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OS ANALECTOS. Tradução do inglês de Caroline Chang. Tradução do chinês.
Introdução e notas de D. C. Lau. OS ANALECTOS – INTRODUÇÃO III. Assim, quando
Jan Ch’iu pediu desculpas ao disser “não é que esteja satisfeito com o Caminho
do Mestre, mas me faltam forças”, o comentário de Confúcio foi: “Um homem a
quem faltam forças entra em colapso ao longo do trajeto. Mas você desiste antes
de começar” (VI.12). Confúcio declarou sua convicção de modo definitivo quando
disse: “A benevolência é realmente algo tão distante? Tão logo a desejo e ela
está aqui” (VII.30). Nas linhas das Odes As flores da cerejeira, Como ondulam
no ar! Não é que eu não pense em você, mas sua casa fica tão longe. Confúcio
comentou: “Ele não a amava de verdade. Se amasse, não existiria algo como
‘longe demais’” (IX.31). Ele deve ter feito tal comentário tendo em mente sua
possível aplicação quanto à benevolência. Além da benevolência, há várias
outras virtudes que se esperam de um cavalheiro, e devemos discutir pelo menos
as mais importantes delas. Há duas virtudes que são frequentemente mencionadas
junto com a benevolência. São a sabedoria ou inteligência (chih) e a coragem
(yung). Por exemplo. Confúcio disse: “O homem sábio nunca fica indeciso; o
homem benevolente nunca fica aflito; o homem corajoso nunca tem medo” (IX.29),
e “Os cavalheiros têm sempre três princípios em mente, nenhum dos quais
consegui seguir: O homem benevolente nunca fica aflito; o homem sábio nunca
fica indeciso; o homem corajoso nunca tem medo” (XIV.28). Um homem sábio nunca
fica indeciso no seu julgamento sobre o certo e o errado. Um homem que não é
sábio, entretanto, pode facilmente confundir o hipócrita pelo genuíno. Isso
pode acontecer com casos extremos em que a aplicação de uma regra ou uma
definição se torna incerta, particularmente na esfera da moral. Peguemos um
exemplo concreto. Quando um governante dá à sua concubina os mesmos privilégios
da sua consorte, ou dá ao seu filho mais novo o mesmo privilégio que ao
herdeiro, a dúvida implanta-se na cabeça das pessoas. Para todas as aparências
externas, a concubina torna-se indistinguível da consorte, ou o filho mais novo
do herdeiro. É necessário um homem de sabedoria para compreender e não ficar
perplexo com tal fenômeno. Outro atributo do homem sábio é que ele conhece os
homens. Em outras palavras, ele é bom ao julgar o caráter das pessoas. Na visão
chinesa, o fator mais importante que contribui para a dificuldade de prever o
futuro reside na natureza imprevisível do homem. Assim, o estudo do homem de
caráter, no qual reside a única esperança de conseguir algum grau de controle
sobre eventos futuros, foi considerado uma questão de vital importância para o
governante, já que a presente assim como a futura estabilidade do reino
frequentemente dependiam da sua escolha de ministros. Esse tipo de estudo do
caráter humano, que se tornaria, a partir da dinastia Han do Leste, uma das
maiores preocupações dos pensadores chineses, já tinha grande importância na
época de Confúcio. Assim, quando Fan Ch’ih perguntou sobre sabedoria, o Mestre
disse: “Conheça os homens” (XII.22). Mas pode a sabedoria ser adquirida? É
verdade, disse Confúcio, que “aqueles que nascem com conhecimento são os mais
elevados. A seguir vêm aqueles que atingem o conhecimento por meio do estudo. A
seguir vêm aqueles que se voltam para o estudo depois de terem passado por
dificuldades. No nível mais baixo estão as pessoas comuns, por não fazerem
esforço algum para estudar mesmo depois de terem passado por dificuldades”
(XVI.9), mas ele não reclamou para si lugar entre aqueles nascidos com
conhecimento. Na verdade, ele explicitamente rejeitou essa possibilidade ao
dizer “não nasci com conhecimento, mas, por gostar do que é antigo, apressei-me
em buscá-lo” (VII.20). Mais tarde, ele falou o seguinte sobre si próprio: “Faço
amplo uso de meus ouvidos e sigo o que é bom daquilo que ouvi; faço amplo uso
dos meus olhos e retenho na minha mente o que vi” (VII.28). Aparentemente ele
não admitiu que alguém efetivamente tivesse nascido com conhecimento. Tudo o
que fez foi deixar aberta a possibilidade de existir, de fato, esse tipo de
pessoa. A julgar pela enorme ênfase que deu ao ato de aprender, o que importava
para ele era o fato de ser possível adquirir conhecimento por meio do
aprendizado. Aprender é, para ele, um processo que jamais pode ser finalizado.
Como Tzuhsia disse, “Um homem pode, de fato, ser considerado alguém que gosta
de aprender se é consciente, ao longo de um dia, sobre aquilo que ele não sabe
e se nunca esquece, ao longo de um mês, aquilo que ele já dominou” (XIX. 5). De
fato, de acordo com Confúcio, “Merece ser um professor o homem que descobre o
novo ao refrescar na sua mente aquilo que ele já conhece” (II.11). A coisa mais
importante em nossa atitude em relação ao conhecimento é sermos honestos
conosco. Confúcio disse para Tzu-lu: “Yu, vou lhe contar o que há para saber.
Dizer que você sabe quando você sabe, e dizer que você não sabe quando não
sabe: isso é conhecimento” (II.17). Em outra ocasião, quando Tzu-lu sugeriu
algo que Confúcio considerou um comentário impertinente, ele o admoestou,
dizendo: “Espera-se que um cavalheiro não ofereça nenhuma opinião sobre aquilo
que desconhece” (XIII.3). De sua parte, Confúcio nunca propôs nada que não
fosse fundamentado em conhecimento: “Existem, presumivelmente, homens que
inovam sem possuir conhecimento, mas essa é uma falha que não tenho” (VII.28).
Essa atitude responsável para com o conhecimento é ainda mais importante para o
professor. Um dos aspectos sob os quais Tseng Tzu se examinava diariamente era:
“Ensinei aos outros algo que eu próprio não tenha experimentado?” (I.4).
Coragem era considerada uma das maiores virtudes. Isso fica claro no seguinte
comentário, atribuído a Confúcio no Chung yung: “Sabedoria, benevolência e
coragem, essas três são virtudes universalmente reconhecidas no Império”. [13]
Em Os analectos, a atitude de Confúcio em relação à coragem é, de fato, muito
mais crítica. É verdade, trata-se de uma virtude indispensável em um cavalheiro
se ele deve cumprir seus objetivos, porque ele tem de perseguir tais propostas
destemidamente, e apenas “o homem corajoso nunca tem medo” (IX.29, XIV.28).
“Não fazer o que é certo”, de acordo com Confúcio, “demonstra falta de coragem”
(II.24). Por isso, Confúcio disse: “Um homem benevolente com certeza é
corajoso”, porém ele acrescenta imediatamente, “mas um homem corajoso não
necessariamente é benevolente” (XIV.4). A coragem é, de fato, uma faca de dois
gumes. Nas mãos dos bons, é um meio para a realização da bondade, mas nas mãos
dos maus, é igualmente um meio para a realização da maldade. Para colocar isso
de forma mais clara, nem a extrema bondade nem a extrema maldade podem ser
realizadas por homens sem coragem. Confúcio mostrou que tinha plena consciência
disso. Ele disse: “A menos que um homem tenha o espírito dos ritos (...) ao ter
coragem ele vai se tornar indisciplinado” (VIII.2). Em outra ocasião, ele diz
sobre o cavalheiro: “Ele detesta aqueles a quem, embora possuam coragem, falta
o espírito dos ritos” (XVII.24). Igualmente, “A insatisfação com a pobreza
levará um homem de índole corajosa a um comportamento indisciplinado”
(VIII.10). A coragem, para ser uma virtude, precisa estar a serviço da
moralidade. Assim, quando questionado se o cavalheiro considerava coragem uma
qualidade suprema, Confúcio respondeu: “Para o cavalheiro, é a moralidade que é
suprema. Com coragem mas desprovido de moralidade, um cavalheiro causará
problemas, ao passo que um homem vulgar se tornará um bandido” (XVII.23).
Restam duas virtudes a serem abordadas. Primeiro, há hsin. É um conceito que
não tem equivalente exato em inglês [ou em português]. Ser hsin é ter palavra.
Uma parte importante disso tem a ver, é claro, com a capacidade de manter a palavra
empenhada. Mas quando Confúcio fala de ser hsin nas palavras (I.7, XIII.20,
XV.6), ele quer dizer mais do que isso. Ser hsin com as palavras se aplica a
todas as palavras de uma pessoa. Refere-se, além de promessas, a resoluções
sobre ações futuras, ou mesmo a simples constatações de fatos. Não levar
adiante uma resolução é fracassar em ser hsin; fazer uma constatação que não é
comprovada por fatos – sejam eles fatos presentes ou futuros – também significa
fracasso em ser hsin. Nesse sentido, Confúcio frequentemente opõe os termos yen
(palavra) e hsing (ação). Se a ação de alguém não corresponde à palavra de
alguém, significa fracasso em ser hsin. Daí a importância de cuidar para que
vivamos de acordo com as nossas palavras. “O cavalheiro tem vergonha de que
suas palavras sejam mais ambiciosas que suas ações” (XIV.27) e “Promessas
feitas imodestamente são difíceis de cumprir” (XIV.20). Portanto, “na
Antiguidade, os homens relutavam em falar. Isso porque consideravam vergonhoso
se não conseguissem ser fiéis às suas palavras” (IV.22). Amedida mais segura a
tomar é nunca fazer nenhuma declaração antes de agir. Assim, o cavalheiro
“coloca suas palavras em ação e só então permite que as palavras sigam-lhe a
ação” (II.13). O conselho de Confúcio é que um homem deve ser rápido ao agir e
lento ao falar (I.14, IV.24). Sobre hsin, há um capítulo que é particularmente
interessante. Yu Tzu disse: “Ser coerente com as próprias palavras (hsin) é ter
moral, no sentido de que isso faz com que as palavras dessa pessoa possam ser
repetidas” (I.13). A tragédia do menino que gritou “lobo!” é que quando ele
repetiu o grito ninguém o levou a sério, porque ele não havia sido hsin nas
ocasiões anteriores. Ter palavra é algo muito próximo de se ter moral,
precisamente por causa desse aspecto de se ter palavra, e era para esse aspecto
que Yu Tzu queria chamar a nossa atenção. [14] Mas dizer que ter palavra é algo
próximo de ser uma pessoa moral é dizer que os dois não são idênticos.
Inevitavelmente, há casos em que a aderência ao princípio de ser coerente à
própria palavra levará a uma ação que não é moral. Confúcio descreve “Um homem
que insiste em manter sua palavra e em levar suas ações até o fim” como alguém
que demonstra “uma teimosa estreiteza da mente” (XIII.20). Em segundo lugar, há
ching (reverência). Trata-se de um conceito bem antigo. Na antiga literatura
Chou, ching descreve o estado de espírito de um homem que toma parte em um
sacrifício. É diferente daquele demonstrado em outras religiões. Em outras
religiões, há medo e abjeta submissão em face ao poder da deidade. Ching,
diferentemente, é oriundo da consciência da imensidão da responsabilidade de
alguém em promover o bem-estar do povo. É uma combinação de medo de fracassar
na responsabilidade de que alguém é imbuído com a solene e única concentração
voltada para o cumprimento satisfatório dessa responsabilidade. Em Os
analectos, ching ainda mostra alguns traços dessa conexão com religião. Há uma
passagem na qual é mencionado em relação com os sacrifícios. Confúcio disse: “manter-se
à distância dos deuses e dos espíritos enquanto lhes mostra reverência pode ser
chamado de sabedoria” (VI.22). Sob sua outra acepção, ching sempre é mencionado
de forma ligada a questões de governo e a como servir um superior. O termo
ching (reverência) deve ser distinguido do kung (respeito). O último é uma
questão de atitude aparente e modos. Kung é normalmente mencionado de forma
relativa à observância dos ritos. Por exemplo, o cavalheiro é “respeitoso para
com os outros e observa os ritos” (XII.5), e diz-se que dirige sua atenção a
“ter um comportamento respeitoso” (XVI.10). Um homem deve ser respeitável nas
suas relações com os outros porque desse modo ele pode evitar insultos e
humilhações. “Se um homem é respeitoso, ele não será tratado com insolência”
(XVII.6). “Ser respeitoso significa ser observador dos ritos, no sentido de que
isso possibilita que se fique longe da desgraça e do insulto” (I.13). Isso mais
ou menos completa o resumo das maiores virtudes morais que fazem parte da
formação de um cavalheiro. Entretanto, deixei, deliberadamente, yi para o fim.
Yi é uma palavra que pode ser usada em relação a uma ação, quando ela pode ser
considerada “correta”, ou pode ser usada para designar um ato que uma pessoa
deveria fazer, quando então significa “dever”, ou pode se referir a uma pessoa,
quando então significa “correto” ou “cumpridor do dever”. Quando usado no
sentido amplo, às vezes a única tradução possível é “moral”, ou “moralidade”.
De certa forma, a maior parte das palavras que denotam virtudes morais pode ser
aplicada tanto a pessoas quanto a ações. Entretanto, no que diz respeito a
isso, yi é diferente das outras palavras morais. Coloquemo-na, por exemplo, em
contraste com a benevolência. Claro que tanto uma ação quanto uma pessoa podem
ser descritas como benevolentes, mas benevolência é basicamente uma
característica de pessoas, e sua aplicação a atos é apenas derivativa. Um ato
benevolente é o ato de um homem benevolente. Como característica de pessoas
morais, benevolência tem mais a ver com disposição e intenção do que com
circunstâncias objetivas. O contrário é verdade sobre a retidão. Retidão é
basicamente uma característica de atos, e sua aplicação a pessoas é derivativa.
Um homem é correto apenas na medida em que faz o que é certo. A retidão dos
atos depende da sua conveniência moral nas dadas circunstâncias e tem pouco a
ver com a disposição ou a intenção da pessoa que age. É aqui que a distinção
entre agente-ético e ação-ética se torna relevante. Antes dissemos que Confúcio
estava mais interessado nas virtudes morais do homem do que na qualidade moral
dos seus atos. Mas nenhum sistema moral pode ser baseado apenas em virtudes
morais, e o sistema de Confúcio não é exceção. Vimos que, no que diz respeito
aos próprios interesses de uma pessoa, a oposição é entre vantagem a ser obtida
e retidão. Novamente, no teste para saber se coragem é uma virtude, é o yi que
é o critério. Embora Confúcio não o declare explicitamente, não se pode deixar
de ficar com a impressão de que ele percebeu que, em última instância, yi é o
critério pelo qual todos os atos devem ser julgados enquanto não há outro
critério pelo qual yi pode ser julgado. Afinal de contas, mesmo a benevolência
não carrega sua própria garantia moral. “Amar a benevolência sem amar o
aprendizado pode levar à tolice” (XVII.8). Como veremos, o objetivo a ser
perseguido por meio do estudo, nesse contexto, provavelmente deve ter sido os
ritos, e os ritos, como regras de conduta, só podem, em última análise, ser
baseados no yi. Podemos então dizer que no sistema moral de Confúcio, embora a
benevolência ocupe uma posição mais central, yi é, ainda assim, mais
fundamental. Nenhuma referência ao cavalheiro estará completa a menos que algo
seja dito sobre sua atitude em relação a t’ien (Céu) e t’ien ming (Decreto do
Céu), mas essa tarefa acaba por revelar alguma dificuldade. Em primeiro lugar,
à parte t’ien ming – literalmente, o comando do Céu –, ming também é usado por
si só, e parece haver uma diferença básica entre as duas expressões. Em segundo
lugar, o termo t’ien ming é encontrado apenas duas vezes em Os analectos, e é
difícil fixar uma interpretação para o termo partindo de uma base tão pequena.
Entretanto, a tentativa tem que ser feita, já que a distinção entre t’ien ming
e ming parece ser vital para o entendimento da opinião de Confúcio. Embora
t’ien ming ocorra apenas duas vezes em todos Os analectos, para nossa sorte
trata-se de um termo considerado antigo. A crença no decreto divino muito
provavelmente remonta a uma época bem anterior à fundação da dinastia Chou, por
volta do final do segundo milênio a.C. A teoria sobre o decreto do céu foi,
mais provavelmente, uma inovação da parte do duque de Chou. De acordo com essa
teoria, o Céu se importa profundamente com o bem-estar do povo, e o imperador é
enviado expressamente para promover esse bem-estar. Ele governa em função do
Decreto do Céu e permanece imperador apenas na medida em que exerce essa
função. Assim que ele esquece sua função e começa a governar visando seus
próprios interesses, o Céu retirará o Decreto e elegerá alguém mais merecedor
para a tarefa. Assim o Decreto do Céu é um imperativo moral e, como tal, nada
tem a ver com o comando do Céu em relação às coisas que acontecem no mundo. O
único desenvolvimento da época de Confúcio foi que o Decreto do Céu não era
mais restrito ao imperador. Todo e qualquer homem estava sujeito ao Decreto do
Céu, que o obrigava a ser moral e transformava em dever estar à altura das
demandas desse Decreto. Confúcio disse: “Aos cinquenta anos, entendi (chih)
t’ien ming” (II.4). www.https//rt.br. Abraço. Davi
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