Espiritualidade. Livro em Busca da Sabedoria. Por N. Sri Ram (1889-1973). ENCONTRANDO A MORTE COMO A UM AMIGO. Parte II. Alguns estudiosos interpretam as palavras gregas como significando “a Filosofia constitui realmente uma meditação sobre a morte”. O que não se parece estar em consonância com a maneira natural com que Sócrates a compreende. Outra colocação e muito mais compreensível, ou seja, quando a vida for vivida de forma adequada. Direcionada para aquelas finalidades que constituem as da alma, não os desejos do corpo, então a filosofia ou a “vida de um filósofo nada mais é senão um longo ensaio para o processo da morte”. Pode-se viver uma vida feliz, contudo pode também ser um processo de morte, que poderá necessitar de explicações. Sócrates adianta que as multidões, o povoem geral, ignoram o sentido no qual o filósofo recebe a morte. Não significa que ele deseje livrar-se do corpo, todavia que ele tem um sentimento acolhedor em relação a morte. Tem esse sentimento porque não atribui grande valor as gratificações dos apetites físicos. A maioria dos homens estima o valor das coisas através do prazer que proporcionam, porém, o objetivo do filósofo é o de libertar-se tanto quanto possível da dominação do corpo. Esforça-se para cultivar a alma, dando atenção àqueles assuntos que são de interesse da alma como a verdade, a virtude e assim por diante. A proceder desta maneira, já se separou do seu corpo. E como abandonou todo o apego aos prazeres que se apresenta à pessoa através do corpo, a morte nada mais é senão uma saída por uma porta aberta. As coisas que alimentam a alma são aquilo que é direito, bom, verdadeiro, belo e assim por diante. Disse Sócrates: “Aquele que não se preocupa com os prazeres do corpo quase chega à morte”. Pode-se usufruir os prazeres que surgem momentaneamente, mas não se deve desejá-los com ansiedade. Alijando os do campo das preocupações e interesses, quase se chega a morte. É neste sentido que o filósofo deseja a morte, mesmo enquanto está vivo. Isto é semelhante ao ensinamento de Jiddu Krishnamurti (1895-1986), embora ele não fale da morte como uma saída bem-vinda. No entanto, de morrer aqui e agora para o nosso passado e para toda a experiência na medida em que surge. O filósofo, cujo interesse está centralizado na virtude e sabedoria, purifica, assim, a sua inteligência, de maneira que ela está livre de toda a mácula, de todo elemento a ele estranho. É a purificação da natureza integral do ser humano que faz florescer a independência espiritual. Está é a verdadeira liberdade ou Mukti. Mukti não é literalmente uma fusão no Logos. Antes que possa processar-se a fusão do espírito humano no Logos, o homem terá de libertar-se de seus laços ou apegos. Para expressar a mesma verdade de outra forma: é realmente o abandono do passado da pessoa, de todos os apegos que dele surgem, que transforma o homem em um novo ser. A entidade que está atualmente funcionando é uma criatura do passado. Ela vem acompanhando uma linha de continuidade e tem dentro de sua natureza e constituição muitas coisas que derivaram do seu passado e de suas experiências. Transformar-se num novo ser é estar limpo do passado, de modo que ele não mais domina, obscurece ou dirige o presente. Esta forma de morrer torna a vida realmente muito mais vital, menos embaraçada e oprimida, de maneira que todas as percepções são mais exatas. A inteligência passa a ser intensa, concentrada e semelhante a uma chama. É em um estado de pureza interna que a pessoa atinge a mais alta qualidade no funcionamento de todos os aspectos do seu ser. Toda a substância em seu estado puro exibe a sua potência plena. Casualmente foi feita a afirmação de que a filosofia é a música de mais alta qualidade. Sócrates disse que tinha um sonho persistente no qual lhe ordenavam dedicar-se à música, e como ele compreendia ser a filosofia a música, e como ele entendia ser a filosofia a música mais elevada estava dedicando-se a ela. O conceito de ser a filosofia a forma mais elevada de música torna-se mais claro a luz da afirmação feita anteriormente com relação à natureza da alma com sendo uma forma de harmonia. A objeção anteriormente formulada de que ao ser avariado o instrumento não pode mais haver qualquer música. Foi respondida por Sócrates com a observação de que a alma pode existir, embora ela possa ou não ter um instrumento. É bastante interessante que, em uma das palestras feitas pela doutora Annie Besant (1847-1933), em seus dias de ateísta, ela usava precisamente este exemplo. Ela dizia que embora a lira possa estar avariada, a música pode ainda existir. Como razão de estar disposto a morrer, Sócrates comentou que estaríamos muito bem no local para onde iríamos, sob a orientação de bons Mestres e em meio a amigos. As pessoas gostam de encontrar-se em ambientes que lhes são familiares. Se um homem realmente dedicou sua vida a filosofia, ele pode estar certo de que será bem colocado. Estará feliz em proporção à pureza de sua mente, o que também constitui uma verdade importante. A felicidade não deve ser confundida com prazer, ela se origina da pureza da mente e do coração e surge de forma natural. Não precisamos procurá-la de modo algum. Assim, Sócrates disse que, se um homem se dedicou à virtude e à sabedoria, poderá nutrir a esperança bem fundamentada de que estará cercado pela maior benevolência no outro mundo. O que está de acordo com os ensinamentos teosóficos. Foi feita uma outra observação digna de ser mencionada. Se algum dia chegarmos a conhecer a natureza de algo em sua essência, conhecer a sua realidade autêntica e não meramente a forma, a aparência, o invólucro externo. Teremos de estar separados do corpo e contemplar as próprias coisas em si através da alma apenas. É somente a visão da alma, a sabedoria da alma, que pode proporcionar a essência da verdade com relação a qualquer coisa existente. O Bhagavad Gita refere-se aos “conhecedores da essência das coisas”, sendo a qualidade essencial de uma coisa aquilo que a torna diferente de qualquer outra coisa. A essência, o objeto em si mesmo, apenas pode ser conhecido através da alma e jamais através dos sentidos. Quando vivemos, nos aproximamos mais do conhecimento daquela essência ao não mantermos comunicação ou comunhão de espécie alguma com o corpo. Exceto para as necessidades absolutas, isto é, quando deixamos de ser dependentes do corpo, influenciados pelos seus apetites, impulsos e paixões. Em outras palavras, todo o esforço e estudo na filosofia, segundo a acepção antiga da palavra, implica na entrega e separação da alma do corpo. Isso pode ser tentado e logrado até mesmo enquanto a pessoa estiver vivendo neste mundo. Não é algo que precisa realizar-se por um processo da natureza, mas pode ser atingido pela própria inteligência perspicaz da pessoa. Quando há liberdade de dependência do corpo, quando esta mudança se realiza em sua plenitude, então a morte e a vida são a mesma coisa para o homem real. Sendo o homem real a alma, não lhe faz diferença se vive ou se morre. Isso também nos faz lembrar a frase contida no Gita que diz que> “Os sábios não lamentam nem os vivos e nem os mortos”. Isto significa que existe a possibilidade de alcançar uma condição ou estado interior no qual a vida é exatamente a mesma coisa, se vivida no corpo físico, que foi chamado de prisão, ou fora dela. A alma usa o corpo como instrumento, sem ele se apegar. Esse Diálogo específico está repleto de ideias esclarecedoras para todos aqueles que tentam compreender estes assuntos. A natureza da alma, da vida neste mundo, os objetivos mais dignos porque se esforçar, o novo significado que a morte pode adquirir. A possibilidade de enfrentar este acontecimento com frieza e até mesmo de bem acolhê-lo. Abraço. Davi.
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