Espiritualidade.
Texto de N. Sri Ham (1889-1973). Livro Em Busca da Sabedoria. Capítulo XV. II.
PRECEITO DOS GURUS. Existem algumas outras sugestões com relação à escolha de
um guru: “evite um guru cujo coração está direcionado para a fama e as posses
mundanas. Charlatães podem ser erroneamente tomados por sábios”. Há na Índia e
atualmente também no Ocidente, vários assim chamados gurus, cujo objetivo é de
ter uma grande clientela de admiradores e bajuladores que talvez os sustentem
financeiramente, e que de qualquer forma lhes deem a importância que desejam.
Juntamente com a orientação quanto à escolha do guru, ao eventual aluno é
ordenado que “estude os ensinamentos de todos os grandes sábios, de todas as
seitas, de maneira imparcial”. A palavra “seita” significa aqui escola de
pensamento. É bastante raro nos ensinamentos religiosos encontrar orientação
que deixa a pessoa tão livre a ponto de alcançar a sua própria compreensão.
Aqueles que são verdadeiramente os “grandes sábios” não pertencem a nenhuma
seita ou organização particular, muito embora após morrerem invariavelmente
passem a ser identificados com uma seita ou religião que lhes leva o nome, e a
verdade que declararam passa a confundir-se com noções de outras espécies.
Deve-se considerar os ensinamentos de todas as escolas com uma mente totalmente
aberta, sem entregar-se a qualquer uma delas, se o objetivo básico é a obtenção
da verdade. Os livros budistas enfatizam a necessidade de vigilância sobre os
próprios pensamentos, emoções e atos, incluindo a fala, porque, do contrário,
pode-se ser carregado pela torrente de um impulso momentâneo. Tal observância é
extremamente árdua, mas não se pode ficar em um estado de alerta todo o tempo;
o cérebro e o corpo ficam cansados, e então aqueles impulsos da natureza da
pessoa, que operam mecanicamente, são capazes de encontrar saída, de modo que
antes que se possa ver o que está acontecendo, já se cedeu a alguma coisa,
talvez a determinados pensamentos que não são desejáveis. Assim é preciso
aprender a estar alerta e ao mesmo tempo descontraído. A pessoa conseguirá isso
se não estiver demasiado ansiosa para obter resultados. Diz-se ao aluno:
“observância incessante e estado mental de alerta agraciados com humildade são necessários
para manter o corpo, a fala e a mente limpos do mal”. Quando a mente for rápida
e prontamente obtiver conclusões, está-se passível de ser, por vezes demasiado
positivo e até mesmo dogmático. Uma pessoa obtusa também pode ser bastante
assertiva quando provocada. Quando se é rápido no pensar, atendo-se avidamente
àquilo que se considera ser a verdade, geralmente não se para examinar o
assunto ou considerar a possibilidade de outros pontos de vista além do
próprio. E a tendência será de avançar as próprias ideias como se não
estivessem abertas a questionamentos. Assim, a expressão “agraciados com a
humildade” é especialmente apropriada pois indica a qualidade que deveria
existir no estado de alerta. Em todas as religiões, a humildade é vista como uma
virtude fundamental. Não é uma exigência secundária, e sim básica. Se uma
pessoa possui a qualidade da humildade, acompanhada pelo estado de alerta, a
composição criaria nela o temperamento correto. A humildade não consiste em
promulgar ou lamentar-se da própria significância. Isto pode ser feito,
lançando-se um véu sobre a presunção. A obra A Voz do Silêncio diz: ‘seja
humilde se quiseres alcançar a sabedoria”. A humildade é uma qualificação
necessária porque sem ela não é possível para um homem ser realmente sábio. Ele
pode ser instruído e ao mesmo tempo não ser sábio, um obtuso ou até mesmo um
tolo. Tampouco consiste a humildade em exibir uma forma de comportamento; é uma
condição de existência da mente e do coração. Seguem-se então as palavras “seja
mais humilde ainda quando tiveres obtido a sabedoria”. A palavra “sabedoria” é
aqui usada no sentido de conhecimento de determinadas verdades essenciais ou
leis para viver a vida de forma correta. Domina-se algo que é diferente e à
parte de si, isto é, algo objetivo ao conhecedor. O objetivo principal ao
observar os pensamentos e as reações é de descobrir aquilo que está certo e
aquilo que está errado com relação a eles. Este estado da mente e do coração
que é alerta, porém humilde, precisa ser permeado por um espírito de compaixão
ou amor, que é uma luz que pertence à natureza mais recôndita da consciência.
Sempre que no pensamento nos afastamos daquela atitude ou espirito, precisamos
imediatamente tornar-nos alertas para este fato. Assim, os preceitos dizem: “a
mente imbuída de amor e compaixão em ato e pensamento deve estar sempre
dirigida ao serviço de todos os seres sencientes”. Na obra Ocultismo Prático,
Helena P. Blavatski (1831-1891) diz que: “ocultismo é altruísmo em primeiro e
último lugar”. Esta tônica de altruísmo impregna todo o pensamento Mahayânco. A
observação dos próprios pensamentos e reações é uma forma de meditação em que
se estuda a verdadeira natureza da mente e seu estado, em que se olha nela
profundamente para descobrir motivos e forças ocultas, alcançando assim a auto
compreensão integral. É disso que Blavatsky fala em diferentes termos quando
ela se refere ao estudo da natureza inferior à luz da superior. A mente e as
emoções precisam ser estudadas com objetividade absoluta, e tratadas como se
separadas da pessoa. Isso é muito mais difícil do que retirar um pensamento de
um livro ou selecionar alguma virtude e revolvê-la na mente, embora isso também
seja bom, especialmente como um começo ou uma base para um esforço maior. É bom
concentrar-se e contemplar a verdade mesmo como a conhecemos, enquanto
exploramos ou descobrimos as engrenagens da nossa própria mente. O que é errado
é compreendido simultaneamente ou em relação àquilo que é certo, da mesma
maneira como aquilo que é belo é percebido em relação àquilo que não o é.
Durante o tempo em que se tenta meditar, surgem várias ideias e elas também
surgem em outras ocasiões. Mas o aluno terá que, por fim, alcançar um estado
mental que é desimpedido de todas as ideias e no qual a mente descansa em sua
própria natureza verdadeira. Como ele poderá ficar desprovida de todas as
ideias? Quando surge uma ideia, é possível coloca-la completamente de lado?
Cada pensamento que é violentamente lançado retorna após um período de tempo.
Existem inumeráveis ideias que surgem: coloca-las de lado é como lutar contra
um exército que consiste em um número de pessoas sem fim. A maneira de lidar
com esta situação é compreender determinadas verdades fundamentalmente, de
maneira que haja um clima diferente, uma atmosfera diferente no próprio ser, na
qual se percebe claramente aquilo que é certo e verdadeiramente desejável. É
dito que todas as ideias surgem de uma concatenação de causas; são todas
produto de ideias precedentes, uma continuação delas. Podem assumir diferentes
roupagens em diferentes contextos, mas fundamentalmente possuem a mesma
natureza que os seus ancestrais. A maioria delas é realmente uma repetição da
própria memória. A mente precisa libertar-se deste automatismo de memórias para
que possa agir de modo inteligente com entendimento real. Pode-se imaginar com
facilidade que a mente torna-se vazia quando está meramente imobilizada. Pode
haver um quarto com objetos por todos os lados, mas pode parecer vazio se seu
ocupante estiver tão inerte quanto a sua cama. Mas se acontece de algum
incidente perturbá-lo, ele reage da maneira usual. Embora lentas, as suas
reações exprimiriam apenas ideias tão firmemente incrustadas na sua mente que
delas não tem consciência. Não é esse tipo de vazio que se deve desejar. O
vazio da consciência é como o vazio de um tambor sensível, capaz de produzir
ritmos de diferentes qualidades e com vários graus de ressonância. A mente que
é inconsciente daquilo que absorveu em si pode parecer vazia, mas seria
meramente inerte, à semelhança de uma jiboia que engoliu mais do que pode
digerir. No jargão do psicólogo moderno trata-se em grande parte da mente
inconsciente, cujas energias movem-se de forma obscura e rompem no exterior
apenas quando algum tipo de pressão tiver sido criada ou quando alguma emoção
precisar urgentemente ser externada. O vazio da mente implica liberdade de toda
espécie de carga ou preocupação. Significa também liberdade de apegos e
repulsões, e, portanto, representa uma condição de tranquilidade. É apenas em
uma condição assim que se pode lidar eficazmente até mesmo como os problemas
comuns de nossas vidas ou perceber o significado real das coisas que nos
acontecem. Uma mente que é realmente vazia, não apenas é desnudada de todo
conteúdo, mas ela nada retém mesmo em uma forma de solução; nada colore a sua
natureza pura e intrínseca. Naquela natureza que não foi modificada pela
experiência prévia não há padrão nem sulcos formados. O hábito tem o seu lugar
e valor. Se tivéssemos que pensar acerca de tudo que precisamos fazer,
incluindo os vários atos físicos de nossa vida diária, a vida tornar-se-ia
impossível. É bom que as coisas que precisamos fazer com rotina sejam entregues
ao automatismo da mente e do corpo ou aos seus instintos. Mas a mente deveria
estar consciente desse automatismo e não se tornar uma escrava de qualquer
processo automático que determine o seu pensamento e sentimentos. Quando se
fala de um hábito de pensamento, inclusive as emoções, o que se gosta ou não, o
que age é uma determinada formação que veio a instalar-se na mente, porém, para
estar em um estado de liberdade, ela precisa estar vazia de todas as formações,
e também purgada de todas as impurezas que desfiguram sua textura. Quando a
mente estiver totalmente pura, liberta de qualquer superposição de algo que ela
considera erroneamente como sua verdadeira natureza, ela passa a ser Manas de
fato. A palavra inglesa mind, é apenas uma tradução grosseira de Manas que é
como um raio de luz pura que incide sobre as coisas e torna sua presença e natureza
conhecidas. Também foi considerado como uma espécie de fogo, pois é uma
corrente de energia. Se Manas é um raio de luz e ao mesmo tempo uma corrente
pura de energia, então, ele realmente não tem forma: não é uma formação que
veio à existência no curso do tempo, como as nossas mentes que estão
abarrotadas de ideias que foram absorvidas e desenvolveram maneiras e hábitos
baseados em variadas reações passadas. Uma mente assim é de fato um amálgama
que veio a existência, formado por várias forças como inveja, luxúria, ódio,
avidez e assim por diante, que fragmentam a integridade de sua natureza
original. É dito em um desses preceitos que “a mente de todos os seres
sencientes é inseparável da mente uma”. “Todos os seres sencientes” significam
não apenas os homens, mas também os animais, aves e todas as outras criaturas
por mais inferiores e insignificantes. Se, ao invés da palavra mente for usada
a palavra Manas, poderemos compreender que é a mesma luz que está presente como
um raio em cada pessoa individual, em um pardal, e na menor das formigas. O
raio pode ser brilhante ou fraco; poderá iluminar um campo extenso ou apenas um
minúsculo ponto. A luz é a luz inerente da consciência, denominada Budhi,
enquanto distinta do raio que incide nas coisas específicas, e se move por
entre elas. Budhi, segundo se diz, é imaculável porque permanece desapegado.
Exprime a natureza essencial da consciência, sua sensibilidade e unidade, não
aquela natureza que manifesta quando é modificada de formas diferentes. Por ser
sem apego nada contém e não tem forma. A sua natureza é diferente daquela de
uma mente cheia de conteúdos de tipos diferentes. Aquilo que a mente puder
alcançar um estado desprovido de conteúdo, ela passa a ser uma atividade da
consciência em sua natureza atemporal e original, e integrada a Budhi sempre
sem marcas e puro. Existem vários preceitos que começam da seguinte forma: “É
uma grande alegria compreender que o caminho para a liberdade seguido por todos
os Budas é para sempre existente, jamais é modificado e está sempre aberto
àqueles que estão prontos para nele ingressar”. Não se faz referência ao tipo
comum de alegria, alegria efêmera que brota de uma excitação temporária, que dá
origem a anseios e é acompanhada por reações. Mas trata-se aqui de uma alegria que
nasce de dentro. Existem determinadas compreensões, que são tão profundas em
sua natureza que preenchem o ser, tocando-o em seu fundo mais recôndito, e a
alegria surge daquela base pura como água fresca de uma fonte. Não é alegria
produzida por quaisquer condições externas. Algumas dessas compreensões soam
doutrinárias, mas referem-se a estados de existência que podem ser denominados
espirituais ou divinos. Por exemplo, é feita referência ao estado de
“Dharmakaya, no qual mente e matéria são inseparáveis”, Sambhoga-Kaya, o auto
emanado, para quem não existe nascimento, morte, transição ou qualquer
mudança”, e também ao “Nirrnana-Kaya, auto emanado e divino, em quem não existe
sentimento de dualidade”. Estas são três formas da mônada divina, ou da individualidade
espiritual, e elas são referidas geralmente como as três vestiduras do Buda,
porque representam três estados de seu ser, a sua consciência em três níveis
diferentes. É dito que “na mente primordial”, ou seja, a expansão original da
consciência, que é subjacente à mente de todo ser individual, “não existe
processo perturbador do pensamento”. A natureza desta mente, que é Budhi e
Manas em um, reflete-se naqueles que que alcançaram um estado interior que pode
ser considerado perfeito do ponto de vista humano, os Adeptos da literatura
teosófica, os Mahatmas (grandes almas) de fato. A doutora Annie Wood Besant
(1847-1933) assemelhou a consciência de um Adepto quando está em repouso, a um
oceano tranquilo que recebe a luz do luar, isto é, há uma luz suave que emana
do interior e faz com que toda a consciência resplandeça, mesmo quando em
repouso ela está cheia de vida, quiescente e brilhante. Esta é a condição
interior daquele que atingiu o domínio completo sobre si mesmo. Seria
necessário meditar sobre essas verdades a sós, compreendendo-as por si mesmo. A
solidão não significa necessariamente solidão física, embora ela possa ajudar.
Significa estar só no coração. Conta-se a respeito de Maria, a mãe de Jesus,
que ela “ponderou estas coisas em seu coração”. Deveria se meditar sobre estas
verdades que parecem relevantes, lembrando-se que a meditação não pode ser
separada da vida. Tudo isso é extremamente interessante e prático, não apenas
metafísico ou filosófico no sentido de dialética remota de nossas vidas,
obrigações e interesses. Indica a melhor forma de viver. Livro Em Busca da
Sabedoria. Abraço. Davi
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