caminhos da destruição” e, consequentemente, corremos um perigo maior de cair e ficar para trás como em nenhum outro ponto da jornada evolutiva. No abstrato, o tempo não existe. Um certo número de seres deve se atrasar tanto que deverá ser abandonado, para retornar seu avanço evolutivo num outro esquema onde possa continuar em sua jornada para a perfeição. No entanto, não foi esse o esquema originalmente planejado para esses atrasados; por isso, é razoável supor-se que as exaltadas Inteligências encarregadas de nossa evolução empreguem todos os meios para salvar tantos daqueles a seu cargo quanto for possível. Na evolução comum, as leis de Renascimento e de Consequência são perfeitamente adequadas para levar à perfeição a maior parte da onda de vida, mas não são suficientes no caso dos atrasados das várias raças. Durante a etapa do individualismo, que é o ponto culminante da ilusão e da separatividade, todo o gênero humano precisa de ajuda extra, mas aos atrasados é necessário acrescentar um auxílio especial. Dar esse auxílio especial para redimir os atrasados foi a missão de Cristo. Ele disse que veio para buscar e salvar aqueles que se haviam perdido. E abriu o caminho da Iniciação a todos os que quisessem buscá-lo. Mas nem todos estão precisando de salvação. Cristo sabia que um número muito grande de Egos não precisa de salvação especial, mas, tão certo quanto 99% são conduzidos pelas leis de Renascimento e de Consequência para atingirem a perfeição através delas, assim também há “pecadores” tão “afundados “ na matéria que daí não podem escapar sem o auxílio de uma corda. Cristo veio para salvá-los e trazer a paz e a boa-vontade a todos, elevando-os ao necessário ponto de espiritualidade, e causando uma mudança nos seus corpos de desejos que tornará mais potente a influência do Espírito de Vida nos seus corações. Os irmãos mais novos de Cristo, os Espíritos Solares - os Arcanjos - haviam atuado como espíritos de Raça no corpo de desejos do homem, mas a atuação deles tinha sido de fora. Era simplesmente um reflexo da força espiritual do Sol vinda através da Lua - assim como o luar é luz solar refletida. Cristo, o mais elevado Iniciado dos Espíritos do Sol, entrou diretamente no corpo denso da Terra, trazendo a força direta do Sol, o que capacitou-o a influenciar de dentro os nossos corpos de desejos. Assim também acontece com os impulsos espirituais que ajudam o homem a evoluir. A Terra foi expelida do Sol porque a nossa humanidade não podia suportar seus tremendos impulsos físicos e espirituais. Mesmo depois de uma enorme distância ter sido colocada entre a Terra e o Sol, o impulso espiritual ainda seria demasiado forte se não fosse enviado primeiramente à Lua, para ser usado por Jeová (Regente da Lua) em benefício do Homem. Um certo número de Arcanjos viera ajudar Jeová a refletir esses impulsos espirituais do Sol sobre a humanidade terrestre, na forma de Jeovíticas Religiões de Raça. O veículo mais inferior dos Arcanjos é o corpo de desejos. Nosso corpo de desejos foi-nos acrescentado no Período Lunar, no qual Jeová era o mais Alto Iniciado. Por conseguinte, Jeová é capaz de lidar com o corpo de desejos do Homem. O veículo mais inferior de Jeová é o Espírito Humano, cuja contraparte é o corpo de desejos. Por isso, eles são habilitados a trabalhar com a humanidade, preparando-a para a época em que ela poderá receber os impulsos espirituais diretamente da Esfera Solar sem a intermediação da Lua. Sobre Cristo, o mais Alto Iniciado do Período Solar, recai a tarefa de enviar esse impulso. O impulso que Jeová refletia era enviado por Cristo, que assim preparava a Terra e a humanidade para o Seu ingresso direto. A expressão “preparou a Terra” significa que toda evolução num planeta é acompanhada pela evolução do próprio planeta. Se algum observador, dotado de visão espiritual e situado em uma estrela distante, tivesse acompanhado a evolução de nossa Terra, teria notado uma mudança gradual no seu corpo de desejos. Sob a velha dispensação, os corpos de desejos das pessoas geralmente eram melhorados mediante a Lei. Este trabalho ainda continua na maioria dos humanos, que se preparam assim para a vida superior. A Vida Superior (Iniciação), contudo, não começa antes de iniciar-se o trabalho no corpo vital. O meio utilizado para acionar-se esse trabalho é o Amor, ou melhor, o Altruísmo. Tem-se abusado tanto da palavra amor, que ela já não transmite o sentido que este assunto requer. Durante a velha dispensação, o caminho iniciático não era livre nem aberto, a não ser para una poucos eleitos. Os Hierofantes dos Mistérios congregavam certas famílias perto do Templo, mantendo-as separadas de todas as outras pessoas. Essas famílias selecionadas eram então rigorosamente vigiadas no que concerne a certos ritos e cerimônias. Seus matrimônios e relações sexuais eram regulados pelos Hierofantes. O efeito disto foi a produção de uma raça com o grau apropriado de afrouxamento entre os corpos denso e vital, e o de despertar o corpo de desejos do seu estado de letargia durante o sono. Desta maneira, uns poucos especiais adequavam-se à Iniciação, sendo-lhes dadas oportunidades que não podiam ser concedidas a todos. A Missão de Cristo, além de salvar os perdidos, era tornar a Iniciação possível a todos; por conseguinte, Jesus veio da gente simples e, embora não pertencesse à classe dos mestres, Seus Ensinamentos foram superiores aos de Moisés. Cristo Jesus não negou Moisés, nem a Lei, nem os profetas. Pelo contrário, reconheceu a todos, demonstrando que eles testemunhavam a Seu respeito quando diziam que Ele era Aquele que havia de vir. Dizia ainda ao povo que aquelas coisas já haviam servido ao seu propósito, e que, dali em diante, o Amor devia substituir a Lei. Cristo Jesus foi morto. Relativamente a este fato, chegamos à suprema e fundamental diferença entre Ele e os mestres anteriores, através dos quais os Espíritos de Raça atuavam. Todos eles morreram, devendo renascer repetidas vezes para ajudar seus povos a cumprir seus destinos. O Arcanjo Miguel arrebatou Moisés, que foi levado ao Monte Nebo para morrer. Moisés renasceu como Elias. Elias renasceu como João Batista. Buda morreu e renasceu como Shankaracharya. Shri Krishna disse: “Onde quer que haja decadência do Dharma e exaltação do Adharma, eu próprio venho para proteger os bons e destruir os maus, a fim de estabelecer firmemente o Dharma. Eu nasço de tempos em tempos”. Quando a morte chegou, o rosto de Moisés resplandeceu e o corpo de Buda iluminou-se. Todos eles haviam alcançado o estado em que o Espírito começa a brilhar de dentro, mas então morreram. Cristo Jesus alcançou este estado no Monte da Transfiguração. É muitíssimo significativo que Sua obra real teve lugar logo depois desse acontecimento. Ele sofreu, foi morto e ressuscitou. Ser morto é muito diferente de morrer. O sangue que havia sido veículo do Espírito de Raça devia derramar-se e ser purificado daquela influência contaminadora. O amor ao pai e à mãe com exclusão de todos os outros pais e mães devia passar, pois, de outro modo, a Fraternidade Universal e o multi-abrangente Amor altruísta nunca poderiam tornar-se uma realidade. Quando o Salvador Cristo Jesus foi crucificado, Seu corpo foi trespassado em cinco pontos, nos cinco centros pelos quais fluem as correntes do corpo vital, e a pressão da coroa de espinhos produziu um fluxo no sexto centro. Quando o sangue se derramou desses centros, o grande Espírito Solar de Cristo libertou-se do veículo físico de Jesus e se encontrou dentro da Terra, sem veículos individuais. Os já existentes veículos planetários foram interpenetrados pelos Seus próprios veículos, e, num piscar de olhos, Ele difundiu Seu próprio corpo de desejos no planeta, o que lhe possibilitou dali, por diante, trabalhar sobre a Terra e sua humanidade de dentro. Naquele momento, uma tremenda onda de Luz Espiritual Solar inundou a Terra. E, então, rasgou-se o véu que o Espírito de Raça havia anteposto à entrada do Templo, para manter do lado de fora todo aquele que não fosse um dos poucos escolhidos, e isso deixou aberto o caminho da Iniciação a todos os que, dali por diante, quisessem nele entrar. No que concerne aos Mundos Espirituais, essa onda transformou as condições da Terra num relâmpago, mas as condições densas, concretas, são afetadas de modo muito mais lento. Como toda vibração elevada e intensa luz, essa grande onda cegou o povo no seu deslumbrante e ofuscante brilho pelo que se disse que “o Sol escureceu”. O que aconteceu foi exatamente o contrário: o Sol não escureceu, mas brilhou com glorioso esplendor. Foi o excesso de luz que cegou a humanidade, e só quando a Terra inteira absorveu o corpo de desejos do brilhante Espírito Solar pôde a vibração baixar a um nível normal. A expressão “o sangue purificador de Cristo Jesus” significa que, quando o sangue verteu no Calvário, levava consigo o grande Espírito Solar de Cristo, o qual, por esse meio, garantia Sua admissão na própria Terra, sendo o Regente desta desde aquele momento. Ele difundiu Seu próprio corpo de desejos por todo o planeta, purificando-o deste modo de todas as más influências desenvolvidas sob o regime dos Espíritos de Raça. Sob a Lei, todos pecavam e, mais ainda, não podiam ser ajudados. Eles ainda não haviam evoluído até o ponto de poderem praticar o bem por Amor. A natureza de desejos era tão forte que lhes era impossível dominá-la, pelo que suas dívidas, geradas sob a Lei de Consequência, acumulavam-se em proporções monstruosas. A evolução ter-se-ia atrasado terrivelmente, e muitos ficariam perdidos para nossa onda de vida se não fossem ajudados. Portanto, Cristo veio para “buscar e salvar aquele que estava perdido”. Ele tirou os pecados do mundo com o Seu sangue purificador, que Lhe permitiu entrar na Terra e na humanidade. Ele purificou as condições da Terra, de modo que lhe devemos a possibilidade de atrair para os nossos corpos de desejos matéria de desejos mais refinada que antes. Cristo continua nos ajudando, trabalhando para que nosso ambiente externo fique cada vez mais puro. Que isto foi e esteja sendo feito à custa de um grande sofrimento para Ele próprio, não se pode duvidar, bastando ao menos conceber as limitações suportadas por esse Grande Espírito ao entrar nas restritivas condições da existência física, mesmo no melhor e mais puro veículo possível. Nem a Sua atual limitação como Regente da Terra é menos dolorosa. Ele é também Regente do Sol, e, portanto, está confinado à Terra só parcialmente; mesmo assim, as limitações estabelecidas pelas restritas ou baixas vibrações do nosso planeta denso devem ser para Ele quase insuportáveis. Se Cristo Jesus tivesse simplesmente morrido, teria sido impossível para Ele executar esta obra. Mas os Cristãos têm um Salvador ressuscitado; Um que está sempre presente para ajudar aqueles que invoquem o Seu nome. Tendo sofrido como nós em todas as coisas e conhecido plenamente as nossas necessidades, Ele é indulgente para com nossos erros e fracassos enquanto continuemos tentando viver para o Bem. Devemos ter sempre em mente o fato de que “o único e verdadeiro fracasso é parar de tentar”. Após a morte do corpo denso de Cristo Jesus, o átomo-semente desse corpo foi devolvido ao seu primeiro dono, Jesus de Nazaré, que, ainda por algum tempo funcionando em corpo vital que havia obtido temporariamente, ensinou o ponto central da nova fé que Cristo havia deixado aqui. Jesus de Nazaré encarregou-se, desde então, de guiar as sociedades esotéricas que se espalhavam por toda a Europa. Em muitos lugares, os Cavaleiros da Távola Redonda eram alto iniciados nos Mistérios da Nova Dispensação. A mesma coisa eram os Cavaleiros do Graal, a quem finalmente foi confiado o cálice do Graal 3 por José de Arimatéia, cálice esse que havia sido usado por Cristo Jesus na Última Ceia. Depois, foi-lhes confiada também a lança que trespassou-Lhe o flanco e o receptáculo que recebeu o sangue dos ferimentos. Os Druidas da Irlanda e os Trottes do norte da Rússia foram escolas esotéricas através das quais o Mestre Jesus trabalhou durante a assim chamada “Idade das Trevas”, porém, mesmo sendo tenebrosa como era, o impulso espiritual espalhava-se de maneira que, sob o ponto de vista da ciência oculta, ela foi uma “Idade Brilhante” comparada ao crescente materialismo dos últimos trezentos anos, nos quais o conhecimento científico aumentou imensamente, mas quase desapareceu a Luz do Espírito.

 

Estude cuidadosamente esta lição e depois responda, de forma clara e concisa, às perguntas formuladas a seguir. Mande-nos suas respostas, não se esquecendo nunca de mencionar seu nome e endereço completos. Elas serão examinadas e devolvidas com a lição seguinte. 1 - O que significam os dezesseis caminhos da destruição? 2 - Para a “salvação” de quem Cristo veio especialmente? 3 - Explique como a vinda de Cristo tornou a Iniciação, ou a vida superior, possível para todos. 4 - Qual a razão para a crucificação de Cristo Jesus? 5 - Explique o que verdadeiramente teve lugar na crucificação. 6 - Qual tem sido o trabalho de Jesus desde a crucificação. 7 - Qual o grande perigo para a humanidade nos últimos trezentos anos? www.fraternidaderosacruz.net. Abraço. Davi

 

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

FETICISMO

Psicanálise. Livro O Futuro de uma Ilusão, o Mal-Estar na Civilização e outros trabalhos. Escrito por Sigmund Freud (1856-1939). FETICHISMO. Nos últimos anos tive oportunidade de estudar analiticamente certo número de homens cuja escolha objetal era dominada por um fetiche (1). Não é preciso esperar que essas pessoas venham à análise por causa de seu fetiche, pois, embora sem dúvida ele seja reconhecido por seus adeptos com uma anormalidade. Raramente é sentido por eles como o sintoma de uma doença que se faça acompanhar por sofrimento. Geralmente, mostram-se inteiramente satisfeitos com ele, ou até mesmo louvam o modo pelo qual lhes facilita a vida erótica. Quase sempre, portanto, o fetiche aparece na análise como uma descoberta subsidiária. Por motivos evidentes, os pormenores desses casos não podem ser publicados, por conseguinte, mostrar de que maneira as circunstâncias acidentais contribuíram para a escolha de um fetiche. O caso mais extraordinário pareceu-me ser aquele em que um jovem alçou certo tipo de “brilho do nariz” a uma precondição fetichista. A explicação surpreendente para isso era a de que o paciente fora criado na Inglaterra, vindo posteriormente para a Alemanha, onde esquecera sua língua materna quase completamente. O fetiche originado de sua primeira infância, tinha de ser entendido em inglês, não em alemão. O “brilho do nariz” em alemão “Glanz auf der Nase” era na realidade um vislumbre – glance – do nariz. O nariz constituía assim o fetiche, que incidentalmente, ele dotara, à sua vontade, do brilho luminoso que não era perceptível a outros. Em todos os casos, o significado e o propósito do fetiche demonstraram, na análise, serem os mesmos. Ele se revelou de modo tão natural e me pareceu tão compelativo que me sinto preparado para esperar a mesma solução em todos os casos de fetichismo. Ao enunciar agora que o fetiche é um substituto para o pênis, decerto criarei um despontamento, de maneira que me apresso a acrescentar que não é um substituto para qualquer pênis ocasional. E sim para um pênis específico e muito especial, que foi extremamente importante na primeira infância, mas posteriormente perdido. Isso equivale a dizer que normalmente deveria ter sido abandonado, o fetiche, porém, se destina exatamente a preservá-lo da extinção. Para expressá-lo de modo mais simples, o fetiche é um substituto do pênis da mulher, mãe, em que o menininho outrora acreditou e que, por razões que nos são familiares, não deseja abandonar. O que sucedeu, portanto, foi que o menino se recusou a tomar conhecimento do fato de ter percebido que a mulher não tem pênis. Não, isso não podia ser verdade, pois se uma mulher tinha sido castrada, então sua própria posse de um pênis estava em perigo. E contra isso ergueu-se uma revolta a parte de seu narcisismo (2) que a natureza como precaução, vinculou a esse órgão específico. Na vida posterior, um homem adulto talvez possa experimentar um pânico semelhante. Quando se eleva o clamor de que o Trono e o Altar correm perigo e consequências ilógicas semelhantes decorrerão disso. Se não estou equivocado, Jules Laforgue (1860-1887), nesse caso, diria que o menino “deturpa” sua percepção da falta de pênis da mulher. Um termo técnico novo se justifica quando descreve um fato novo ou lhe dá ênfase. Nesse caso, não é assim. A mais antiga palavra da nova terminologia psicanalítica, “repressão” já se relaciona com esse processo patológico. Se quisermos diferenciar mais nitidamente a vicissitude da ideia como distinta daquela do afeto. E reservar a palavra “Verdrangung”, repressão, para o afeto. Então a palavra alemã correta para vicissitude da ideia seria “Verleugnung”, rejeição. Escotomizar parece-me inapropriada, por sugerir que a percepção é inteiramente apagada. De maneira que o resultado é o mesmo que sucede quando uma impressão visual incide sobre o ponto cego da retina. Na situação que estamos considerando, pelo contrário, vemos que a percepção continuou e que uma ação muito enérgica foi empreendida para manter a rejeição. Não é verdade que, depois que a criança fez sua observação da mulher, tenha conservado inalterada sua crença de que as mulheres possuem um falo (3). Reteve essa crença, mas também a abandonou. No conflito entre o peso da percepção desagradável e a força de seu contra desejo, chegou-se a um compromisso, tal como só é possível sob o domínio das leis inconscientes do pensamento – os processos primários. Sim, em sua mente a mulher teve um pênis, a despeito de tudo, mas esse pênis não é mais o mesmo de antes. Outra coisa tomou seu lugar, foi indicada como seu substituto, por assim dizer, e herda agora o interesse anteriormente dirigido a seu predecessor. Mas esse interesse sofre também um aumento extraordinário, pois o horror da castração ergue um monumento a si próprio na criação desse substituto. Ademais, uma aversão, que nunca se acha ausente em fetichista algum, aos órgãos genitais reais, permanece um estigma indelével da repressão que se efetuou. Podemos perceber agora aquilo que o fetiche consegue e aquilo que o mantem. Permanece um indício do triunfo sobre a ameaça de castração e uma proteção contra ela. Também salva o fetichista de se tornar homossexual, dotando as mulheres da característica que as torna toleráveis como objetos sexuais. Na vida posterior, o fetichista sente desfrutar de uma outra vantagem de seu substituto de um órgão genital. O significado do fetiche não é conhecido por outras pessoas, de modo que não é retirado do fetichista. É facilmente acessível e pode prontamente conseguir a satisfação sexual ligada a ele. Aquilo pelo qual os ouros homens têm de implorar e se esforçar pode ser tido pelo fetichista sem qualquer dificuldade. Provavelmente a nenhum indivíduo humano do sexo masculino é poupado o susto da castração à vista de um órgão genital feminino. Porque algumas pessoas se tornam homossexuais em consequência dessa impressão, ao passo que outras a desviam pela criação de um fetiche, e a grande maioria a supera, francamente não somos capazes de explicar. É possível que, entre todos os fatores em ação, ainda não conhecemos os decisivos para os raros resultados patológicos. Temos de nos contentar se pudermos explicar o que aconteceu, e deixar atualmente de lado a tarefa de explicar por que algo não aconteceu. Esperar-se-ia que os órgãos ou objetos escolhidos como substitutos para o falo aumente da mulher fossem tais, que aparecessem como símbolos do pênis também sob outros aspectos. Isso pode acontecer com bastante frequência, mas certamente não constitui fator decisivo. Antes, parece que, quando o fetiche é instituído, ocorre certo processo que faz lembrar a interrupção da memória na amnésia traumática. Como nesse último caso, o interesse do indivíduo se interrompe a meio caminho, por assim dizer, é como se a última impressão antes da estranha e traumática fosse retida com fetiche. Assim, o pé ou o sapato devem sua preferência como fetiche, ou parte dela, à circunstância de o menino inquisitivo espiar os órgãos genitais da mãe a partir de baixo, das pernas para cima, peles e veludo. Como por longo tempo se suspeitou, constituem uma fixação da visão dos pelos púbicos, que deveria ter sido seguida pela ansiada visão do membro feminino. Peças de roupas interior, que tão frequentemente são escolhidas como fetiches, cristalizam o momento de se despir, o último momento em que a mulher ainda podia ser encarada como fálica. Não sustento, porém ser invariavelmente possível descobrir com certeza o modo como o fetichismo foi determinado. Uma investigação do fetichismo é calorosamente recomendada a quem quer que ainda duvide da existência do complexo de castração ou que ainda possa acreditar que o susto à vista do órgão genital feminino possua outro fundamento. Tal como, por exemplo, que ele derive de uma suposta rememoração do trauma do nascimento. Para mim, a explicação do fetichismo possui também outro aspecto de interesse teórico. Recentemente, seguindo linhas inteiramente especulativas, cheguei à proposição de que a diferença essencial entre a neurose (4) e a psicose (5) constituía em que, na primeira, o ego, a serviço da realidade, reprime um fragmento do id, ao passo que, na psicose, ele se deixa induzir, pelo id (6), desligando de um fragmento da realidade. Retornarei a esse tema mais tarde. Logo depois, porém, tive motivo para lamentar ter-me aventurado tão longe. Na análise de dois jovens, aprendi que ambos, um quando tinha dois anos de idade, e o outro, quando contava dez, não haviam conseguido tomar conhecimento da morte do querido pai. Havia na suprimido, e, contudo, nenhum deles desenvolvera uma psicose. Desse modo, um fragmento de realidade, indubitavelmente importante, fora rejeitado pelo ego, tal como o fato desagradável da castração feminina é rejeitado pelo ego. Tal como o fato desagradável da castração feminina é rejeitado nos fetichistas. Também comecei a suspeitar que ocorrências semelhantes na infância de maneira alguma são raras, e acreditei ter sido culpado de um erro em minha caracterização da neurose e da psicose. É verdade que havia uma saída para a dificuldade. Minha fórmula precisava apenas ser válida onde houvesse um grau mais elevado de diferenciação no aparelho psíquico, seria permissível a uma criança coisas que acarretariam graves prejuízos a um adulto. Contudo, a pesquisa posterior conduziu-me a outra solução para a contradição. Tornou-se evidente que os dois jovens não haviam suprimido a morte dos pais mais do que um fetichista suprime a castração feminina. Fora apenas uma determinada corrente em sua vida mental que não reconhecera a morte daqueles. Havia uma corrente que se dava plena conta desse fato. A atitude que se ajustava ao desejo e a que se ajustava a realidade existiam lado a lado. Num de meus dois casos, a divisão constituirá a base de uma neurose obsessiva moderadamente grave. Em todas as situações da vida, o paciente oscilava entre duas presunções. Uma, de que o pai ainda estava vivo e atrapalhava suas atividades. Outra, oposta, de que tinha o direito de se considerar como sucessor do pai. Assim, posso ater-me a expectativa de que, numa psicose, uma daquelas correntes, a que se ajustava à realidade, esteja realmente ausente. Retornando a minha descrição do fetichismo, posso dizer que existem muitas provas adicionais e de peso quanto a atitude dividida dos fetichistas para com o tema da castração feminina. Em casos bastante sutis, tanto a rejeição quanto a afirmação da castração encontram caminho na construção do próprio fetiche. Assim ocorreu no caso de um homem cujo fetiche era um suporte atlético que também podia ser usado como calção de banho. Essa pela cobria inteiramente os órgãos genitais e ocultava a distinção entre eles. A análise mostrou que isso significava que as mulheres eram castradas e que não eram castradas, e isso também permitiu a hipótese de que os homens eram castrados. E isso também permitiu a hipótese de que os homens eram castrados, porque todas essas possibilidades podiam ser igualmente bem ocultas sob o suporte, cujo primeiro rudimento, em sua infância, fora a folha de parreira de uma estátua. Um fetiche desse tipo, duplamente derivado de ideias contrárias, é naturalmente, especialmente durável. Em outros casos, a atitude dividida se mostra naquilo que o fetichista faz com o fetiche, seja em realidade ou em sua imaginação. Assinalar que ele o reverencia não é tudo, em muitos casos, trata-o de maneira obviamente equivalente a uma representação da castração. Isso acontece com o pai e desempenha o pape deste último, pois foi a este que, em criança, atribuiu a castração da mulher. A afeição e a hostilidade no tratamento do fetiche, que correm paralelas com a rejeição e o reconhecimento da castração. Estão mescladas em proporções desiguais em casos diferentes, de maneira a que uma ou outra seja mais facilmente identificável. Parecemos aqui aproximar-nos de uma compreensão, ainda que remota, do comportamento do “coupeur de nattes” – cortador de tapetes. Nele a necessidade de executar a castração, que ele mesmo rejeita, veio para o primeiro plano. Sua ação contém em si própria as duas asserções mutuamente incompatíveis: “a mulher ainda tem um pênis” e “meu pai castrou a mulher”. Outra variante, que também constitui um paralelo ao fetichismo na psicologia social, poderia ser encontrada no costume chines de mutilar o pé feminino e, depois disso, reverenciá-lo como um fetiche. Parece algo como se o homem chines quisesse agradecer a mulher por se ter submetido a ser castrada. Em conclusão podemos dizer que, o protótipo normal dos fetiches é um pênis do homem, assim como o protótipo normal de órgãos inferiores é o pequeno pênis real de uma mulher, o clítoris.

 

Referências: www.psicanaliseclinica.com. (1) Fetiche. Adoração de um objeto ou parte do corpo específica. Quando se refere aos atos sexuais, entretanto, para alguns teóricos, esse conceito pode ser associado a uma prática religiosa, tendo como base o culto do objeto. (2) Narcisismo. Faz alusão a um mito. No mito grego, Narciso, apaixona-se por si mesmo, pelo reflexo de sua imagem nas águas de um rio. Morre afogado pelo amor desmedido por si próprio. Todos nós somos um pouco narcisistas e isso é importante, porque o ego precisa criar defesa ao organismo e a vida psíquica do ser. (3) Falo. O pênis, símbolo carregado de significado que permeia tanto a vida individual quanto a cultural. Símbolo de poder e autoridade. Permeia o desejo, sendo o epicentro das primeiras experiências na infância de prazer. Desejo, aqui, não se limitando a sexualidade, mas engloba a vontade de ser aceito, amado e valorizado. (4) Neurose. Num conceito geral ela pode ser considerada como uma doença psíquica. Fenômenos gerados por conflitos psíquicos envolvendo frustração de um impulso instintivo. Conforme a psicanálise também são resultados de nossas experiências sejam elas: vivenciais, traumas ou recalques. (5) Psicose. Principais características da psicose são perda de controle voluntário dos impulsos, pensamentos e emoções. Devemos salientar a incrível dificuldade que o psicótico tem em diferenciar fantasia da realidade. Para os pacientes ambas se confundem e dessa forma a realidade pode ser substituída por delírios e alucinações. Nessa patologia a capacidade de relacionamento social é muito afetada, o paciente não nota ou entende que tem algo de errado com ele e aceita seu estado psicótico de maneira tácita. (6) Id. Se trata de uma das três instâncias da mente, além de ego e superego, compondo o aparelho psíquico de cada ser humano. Dentre os diversos alcances, essa instância, Id, acaba ajudando a moldar nossa personalidade e o modo de agir. Em alemão é ES o termo a algo como “ele ou isso”. Aqui temos a instância que alimenta a libido, a nossa energia psíquica que direciona a vida e as realizações. Assim, constitui-se por meio de: instintos, pulsões, impulsos orgânicos e desejos inconscientes que nos ajudam a fazer ou ser. Livro Sigmund Freud – Sobre a Psicopatologia da Vida Cotidiana. Abraço. Davi.

 

quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

A SAGRADA ESCRITURA

Cristianismo. Livro Catecismo da Igreja Católica. Capítulo II. Parte III. A SAGRADA ESCRITURA. 1. Cristo – Palavra única da Sagrada Escritura. Na condescendência de sua bondade, Deus, para revelar-se aos homens, fala-lhes em palavras humanas. Com efeito, as palavras de Deus, expressas por línguas humanas, fizeram-se semelhantes à linguagem humana, tal como outrora o Verbo do Pai Eterno, havendo assumido a carne da fraqueza humana, se fez semelhante aos homens. Por meio de todas as palavras da Sagrada Escritura, Deus pronuncia uma só Palavra, seu Verbo único, no qual se expressa por inteiro. Lembrai-vos que é uma mesma a Palavra de Deus que está presente em todas as Escrituras. Que é um mesmo Verbo que ressoa na boca de todos os escritores, ele que, sendo no início Deus junto de Deus, não tem necessidade de sílabas, por não estar submetido ao tempo. Por este motivo, a Igreja sempre venerou as divinas Escrituras, como venera também o Corpo do Senhor. Ela não cessa de apresentar aos fiéis o Pão da Vida tomado da Mesa da Palavra de Deus e do Corpo de Cristo. Na Sagrada Escritura, a Igreja encontra incessantemente seu alimento e sua força, pois nela não acolhe somente uma palavra humana, mas o que ela é realmente: a Palavra de Deus. Com efeito, nos Livros Sagrados, o Pai que está nos céus vem carinhosamente ao encontro de seus filhos e com eles fala. 2. Inspiração e verdade da Sagrada Escritura. Deus é o autor da Sagrada Escritura. As coisas divinamente reveladas, que estão contidas e são apresentadas nos livros da Sagrada Escritura, foram registradas sob a inspiração do Espírito Santo. A santa Mãe Igreja, segundo a fé apostólica, tem como sagrados e canônicos os livros completos tanto do Antigo como do Novo Testamento. Com todas as partes, porque, escritos sob a inspiração do Espírito Santo, eles têm Deus como autor e, nesta sua qualidade, foram confiados a própria Igreja. Deus inspirou os autores humanos dos livros sagrados. Na redação dos livros sagrados, Deus escolheu homens, dos quais se serviu, fazendo-os usar suas próprias faculdades e capacidades, a fim de que, agindo ele próprio neles e por meio deles. Escrevessem, como verdadeiros autores, tudo e só aquilo que ele próprio queria. Os livros inspirados ensinam a verdade. Portanto, já que tudo o que os autores inspirados, ou hagiógrafos, afirmam deve ser lido como afirmado pelo Espírito Santo. Deve-se professar que os livros da Escritura ensinam, com certeza, fielmente e sem erro, a verdade que Deus, em vista de nossa salvação, quis que fosse registrada nas Sagradas Escrituras. Todavia, a fé cristã não é uma “religião de Livro”. O Cristianismo é a religião da Palavra de Deus, não de uma palavra escrita e muda, mas do Verbo encarnado e vivo. Para que as Escrituras não permaneçam letra morta, é preciso que Cristo, Palavra eterna de Deus vivo, pelo Espírito Santo nos abra o espírito à compreensão das Escrituras. 3. O Espírito Santo, intérprete da Escritura. Na Sagrada Escritura, Deus fala ao homem à maneira dos homens. Para bem interpretar a Escritura é preciso, assim, estar atento aquilo que Deus quis manifestar-nos pelas palavras deles. Para descobrir descobri a intenção dos autores sagrados, há que levar em conta as condições de sua época e de sua cultura, os gêneros literários em uso naquele tempo, os modos, então correntes de sentir, falar e narrar. Pois a verdade é apresentada e expressa de maneiras diferentes nos textos que são, de vários modos históricos ou proféticos. Ou os demais, de outros gêneros de expressão. Por ser a Sagrada Escritura inspirada, há outro princípio da interpretação correta, não menos importante que o anterior, e sem o qual a Escritura permaneceria letra morta. A Sagrada Escritura deve também ser lida e interpretada com a ajuda daquele mesmo Espírito em que foi escrita. O Concílio Vaticano II indica três critérios para a interpretação da Escritura conforme o Espírito que a inspirou. A. Prestar muita atenção ao conteúdo e à unidade da Escritura inteira, desse modo, por mais diferentes que sejam os livros que a compõem, a Escritura ´e una em razão da unidade do projeto de Deus, do qual Cristo Jesus é o centro e o coração, aberto depois de sua Páscoa. O coração de Cristo designa a Sagrada Escritura, que dá a conhecer o coração de Cristo. O coração estava fechado antes da Paixão, desse modo, a Escritura era obscura. Porém, a Escritura foi aberta após a Paixão, dessa maneira, a partir daí, têm a compreensão dela os que a consideram e discernem de que maneira as profecias devem ser interpretadas. B. Ler a Escritura dentro da Tradição viva da Igreja inteira. Consoante um adágio dos Padres: a Escritura está escrita mais no coração da Igreja do que nos instrumentos materiais. Com efeito, a Igreja leva, em sua Tradição, a memória viva da Palavra de Deus, sendo o Espírito Santo que lhe dá a interpretação espiritual da Escritura. Segundo o sentido espiritual que o Espírito dá a Igreja. Os Sentidos da Escritura. Segundo uma antiga tradição, podemos distinguir dois sentidos da Escritura: o sentido literal e o sentido espiritual, sendo este último subdividido em alegórico, moral e anagógico. A concordância profunda entre os quatro sentidos garante toda a sua riqueza à leitura viva da Escritura na Igreja. O sentido literal. É o sentido significado pelas palavras da Escritura e descoberto pela exegese que segue as regras da correta interpretação. Todos os sentidos, da Escritura Sagrada, devem estar fundados no sentido literal. O sentido espiritual. Graças a unidade do projeto de Deus, não somente o texto da Escritura, mas também as realidades e os acontecimentos de que ele fala podem ser sinais. A. O sentido alegórico. Podemos adquirir uma compreensão mais profunda dos acontecimentos, reconhecendo a significação deles em Cristo. Assim, a travessia do Mar Vermelho é um sinal da vitória de Cristo e do Batismo. B. O sentido moral. Os acontecimentos relatados na Escritura devem nos conduzir a um justo agir. Eles foram escritos como advertência para nós I Coríntios 10,11. C. O sentido anagógico. Podemos ver realidades e acontecimentos em sua significação eterna, nos conduzindo a nossa Pátria. Assim, a Igreja na terra é sinal da Jerusalém celeste. Um dístico medieval resume a significação dos quatro sentidos. A letra, ensina o acontecimento. A alegoria, o que deves crer. A moral, o que deves fazer. A anagogia, para onde deves caminhar. É dever dos exegetas esforçarem-se, dentro dessas diretrizes, por entender e expor com maior aprofundamento o sentido da Sagrada Escritura. A fim de que, por seu trabalho de certo modo preparatório, amadureça o julgamento da Igreja. Todas estas coisas que concernem a maneira de interpretar a Escritura estão sujeitas, em última instância, ao juízo da Igreja. Que exerce o divino ministério e mandato do guardar e interpretar a Palavra de Deus. 4. O Cânon das Escrituras. Foi a tradição apostólica que fez a Igreja discernir quais escritos deveriam ser enumerados na lista dos Livros Sagrados. Esta lista completa é denominada “Cânon” das Escrituras. Ela comporta 46 escritos pra o Antigo Testamento e 27 para o Novo Testamento. Para o Antigo Testamento: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio, Josué, Juízes, Rute, os dois livros de Samuel, os dois livros dos Reis, os dois livros das Crônicas, Esdras e Neemias, Tobias, Judite, Ester, os dois livros dos Macabeus, Jó, os Salmos, os Provérbios, o Eclesiastes, o Cântico dos Cânticos, a Sabedoria, o Eclesiástico, Isaías, Jeremias, as Lamentações, Baruque, Ezequiel, Daniel, Oseias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miqueias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias. Para o Novo Testamento: Os Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João, Atos dos Apóstolos, Romanos, I e II Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, I e II Tessalonicenses, I e II Timóteo, Tito, Filemon, Hebreus, Tiago, I e II Pedro, I, II e III João, Judas e Apocalipse. O Antigo Testamento. É uma parte indispensável da Sagrada Escritura. Seus livros são divinamente inspirados e conservam valor permanente, pois a Antiga Aliança nunca foi revogada. Com efeito, a Economia do Antigo Testamento estava ordenada principalmente pra preparar a vinda de Cristo, Redentor de todos. Embora contenha também coisas imperfeitas e transitórias, os livros do Antigo Testamento dão testemunho de toda a divina pedagogia do amor salvífico de Deus. Neles encontram-se sublimes ensinamentos acerca de /deus e salutar sabedoria concernente a vida do homem. Bem como admiráveis tesouros de preces. Nestes livros, está latente o mistério de nossa salvação. Os cristãos veneram o Antigo Testamento como verdadeira Palavra de Deus. A Igreja sempre rechaçou vigorosamente a ideia de rejeitar o Antigo Testamento sob o pretexto de que o Novo o teria feito caducar – marcionismo. O Novo Testamento. A Palavra de Deus, que é força de Deus para a salvação de todo crente, é representada e manifesta seu vigor, de modo eminente, nos escritos do Novo Testamento. Estes escritos nos fornecem a verdade definitiva da revelação divina. Seu objeto central é Jesus Cristo, o Filho de Deus encarnado. Seus atos, ensinamentos, paixão e glorificação, assim como os inícios de sua Igreja soba a ação do Espírito Santo. Os Evangelhos são o coração de todas as Escrituras, uma vez que constituem o principal testemunho da vida e da doutrina do Verbo encarnado, nosso Salvador. Na formação dos Evangelhos, podemos distingues três etapas: A. A vida e o ensinamento de Jesus. A Igreja defende firmemente que os quatro Evangelhos, cuja historicidade afirma sem hesitação, transmitem fielmente aquilo que Jesus, Filho de Deus, ao viver entre os homens, realmente fez e ensinou para a eterna salvação deles. Até o dia em que foi elevado. B. A tradição oral. O que o Senhor dissera e fizera, os Apóstolos, após a ascensão do senhor, transmitiram aos ouvintes, com àquela compreensão mais plena de que desfrutavam, instruídos que foram pelos gloriosos acontecimentos de Cristo e esclarecidos pela Luz do Espírito de Verdade. Os Evangelhos escritos. Os autores sagrados escreveram os quatro Evangelhos, escolhendo certas coisas das muitas transmitidas, ou oralmente ou já por escrito, fazendo síntese de outras ou as explanando com vistas à situação das Igrejas. Conservando, enfim, a forma de pregação, sempre de maneira a nos transmitir, a respeito de Jesus, coisas verdadeiras e sinceras. O Evangelho quadriforme ocupa, na Igreja, um lugar único, como atestam a veneração que lhe tributa a liturgia e o atrativo incomparável que, desde sempre, tem exercido sobre os santos. Não existe nenhuma doutrina que seja melhor, mais preciosa e mais esplêndida que o texto do Evangelho. Vede e retende o que nosso Senhor e Mestre, Cristo, ensinou com suas palavras e realizou com seus atos. É acima de tudo o Evangelho que me ocupa durante as minhas orações, nele encontro tudo que é necessário para minha pobre alma. Descubro nele sempre novas luzes, sentidos escondidos e misteriosos. A unidade entre o Antigo e o Novo Testamento. A Igreja, já nos tempos apostólicos, e depois constantemente em sua Tradição, iluminou a unidade do plano divino nos dois Testamentos graças a tipologia. Esta percebe, nas obras de Deus contidas na Antiga Aliança, prefigurações daquilo que Deus realizou na plenitude dos tempos, na pessoa de seu Filho encarnado. Por isso os cristãos leem o Antigo Testamento a luz de Cristo morto e ressuscitado. Esta leitura tipológica manifesta o conteúdo inesgotável do Antigo Testamento. Ela não deve levar ao esquecimento de que esta conserva seu valor próprio de revelação, que Nosso Senhor mesmo reafirmou. Igualmente, o Novo Testamento exige ser lido à luz do Antigo. A catequese cristã primitiva recorre constantemente a ele. Segundo um adágio antigo, o Novo Testamento está escondido no Antigo, ao passo que o Antigo é desvendado no Novo. A tipologia exprime o dinamismo em direção ao cumprimento do plano divino, quando” Deus seja tudo em todos” I Coríntios 15,18. Assim a vocação dos patriarcas e o Êxodo do Egito, por exemplo, não perdem seu valor próprio no plano de Deus, pelo fato de serem, ao mesmo tempo, etapas intermediárias deste plano. 5. A Sagrada Escritura na vida da Igreja. São tão grandes o poder e a eficácia contidos na Palavra de Deus, que ela constitui sustentáculo e vigor pra a Igreja, e, para seus filhos, firmeza da fé, alimento da alma, pura e perene fonte da vida espiritual. É preciso que os fiéis tenham amplo acesso a Sagrada Escritura. Que o estudo da Sagrada Escritura seja, portanto, como a alma da sagrada teologia. Da mesma palavra da Sagrada Escritura também se nutre salutarmente e santamente floresce o ministério da palavra. A saber, a pregação pastoral, a catequese e toda a instrução cristã, na qual deve ocupar lugar de destaque a homilia litúrgica. A Igreja exorta com veemência e de modo peculiar todos os fiéis cristãos (...) a que, pela frequente leitura das divinas Escrituras, aprendam o conhecimento de Cristo Jesus. Com efeito, ignorar as Escrituras é ignorar Cristo. Resumo. Toda a Escritura divina é um único livro. Este livro único é Cristo, já que toda Escritura divina fala de Cristo, e se cumpre em Cristo. As Sagradas Escrituras contêm a Palavra de Deus e, por serem inspiradas, são verdadeiramente Palavra de Deus. Deus é o autor da Sagrada Escritura e, ao inspirar seus autores humanos, age neles e por meio deles. Fornece assim a garantia de que seus escritos ensinem, sem erro, a verdade salvífica. A interpretação das Escrituras inspiradas deve, antes de tudo, estar atenta aquilo que Deus quer revelar por intermédio dos autores sagrados para nossa salvação. O que vem do Espírito só é plenamente entendido pela ação do Espírito. A Igreja recebe e venera como inspirados os 46 livros do Antigo Testamento e os 27 livros do Novo Testamento. Os quatro Evangelhos ocupam lugar central, já que Cristo Jesus é seu centro. A unidade dos dois Testamentos decorre da unidade do projeto de Deus e de sua revelação. O Antigo Testamento prepara o Novo enquanto o Novo cumpre o Antigo. Os dois Testamentos iluminam-se reciprocamente. Os dois são verdadeira Palavra de Deus. A Igreja sempre venerou as divinas Escrituras da mesma forma com o próprio Corpo do Senhor. Ambos alimentam e dirigem toda a vida cristã. “Lâmpada para meus passos é tua palavra, e luz no meu caminho” Salmos 119,105. Abraço. Davi.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

APRESENTAÇÃO I

 

Religião Afro-brasileira. Candomblé. Livro O Candomblé da Bahia – Rito Nagô. Tradução de Maria Isaura Pereira de Queiroz (1918-2018). Capítulo I. APRESENTAÇÃO I. Universidade de São Paulo – USP. Ao longo de todo o litoral atlântico, desde as florestas da Amazônia até a própria fronteira do Uruguai, é possível descobrir, no Brasil, sobrevivências religiosas africanas. Mas a Bahia, com seus candomblés em que, nas noites mornas dos trópicos, as filhas de santo dançam ao martelar surdo dos tambores, permanece a cidade santa por excelência. Os candomblés pertencem a "nações" diversas e perpetuam, portanto, tradições diferentes: Angola, Congo, Gêge (isto é, Ewe), Nagô (têrmo com que os franceses designavam todos os negros de fala yoruba, da Costa dos Escravos), Quê to (ou Ketu), Ijêxa ( ou Ijesha). É possível distinguir estas "nações" umas das outras pela maneira de tocar o tambor (seja com a mão, seja com varetas), pela música, pelo idioma dos cânticos, pelas vestes litúrgicas, algumas vezes pelos nomes das divindades, e enfim por certos traços do ritual. Todavia, a influência dos Yoruba domina sem contestação o conjunto das seitas africanas, impondo seus deuses, a estrutura de suas cerimônias e sua metafísica, a Dahomeanos, a Bantos. Porém é evidente que os candomblés Nagô, Quêto e Ijêxa são os mais puros de todos, e só eles serão estudados aqui. Por outro lado, ''nações" yoruba são encontradas noutras regiões do Brasil: em São Luís do Maranhão, no Recife, no Rio Grande do Sul. O grupo de São Luís, assaz isolado, sofreu a influência da Casa das Minas, dahomeana, que é o grupo dominante da cidade. Deixamo-lo, por essa razão, inteiramente de lado. No entanto, na medida em que as informações do Recife ou do Rio Grande do Sul completam ou confirmam as observações da Bahia, apelaremos algumas vezes para dados tomados aos Xangô do Recife ou às "nações" Nagô e Oyo (está designada pelo próprio nome da cidade Yoruba) de Porto Alegre. No Rio de Janeiro, as "nações" se fundiram umas nas outras, deixando-se também penetrar profundamente por influências exteriores, ameríndias, católicas, espíritas, dando nascimento a uma religião essencialmente sincrética, a macumba. Porém, há alguns anos, no começo do século XX, existia ali ainda uma religião nagô autônoma, da qual temos algumas descrições, infelizmente assaz sumárias. Tais documentos só apresentam hoje interesse histórico; todavia, não os poremos de lado. Que fique bem claro, no entanto, que este estudo, mesmo levando em consideração por vezes dados recolhidos por nós ou por outros pesquisadores em cidades diferentes, fica centralizado unicamente em torno dos candomblés nagô, quêto ou ijêxa da Bahia. Existiram outrora candomblés em pleno centro da cidade. Próximo à igreja da Barroquinha em Salvador - BA, erguia-se nos fins do século XIX um santuário africano. Na periferia da aglomeração urbana ainda hoje existem, no bairro proletário da Liberdade, em meio às casas de operários, num emaranhamento de ruelas, de muros, de pátios malcheirosos. Mas em geral se agrupam longe do centro, nos valos umbrosos, suspensos aos flancos das colinas ou entre as dunas marinhas, escondidos pelas árvores, pelos renques de bananeiras, abrigando-se sob os coqueiros. Ao longo do Rio Vermelho, em Mata Escura, São Caetano, Cidade da Palha, Língua de Vaca, Pedreiras, Fazenda Grande do Retiro, Fazenda Garcia. Cercam a cidade com uma coroa mística, e a única solução de continuidade é representada pela faixa móvel do oceano. O viajante que à noite erra nesses subúrbios, onde as habitações vão se espaçando, como que se debulhando e cedendo pouco a pouco diante da floresta. Ouve por vezes subir de trás das frondes, do fundo das trevas, o martelar surdo dos tambores sagrados, enquanto foguetes riscam os céus, desenhando neles novas estrelas. Cada foguete que sobe é o sinal de que uma divindade veio da África possuir um de seus filhos na terra do exílio. Cada estrela que repentinamente cintila acima das plantas em germinação indica a quem passa que uma divindade "montou em seu cavalo", fazendo-o reviravoltear em torno do poste central, mergulhando na noite do êxtase. Pois estes deuses só podem viver na medida em que se reencarnam no corpo dos fiéis. Eis porque o ponto central do culto público é a crise de possessão. Constitui seu momento mais dramático e não é de espantar, em tais condições, que a atenção dos pesquisadores se tenha concentrado, antes de mais nada, em torno deste aspecto do candomblé. Tanto mais que a maior parte dos africanistas era constituída de médicos. Veremos que, na realidade, a festa pública não constitui senão pequena parte da vida do candomblé, que a religião africana vai colorir e controlar toda a existência de seus adeptos, que o ritual privado é mais importante do que o cerimonial público e que, na medida em que o negro se sente africano, pertence a um mundo mental diferente. Queremos descrever justamente este mundo das representações coletivas. Não esquecer, porém, que a religião só conseguiu subsistir através das confrarias dos "filhos" e "filhas" de santo (as filhas muitíssimo mais numerosas do que os filhos), e que a função destes filhos e filhas é reencarnar, no desenrolar das grandes festas públicas, os Orixás seus antepassados. Começaremos, pois, nossa apresentação do candomblé pela descrição desta cerimônia central. Cada uma destas festas, dedicada a uma divindade especial, embora todos os Orixás durante ela se manifestem por meio de crises extáticas, apresenta traços particulares. Contudo, podemos deixar por enquanto de lado estes elementos de variação pois não perturbam a unidade das sequências rituais. Enriquecem-nas somente; sobre a mesma talagarça, desenham o bordado dos mitos africanos. Desde a madrugada, quando tem lugar o início da festa, distinguiremos os momentos seguintes: 1. O sacrifício. Esta parte do ritual não é propriamente secreta; porém, não se realiza em geral senão diante de um número muito pequeno de pessoas, todas fazendo parte da seita. Teme-se sem dúvida que a vista do sangue revigore entre os não-iniciados os estereótipos correntes sobre a "barbárie" ou o "caráter supersticioso" da religião africana. Uma pessoa especializada no sacrifício, o axôgun ou achôgun, que tem essa função na hierarquia sacerdotal, é quem o realiza ou, na sua falta, o babalorixá, sacerdote supremo. O objeto do sacrifício, que é sempre um animal, muda conforme o deus ao qual é oferecido: trata-se, conforme a terminologia tradicional, ora de um "animal de duas patas", ora de um "animal de quatro patas", isto é, galinha, pombo, bode, carneiro etc. O sexo do animal sacrificado deve ser o mesmo da divindade que recebe o sangue derramado; e o modo de matar varia igualmente segundo os casos: corta-se a cabeça, esquartejam-se os membros, sangra-se a carótida, dá-se um golpe na nuca. Varia também o instrumento de execução, que algumas vezes deve ser uma "faca virgem". Na realidade, não se trata de um único sacrifício, mas de dois; pois qualquer que seja o deus adorado, Exú deve ser o primeiro servido, por razões que veremos adiante. Há, pois, o primeiro sacrifício de um "animal de duas patas" para Exú, e em segundo lugar, quando o permitem as finanças da casa, de um "animal de quatro patas", para a divindade cuja festa se está celebrando. 2. A oferenda. O animal sacrificado passa das mãos do achôgun para as da cozinheira que vai preparar o alimento dos deuses. Moela, fígado, coração, pés, asas, cabeça e, bem entendido, o sangue, pertencem de direito aos deuses; mas o resto do animal não é atirado fora, é cozido e parte dele será posta em travessas ou em pratinhos diante das pedras ou dos pedaços de ferro pertencentes às divindades. Se duas galinhas são mortas, forçosamente uma deve ser cozida e a outra assada. Mas a cozinheira, que se chama iya-bassê ou abassá, e que naturalmente não deve nesse momento estar menstruada, não se limita a preparar o animal sacrificado. Cozinha também tantos pratos quantos forem os deuses chamados no decorrer da cerimônia, o amalá de Xangô, o xinxin de galinha de Oxun, o arroz sem sal de Oxalá. Alimenta então sucessivamente as diferentes pedras sagradas. O resto do alimento será consumido no fim da cerimônia pelos fiéis, e até mesmo pelos simples visitantes. Foram estas descendentes de africanas que mantiveram assim através do tempo a cozinha religiosa africana, a qual, penetrando na cozinha profana, passou em seguida dos santuários para as salas de jantar burguesas, constituindo uma das glórias da Bahia. Arthur Ramos nota que não raro diz a negra ao oferecer tais manjares suculentos, em que o ardume da pimenta se casa tão harmonioso com a doçura do azeite de dendê: "Coma, meu santo”. 3. O pade de Exú. De manhã, consuma-se o sacrifício; os preparativos culinários e a oferenda às divindades ocupam a tarde; a cerimônia pública propriamente dita começa quando o sol se põe e se prolonga por muito tempo noite adentro. Tem início obrigatoriamente com o padê de Exú, do qual muitas vezes se dá uma interpretação falsa, particularmente nos candomblés bantos: Exú é o diabo; poderá perturbar a cerimônia se não for homenageado antes dos outros deuses, como aliás ele mesmo reclamou. Para que não haja rixas, invasões da polícia (nas épocas em que há perseguições contra os candomblés), é preciso pedir-lhe que se afaste. Daí o termo de despacho, empregado algumas vezes em lugar de padê, despachar significando "mandar alguém embora". Exú é, na verdade, o Mercúrio africano, o intermediário necessário entre o homem e o sobrenatural. O intérprete que conhece ao mesmo tempo a língua dos mortais e a dos Orixá. É, pois ele o encarregado - e o padê não tem outra finalidade - de levar aos deuses da África o chamado de seus filhos do Brasil. O padê é celebrado por duas das filhas de santo mais antigas da seita, a dagã e a sidagã, ao som de cânticos em língua africana, cantados sob a direção da iya têbêxê e sob o controle do babalorixá, diante de um copo d'água e de um prato contendo o alimento de Exú. O copo e o prato serão depois levados para fora da sala em que se desenrolará o conjunto da cerimônia, sendo depositado numa encruzilhada que é dos lugares preferidos de Exú. A festa propriamente dita pode então ter começo. Embora o padê se dirija antes de tudo a Exú, comporta também obrigatoriamente uma oração para os mortos ou para os antepassados do candomblé, alguns dentre eles sendo mesmo designados por seus títulos sacerdotais. 4. O Chamado dos deuses. - Não é, todavia, Exú o único intermediário entre os homens e os deuses. Os três tambores do candomblé também o são: o rum, que é o maior; o rumpi, de tamanho médio, e o le, que é o menor. Não são tambores comuns ou, como se diz ali, tambores "pagãos" foram batizados na presença de padrinho e madrinha, foram aspergidos de água benta trazida da igreja, receberam um nome, e o círio aceso diante deles consumiu-se até o fim. E principalmente "comeram" e "comem" todos os anos azeite de dendê, mel, água benta e o sangue de uma galinha (não se lhes oferece nunca "animais de quatro patas"), cuja cabeça foi arrancada pelo babalorixá em cima do corpo do instrumento inclinado. Livro O Candomblé da Bahia – Rito Nagô. Abraço. Davi

 

sábado, 21 de dezembro de 2024

O SUFISMO COMO DIMENSÃO MÍSTICA DO ISLÃ. Parte I

Amigos leitores passo a transcreve a pesquisa acadêmica feita pelo professor Carlos Frederico Barboza de Souza com o título: O SUFISMO COMO DIMENSÃO MÍSTICA DO ISLÃ. Parte I. Ao final menciono a referência bibliográfica. Como introdução digo que o Islamismo é sabidamente uma doutrina religiosa com várias vertentes filosóficas. Acontece que o mundo ocidental em sua perversa generalização estereotipou a religião Islâmica, comparando-a aos diferentes grupos radicais (e suas facções) que usam a força, como violência para impor suas ideologias políticas, sociais e doutrinas dogmática. Mas existem inúmeros seguimentos muçulmanos espiritualistas que proclamam o amor, a paz, a compreensão, a tolerância e a fraternidade humana. Esses nobres movimentos da religião do profeta Maomé em momento algum ganham destaque na mídia, falada, escrita ou nos tele jornais do ocidente. Uma religião que precisamos conhecer para melhor respeitá-la, valorizando seus conceitos, pressupostos e mistérios. Entendendo que Allá O Eterno Bem da Humanidade a concedeu como dádiva divina, dentre tantas, à todos os povos que o buscam com um coração sincero e contrito. Allá seja conosco nessa leitura.  Resumo da dissertação. "Diante da realidade islãmica contemporânea e buscando estar atento às diversas vozes presentes no "outro", este artigo tem em vista apresentar de forma sucinta o que é o Sufismo, pensando-o como uma possibilidade entre muitas de concretização das crenças islâmicas. Para tal, iniciar-se-á procurando compreender como a notícia acerca de sua existência chega ao Ocidente, ou seja, como os ocidentais o "descobrem". A seguir, centrar-se-á na busca de compreender o Sufismo a partir de sua relação com o Islamismo por meio de suas fontes primordiais: o Alcorão e o Profeta Muhammad (ou Maomé). Por fim, este artigo apresentará brevemente alguns elementos que compõem e caracterizam o repertório de crenças e práticas de várias Escolas Sufis tais como a busca da Unicidade Divina, a prática meditativa da recitação dos Nomes Divinos e a submissão à orientação de um "Sayh". " De maneira geral, a mídia apresenta uma face quase que unilateral acerca do Islã, baseada em algumas pré compreensões simplistas do mesmo ou compreensões exclusivas de grupos mais radicais no seguimento e interpretação da Lei Religiosa e em questões sociopolíticas. Assim, sendo, na maior parte das vezes, é incapaz de captar sua singularidade enquanto experiência religiosa e, ao mesmo tempo, a diversidade que compõe o seu espectro. Infelizmente, muitas pessoas, ao não terem acesso a uma leitura mais ampla acerca da história e constituição da tradição muçulmana e dos diversos grupos e concepções que a compõem, acabam desenvolvendo comportamentos e posições intolerantes e preconceituosas sem ao menos se colocarem a questão de que a maior parte do preconceito surge do desconhecimento do outro ou de um conhecimento insuficiente e limitado por paradigmas que não se encaixam em seu universo de sentido. Diante de tal situação, o primeiro passo é o conhecimento, pois este é a primeira forma de aproximação da singularidade e alteridade que constitui o outro enquanto outro. Porém, este esforço de aproximação cognitiva do diverso pode ter seu resultado malogrado devido às perspectivas com que uma pessoa se mune na realização de tal tarefa. Portanto, algumas posturas são importantes e necessárias. Respeito e acolhida ao outro, aceitando-o como um ser distinto e valorizando sua alteridade, que em si é uma riqueza, pois aponta para a liberdade humana capaz de construir diversas posturas frente ao cosmo e á realidade sócio político cultural, indicando a possibilidade de que se pode ser diferente, de que não se é "obrigado" a ser sempre do mesmo jeito. Além do mais, o contato com esta riqueza que a diversidade propicia gera uma aprendizagem sobre si mesmo e sobre o locus de onde se parte e no qual cada um se situa. Também se faz necessário munir-se de humildade, reconhecendo-se pequeno diante da infinitude absoluta do Sagrado que ultrapassa as crenças de cada tradição religiosa. Uma atitude como esta pode propiciar uma busca sincera da Verdade que está para além das tematizações acerca do Divino que cada religião elabora ou se percebe inspirada a elaborar. Assim, novas e inusitadas manifestações compreensões acerca da própria tradição religiosa e acerca das manifestações do Sagrado são possibilidades. Por fim, faz-se necessário munir-se de gratuidade, pois não é uma busca de conhecimento acerca do outro para convertê-lo, ou seja, torná-lo semelhante a nós e acabar com a diferença. Ouvir a voz do "outro" significa entrar na relação face a face com ele e além dos interesses pessoais de quem com ele estabelece interlocução sócio político cultural; e permitir, assim, a revelação de seu rosto às concepções preconcebidas e ao sistema dominante. Diante da realidade Islâmica contemporânea e buscando estar atento às diversas vozes presentes no outro, este artigo tem em vista apresentar de forma sucinta o que é o Sufismo, pensando-o como uma possibilidade; entre muitas, de concretização das crenças Islâmicas. Para tal, iniciar-se-á  procurando compreender como a notícia acerca de sua existência chega ao Ocidente, ou seja, como os ocidentais o "descobrem". A seguir centrar-se-á na busca de compreender o Sufismo a partir de sua relação com o Islamismo por meio de suas fontes primordiais: o Corão ou Alcorão (livro sagrado dos muçulmanos) e o profeta Muhammad ou Maomé. Por fim, este artigo apresentará brevemente alguns elementos que compõem e caracterizam o repertório de crenças e práticas de várias Escolas Sufis. A Descoberta do Sufismo pelo Ocidente. O Sufismo tem uma longa história e é cercado de um certo interesse pelo mundo ocidental. Já na Idade Média, o contato entre cristãos e árabes ocorreu mediado pela filosofia. Textos de origem árabe judaica provocarão uma transformação no pensamento ocidental: novos métodos, novos conhecimentos, novos problemas, que exigirão um esforça enorme de razão cristã. O próprio pensamento Aristotélico chega ao ocidente, de forma sistemática e sob uma ótica neoplatônica, por meio do filósofo persa Avicena (980-1037). Depois, os que continuaram a trazer a obra aristotélica para o Ocidente foram os tradutores, dentre os quais tiveram um papel significativo o Collegium de Toledo, fundado pelo arcebispo Raymond de Sauvetat (1126-1151), e que traduziu o texto aristotélico a partir de versões siríacas e árabes. Não se pode esquecer também o intenso debate no seio da cristandade com o chamado "averroismo latino", movimento que interpretava Aristóteles a partir do prisma de Averrois (Ibn Rusd) e tinha como seus principais representantes Boécio de Dácia (1200-1299) e Siger de Brabante (1240-1284). Mais tarde, o catalão Raimundo Lúlio (1316) parecia haver sofrido uma influência dos místicos Sufis. Também Joinville chanceler de Luis IX, levou em 1638, levou para a Europa o conhecimento da figura de  Rab a Al Adawiyya, no final do século XIII. No século XVII, em 1638, Fabricius, da Rostoch University, editou e traduziu pela primeira vez o poema do místico egípcio Ibn al Farid. E em 1651, Adam Olearius (1599-1671) fez a primeira tradução para o alemão dos livros favoritos da intelectualidade europeia. Porém, é principalmente a partir da era moderna que o interesse de intelectuais do ocidente pelo Sufismo aumenta, pois a modernidade é o marco a partir do qual surge a preocupação ocidental mais ampla. A motivação desta curiosidade se relaciona com o progressivo empreendimento colonial, mormente à medida que este vai se tornando, em termos políticos, um dos principais escopos das nações europeias. O Sufismo como Dimensão mística do Islã. 1. O intuito de conhecer a religião dos povos "colonizados" era propiciar um melhor meio de dominá-los, pois muitos de seus mestres possuíam, em vários países, lugar de destaque e, em outros, muitas rebeliões estavam associadas a suas lideranças. Para isto, investiu-se em especialistas sua língua e cultura, o que gerou vários volumes de estudos e traduções de vários de seus textos, além de gerar uma especialidade científica: o orientalismo. 2. Assim, "Naqueles ambientes, o estudo do Sufismo se tornava uma via mediana entre a constituição de um dossiê policial e a análise de cultos perigosos". O início dos estudos ocidentais modernos sobre o Sufismo se encontra ao redor do século XVIII, quando se criaram os conceitos fundamentais que condicionaram a compreensão a seu respeito, e se estende pelo século XIX. Os primeiros trabalhos se baseiam nos relatos fragmentários de viajantes europeus pelos territórios árabes e que viam os Sufis como um grupo exótico e referindo-se vagamente ao Islã. Sua terminologia sublinhava o elemento bizarro e os comportamentos que mais se distanciavam dos comportamentos europeus. Neste sentido, os termos mais utilizados para se referir a seus adeptos foram a palavra árabe faqsr e a persa dervish, que significam, ambas, pobre. Porém, a utilização destes termos também era marcada pelo exotismo. Para se abordar os dervishes por exemplo, ressaltavam-se os grupos urlantes, dançantes e rodopiantes. Quanto ao termo faqsr, a confusão era maior. Além de não se fazer a diferenciação entre os ascetas não muçulmanos e os muçulmanos, o termo se assemelhava à palavra inglesa "faker", falsificador, o que deixava uma impressão de que os Sufis eram charlatães e impostores. Nesta ambiência de forte cunho político, surge o termo Sufismo, proveniente de "Sooffess", forma como os ingleses nomeavam os adeptos da "Tasawwuf", palavra pela qual estes grupos se autodenominavam em árabe "Safs e Safiyya". Diferentemente de "faqsr e dervish", embora se referisse a mesma realidade, este termo "Sooffess" era carregado de um sentido positivo. Eram admirados por sua pesia, música e danças. Além do mais, eram vistos como livres pensadores que tinham pouco a ver com a "rígida fé muçulmana". A palavra Sufismo, portanto, surge no fim do século XVIII como uma forma de apropriação de alguns aspectos que os europeus achavam atraentes na cultura oriental. Porém, seu conhecimento ainda era insuficiente. Não se percebia nitidamente sua relação como o Islã, além de se associá-lo, muitas vezes, ao Hinduísmo e cristianismo. O primeiro livro escrito sobre o Sufismo por um ocidental foi o tratado deo teólogo alemão Tholuck (1799-1877). Este livro, escrito em latim e publicado em 1821, reconhece o papel dos ingleses na "descoberta" do Sufismo e afirmava a relação débil entre este e o Islã. Citando um registro missionário de 1818, no qual se afirmar a existência de um número ao redor de oitenta mil pessoas na Pérsia (atual Irã), chamados Sufi, que cerca de 10 ou 12 anos atrás, abertamente repudiou o maometismo, ainda retrata o desejo ocidental de separar sua realidade da religião islâmica. Segundo Carl W. Ernst (1950-    ), este desejo é presente também na leitura que Tholuck faz do mesmo, imprimindo-lhe conceitos bem ocidentais como Panteísmo e Teosofia. Embora Tholuck reconheça a eixtência junto a Muhammad (Maomé) de seguidores que cultivavam elementos do que mais tarde seria chamado de Sufismo, ele acredita que ele havia se distanciado das propostas originárias do Profeta. O principal problema destas primeiras leituras é que, ao separar o "Tasawwuf" do Islã, não reconhecem o papel fundamental que tem o Corão ou Alcorão, o Profeta, a Sarsa e os ritos islâmico para sua espiritualidade mística. Porém, após estes estudos, a aproximação aos textos Sufis começa a crescer e um número maior deles passa a ser traduzido ou editado em suas línguas originais, seja em países muçulmanos ou ocidentais. Todavia, ainda é pequeno o conhecimento deles, principalmente se pensarmos que, segundo Carl Ernst, escrevendo em 1977, só se tem acesso a menos de dez por cento dos manuscritos árabes, sem falar nos manuscritos persas, turcos, swahili, urdus e em outras línguas utilizadas na região. Definição. Segundo Annemarie Schimmel (1922-2003) o Sufismo é a dimensão mística do Islã. Isto quer dizer que ele se centra no aspecto esotérico, interior da religião muçulmana, distinguindo-se de outros grupos que se centram mesmo sem perder sua dimensão de interioridade, no aspecto exotérico, exterior. É como a contemplação da realidade espiritual que se distingue da observância estrita da lei religiosa recebida por meio dos rituais, textos sagrados e autoridades religiosas. Como tradição mística do Islã, não é uma espiritualidade distinta e aparte dele, pois procura assumir os seus preceitos, suas leis e pilares, seu livro sagrado, enfatizando, no entanto, a perspectiva de interioridade que isto tudo propicia. Como nos afirma Roger Garaudy (1913-2012), o Sufismo é uma dimensão da fé muçulmana: sua dimensão de interioridade. Qualquer tentativa para fazer dele uma corrente autônoma, ou uma função separada, degrada-o inevitavelmente ( ... ). Seria, portanto, falso identificar o Sufismo com a mística cristã ou com a meditação hindu. Sem dúvida, devido à própria expansão do Islã, houve contatos e trocas com os padres do deserto e sua mística cristã, como os gnósticos de Alexandria e os escritos de Plotino (204-270), com as sabedorias da Índia e a ascese budista. Essa fecundação recíproca pôde enriquecer a visão de cada um, mas as origens profundas do Sufismo continuam no Corão. Em árabe, o Sufismo é denominado "Tasawwuf" e deriva da palavra "sãf", que significa "lã" e se relaciona com a veste utilizada pelos primeiros Sufis, que era associada, segundo a tradição, à predileção da maioria dos profetas por tais tipos e vestimentas. Nesta etimologia está a contestação do mundo, útil particularmente nos primeiros tempos islâmicos, quando as conquistas muçulmanas criaram um ambiente de fartura e de uma vida voltada aos prazeres e bens materiais. também se encontra nesta relação com a veste de lã o valor que os Sufis dão à pobreza e ao despojamento de tudo o que não é Deus. Por isso, são também chamados de "faqsr" ou "derivsh". Outras tentativas de explicação associam a origem de seu nome à pureza "safa" e a banco, "suffa". O primeiro significado corresponderia a busca de descrever o Sufismo como a "purificação dos corações", tasfiyat al qulub". Já a palavra "suffa" procura estabelecer uma correspondência entre os Sufis e o "Povo do Banco ou Povo do Caminho", um grupo de seguidores do Profeta Maomé que não possuía moradia e dormia em banco, criando uma comunidade que partilhava tudo entre si. Também houve a associação, por parte de al Biruni, de "Tasawwuf" à palavra grega "sophos" sabedoria, o que filologicamente não faz sentido. O termo "Tasawwuf" significa o processo de se tornar Sufi. É um termodinâmico que permite a captação do assumir uma identidade religiosa. Por isso, a denominação de Sufi pode ser utilizada tanto para quem está percorrendo o caminho a tarsqa, quanto para quem já alcançou a haqsqa a doutrina proveniente da iluminação da Verdade. Portanto, os Sufis desenvolvem um caminho e uma doutrina, nos quais porpõem um método de iniciação que prepara o fiel para o recebimento da bênção "baraka" e, ao mesmo tempo, um conhecimento esotérico. Porém, mesmo utilizando-se de uma única palavra, Sufismo, a realidade a qual ele se refere é pluriformas. Ele adquiriu, ao longo de sua história, configurações variadas, a ponto de não existir uma única expressão Sufi, mas várias escolas e tradições, com variadas nuanças e especificidades. Fontes Principais do Sufismo. Fontes Principais do Sufismo. As fontes da linguagem mística Sufi assim como de sua experiência são variadas, sendo que as primordiais se referem ao mundo muçulmano. Neste sentido, sua fonte primordial é o Corão. Os Sufis se caracterizam por uma aproximação ao Corão baseada numa releitura frequente do mesmo e na sua recitação global, qira ah, cujas principais características são a recitação em comum e em voz alta, instituição de sessões regulares de recolhimento e sessões com temas corânicos para meditação. Estas sessões podem se desenvolver rumo a um tipo de concertos espirituais ou oratórios. Os muçulmanos devem meditar e recitar continuamente o Corão com a finalidade de adquirir a ciência da istinb, ou seja, a elucidação imediata do sentido profundo de cada versículo. Segundo Louis Massignon (1883-1962), os textos do Corão são a base dos termos técnicos do Sufismo. Assim, são comuns em todo o Sufismo termos como recitação, segredo, mistério do coração, desvelamento, revelação, irradiação, manifestação. A paz divina que habita em um santuário ou no coração do crente, arrependimento. Continuamos na parte II. Abraço. Davi.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

OS ANALECTOS - LIVRO VIII

Confucionismo. www.https//rt.br. OS ANALECTOS – LIVRO VIII. 1. O Mestre disse: “Seguramente T’ai Po pode ser considerado muito virtuoso. Três vezes ele abriu mão de seu direito de governar o Império sem dar ao povo a oportunidade de louvá-lo”. 2. O Mestre disse: “A menos que um homem tenha o espírito dos ritos, ao ser respeitoso ele vai exaurir a si mesmo, ao ser cuidadoso ele vai se tornar tímido, ao ter coragem ele vai se tornar indisciplinado e, ao ser íntegro, ele vai se tornar intolerante. [88] “Quando o cavalheiro sente profunda afeição por seus pais, o povo será levado à benevolência. Quando ele não esquece amigos de longa data, o povo não fugirá de suas obrigações.” 3. Quando estava seriamente doente, Tseng Tzu chamou seus discípulos e disse: “Olhem para as minhas mãos. Olhem para os meus pés. As Odes dizem: Com medo e tremendo Como se aproximando de um profundo abismo, Como se andando sobre gelo fino. [89] Somente agora tenho a certeza de ter sido poupado [90] , meus jovens amigos.” 4. Tseng Tzu estava muito doente. Quando Meng Ching Tzu o visitou, eis o que Tseng Tzu disse: Triste é o canto de um pássaro que morre; Boas são as palavras de um homem que morre. “Há três coisas que o cavalheiro mais valoriza no Caminho: ficar longe de violência ao apresentar uma aparência séria, tornar-se confiável ao mostrar no rosto uma expressão apropriada e evitar ser entediante e pouco razoável ao falar em um tom apropriado. Quanto às questões da liturgia ritual, há oficiais responsáveis por isso.” 5. Tseng Tzu disse: “Ser competente e ainda assim pedir conselho para aqueles que não são. Ter muitos talentos e, no entanto, pedir conselho para aqueles que têm poucos. Ter e, no entanto, parecer que não tem. Estar cheio e, no entanto, parecer vazio. [91] Sofrer uma transgressão e, no entanto, não se importar. Era para esses objetivos que meu amigo [92] costumava dirigir seus esforços”. 6. Tseng Tzu disse: “Se a um homem pode ser confiado um órfão de seis ch’ih [93] de altura e o destino de um reino de cem li quadrados de tamanho, sem que ele se desvie dos seus propósitos nem mesmo em momentos de crise, não se trata de um cavalheiro? Trata-se, de fato, de um cavalheiro”. 7. Tseng Tzu disse: “Um Cavalheiro deve ser forte e resoluto, pois seu fardo é pesado e sua estrada, longa. Ele toma a benevolência como fardo. Isso não é pesado? Apenas com a morte a estrada chega a um final. Isso não é longo?”. 8. O Mestre disse: “Inspire-se nas Odes, firme sua atitude com os ritos e aperfeiçoe-se pela música”. 9. O Mestre disse: “O povo pode ser obrigado a seguir um caminho, mas não pode ser forçado a entendê-lo”. 10. O Mestre disse: “A insatisfação com a pobreza levará um homem de índole corajosa a um comportamento indisciplinado. O ódio excessivo levará homens que não são benevolentes a um comportamento indisciplinado”. 11. O Mestre disse: “As qualidades de um homem tão talentoso quanto o duque de Chou não mereceriam atenção se ele fosse também arrogante e egoísta”. 12. O Mestre disse: “Não é fácil achar um homem capaz de estudar durante três anos sem pensar em receber um salário”. 13. O Mestre disse: “Dedique-se com fé a aprender e espere a morte da maneira certa. Não entre em um reino instável; não permaneça em um reino instável. Mostre-se quando o Caminho vingar no Império, mas esconda-se quando isso não acontecer. É vergonhoso ser pobre e humilde quando o Caminho prevalece no reino. Igualmente, é vergonhoso ser rico e nobre quando o Caminho cai em desgraça no reino”. 14. O Mestre disse: “Não se preocupe com questões de governo a menos que sejam da responsabilidade do seu cargo”. [94] 15. O Mestre disse: “Quando Chih, o mestre de música, começa a tocar, e quando o Kuan chü [95] chega ao fim, como o som enche os ouvidos!”. 16. O Mestre disse: “Homens que rejeitam a disciplina e que, no entanto, não são corretos, homens que são ignorantes e que, no entanto, não são cautelosos, homens que são desprovidos de habilidade e que, no entanto, são inconfiáveis estão bem além da minha compreensão”. 17. O Mestre disse: “Mesmo com um homem que persegue os estudos como quem luta pela própria vida meu temor é que ainda assim ele não consiga fazê-lo a tempo”. 18. O Mestre disse: “Quão superiores Shun e Yü foram ao se manter à distância do Império quando, na verdade, tinham domínio sobre ele”. 19. O Mestre disse: “Yao foi de fato um grande governante! Que sublime! O Céu é grande, e Yao espelhou-se nele. Ele era tão grandioso que o povo não tinha palavras para levar-lhe as virtudes. Superior foi ele em seus sucessos e brilhante em suas realizações!”. 20. Shun tinha cinco oficiais, e o Império era bem-governado. O rei Wu disse: “Tenho dez oficiais competentes”. Confúcio comentou: “É difícil encontrar pessoas talentosas: que verdade! Os tempos de T’ang e Yü [96] foram ricos em pessoas talentosas. [97] Eram, na verdade, apenas nove, incluindo uma mulher. [98] A dinastia Chou continuou servindo a Yin mesmo quando dominava dois terços do Império. A virtude de Chou pode ser considerada suprema”. 21. O Mestre disse: “Em Yü não encontro defeito algum. Ele comia e bebia frugalmente ao passo que fazia oferendas aos espíritos dos ancestrais e aos deuses com a mais extrema devoção, apropriada a um descendente. Ele vestia roupas comuns ao passo que não poupava enfeites em suas vestes e chapéus litúrgicos. Ele morava em pobres casebres ao passo que devotava toda sua energia à construção de canais de irrigação. Em Yü não encontro defeito algum”. www.https//rt.br. Davi. Abraço.

terça-feira, 17 de dezembro de 2024

O SANHEDRIN

Judaísmo. www.morasha.com.br. O SANHEDRIN: A Suprema Corte do Povo Judeu. Juízes e guardas designarás para ti, em cada uma de tuas tribos, em todas as tuas cidades que o Eterno, teu Deus, te der, para que julguem o povo com reto juízo. (Deuteronômio, 16:18). Quando D'us outorgou a Torá ao povo judeu, no Sinai, Ele ordenou-lhes constituir um sistema de tribunais para preservar a justiça e executá-la segundo as leis que Ele transmitira a Moisés. Essas cortes jurídicas deveriam ter autoridade abrangente, abarcando todas as facetas da legislação judaica, quer fossem de teor civil, criminal ou religioso. Era sua missão manter e ensinar o judaísmo e, sempre que necessário, julgar os atos do homem perante D'us e sobretudo perante seu semelhante. A dicotomia existente entre a legislação civil e a religiosa na maioria dos países e sociedades, inexiste na Torá. Toda e qualquer matéria sobre a Lei Judaica é regida pelos mandamentos Divinos, encontrados em detalhe na Torá Escrita ou esmiuçados, em todas as suas interpretações, pela Torá Oral. Essas leis foram ministradas por D'us a Moisés ao pé do Sinai e posteriormente transmitidas - sem interrupção - pelos sábios, de geração em geração. Até os dias de hoje, um judeu que se tenha envolvido em uma disputa com um correligionário, é obrigado, de acordo com a lei da Torá, a levar essa pendência a um tribunal judaico - um Beit Din, literalmente, "uma casa da legislação". É vedado a um judeu encaminhar sua reivindicação a um tribunal secular ou não judeu, a não ser que, tendo primeiramente apresentado seu caso a um tribunal judeu, a parte oponente a isto se recuse. Maimônides escreveu que aquele que desafia esse preceito judaico e tramita sua queixa em uma corte de justiça laica ou secular, é considerado como tendo blasfemado e atacado a Torá, pois, ao assim agir, deu provas de desdenhar as Leis promulgadas por Ele. Desnecessário mencionar, mas é proibido um judeu delatar outro judeu às autoridades para ser julgado por uma corte não-judaica. Um Beit Din consiste de um grupo de juízes que ouvem os casos e proferem a sua sentença. Na lei judaica, não há a figura do júri; são os próprios juízes que interrogam as testemunhas, analisam as evidências e questões relativas ao caso, para então aplicar o veredicto e proferir a sentença. Quando há desacordo entre os juízes, prevalece a maioria simples. No entanto, em épocas ancestrais, quando as cortes judaicas julgavam um caso capital, era necessária uma maioria de no mínimo dois juízes para sentenciar que o réu era culpado. Composição e estrutura do Sanhedrin. Na lei judaica, há três instâncias nos tribunais, cada qual com jurisdição sobre determinadas especialidades. Esses níveis são diferenciados pelo número de juízes que compõem o tribunal e também pelo grau de conhecimentos dos mesmos sobre os assuntos da Torá, bem como seus atributos pessoais de sabedoria, dons e habilidades. O nível mais baixo dos tribunais judaicos - o único que ainda funciona, em nossos dias - é composto por três juízes. Esta classe de tribunal, conhecido simplesmente como Beit Din, ocupa-se geralmente de demandas pecuniárias: empréstimos, furtos, dano à propriedade e ao indivíduo. A instância intermediária, que deixou de existir há quase dois milênios, era formada por vinte e três juízes e conhecida como Sanhedrin Ktaná - Sanhedrin Inferior. Estas cortes examinavam casos capitais. As leis que regiam o julgamento de um crime grave, sujeito à pena capital, eram extremamente complexas e se tomavam todas as precauções para evitar uma aplicação indevida da força da lei. Os processos sempre pesavam a favor do acusado, pois a lei judaica dificultava muito - de fato, quase impedia - que uma pessoa fosse sentenciada à morte. No entanto, se alguém fosse condenado à morte pelo Sanhedrin Ktaná, não havia o recurso de apelação. Uma vez pronunciado um veredicto de culpa, procedia-se à execução imediata da sentença. A razão para tal era poupar o condenado da angústia da espera, dia após dia, até o momento de sua inevitável execução. Em toda a história judaica, raramente sentenciaram-se pessoas à morte. Nos casos em que isso ocorreu, a intenção era preservar a integridade da sociedade judaica ou corrigir uma grande maldade cometida. Ademais, o Talmud e o misticismo judaico ensinam que até mesmo o castigo capital tinha um objetivo humanitário: a execução do autor de um crime passível de morte era a forma de expiação para seu pecado; ajudava-o a purificar sua alma e, portanto, permitia que merecesse participar do Mundo Vindouro. Na tradição judaica, a vida humana tem valor inestimável e, quando os sábios que compunham o Sanhedrin deviam condenar alguém à morte, faziam-no com profunda apreensão e coração pesado. Comenta o Talmud que um tribunal que pronuncia uma pena capital uma única vez em sete anos - e, segundo os mesmos sábios, uma única vez em setenta anos - era considerado um "tribunal destrutivo". Rabi Akiva declarou que se dependesse dele, nenhum ser humano jamais seria executado. A terceira e mais alta das cortes do sistema jurídico judaico era um tribunal composto por setenta e um juízes, dentre os maiores sábios de Israel, e era conhecida como "o Grande Sanhedrin". O primeiro Grande Sinédrio foi convocado no Deserto de Sinai e era encabeçado por Moshé. A partir de então, o principal juiz do Sanhedrin assumia o título oficial de Rosh Ha'Yeshivá - "Presidente da Assembléia". Mais tarde, passaram a se referir a essa personalidade como o Nassi - o "Príncipe". Em matéria pertinente à lei e à justiça judaica, o Nassi era o líder de facto do povo judeu. Era invalidada qualquer sentença pronunciada pelo Sanhedrin sem a presença do Nassi. O juiz que ocupava o segundo lugar nessa hierarquia tinha a função de assistente do Nassi e era conhecido como o Av Beit Din - o "Pai da Corte Rabínica". O Grande Sanhedrin examinava crimes capitais que estavam além da jurisdição da Corte Inferior e, se porventura, um caso não pudesse ser julgado adequadamente pelas demais cortes, era também transferido para a corte suprema. Esta tinha a responsabilidade de julgar os casos mais chocantes e notórios, como os que diziam respeito a um falso profeta ou a uma cidade inteira que se tivesse subvertido à idolatria. Se o Cohen Hagadol - o Sumo Sacerdote de Israel - fosse culpado de um delito máximo, seria julgado pela instância suprema. Esta Corte Superior também se pronunciava sobre questões que afetassem todo o povo judeu, como a indicação de um rei ou do Sumo Sacerdote, a demarcação do calendário judaico, uma declaração de guerra e a nomeação dos juízes do Sanhedrin Inferior. Suas sentenças vinculavam todas os tribunais inferiores e somente podiam ser revogadas por outra decisão judicial do Grande Sanhedrin. Se algum juiz se recusasse a aceitar a sentença desse tribunal máximo e, de público, continuasse a aplicar sua opinião contrária, era passível de condenação à morte. Durante todo o tempo em que existiu o Sanhedrin, era sua a palavra final e autoritária em todas as questões pertinentes à Lei da Torá. Como um braço legislativo do poder, o Sinédrio possuía autoridade outorgada por D'us para promulgar leis que tinham vinculação legal sobre todo Israel. Qualquer legislação promulgada por esse tribunal é chamada de Lei Rabínica; e, apesar de vez por outra admitir certa flexibilidade, o Sanhedrin tem poder compulsório e tão vinculatório quanto um mandamento bíblico. Tamanha autoridade foi-lhe imputada por D'us, Ele próprio, em Sua Torá, como está escrito: "Conforme o mandado da lei que te ensinarem... farás" (Deuteronômio, 17:11). Aquele que acreditava na autoridade da Torá era obrigado a aceitar as determinações e as decisões judiciais do Grande Sanhedrin. Sua função mais importante era a preservação, interpretação e transmissão da Torá Oral. Esta consiste de todas as interpretações e elucidações do corpo de leis escritas, bem como das inúmeras leis que foram outorgadas a Moisés por D'us e que, por um propósito determinado, jamais foram escritas. Desde o Sinai, a Torá Oral foi transmitida oralmente e confiada a uma assembléia de anciãos que a preservaram e ensinaram. Foi transmitida dos mestres para os discípulos durante quase 1.500 anos, dos dias de Moshé até depois de os romanos terem destruído Jerusalém. Ao longo de todo esse período, a Lei e as tradições judaicas foram sagradamente preservadas pelo Sanhedrin. Somente após ter sido exilada e, por fim, dispersada aquela santa assembléia de sábios, é que a Torá Oral foi escrita na forma do Talmud e do Midrash. Após ser construído o Templo Sagrado de Jerusalém, o Grande Sanhedrin reunia-se e decidia sobre as matérias julgadas em uma de suas câmaras, conhecida como a Câmara da Pedra Talhada. O Grande Sanhedrin somente se investia de seus plenos poderes quando despachava desse local. Esse tribunal supremo podia ser instituído em qualquer parte da Terra de Israel, porém, se não se reunisse na Câmara da Pedra Talhada, sua autoridade e seus poderes sofriam drásticas limitações. Os sábios do Sanhedrin. Para que um judeu fosse qualificado a servir no Sinédrio, tinha que possuir grande sabedoria, conhecimento e sagacidade. Acima de tudo, tinha que ter notável domínio das questões da Torá, bem como vasto conhecimento de outras disciplinas que poderiam ter relevância no julgamento de uma ação. Os juízes que o compunham deviam, também, ser fluentes em vários idiomas para que pudessem julgar um réu ou examinar testemunhas que falassem uma língua estrangeira. Deviam, também, esses magistrados, ter conhecimentos sobre outras religiões, bem como sobre práticas da idolatria e do ocultismo, de modo a poder ajuizar e pronunciar veredictos em casos que versassem sobre tais temas. Por essa razão, mesmo as matérias cujo estudo era vedado ou não recomendado aos judeus, eram conhecidas a fundo pelos juízes do Sanhedrin, pois que poderiam ser requisitadas durante um julgado. Todos os juízes, mesmo os que integravam a instância inferior dos tribunais, possuíam atributos e qualidades pessoais irrepreensíveis. Seu caráter tinha que ser exemplar e sua integridade, impecável. Como o disse Maimônides, tinham que ser homens sábios, humildes, tementes a D'us, incorruptivelmente honestos, amantes da verdade; tinham que possuir boa disposição no trato com seus semelhantes e a reputação ilibada. E para que o tribunal do Sanhedrin impusesse o maior respeito possível ao povo, seus magistrados deviam ainda ser indivíduos maduros e de boa aparência. Portanto, dava-se preferência a que tivessem quarenta anos, no mínimo, exceção feita a alguém que tivesse sabedoria e conhecimentos incomparáveis. Para a autoridade máxima do Sanhedrin dava-se preferência a alguém que tivesse entrado na casa dos cinquenta. Em hipótese alguma uma pessoa com menos de dezoito anos era indicada para compor a Corte Suprema do judaísmo. Tampouco tinha assento nessa assembléia o homem estéril ou sem filhos - pois que conforme explicavam os Sábios, o homem se torna mais misericordioso depois de ser pai. Considerava-se inválida, portanto, a composição de um Sanhedrin se um de seus membros se enquadrasse nesta condição. A pessoa que tivesse sido culpada de roubo ou de qualquer transgressão que envolvesse ganho pecuniário era considerada inapta para a nobre função. Obviamente, não podia ter assento em um julgamento o juiz que tivesse algum parentesco com o indiciado, litigantes ou uma das testemunhas. Para compor um Sanhedrin, o magistrado tinha que ser ordenado com uma Semichá. No entanto, esta não deve ser confundida com a ordenação que é pronunciada, hoje, na formatura de um rabino). Essa Semichá também era um pré-requisito para os juízes do Sanhedrin Inferior, mesmo que se tratasse apenas de um tribunal de três membros para julgar algo tão trivial como uma multa. A instituição da Semichá era uma forma singular de ordenação que remontava à época de Moisés, que recebera a sua de D'us. Era transmitida de mestre a discípulo, em uma corrente inquebrantável, até ter caducada a sua vigência, no final do século IV da era comum. A cerimônia de outorga da Semichá somente podia ser realizada na Terra de Israel. Quando a perseguição das autoridades romanas aos judeus fez com que a maioria da população fosse exilada da Terra, foi interrompida a significativa ordenação da Semichá. No ano de 28 E.C., quando os romanos dominavam a Terra de Israel, o Sanhedrin foi destituído de grande parte de seu poder. Sua assembléia deixou de se reunir na Câmara da Pedra Talhada, transferindo-se para outro cômodo do Monte do Templo, em nítida indicação de que tinha sido forçada a abdicar de sua autoridade de julgar casos capitais. Posteriormente, deixou por completo o recinto do Templo, transferindo-se para Jerusalém. Quando a mais sagrada das cidades foi destruída pelas legiões romanas, em 70 da era comum, o Sanhedrin foi para Yavne. Durante o século seguinte, sua sede alternou-se entre Yavne e Usha. De lá, transferiu-se para Shafaram, Beth Shearim, Séforis e Tiberíades. Continuou a funcionar em Tiberíades até pouco antes de ser completada a compilação do Talmud. Durante as perseguições de Constantino, entre 337-361 E.C., o Sanhedrin foi forçado a passar à clandestinidade e acabou por ser dissolvido. A autoridade do Sanhedrin. Ordena a Torá que todo o povo judeu obedeça o que determinam as decisões judiciais do Sanhedrin e suas sentenças. É proibido contestar ou mesmo ignorar sua autoridade, pois que D'us ordenou em sua Torá: "Conforme o mandado da lei que te ensinarem e conforme o juízo que te disserem, farás; da sentença que te anunciarem não te desviarás, nem para a direita nem para a esquerda" (Deuteronômio, 17:11). As determinações do Sanhedrin tinham que ser aceitas ainda que parecessem ilógicas ou erradas. No entanto, esta corte não tinha o poder de promulgar um decreto - jamais o tendo feito - que abolisse um mandamento da Torá nem de proibir algo que a Torá expressamente permitia. Mas, por outro lado,tinha o poder de promulgar uma legislação consoante com as necessidades da época. Qualquer lei decretada pelo Sanhedrin é chamada de Mandamento Rabínico. E quem, porventura, desrespeitasse um mandamento rabínico estaria transgredindo a própria Torá. Os juízes, apesar de humanos e falíveis, eram guiados pelo espírito de D'us, que os ajudava a perseguir a verdade e a justiça. Com efeito, a Torá e o Talmud referem-se, ocasionalmente, aos magistrados do Sanhedrin como Elo-im, que é um dos Nomes que a Torá utiliza para se referir a D'us, Todo Poderoso! Por definição, suas sentenças representam a Vontade Divina. Era, portanto, algo extremamente sério contestar a autoridade do Sanhedrin. Em determinados casos, quem o fizesse poderia ser condenado à morte, pois está escrito: "Se um homem, pois, agir com soberba e não der ouvidos ao... juiz, tal homem morrerá; e assim eliminarás o mal de Israel" (Deuteronômio, 17:12). Era a autoridade desse tribunal supremo o que garantia a preservação da Torá e que fazia ser único e unificado o judaísmo, não estando sujeito aos caprichos e interpretações de quem quer que fosse. Os Sábios que o compunham eram os líderes - as mentes mais elevadas, os homens mais santos de Israel. Até em nossos dias, quando não mais existe a grande assembléia do Sanhedrin, menosprezá-lo é mostrar total desrespeito ao povo judeu, à Torá e mesmo a D'us. Como vimos acima, tratava-se de uma Corte Suprema humanitária e justa, que funcionava sob os auspícios do Juiz Celestial. E, assim sendo, fazia tudo a seu alcance para evitar sentenciar pessoas à morte é uma inverdade histórica. O libelo de sangue que, infelizmente ainda perdura, de que o Sanhedrin teria julgado Jesus, um judeu, no ano de 33 de nossa era, sentenciando-o à morte e, a seguir, entregando-o aos romanos para que o executassem. Como vimos acima, o Sanhedrin deixou de examinar casos capitais no ano de 28 E.C., quando se retirou da Câmara de Pedra Talhada. E o que é ainda mais grave em tal acusação infundada é o absurdo teológico que encerra. É um despropósito e uma ironia sugerir que os maiores mestres nas questões da Torá teriam violado grosseiramente a Sua Lei, que proíbe, de forma inarredável, a um judeu entregar outro judeu para ser julgado por autoridades não judias - muito menos se este ato redundasse em sua execução. É mister, também, que fique muito claro que o Sanhedrin, de acordo com a sagrada Torá, não podia julgar casos capitais - como nunca o fez - na véspera de Shabat, de Pessach nem de qualquer de suas datas sagradas, pois é contra a lei judaica executar quem quer que seja nos Dias Santificados. Quando o Sanhedrin era forçado a condenar um judeu à morte, ainda que pelo mais hediondo dos crimes ou pecados, essa assembléia de homens sábios empenhava-se ao máximo para preservar a dignidade do indiciado e minimizar sua dor física. No dia da execução do culpado, todos os juízes jejuavam, em sinal de luto pelo réu judeu - um de seus irmãos - que eles próprios haviam condenado à morte. Os magistrados que compunham o Sanhedrin tinham consciência de sua terrível responsabilidade: a de se tornarem parceiros Divinos ao ser o braço da justiça no mundo que Ele criou. Ao tentar emular o Juiz de toda a Terra, eles temperavam a justiça com misericórdia, decretando a pena capital muito raramente, apenas quando de fato não lhes restava alternativa. A restauração do Sanhedrin. Referindo-se ao Sanhedrin, a Torá afirma:.. "deverás... subir ao local (...)" indicando que o lugar escolhido para acolher a Suprema Corte era um dos mais elevados na Terra de Israel. Ao tentar determinar o lugar escolhido por D'us para a construção do Templo Sagrado, o Rei David e o Profeta Samuel guiaram-se por esse versículo. O fato de o local escolhido ter sido determinado por um verso da Torá que, por sua vez, se refere à localização do Sanhedrin, nos revela que a razão primária para a existência do Templo Sagrado era a de sediar a magna instituição. Com efeito, uma das principais funções do Templo era a educativa - "... para que aprendas a temer o Eterno, teu D'us, todos os dias de tua vida" ((Deuteronômio, 14:23). A principal fonte de instrução era o Sanhedrin, cujos magistrados ensinavam a Torá a todo o povo de Israel. E a Lei de Moisés era preservada pelo Sinédrio, que, desta maneira, evitava sua interpretação errônea e aplicação indevida, pois isso daria motivo a fricção e dissidência no seio do povo judeu. Pois que nos ordena a Torá: "Uma mesma Lei, um mesmo estatuto (Torá) haverá para vós..." (Números, 15:16). Hoje, quase dois mil anos depois de destruído o Templo, o Sanhedrin continua a desempenhar um papel dominante na vida do povo judeu. Foi essa corte moldou o judaísmo. Uma tradição diz que a restauração do Sanhedrin precederá a chegada do Messias. Pois que este será Rei de Israel e, portanto, precisa ser confirmado por uma ordenação direta do Sanhedrin. Eis que D'us disse a Seu profeta: "Restituir-te-ei os teus juízes, como eram antigamente, os teus conselheiros, como no princípio; depois te chamarão Cidade da Justiça, Cidade da Fé. Sion será redimida pelo direito; e os que se arrependem, pela justiça" (Isaías, 1:26-27). Por outro lado, um ensinamento nos diz que o Sanhedrin será restaurado após uma parcial reunião dos exilados judeus, antes que seja reconstruída e restaurada Jerusalém; e que o Profeta Eliahu se apresentará perante esta Corte Suprema dos judeus, ao anunciar a chegada do Messias. Por isso, na Amidá, a oração recitada três vezes ao dia, rogamos a D'us que "restitua nossos juízes, como no passado, e nossos conselheiros, como outrora". Por trás desse rogo sente-se a nostalgia judaica que clama pela reconstrução do Templo Sagrado de Jerusalém, para que todos os judeus voltem a se reunir na Terra de Israel e D´us contemple a humanidade com uma era de prosperidade e paz absoluta. www.morasha.com.br. Abraço.Dav