quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

II. PRECEITO DOS GURUS

 

Espiritualidade. Texto de N. Sri Ham (1889-1973). Livro Em Busca da Sabedoria. Capítulo XV. II. PRECEITO DOS GURUS. Existem algumas outras sugestões com relação à escolha de um guru: “evite um guru cujo coração está direcionado para a fama e as posses mundanas. Charlatães podem ser erroneamente tomados por sábios”. Há na Índia e atualmente também no Ocidente, vários assim chamados gurus, cujo objetivo é de ter uma grande clientela de admiradores e bajuladores que talvez os sustentem financeiramente, e que de qualquer forma lhes deem a importância que desejam. Juntamente com a orientação quanto à escolha do guru, ao eventual aluno é ordenado que “estude os ensinamentos de todos os grandes sábios, de todas as seitas, de maneira imparcial”. A palavra “seita” significa aqui escola de pensamento. É bastante raro nos ensinamentos religiosos encontrar orientação que deixa a pessoa tão livre a ponto de alcançar a sua própria compreensão. Aqueles que são verdadeiramente os “grandes sábios” não pertencem a nenhuma seita ou organização particular, muito embora após morrerem invariavelmente passem a ser identificados com uma seita ou religião que lhes leva o nome, e a verdade que declararam passa a confundir-se com noções de outras espécies. Deve-se considerar os ensinamentos de todas as escolas com uma mente totalmente aberta, sem entregar-se a qualquer uma delas, se o objetivo básico é a obtenção da verdade. Os livros budistas enfatizam a necessidade de vigilância sobre os próprios pensamentos, emoções e atos, incluindo a fala, porque, do contrário, pode-se ser carregado pela torrente de um impulso momentâneo. Tal observância é extremamente árdua, mas não se pode ficar em um estado de alerta todo o tempo; o cérebro e o corpo ficam cansados, e então aqueles impulsos da natureza da pessoa, que operam mecanicamente, são capazes de encontrar saída, de modo que antes que se possa ver o que está acontecendo, já se cedeu a alguma coisa, talvez a determinados pensamentos que não são desejáveis. Assim é preciso aprender a estar alerta e ao mesmo tempo descontraído. A pessoa conseguirá isso se não estiver demasiado ansiosa para obter resultados. Diz-se ao aluno: “observância incessante e estado mental de alerta agraciados com humildade são necessários para manter o corpo, a fala e a mente limpos do mal”. Quando a mente for rápida e prontamente obtiver conclusões, está-se passível de ser, por vezes demasiado positivo e até mesmo dogmático. Uma pessoa obtusa também pode ser bastante assertiva quando provocada. Quando se é rápido no pensar, atendo-se avidamente àquilo que se considera ser a verdade, geralmente não se para examinar o assunto ou considerar a possibilidade de outros pontos de vista além do próprio. E a tendência será de avançar as próprias ideias como se não estivessem abertas a questionamentos. Assim, a expressão “agraciados com a humildade” é especialmente apropriada pois indica a qualidade que deveria existir no estado de alerta. Em todas as religiões, a humildade é vista como uma virtude fundamental. Não é uma exigência secundária, e sim básica. Se uma pessoa possui a qualidade da humildade, acompanhada pelo estado de alerta, a composição criaria nela o temperamento correto. A humildade não consiste em promulgar ou lamentar-se da própria significância. Isto pode ser feito, lançando-se um véu sobre a presunção. A obra A Voz do Silêncio diz: ‘seja humilde se quiseres alcançar a sabedoria”. A humildade é uma qualificação necessária porque sem ela não é possível para um homem ser realmente sábio. Ele pode ser instruído e ao mesmo tempo não ser sábio, um obtuso ou até mesmo um tolo. Tampouco consiste a humildade em exibir uma forma de comportamento; é uma condição de existência da mente e do coração. Seguem-se então as palavras “seja mais humilde ainda quando tiveres obtido a sabedoria”. A palavra “sabedoria” é aqui usada no sentido de conhecimento de determinadas verdades essenciais ou leis para viver a vida de forma correta. Domina-se algo que é diferente e à parte de si, isto é, algo objetivo ao conhecedor. O objetivo principal ao observar os pensamentos e as reações é de descobrir aquilo que está certo e aquilo que está errado com relação a eles. Este estado da mente e do coração que é alerta, porém humilde, precisa ser permeado por um espírito de compaixão ou amor, que é uma luz que pertence à natureza mais recôndita da consciência. Sempre que no pensamento nos afastamos daquela atitude ou espirito, precisamos imediatamente tornar-nos alertas para este fato. Assim, os preceitos dizem: “a mente imbuída de amor e compaixão em ato e pensamento deve estar sempre dirigida ao serviço de todos os seres sencientes”. Na obra Ocultismo Prático, Helena P. Blavatski (1831-1891) diz que: “ocultismo é altruísmo em primeiro e último lugar”. Esta tônica de altruísmo impregna todo o pensamento Mahayânco. A observação dos próprios pensamentos e reações é uma forma de meditação em que se estuda a verdadeira natureza da mente e seu estado, em que se olha nela profundamente para descobrir motivos e forças ocultas, alcançando assim a auto compreensão integral. É disso que Blavatsky fala em diferentes termos quando ela se refere ao estudo da natureza inferior à luz da superior. A mente e as emoções precisam ser estudadas com objetividade absoluta, e tratadas como se separadas da pessoa. Isso é muito mais difícil do que retirar um pensamento de um livro ou selecionar alguma virtude e revolvê-la na mente, embora isso também seja bom, especialmente como um começo ou uma base para um esforço maior. É bom concentrar-se e contemplar a verdade mesmo como a conhecemos, enquanto exploramos ou descobrimos as engrenagens da nossa própria mente. O que é errado é compreendido simultaneamente ou em relação àquilo que é certo, da mesma maneira como aquilo que é belo é percebido em relação àquilo que não o é. Durante o tempo em que se tenta meditar, surgem várias ideias e elas também surgem em outras ocasiões. Mas o aluno terá que, por fim, alcançar um estado mental que é desimpedido de todas as ideias e no qual a mente descansa em sua própria natureza verdadeira. Como ele poderá ficar desprovida de todas as ideias? Quando surge uma ideia, é possível coloca-la completamente de lado? Cada pensamento que é violentamente lançado retorna após um período de tempo. Existem inumeráveis ideias que surgem: coloca-las de lado é como lutar contra um exército que consiste em um número de pessoas sem fim. A maneira de lidar com esta situação é compreender determinadas verdades fundamentalmente, de maneira que haja um clima diferente, uma atmosfera diferente no próprio ser, na qual se percebe claramente aquilo que é certo e verdadeiramente desejável. É dito que todas as ideias surgem de uma concatenação de causas; são todas produto de ideias precedentes, uma continuação delas. Podem assumir diferentes roupagens em diferentes contextos, mas fundamentalmente possuem a mesma natureza que os seus ancestrais. A maioria delas é realmente uma repetição da própria memória. A mente precisa libertar-se deste automatismo de memórias para que possa agir de modo inteligente com entendimento real. Pode-se imaginar com facilidade que a mente torna-se vazia quando está meramente imobilizada. Pode haver um quarto com objetos por todos os lados, mas pode parecer vazio se seu ocupante estiver tão inerte quanto a sua cama. Mas se acontece de algum incidente perturbá-lo, ele reage da maneira usual. Embora lentas, as suas reações exprimiriam apenas ideias tão firmemente incrustadas na sua mente que delas não tem consciência. Não é esse tipo de vazio que se deve desejar. O vazio da consciência é como o vazio de um tambor sensível, capaz de produzir ritmos de diferentes qualidades e com vários graus de ressonância. A mente que é inconsciente daquilo que absorveu em si pode parecer vazia, mas seria meramente inerte, à semelhança de uma jiboia que engoliu mais do que pode digerir. No jargão do psicólogo moderno trata-se em grande parte da mente inconsciente, cujas energias movem-se de forma obscura e rompem no exterior apenas quando algum tipo de pressão tiver sido criada ou quando alguma emoção precisar urgentemente ser externada. O vazio da mente implica liberdade de toda espécie de carga ou preocupação. Significa também liberdade de apegos e repulsões, e, portanto, representa uma condição de tranquilidade. É apenas em uma condição assim que se pode lidar eficazmente até mesmo como os problemas comuns de nossas vidas ou perceber o significado real das coisas que nos acontecem. Uma mente que é realmente vazia, não apenas é desnudada de todo conteúdo, mas ela nada retém mesmo em uma forma de solução; nada colore a sua natureza pura e intrínseca. Naquela natureza que não foi modificada pela experiência prévia não há padrão nem sulcos formados. O hábito tem o seu lugar e valor. Se tivéssemos que pensar acerca de tudo que precisamos fazer, incluindo os vários atos físicos de nossa vida diária, a vida tornar-se-ia impossível. É bom que as coisas que precisamos fazer com rotina sejam entregues ao automatismo da mente e do corpo ou aos seus instintos. Mas a mente deveria estar consciente desse automatismo e não se tornar uma escrava de qualquer processo automático que determine o seu pensamento e sentimentos. Quando se fala de um hábito de pensamento, inclusive as emoções, o que se gosta ou não, o que age é uma determinada formação que veio a instalar-se na mente, porém, para estar em um estado de liberdade, ela precisa estar vazia de todas as formações, e também purgada de todas as impurezas que desfiguram sua textura. Quando a mente estiver totalmente pura, liberta de qualquer superposição de algo que ela considera erroneamente como sua verdadeira natureza, ela passa a ser Manas de fato. A palavra inglesa mind, é apenas uma tradução grosseira de Manas que é como um raio de luz pura que incide sobre as coisas e torna sua presença e natureza conhecidas. Também foi considerado como uma espécie de fogo, pois é uma corrente de energia. Se Manas é um raio de luz e ao mesmo tempo uma corrente pura de energia, então, ele realmente não tem forma: não é uma formação que veio à existência no curso do tempo, como as nossas mentes que estão abarrotadas de ideias que foram absorvidas e desenvolveram maneiras e hábitos baseados em variadas reações passadas. Uma mente assim é de fato um amálgama que veio a existência, formado por várias forças como inveja, luxúria, ódio, avidez e assim por diante, que fragmentam a integridade de sua natureza original. É dito em um desses preceitos que “a mente de todos os seres sencientes é inseparável da mente uma”. “Todos os seres sencientes” significam não apenas os homens, mas também os animais, aves e todas as outras criaturas por mais inferiores e insignificantes. Se, ao invés da palavra mente for usada a palavra Manas, poderemos compreender que é a mesma luz que está presente como um raio em cada pessoa individual, em um pardal, e na menor das formigas. O raio pode ser brilhante ou fraco; poderá iluminar um campo extenso ou apenas um minúsculo ponto. A luz é a luz inerente da consciência, denominada Budhi, enquanto distinta do raio que incide nas coisas específicas, e se move por entre elas. Budhi, segundo se diz, é imaculável porque permanece desapegado. Exprime a natureza essencial da consciência, sua sensibilidade e unidade, não aquela natureza que manifesta quando é modificada de formas diferentes. Por ser sem apego nada contém e não tem forma. A sua natureza é diferente daquela de uma mente cheia de conteúdos de tipos diferentes. Aquilo que a mente puder alcançar um estado desprovido de conteúdo, ela passa a ser uma atividade da consciência em sua natureza atemporal e original, e integrada a Budhi sempre sem marcas e puro. Existem vários preceitos que começam da seguinte forma: “É uma grande alegria compreender que o caminho para a liberdade seguido por todos os Budas é para sempre existente, jamais é modificado e está sempre aberto àqueles que estão prontos para nele ingressar”. Não se faz referência ao tipo comum de alegria, alegria efêmera que brota de uma excitação temporária, que dá origem a anseios e é acompanhada por reações. Mas trata-se aqui de uma alegria que nasce de dentro. Existem determinadas compreensões, que são tão profundas em sua natureza que preenchem o ser, tocando-o em seu fundo mais recôndito, e a alegria surge daquela base pura como água fresca de uma fonte. Não é alegria produzida por quaisquer condições externas. Algumas dessas compreensões soam doutrinárias, mas referem-se a estados de existência que podem ser denominados espirituais ou divinos. Por exemplo, é feita referência ao estado de “Dharmakaya, no qual mente e matéria são inseparáveis”, Sambhoga-Kaya, o auto emanado, para quem não existe nascimento, morte, transição ou qualquer mudança”, e também ao “Nirrnana-Kaya, auto emanado e divino, em quem não existe sentimento de dualidade”. Estas são três formas da mônada divina, ou da individualidade espiritual, e elas são referidas geralmente como as três vestiduras do Buda, porque representam três estados de seu ser, a sua consciência em três níveis diferentes. É dito que “na mente primordial”, ou seja, a expansão original da consciência, que é subjacente à mente de todo ser individual, “não existe processo perturbador do pensamento”. A natureza desta mente, que é Budhi e Manas em um, reflete-se naqueles que que alcançaram um estado interior que pode ser considerado perfeito do ponto de vista humano, os Adeptos da literatura teosófica, os Mahatmas (grandes almas) de fato. A doutora Annie Wood Besant (1847-1933) assemelhou a consciência de um Adepto quando está em repouso, a um oceano tranquilo que recebe a luz do luar, isto é, há uma luz suave que emana do interior e faz com que toda a consciência resplandeça, mesmo quando em repouso ela está cheia de vida, quiescente e brilhante. Esta é a condição interior daquele que atingiu o domínio completo sobre si mesmo. Seria necessário meditar sobre essas verdades a sós, compreendendo-as por si mesmo. A solidão não significa necessariamente solidão física, embora ela possa ajudar. Significa estar só no coração. Conta-se a respeito de Maria, a mãe de Jesus, que ela “ponderou estas coisas em seu coração”. Deveria se meditar sobre estas verdades que parecem relevantes, lembrando-se que a meditação não pode ser separada da vida. Tudo isso é extremamente interessante e prático, não apenas metafísico ou filosófico no sentido de dialética remota de nossas vidas, obrigações e interesses. Indica a melhor forma de viver. Livro Em Busca da Sabedoria. Abraço. Davi

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