sexta-feira, 15 de março de 2019

I. PRECEITOS DOS GURUS


Espiritualidade. Texto de N. Sri Ham (1889-1973). Livro Em Busca da Sabedoria. I. PRECEITOS DOS GURUS. Parece que há um número apreciável de tratados na língua tibetana relativos à vida religiosa e à senda para o Nirvana, como diriam, ou a verdadeira iluminação, que não encontraram o seu caminho no mundo das línguas modernas. Aproximadamente sete destas obras foram reunidas e editadas pelo senhor W.Y. Evan-Wentz (1878-1965) há alguns anos, tendo sido publicadas sob o título Tibetan Yoga and Secret Doctrines (Yoga Tibetana e Doutrinas Secretas). Ao ler um livro desta natureza nunca se pode estar seguro de que a tradução, muito embora realizada por um estudioso de renomada competência, seja bem precisa. O próprio senhor Evans-Wentz compreende a dificuldade de se expressar corretamente o pensamento, especialmente sobre temas filosóficos e metafísicos, formulados em uma língua específica, para o idioma e vocabulário de outra. A dificuldade ainda aumenta quando a tradução é de uma língua tão pouco estudada no mundo moderno e tão diferente de outras como é o caso do tibetano. Uma língua é um meio orgânico e altamente complexo que exprime pensamentos, reações, sentimentos interiores e pontos de vista do povo específico que a usa. Pode haver uma palavra que seja tratada como sinônimo de outra palavra em um idioma diferente, mas podem não ter o mesmo sabor e gosto, associações semelhantes e até não possuir a mesma significação. A melhor forma de agir, quando alguém se depara com uma tradução de um idioma que tem raízes arcaicas, é tentar compreender por si mesmo o que parece querer dizer, e quando determinada afirmação não se configurar muito clara ou inteligível, deve-se deixa-la de lado ou interpretá-la de uma forma plausível e satisfatória para a própria compreensão da pessoa. Poderíamos estar nos distanciando muito se interpretássemos aquilo que é dito em uma língua antiga, que não nos é conhecida, em termos que lhe atribuem um significado inalterável. Um caso que destaca a forma como estudiosos eminentes podem interpretar erroneamente uma palavra é a tradução de Nirvana como “aniquilação”, que é contrária a todas as descrições da palavra nos livros budistas. Os tratados que compõem o volume acima mencionado supostamente pertencem à escola budista conhecida como Mahayana, que cresce particularmente no Tibete, mas também com variações e em menor proporção na China e no Japão. Mas deve-se lembrar de que no Tibete, bem como naqueles outros países, os conceitos que representam a filosofia budista são muito mesclados com ideias de outras fontes. Uma das características dos ensinamentos budistas é que todos os sujeitos, sejam metafísicos ou psicológicos, dos quais tratam, são analisados de forma minuciosa, sendo agrupados e numerados. O que é discutido é dividido em diferentes categorias e classificado de acordo. Por exemplo, existem as quatro Nobres Verdades, as doze Nidanas (as assim chamadas causas interdependentes, processos psicológicos e divisões que constituem a roda da necessidade ou vida e morte em rotação), os Dhyani Budas e assim por diante. Um dos textos editados pelo senhor Evans-Wentz é intitulado – OS PRECEITOS DOS GURUS, ou INSTRUTORES ESPIRITUAIS que apareceram e falaram sobre estes assuntos. Contém vinte e oito categorias, como são chamadas, uma das quais classificada como sendo “as dez causas do pesar”. Pode se perguntar por que exatamente dez e não onze ou nove? É muito difícil que alguém possa determinar quais são as coisas a causar mais lamento ou regozijo. É fácil compilar uma lista, mas isso não será análise. Quando há uma divisão em categorias, títulos ou subtítulos, não se deveria permitir que um cubra o outro. Deveriam ser complementares entre si, como as cores de um espectro, e cada qual deve ter a sua significação individual e precisa. Existe uma outra lista de “Dez Exigências” para trilhar a senda. Existe um terceiro conjunto de dez preceitos que estabelecem “as coisas a serem feitas”, um quarto conjunto, “as dez coisas que devem ser conhecidas”. Um quinto, “os treze fracassos lamentáveis” e assim por diante. Os assuntos são todos de natureza tão geral que se pode tentar descobrir o que a própria pessoa colocaria sob os vários títulos, tendo em mente o objetivo subjacente de todos estes preceitos de forma igual, que é a obtenção do verdadeiro conhecimento ou da verdade relevante. Os preceitos acentuam a importância de uma vida verdadeiramente religiosa. A qualificação “verdadeiramente” é necessária porque o que é indicado não é uma vida em mera conformidade a determinadas regras e disciplinas, à prática de determinadas cerimônias e assim por diante, mas uma vida que pode ser chamada religiosa em um sentido básico. No seu sentido literal, a palavra “religião” possui aproximadamente o mesmo significado que a palavra YOGA; é “aquilo que liga”, “vincula”. E Yoga também significa alcançar um estado interior de união entre o humano e o divino, ou o inferior e o superior, transcendendo aos conflitos e às contradições da vida mundana comum que é denominada Samsara, que significa literalmente “dar voltas e voltas”. Visando eliminar estes conflitos, deve-se abandonar os prazeres e as alegrias mundanas. Talvez esta não seja a melhor maneira de expressar o que se pretende porque não há injunção a ser abandonada. Precisa-se compreender que todos os prazeres e alegrias, em qualquer nível, são de uma natureza insidiosa, calculados para prender a mente, a qual, quando neles fica envolvida, torna-se incapaz de desvencilhar-se livremente do encantamento das associações que se nutrem, as memórias dos prazeres usufruídos e as dores experimentadas. E quando se compreende isso, não há necessidade que outra pessoa venha e nos diga que devemos abrir mão disto do daquilo; a pessoa abrirá mão por sua própria iniciativa do que quer que seja recomendável abrir mão. Todo ensinamento budista reforça a necessidade de reservar-se em pensamento, em palavra e em ato, de modo que não se possa desviar da direção em que se deve prosseguir. Mas acima de tudo, o que é considerado como o mais importante é um espírito oniabarcante de altruísmo, e o reservar-se deveria girar em torno da preservação deste espírito. Em sua maior parte, os preceitos relatam algo semelhante às observações de homens que chegaram a uma compreensão pessoal das verdades que são expressas, embora existam algumas que parecem ser meramente ditos populares comuns. Considerados como um todo, estes preceitos exprimem a natureza do ensinamento central do Mahayana em uma forma que tem uma beleza e um valor próprios, embora outros textos incluídos no volume do senhor Evans-Wentz abordem práticas que procuram o controle dos processos fisiológicos, e parecem, ao menos à primeira vista, basear-se em noções fantasiosas. Aqueles que leram a Voz do Silêncio saberão que esta obra consiste em três tratados que transmitem a essência do pensamento Mahayânico de uma forma muito clara. Estão agrupados em forma de discursos, nos quais o aluno pede orientação e luz ao instrutor, e este fala ao aluno sobre os objetivos da senda, as várias virtudes a serem desenvolvidas, as fraquezas a serem evitadas, e as verdade relacionadas a tudo isso. O instrutor também esclarece que ele pode apenas apontar o caminho, ele não pode conduzir o aluno até o destino pretendido. O aluno terá de usar a sua própria inteligência a cada passo, reunir todas as energias de sua natureza, e aplicar-se seriamente à tarefa. Se fosse meramente uma questão de encontrar um instrutor que conduzisse a pessoa até o objetivo adequado, a dificuldade residiria apenas em encontrar a pessoa certa, e assim o aluno não teria responsabilidade alguma. Mas não é este o caso. O discípulo terá de realizar a viagem por ele próprio, enfrentando todas as dificuldades, guiado pela sua própria compreensão. De acordo com estes preceitos, das dez coisas a serem feitas, uma importante entre elas, é o encontro de um instrutor cuja influência de sua personalidade e conhecimento possa ser inestimável, se o aluno dela puder beneficiar-se. Diz-se: “vincule-te a um preceptor religioso dotado de poder espiritual e de sabedoria total”. De que maneira podemos encontrar uma pessoa assim? Para começar, deve-se compreender o que significa “poder espiritual”. Não é a habilidade de produzir truques fenomênicos ou milagres. A espiritualidade nada tem a ver com tais manipulações psíquicas. A questão então é de como distinguir entre um instrutor falso – e desses deve haver grande variedade – e um verdadeiro. Diz o livro: “para evitar o erro na escolha de um guru, o discípulo precisa ter conhecimento de suas próprias falhas e virtudes”. Não significa que você terá de encontrar primeiramente o guru e então ele lhe dirá as suas faltas e os seus méritos. Deve haver uma medida de auto percepção e de discriminação dela resultante, a fim de reconhecer o verdadeiro instrutor quando o encontrarmos, e não ser atraído por alguém que consegue ter seguidores por apelar para suas fraquezas e divertir-se com sua imaturidade. É fácil imaginar que se possui determinadas virtudes e também minimizar as próprias faltas até mesmo quando as vemos. A tendência seria de desculpar-se dizendo que é humano ter estas falhas, naturais em nosso estágio, não mais as considerando. É precisamente porque as pessoas não querem pôr de lado as suas fraquezas favoritas que elas procuram um Pai Celestial que lhes permitiria a indulgência que desejam, salvando-as, finalmente, apesar delas próprias. Quando vemos um erro em outra pessoa, é provável que vejamos através de uma lente de aumento, mas quando encontramos a mesma fraqueza em nós mesmos, mas quando encontramos a mesma fraqueza em nós mesmos, somos capazes de olhar para ela por uma ótica diferente. Também aquilo que consideramos como as nossas virtudes não podem ser virtudes, de forma alguma, mas meramente possuir sua aparência. Um ser humano pode ser prestativo e agradável de vários modos, e as pessoas podem pensar muito bem dele por isso. Mas se forem procurados os seus motivos, pode se verificar que aquilo que o impulsiona a ser agradável e adaptável brota de se auto interesse. O homem precisa dar-se com as pessoas, possivelmente para finalidades comerciais, ou ele pode estar procurando uma vida fácil; será vantajoso conduzir-se na vida da forma a mais suave e agradável possível. Mas este não é o tipo de amabilidade autêntica. Para sermos genuinamente amáveis e gentis é preciso não ter motivos de vantagem própria. Se o objetivo, até mesmo inconscientemente, for de conquistar a boa opinião de alguém, mesmo se não for para obter vantagens materiais, será o caso de conquistar uma posse para uso próprio. A mente humana é excessivamente complexa. Conforme Helena P. Blavatsky (1831-1891) observa no quinto volume da obra A Doutrina Secreta, “a mente tem muitos mistérios”. Mesmo com a nossa compreensão limitada, podemos perceber como são complexas as suas engrenagens, e como é fácil auto iludir-se. Podem ter-nos dito quando éramos crianças que não devíamos enganar os outros, mas constantemente enganamos a nós próprios. Enquanto assim fizermos, seguiremos caminhos que enganam os outros. Toda a tendência para a frustração, para aceitar ilusões prazerosas,  precisa ser extirpada da pessoa se há o interesse em ser cada vez mais verdadeiro. Livro Em Busca da Sabedoria. Abraço. Davi

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