Judaísmo. www.morasha.com.br.
Compilado da palestra por Claudia Altschuller. A convite do Instituto Morasha
de Cultura e do beit Chabad Morumbi, esteve novamente no Brasil o rabino Laibl
Wolf. Vivendo atualmente na Austrália, além de advogado e psicólogo, é profundo
conhecedor da Cabalá e das filosofias orientais. COMO ALCANÇAR O EQUILÍBRIO
ENTRE O CORPO E A ALMA. A humanidade está passando por um período de muitos
desafios, em que o progresso se dá em velocidade geométrica. No passado, as
pessoas costumavam sair de casa, olhar para o horizonte e ver que as coisas
permaneciam sempre iguais. Atualmente, em um breve espaço de tempo, pode-se
perceber que prédios, ruas e até o céu já não são os mesmos. Antes, vivia-se na
mesma casa por cinco gerações enquanto hoje, no decorrer da vida, uma pessoa
pode chegar a viver em até cinco lugares diferentes. A informação e a
tecnologia se têm multiplicado. A mídia gera imagens que dizem como devemos
vestir-nos, comer ou tomar banho. Estas imagens conseguem mudar nossa
disposição emocional, fazendo-nos sentir muitas vezes impotentes, como alguém
que perdeu a confiança em sua própria capacidade. O que eu gostaria de lhes
mostrar é como reconquistar a confiança em sua própria vida. Mostrar como
quando cada um de nós adota uma postura de confiança e de fé, sua atitude afeta
a todos. Revoluções não se iniciam lá fora, começam dentro de mim e dentro de
vocês. Cada um de nós tem a capacidade de mudar o mundo. Atualmente, Cabalá é
uma palavra que se tornou muito popular. A "lógica" é simples: "Se
Madonna está estudando e praticando a Cabalá, é por que o tema deve ser
importante". Ao refletir sobre o interesse da artista ou de outros astros
sobre a Cabalá, ficava intrigado ao constatar que os profissionais da indústria
cinematográfica e da moda tendem a procurar opções espirituais mais do que os
de outras áreas. Provavelmente, quando a vida de alguém depende quase que
exclusivamente de sua aparência física, esse alguém percebe, em determinado
momento, que há um vazio dentro dele. Sou muito consciente de que há certa
exploração do mercado espiritual. Não acredito que colocando um fiozinho
vermelho em volta do pulso ou escaneando mentalmente um trecho do Zohar alguém
vai-se tornar mais sábio ou mais bem preparado para lidar com a vida. Algo
precisa ficar muito claro para todos antes de prosseguirmos: a Cabalá é a Torá,
é sua alma. Não é possível separá-las. Para podermos entender melhor este
conceito básico é preciso voltar no tempo. Este não é o nosso primeiro
encontro. Vocês lembram quando nos encontramos pela primeira vez, há cerca de
3.500 anos? Estávamos todos nós, juntos, no Monte Sinai, e Moisés, após receber
de D'us a Torá, levou-a aos Filhos de Israel e passou a transmitir suas lições.
Ele nos ensinou a Torá em quatro níveis diferentes. Primeiro, falou a todos
sobre a explicação simples e literal de toda a Torá. Este tipo de interpretação
ficou conhecido como Peshat. Depois selecionou um grupo menor, a quem revelou
um nível mais profundo da Torá, que se tornou conhecido como Remez, que
significa alusão. A seguir, foi a um nível ainda mais profundo para um grupo
mais restrito. Este terceiro nível de interpretação foi denominado Derush. A
este, é associada a literatura do Midrash. Finalmente, selecionou um núcleo bem
pequeno a quem transmitiu o quarto nível de interpretação da Torá - o mais
profundo e secreto: sua parte mística, que ficou conhecida como Sod, que
literalmente significa segredo. Esta profunda vastidão ficou conhecida como
Cabalá. Estou enfatizando estes pontos para que não haja dúvida de que a Cabalá
é parte integrante da Torá. Se alguém fosse ler o Zohar, a obra básica da
Cabalá (algo que não aconselho, depois direi o porquê), seria como ler as
parashot - os trechos semanais da leitura da Torá em um nível mais profundo,
mais místico. Os mestres chassídicos ensinam que a sabedoria que permeia a
Cabalá tem o poder de enriquecer a vida de inúmeras formas. Seus ensinamentos,
aplicados ao contexto do comportamento diário, podem tornar a vida mais estável
e as pessoas mais equilibradas neste mundo cada vez mais complexo. O
importante, ensinam os mestres, é conseguir mudar nossa própria natureza de tal
forma que passemos a interpretar a realidade de forma diferente, para assim
poder responder aos desafios da vida de forma também diferente. Se amanhã cada
um de nós ficar igual ao que é hoje, significa que não cresceu, não aprendeu.
Há quem afirme que as pessoas não mudam, pois estão geneticamente
pré-programadas. Não acredito nesta visão de mundo e não canso de dizer que
cada um de nós pode mudar tudo o que quiser em si mesmo, contanto que siga dois
pré-requisitos fundamentais. Em primeiro lugar, precisa seguir um método. Em
segundo, talvez o mais importante, tem que acreditar que isso é possível. Sem
os dois, a pessoa não mudará; continuará sempre a mesma. Há aqueles que meditam
profundamente e conseguem até fazer projeções astrais, concentrando-se durante
uma hora, todas as manhãs. Mas continuam agnósticos, difíceis, não mudaram
nada. Trata-se de uma incongruência, pois não se pode ser alguém espiritual e
continuar sendo o mesmo indivíduo. Há alguns anos fui entrevistado por uma
emissora de TV, nos Estados Unidos, e me perguntaram o que era Cabalá. Eu
respondi que era "mind yoga". A resposta foi espontânea. Porém,
refletindo mais tarde, cheguei à conclusão de que fora uma ótima metáfora. A
ioga ensina como, praticando a autodisciplina através de técnicas de respiração
e de posturas corporais, podemos conseguir que a força vital flua de forma mais
forte dentro de nós. A Torá nós ensinamos como, ao adotar certa postura mental
e emocional, podemos conseguir que nossa alma, a neshamá, flua melhor. Não
estou aqui para expor a parte esotérica da Cabalá; meu enfoque é muito
realista, terreno. Pessoalmente, não creio que algo puramente esotérico ou
intelectual tenha uma aplicação real na vida das pessoas. Quero mostrar que
dentro da tradição espiritual judaica, especialmente o chassidismo, existe um
modelo psicológico sofisticado que, se adotado, ajuda o homem a efetuar uma
mudança em seu emocional. Mostrar que é possível treinar a mente e o coração
para adotar posturas equilibradas e positivas - para que quando chegar o
momento de desafio, ao longo do dia, tenhamos a agilidade mental e emocional
para enfrentar positivamente qualquer situação. Para exemplificar, usarei um
sentimento comum nas pessoas: a "raiva". Na Torá somos totalmente
proibidos de expressar raiva. Geralmente, quando faço esta afirmação, meus
interlocutores ficam nervosos e ouço comentários como "É ridículo dizer
algo assim; com um mestrado em psicologia, o Rabino não sabe da importância de
se extravasar a raiva?" O que a maioria não sabe é que existe uma outra
corrente de psicologia que ensina exatamente o oposto e afirma que é melhor não
colocar a raiva "para fora"; é melhor conter o sentimento porque vai
servir de treinamento para uma próxima ocasião. O judaísmo segue esta segunda
linha de pensamento. Quero que aprendam a nunca ficar nervosos. Sabemos hoje
que pessoas nervosas, que expressam raiva, têm imunidade mais baixa. Além do
mais, esse sentimento prejudica as relações entre os indivíduos, seja em casa
ou no trabalho. Não há nada de positivo na raiva. Mesmo assim, quando explica
que a Torá diz ser proibido expressar a raiva, as pessoas agem como se lhes
estivesse sendo roubado um direito "precioso". A tecnologia médica se
desenvolveu a tal ponto que atualmente as várias formas de escanear o cérebro
nos permite observar como a mente funciona. Há cerca de três anos, surgiu uma
nova tecnologia de scanning chamada Spect Scan, que mostra a mente em
movimento, o que permitiu um insight maravilhoso. O pioneiro da técnica é o Dr.
Andrew Newberg, da Universidade da Pensilvânia, que realizou uma experiência
muito interessante. Usando o Spect Scan, ele estudou um grupo de monges
tibetanos e outro de franciscanos, observando-os enquanto meditavam e oravam. O
cientista chegou à conclusão de que quando estamos envolvidos em uma atividade
de meditação e prece, há um aumento drástico da atividade de uma parte do
cérebro - a que é responsável por nossa conexão, integração e empatia. Ao mesmo
tempo, há grande diminuição da atividade na parte da mente responsável por
nosso desligamento do mundo, o ego. Descobriu, também, que quando alguém está
envolvido em atividades como meditação e prece, além de uma menor probabilidade
de ter depressões e doenças do coração, essa pessoa tem a imunidade aumentada.
Outras pesquisas médicas, realizadas nos últimos anos, revelaram que nossa
atitude frente a certas circunstâncias ou acontecimentos afeta também as
células do corpo. Ou seja, a maneira como nossos pensamentos interpretam a
realidade acaba afetando o próprio corpo. E se nós pudéssemos mudar nossa
atitude perante a vida, mudar nossa interpretação dos desafios? E se pudéssemos
realmente ter um equilíbrio emocional? Na realidade, não é algo tão difícil e
nem é necessário ir até o Himalaia ou passar anos com um guru para conseguir
transformar o seu "eu". Você pode fazer esta mudança amanhã de manhã!
O Dr. Herbert Benson, Professor-Adjunto de Medicina da Harvard Medical School e
pioneiro no estudo médico combinado da mente e do corpo - que incorpora a
espiritualidade e a cura na Medicina tradicional - afirma que nossas mentes
podem produzir doença, saúde, sede, fome, ou seja, tudo aquilo que acreditamos
ser a realidade. Segundo ele, a fé pode mudar-nos, desde que você dê a si mesmo
a liberdade de mudar. Mas qual é o inimigo dessa liberdade? É o hábito, as
respostas automáticas e habituais. Algo que também aprendemos nos últimos anos
é que, à medida que nossos sentimentos se repetem, são criados
"sulcos" na mente. Nossa mente cria caminhos mais rápidos, ligações
mais diretas para executar certas tarefas. Ilustrando a ideia com um exemplo:
uma pessoa que tenta tocar piano pela primeira vez, sabe o que quer fazer, mas
seus dedos não conseguem acompanhar sua vontade. Só depois de estudar, treinar
os dedos e praticar bastante a pessoa conseguirá tirar uma melodia do teclado.
Atualmente, através do escaneamento do cérebro, podemos entender este processo,
ver como o ato de repetir uma ação faz com que os neurônios fluam de forma mais
simples e rápida. Isto vale também no campo emocional. Se você se habituar a
ficar inseguro e ter medo de certos pensamentos ou situações, acabará repetindo
esta insegurança todas as vezes em que aquela situação se apresentar. Ou seja,
o medo torna-se um hábito. Precisamos desfazer os hábitos para criar a
liberdade. Até o momento, falo em termos de bom-senso e psicologia. Daqui por
diante, traduzirei o que disse em termos espirituais. Quero olhar para a
tradição judaica da Cabalá e da Chassidut. Como já foi mencionado, não vale a
pena tentar ler o Zohar, obra fundamental da Cabalá. Primeiro porque está
escrito em aramaico e não em hebraico. Segundo, porque sua linguagem é
hermética, enigmática, propositalmente codificada. Isto torna muito difícil o
acesso à sabedoria que encerra. Com o surgimento, no século XVIII, do chassidismo,
a sabedoria contida na Cabalá passou a ser transmitida e explicada de maneira a
ser colocada em prática por qualquer um, no dia-a-dia. Por isso, aconselho o
estudo do Chassidut como uma forma de começar a compreender a parte acessível
da Cabalá. Sua parte mais profunda está fora do alcance da maioria, pois, para
verdadeiramente compreendê-la, é necessário dedicar a vida toda ao estudo e às
preces. Ouve-se com frequência a pergunta: Mas não dizem que só pode estudar a
Cabalá um homem acima dos 40 anos, casado, que conheça a fundo o Talmud, a Torá
e a Halachá?". No passado, estes eram os pré-requisitos, mas o próprio
Zohar alertara sobre a mudança ao afirmar que haveria uma época em que as
"fontes da sabedoria" irromperiam, "vindas de cima ou de
baixo", mudando para sempre o mundo. A partir desse momento, os homens
teriam que acessar a sabedoria interior para manter seu equilíbrio. O mesmo
Zohar dá uma data exata de quando essa transformação iria acontecer, como de
fato aconteceu. Verifiquem a data e a comparem com a história secular. Verão
que nessas datas ocorreram os seguintes fenômenos históricos, que têm íntima
relação com a explosão do conhecimento: a Revolução Industrial, a adoção de
métodos científicos para as pesquisas, o início dos movimentos nacionalistas
que resultaram na Revolução Francesa. E foi nesse mesmo período que surgiu o
chassidismo. Este movimento foi iniciado no leste da Europa pelo Rabi Baal Shem
Tov, na primeira metade do século XVIII, e disseminado pelos mestres
chassídicos. Basicamente, a Chassidut é uma síntese dos ensinamentos da Cabalá
e de seus efeitos práticos em nosso cotidiano. Se aprendidos e usados
adequadamente, estes ensinamentos oferecem ao homem uma fonte inesgotável de
sabedoria, ajudando-o a lidar com as realidades da vida. Por isso, grandes
rabinos e cabalistas, como o Baal Shem Tov, e, mais recentemente, o Rebe de
Lubavitch, estimularam e ajudaram a difundir o pensamento cabalístico através
de ensinamentos acessíveis a todos. Acreditavam que, mesmo sem entrar nas profundezas
esotéricas de seus ensinamentos, a sabedoria que a Cabalá incorpora tem o poder
de enriquecer a vida, como dissemos acima. A necessidade de acessar esse
conhecimento mais profundo se tornou ainda mais premente hoje, quando temos que
diariamente enfrentar um mundo cada vez mais complexo. O Rebe de Lubavitch
(1902-1994) afirmava que "as mulheres, mais do que os homens, sabem
disto". Porque, costumava dizer, hoje em dia, elas têm uma agenda dupla:
criam a próxima geração - como sempre o fizeram - e estão totalmente integradas
na parte social e econômica da sociedade. À medida que vou percorrendo o mundo,
sinto que as pessoas querem algo mais significativo em suas vidas. Quando
ocorrem coisas significativas em nossas vidas e no mundo, acordamos para nossa dimensão
mais profunda. O último Rebe de Lubavitch dizia que cada um de nós pode
projetar seu pensamento para alguém do outro lado do mundo e isto pode afetá-lo
material e espiritualmente. Uma pesquisa feita em laboratórios em várias partes
do mundo pode ajudar-nos a comprender esta idéia. Durante a experiência, duas
pessoas colocadas em dois quartos separados, sem se comunicarem, são submetidas
a um eletroencefalograma. Pede-se então, para uma das pessoas tentar transmitir
um sentimento de compaixão para a do outro quarto. O eletroencefalograma
registra a mensagem de compaixão. Durante outra pesquisa, pedia-se para que uma
pessoa observasse um tubo de ensaio com enzimas, que estivesse a um metro e
meio de distância, e tentasse interferir no funcionamento das enzimas.
Chegou-se à conclusão de que o pensamento pode alterar até mesmo um tubo de
ensaio. Estabelecido que o homem tem o poder de afetar até o funcionamento de
uma enzima, a grande pergunta é como mudar a nós mesmos? Como atingir um
equilíbrio em nossa vida? D'us criou o ser humano com um desafio embutido nele.
Para explicar, falarei mais sobre a fisiologia e sobre as descobertas da última
década. Sabemos que o ser humano tem três cérebros: a mente animal, responsável
por nosso instinto, pela sobrevivência; a mente responsável pelas nossas
emoções; e o córtex, responsável pela parte superior da mente. A novidade é a
descoberta de que o fluxo de transmissão dos neurônios entre a mente e o corpo
e entre o coração e o corpo trabalham em velocidades diferentes. Na verdade, o
neurônio trabalha três vezes mais rápido na parte das emoções do que no córtex,
ou seja, a pessoa "sente" três ou quatro vezes mais rápido do que
"pensa". E é por isso que estamos sempre buscando desculpas. Por exemplo,
você passa por uma loja e vê uma roupa que lhe agrada e tem vontade de
comprá-la. O que você faz? Pensa em 101 motivos para comprá-la, mesmo que já
tenha três iguais em seu guarda-roupa. Como se chama isso? Racionalização do
sentimento. É que o coração captura e aprisiona a mente. É o sentimento
aprisionado ao raciocínio. O Alter Rebe (1745-1813), o primeiro Rebe de
Lubavitch escreveu a obra Tanya com a finalidade, de tornar a Cabalá acessível.
A obra ensina algo de extrema importância: "Moach Shalit Al-Halev", isto
é, a mente domina o coração. A mente deve dar a forma ao coração. O que é
mente? É a direção, uma bússola. O que é emoção? Emoção é a energia. Não
podemos usar só a mente e ser uma pessoa inteligente, porém fria e calculista.
Por outro lado, não faz sentido ser uma pessoa totalmente emocional. Às vezes
os sentimentos não são adequados ou são direcionados ao lado errado. Você pode
ser uma pessoa extremamente boa, ter muita compaixão. Mas, se permitir que seus
sentimentos fluam de forma errada, pode ferir outra pessoa. Veja o exemplo de
pais amorosos que não conseguem controlar seus sentimentos pelo filho. A
criança talvez possa ter problemas e os pais tentam compensar dando sempre tudo
que ela pede. O resultado é uma criança malcriada. Há amor e compaixão, mas não
usados de forma sábia. O Alter Rebe também ensinava: "É preciso que a
mente esteja sob o domínio do coração em equilíbrio". E qual é o
equilíbrio? Primeiro vem a direção - a mente, moach - e depois os sentimentos.
Não confundam! Não estou falando em reprimir sentimentos. Estou falando em
reaprender a permitir que nosso coração flua de forma sábia. A emoção é a forma
como a alma flui através do coração. Já a mente é a forma como essa mesma alma
flui pela fisiologia cerebral. Será que o indivíduo consegue treinar novamente
a forma como a alma flui através da mente? Será que consegue fazer o mesmo com
a maneira pela qual a alma flui pelo coração? Em outras palavras, será possível
reaprender a interpretar a realidade de forma diferente? Sim, é possível! Vamos
entender como funciona nosso esquema espiritual: quem somos e onde vivemos
espiritualmente. A Cabalá ensina que existem quatro mundos espirituais
paralelos. Todos emanaram do Ein Sof, a Fonte Infinita, D'us. O mundo mais
distante desta Fonte, o mais baixo, chamado Assiyá, é o único no qual os seres
humanos vivem. Neste mundo há tempo, espaço e consciência. No mundo um nível
acima do nosso, chamado de Yetsirá, não há tempo nem espaço. O nível acima
deste se chama Beryiá. O mais elevado de todos é o Atsilut. Vamos complicar um
pouco mais. Nossa alma, a neshamá, é como um cordão umbilical espiritual que
transcende os quatro mundos ou planos espirituais. Uma de suas extremidades é
conectada à Fonte Divina; a outra ao interior de seu ser espiritual e físico.
Segundo a Cabalá, o homem é composto das mesmas "forças
fundamentais", da mesma "matéria prima" através das quais D's
deu forma e conteúdo a toda a Sua Criação: as 10 Sefirot. Estas se originam no
Infinito do Ein Sof e emanam através dos mundos, criando uma "corrente
espiritual" que liga todas as coisas. É através das Sefirot que a Energia
Divina flui, permeia e se torna parte de cada ser vivente. No homem, a neshamá,
a alma, é o condutor para o fluxo das 10 Sefirot. Estas se individualizam em
cada ser como dez qualidades da personalidade - os fluxos de nossa mente e
emoção. Estes dez fluxos podem ser divididos em dois grupos. As três primeiras
Sefirot - Chochmá, Biná e Da'at- representam os processos internos mentais. O
segundo grupo, composto das outras sete Sefirot, formam o coração e as emoções
humanas. Estes fluxos de energias emocionais são Chessed, Guevurá, Tiferet,
Netzach, Hod, Yessod e Malchut. É atributo da mente o direcionamento, enquanto
o sentimento não tem direção. A maneira como cada um de nós canaliza os fluxos
de energia da mente e da emoção depende de nosso nível de sabedoria. Analisemos
alguns destes fluxos para ter uma idéia de como funciona nosso esquema
espiritual. Chochmá, por exemplo, a primeira Sefirá da mente, representa o
fluxo espiritual responsável pela inspiração e criatividade. Pensem neste fluxo
de energia como a forma como o ser humano vai pescar nos lagos do seu
subconsciente. Cada um de nós tem seu próprio anzol, sua própria isca e sua
própria vara de pescar. A maneira como buscamos alegria e alivio para a dor é
representada pela área do lago onde preferimos pescar. Todos procuramos pescar
na parte do lago em que nos sentimos seguros. O resultado é que todos pescamos
da mesma maneira, na mesma área e pegamos o mesmo peixe. Por isso pensamos
sempre da mesma maneira e respondemos da mesma forma aos mesmos estímulos. Um
escritor contemporâneo me disse que, todo dia, temos pelo menos 100 mil
pensamentos. O triste é que 95 mil são iguais, todos os dias. E, se
persistirmos em interpretar a realidade da mesma forma negativa – carregada de
dor e medo – então nosso cérebro persistirá em destilar sua carga excessiva de
estresse. Cientistas constataram que a memória que o corpo tem do medo é a
emoção mais profundamente gravada nos bancos da memória cerebral. O que faz
Biná, a segunda Sefirá da mente? É através desta que podemos mudar o padrão de
pensamento, porque é o fluxo de energia que gera o entendimento e a
compreensão, o raciocínio dedutivo. Este fluxo busca o insight de Chochmá,
trazendo do inconsciente para o consciente; alimenta a centelha do pensamento
consciente; torna-o tangível e lhe dá direção. A função da Sefirá de Biná é
pegar a centelha criativa da reinterpretação (Chochmá) e redirecioná-la segundo
a nova maneira de pensar. Aí vem Da'at, que literalmente significa cognição,
saber. É a lógica aplicada, a cristalização da consciência em termos de
conclusão. Da'at assegura a continuidade do pensamento, pois cria uma ponte
entre as atividades cerebrais Chochmá e Biná. Os processos mentais só tomam
forma quando são externalizados pelas Sefirot da emoção. E Da'at é responsável
pela conexão entre a mente e as emoções. As Sefirot das emoções humanas são
divididas em dois grupos. No primeiro, temos Chessed, Guevurá e Tiferet.
Vejamos as duas primeiras. Chessed é o fluxo de energia do amor. É esta Sefirá
que nos abre para o mundo, para compartilhar, contribuir. É a generosidade, a
extroversão, o altruísmo, o dar incondicional. Quando estendemos nossa mão para
o outro é o fluxo de Chessed que se manifesta. O fluxo oposto é a Sefirá de
Guevurá, que representa poder, força. É a autocontenção, o recuo das forças
para dentro de si. É no fluxo de energia da Guevurá que o ser humano encontra a
força e a habilidade de superar sua natureza, suas contradições e conflitos.
Nenhum destes dois sentimentos internos são positivos ou negativos; são simplesmente
emoções humanas e atitudes que para terem efeitos positivos devem ser guiadas
pelas Sefirot da mente. O ideal é que estejam em equilíbrio. Mas como atingir o
equilíbrio entre Chessed e Guevurá? Vejam um exercício que costumo usar para
treinar esta busca do equilíbrio. Peço aos alunos dos meus cursos que não digam
nada a ninguém, nos dez dias seguintes, antes de deixar passar três segundos. É
muito difícil conseguir isso. No segundo dia, peço que reduzam de três para
dois segundos. No terceiro dia, para um segundo. No quarto, para meio segundo.
No quinto, que façam apenas uma pequena pausa, sem passar nem um segundo. Os
participantes costumam dizer que este simples exercício opera uma das maiores
transformações de sua vida. As palavras são mecanismos de relacionamento, que
sempre mudam. Antes de abrir a boca e falar, durante os três segundos, o
indivíduo consegue atingir um equilíbrio entre mente e emoção. O resultado
final é que se termina falando de uma forma diferente do que de outro modo. É
importante lembrar o que foi dito anteriormente: todo ser humano é composto
pelas dez Sefirot. Quando em equilíbrio, estes dez canais de energia unem-se
como um canal único. Cada pessoa tem a sua Neshamá, seu fluxo individual da
alma. Duas pessoas no mundo não têm igual fluxo, nem mesmo dois animais o têm.
D'us criou um mundo de individualidade e diferenças. Cada ser humano é
diferente do outro e é maravilhoso ser diferente. E o motivo pelo qual cada um
de nós é diferente, único, é que cada um de nós é uma dádiva para o mundo. Cada
um de nós tem algo que mais ninguém pode oferecer. Esta é a base da auto estima
e é isto que devemos ensinar a nossos filhos. Devemos ajudar cada criança a
descobrir o que ela tem de especial, seus dons. E quando ela os descobre, o resultado
em termos de autoestima consegue transformar sua vida, de todas as formas.
Quando a criança não aprecia o que tem de especial, não tem motivação para ter
sucesso. E mesmo que o tenha, não tem o equilíbrio. Atingimos a maturidade por
volta dos 12 – 13 anos, na época do bar ou bat mitsvá, isto é, quando os
processos espirituais causam mudanças no corpo e na mente. O jovem passa a ser
menos egoísta, a sentir compaixão e sensibilidade. O porquê é simples: é nossa
alma Divina que começa a ser projetada para fora. Há quem não perceba isto de
forma consciente e acaba ficando imaturo, egoísta. Por exemplo, na psicologia
afirmamos que a imaturidade numa criança se revela quando ela toma os
brinquedos do amiguinho. Crianças fazem isso, adultos não deveriam fazer. Mas,
acontece que algumas crianças nunca crescem se tornam adultos que continuam a
pegar os "brinquedos" do outro. Às vezes, o dinheiro dos outros; em
outras, a esposa do outro. Essas pessoas não cresceram, suas almas divinas não
conseguiram projetar-se para fora. Falemos, agora, sobre o segredo da
felicidade e da satisfação. Olhem para si mesmos. Será que não há algo estranho
sobre nós? Por que tudo vem em dobro? Temos dois olhos, duas mãos, duas
narinas, dois hemisférios cerebrais. Também olhamos para a realidade de forma
dualista: superior versus inferior, direita versus esquerda, positivo versus
negativo. Nossa consciência é dualística. Indo mais além com este raciocínio,
qual a forma mais poderosa de fazer com que dois se tornem um? É o amor entre
um homem e uma mulher. Quando criamos uma ponte entre as diferenças,
conseguimos nos unir e dois tornam-se um. Ou seja, vivenciamos a experiência da
unidade por algum tempo para depois nos separarmos de novo, porque neste mundo
de tempo e espaço não conseguimos manter esta unidade o tempo todo. Aprendemos
sobre a transformação de dois em um na primeira parte da Torá. A primeira letra
da Torá é o beit, de Bereshit. Cada letra hebraica tem um valor numérico. Alef
vale um; beit, dois; guimel, três. E a Torá começa com a letra beit, que tem o
valor numérico dois. Por que dois? Para nos ensinar que nossa concepção da
realidade é dualística. O propósito da vida é transformar o beit em um alef, ou
seja, criar unidade. Esta dualidade está presente também no nível espiritual.
Quando a alma flui de lá de cima, de sua Fonte Espiritual, atravessa os vários
mundos e chega ao nível de Assiyá. Em nosso mundo físico, divide-se e forma
duas almas, dois tipos de consciência, fonte do desafio e do conflito interior:
Nefesh Behamit (alma animal) e Nefesh Elokit (alma Divina). O que significa
isso? Nefesh Behamit, o lado "animal" da alma, é responsável pelo
instinto de autopreservação; é o meu ego, no sentido comum, o egocentrismo. No
Nefesh Elokit, o lado "Divino" nos conecta a aspirações mais
elevadas; é o nível de consciência que está projetado para o outro. A primeira
busca pela sobrevivência física, sustento e auto importância. A segunda é a
compreensão de que há outras coisas na vida. Todos os nossos pensamentos são
egocêntricos ou altruístas e os interesses competitivos destas duas tendências
afloram face a um desafio ou a uma adversidade. O autocontrole judaico nos
ensina a treinar o fluxo que vai da mente ao coração, de tal maneira que este
se orienta em direção à alma Divina e não à alma animal. O homem possui o
livre-arbítrio, a opção, a escolha do caminho que quer traçar. É este dom de
escolha que dá sentido à vida. Como seria o ser humano se não tivesse opção?
Ele seria reduzido a um robô, autômato. O indivíduo apenas responderia, de
forma instintiva, ao destino. O livre-arbítrio nos dá sentido na vida. É assim
que saímos da alma animal e adentramos a positividade, a alma Divina. Sob desta
perspectiva, gostaria de dar-lhes alguns conselhos: exercitem o livre-arbítrio
de forma sábia; equilibrem a mente; aprendam a treinar de outra maneira a forma
como a mente reinterpreta a realidade; todos têm a capacidade de desfazer aquilo
que foi criado pela força do hábito. Sigam algum método e acreditem que é
possível. Para concluir a palestra, gostaria de ressaltar que a raiva é sempre
uma resposta egocêntrica; raiva é desequilíbrio; raiva é uma tentativa de
dominar o outro de forma a aliviar seu próprio medo e sua insegurança; raiva é
uma tentativa de tornar o outro mais submisso, pois assim o "eu"
sente-se mais seguro. Nada justifica a raiva. E isto não significa que não se
possa ter emoções fortes. Se você percebe que alguém está ferindo um terceiro,
você precisa soltar sua emoção para que a pessoa cresça e você possa ajudá-la.
Mas isso não é raiva. Quem já estudou artes marciais, aprende logo nas
primeiras lições: "Não fique com raiva, senão você perde". www.morasha.com.br. Abraço. Davi.
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