Espiritualidade. Livro Em Busca da Sabedoria. Por N. Sri Ram (1889-1973). ENCONTRANDO A MORTE COMO A UM AMIGO. Parte I. Um dos diálogos mais famosos de Platão (428 a.C. 347), que atrai mais atenção que outro, é aquele em que ele relata a morte de Sócrates (470 a.C.399). Havia alguns amigos presentes durante o dia em cuja noite deu-se a sua passagem. Esse Diálogo apresenta-se em forma de uma conversa que se realizou naquele último dia. Começou com argumentos sobre a preexistência da alma, e várias ideias foram abordadas com relação à sua natureza. Esta parte da discussão termina com a afirmação da imortalidade da alma. Até mesmo nos dias de hoje, parece-me que vale a pena considerar os pontos que foram então discutidos. Quando os seus amigos entraram no cárcere, viram Sócrates esfregando a sua perna que acabar de ser liberta dos grilhões. O ponto notável sobre a sua conduta, quando encontrou os seus amigos, foi que ele não fez qualquer queixa, não havia o menor indício de lamento sobre sua própria condição. Apenas teceu considerações sobre a extraordinária alternância e conexão entre o prazer e a dor na vida. Disse que até então tinha havido uma experiência de dor, mas agora que estava livre dos grilhões houve imediatamente prazer. Se qualquer um de nós tivesse estado na sua situação, pergunto-me sobre que tipo de sentimentos ou pensamentos teríamos tido. Naturalmente, Sócrates estava antevendo sua morte. A conversa então prossegue, e várias ideias são trocadas. Quando se aproxima a noite, ele recebeu a taça de veneno que beberia, pronta e calmamente, segundo se diz, da maneira mais descontraída e tranquila possível. Quando o veneno começa a fazer efeito, Sócrates friamente descreve o avanço da morte sobre o seu corpo, a partir dos pés, etapa por etapa. É uma cena bastante extraordinária, não há registro de qualquer evento desta espécie. Aparentemente a conversa continuou durante horas a fio. Depois de debater sobre a natureza da alma, Sócrates explica sobre as finalidades procuradas pelo verdadeiro filósofo e porque a morte lhe é bem-vinda. As declarações feitas não são asserções, mas meramente uma discussão sobre ideias, sobre possibilidades e inferências a serem delas feitas. Um dos amigos de Sócrates sugeriu que a alma pode ser concebida com sendo da natureza da harmonia. Se o corpo pode ser comprado com uma lira ou alaúde, por exemplo, a alma poderia ser a música produzida. Esta visão – embora atribua à alma uma dignidade e natureza que podem possuir tanto profundidade quanto beleza – não lhe outorga um status independente. A visão apresentada parecia propor aquilo que se poderia denominar de teoria epifenomenlista, ou seja, o corpo é a realidade. Várias atitudes nele se desenrolam, particularmente as do cérebro, e a alma, embora possuindo uma natureza de harmonia, é meramente um produto daquelas atividades. Talvez apenas daquelas dentre elas que poderiam conduzir a este resultado. Mas quando o instrumento estivesse danificado, não mais haveria música. Não houve objeções nestas linhas. Outra ideia colocada, de natureza similar, sugeria a analogia mecânica de um fogo. Poder-se-ia encarar o fogo como a consciência no homem, animando o corpo, uma vez dissolvido o corpo, o fogo está extinto. Essa ideia é como o pensamento da Escola Meridional de Budismo, mas eles provavelmente diriam que é um fogo misturado com a fumaça, que é dissipada. Esses argumentos não são destituídos de interesse. Quando consideramos como as coisas poderiam ser, se determinado ponto de vista se justifica, qual a visão que pode ser razoavelmente defendida. Então a passagem por esta linha de pensamento não está destituída de um elemento instrutivo e de valor. Na natureza ocorrem tantas coisas, como o nascer e o pôr do sol, de uma maneira que é contrária aos fatos. A justificativa de que a alma ou a mente, por enquanto colocando-as juntas, é meramente uma espécie de imagem refletida das atividades no campo material do cérebro. Embora plausível, pode também ser contraditório em relação aos fatos. O que inicialmente parece ocorrer, à primeira vista, pode não ser a verdade básica ou subjacente. Sócrates vence as objeções à ideia da imortalidade da alma. Na realidade, em outro Diálogo, Platão destaca estas objeções, marcando-as como constituindo a raiz de toda a forma “irreligiosa de filosofia”. Embora ele fosse tão lógico que poderia não ter assumido que o que é aparentemente verdadeiro é religioso. O que é verdadeiro pode ser considerado religioso, mas aquilo que está de acordo com a religião como ela se apresenta pode não ser verdadeiro. As alegações feitas quanto à preexistência da alma são ideias que desde então se tornaram famosas como parte da Filosofia Platônica. Houve referência a antiga crença de que uma alma nascida neste mundo, voltou de outro mundo para o qual o homem vai na morte. É claro que este é um conceito amplamente aceito na Índia, mas ele também existiu no pensamento antigo em outros povos. A sugestão foi no sentido de que os mortos se originam dos vivos. Os vivos se originam dos mortos. É um fenômeno de ocorrência cíclica como o sono, o estar acordado, e o sono novamente. Está de acordo com a verdade ou regra na natureza de que os opostos se geram reciprocamente. Morrer e nascer constituem um par de opostos. Mas, aparentemente, não houve uma investigação mais profunda sobre a forma de sua ligação, de sorte que um acontecimento dá origem ao outro em seu curso. Platão tinha uma forma de, às vezes, lançar uma ideia profundamente sugestiva e envolvente pra depois deixar que outros continuassem a investigá-la por si mesmos. Outro argumento referiu-se a uma ideia que Sócrates havia anteriormente proposto, no sentido de que todo o conhecimento real é reminiscência, uma lembrança no cérebro físico. A alma deve ter existido e deve ter tido conhecimento de uma natureza específica, antes de ter sido unida com o corpo, e a evidência disso e o fato de compreendermos coisas como justiça, beleza, igualdade de espírito e assim por diante. Essas ideias não se originarem de percepções dos sentidos. Portanto, elas devem já ter estado integradas no conhecimento da alma. As percepções, ouvir sons, ver que algo é vermelho ou preto, que outra coisa é alta ou baixa, todas são ideias comparativas. Meramente baseado nessas percepções não se pode desenvolver ideias de beleza, justiça, moralidade e assim por diante. Desse modo, conhecimento e ideias devem ter uma fonte diferente. Além disso, se a alma existiu antes do nascimento e de forma independente, então, ela não pode morrer com o corpo. Sócrates também expressou a opinião de que a alma não pode ter uma natureza constituída de vários fatores, pois, assim, a sua condição modificar-se-ia. Deve ter uma natureza que é imutável. Muito embora uma alma possa estar mais desenvolvida do que outra, a sua natureza essencial deve ser a mesma. Um conjunto de fatores variáveis é passível de mudança, ao passo que aquilo que é simples, monádico – referente a mônada – essencialmente terá de permanecer o mesmo. Foi também feita a declaração de que sejam quais forem os seus outros atributos, a alma deve ter uma natureza de vida. Não pode ser uma abstração, uma projeção mental. Esta vinculação da vida e da alma, obviamente importante na série de ideias expostas, estava oculta pela afirmação de que a alma deve ser da mesma natureza da Divindade para assegura a crença na sua imortalidade. Apenas o Divino pode ser imortal, e aquilo que não é Divino deve ser mortal. Depois, Sócrates exorta seus amigos a adquirirem virtudes e sabedoria nesta vida. O momento de sua morte estava se aproximando, mas ele continuava a falar de maneira natural e fácil como o fizera em qualquer outro dia de sua vida. Disse ele: “O filósofo autêntico é aquele cuja mente está direcionada para a verdade e a virtude”. A palavra “filósofo”, bem como a palavra “filosofia” tornaram-se bastante modificadas em seu significado desde aqueles dias. Atualmente, achamos que um filósofo é uma pessoa que analisa e argumenta extensamente, e as vezes, infinitamente sua tese específica. A vida que ele leva nada tem a ver com a sua habilidade e atividade intelectual. Mas não era esta a visão de então. No significado literal da palavra, filosofia é amor à verdade, e amor que sempre implica ação. A verdade, se sua natureza for tal que evoque o amor, terá de produzir uma mudança importante na pessoa, voltando o seu interesse das coisas dos sentidos, que são efêmeras. Constituindo nada mais senão gozo e prazer, para as coisas nobres e autênticas. Este foi o antigo conceito de um filósofo. Como a sua mente está direcionada para a verdade e a sabedoria, o filósofo, disse Sócrates, é uma pessoa que “está disposta e pronta para morrer”. Sendo assim, a morte não é mal-recebida por ele. É assim que ele explicou o seu contentamento sobre a perspectiva de partir deste mundo. Mas ele também disse que não é certo cometer suicídio. A sua explicação contra o suicídio é bastante curiosa: Neste mundo, estamos em um tipo de prisão, vivendo sob grandes limitações. É um mundo no qual predomina mais a ignorância do que a sabedoria. Todavia dele não devemos escapar antes de recebermos permissão para fazê-lo. A saída da prisão pode ser muito bem-vinda, porém não devemos nos evadir dela por nossa própria iniciativa. Também foi feita a afirmação de que ninguém possui direito de posse sobre o seu corpo. Esta não seria a visão geralmente defendida pela maioria das pessoas, mas temos a responsabilidade de usarmos o corpo adequadamente, mantendo-se em boas condições. O que é precisamente o ponto de vista expresso na obra Aos Pés do Mestre. Porque a morte é bem-vinda, e amente é direcionada pelo filósofo para a verdade e a virtude, para ele, a filosofia passa a constituir realmente uma preparação para a morte, o que é uma ideia surpreendente. Alguns estudiosos interpretam as palavras gregas como significando “a Filosofia constitui realmente uma meditação sobre a morte”. O que não se parece estar em consonância com a maneira natural com que Sócrates a compreende. Outra colocação e muito mais compreensível, ou seja, quando a vida for vivida de forma adequada. Direcionada para aquelas finalidades que constituem as da alma, não os desejos do corpo, então a filosofia ou a “vida de um filósofo nada mais é senão um longo ensaio para o processo da morte”. Pode-se viver uma vida feliz, contudo pode também ser um processo de morte, que poderá necessitar de explicações. Sócrates adianta que as multidões, o povoem geral, ignoram o sentido no qual o filósofo recebe a morte. Não significa que ele deseje livrar-se do corpo, todavia que ele tem um sentimento acolhedor em relação a morte. Tem esse sentimento porque não atribui grande valor as gratificações dos apetites físicos. Abraço. Davi.
segunda-feira, 11 de novembro de 2024
quinta-feira, 7 de novembro de 2024
V. O EVANGELHO DE BUDA
Budismo. Texto do Yogi Kharishnanda Saraswati (1922-2001). V. O EVANGELHO DE BUDA. Capítulo Oito. A Tentação. O Senhor Budha encaminhou-se novamente para a colossal árvore baniana, sob cuja folhagem ia ser revelada a Verdade do seu destino. No momento em que se sentou sob a árvore, caiu a noite. Porém, Mara, o príncipe das trevas, tendo notícia de que ali estava o Budha, que ele iria libertar os homens e era chegada a hora de encontrar a Verdade para a salvação do mundo, enviou ordens às potestades do Mal. Então, os demônios inimigos da Sabedoria e da Luz saíram dos abismos profundos e se congregaram. Eram Arati, Trishna e Raga, com suas tramas de paixões, horrores, ignorâncias e concupiscências, com todos os engenhosos inventos das trevas e do temor, aborrecedores de Budha, cujo espírito tentavam conturbar. Entre os fragores da tormenta, legiões de demônios se agitaram no espaço com o ribombar do trovão e relâmpagos ofuscantes, semelhantes a dardos, que se desprendiam do céu purpúreo. Com estratagemas e conjurações, faziam aparecer figuras de beleza feiticeira entre a tranquila folhagem, as quais ressoavam cânticos voluptuosos e murmúrios de amor. Algumas vezes o tentavam oferecendo-lhe poder: outras, apresentavam-lhe dúvidas sobre a verdade como se ela fosse ilusão. Chegaram os pecados capitais, os anjos do mal. Primeiro Attavada, o pecado do egoísmo, que se compraz em contemplar a sua imagem refletida no Universo como num espelho, lhe diz: Se você é Budha, deixe que os demais andem nas trevas. Basta que seja invariavelmente você mesmo. Levante-se e desfrute da felicidade dos deuses, que não sofrem mudança nem derrota nem luta. Porém, Budha lhe replicou: Em você, a justiça é menosprezível e a injustiça uma maldição. Vá enganar àqueles que amam a si mesmos. Aproximou-se depois a pálida dúvida, o pecado irônico, que silvou nos ouvidos do Mestre: Todas as coisas são ilusões e vã é a ciência de sua vaidade. Você só busca a sua própria sombra. Levante-se e abandone estes lugares. Não há maior recurso do que um desdém paciente, e não existe nenhum remédio para o homem, que é incapaz de deter a roda que gira sem parar. E o Senhor Budha respondeu: Você nada tem a ver comigo, dúvida insidiosa, o inimigo mais astuto dos homens. Em terceiro lugar veio a superstição, a feiticeira que se encobre sob o manto da modesta fé, porém que sempre engana as almas com cerimônias e orações, tendo em suas mãos as chaves que fecham os infernos e abrem o céu. Disse-lhe a superstição: Você é audacioso. Trancafie os nossos livros sagrados, destrua os nossos deuses, despovoe os templos e estraçalhe a Lei que mantém os sacerdotes e sustenta os reis. Porém o Budha respondeu: Você me pede que destrua a forma transitória; porém, a Verdade livre permanece. Volte para as suas trevas. Depois, adiantou-os galhardamente o mais ousado tentador. Era Kama, o rei das paixões, que exerce influência até mesmo sobre os deuses. Era o mestre de amores, o soberano do reino do prazer. Aproximou-se da árvore, sorridente, com seu arco de ouro enfeitado de flores vermelhas, e na aljava as setas do desejo e cujas pontas são cinco línguas de fogo que pungem o coração e ferem mais cruelmente do que dardos envenenados. Acompanhavam-no cortes de esplêndidas formosuras, de lábios e olhos celestes que sensualmente louvavam o amor ao som de instrumentos invisíveis e harmoniosos. Era tal o encanto delas que até a noite parecia suspender o seu curso para ouvi-las, e as estrelas e a Lua se detiveram atentas à sua carreira, enquanto em seu canto as beldades recordavam ao Budha as delícias perdidas, e lhe diziam que um mortal não pode encontrar nos três imensos mundos nada comparável aos perfumados seios da formosa amante abandonada, nem aos seus rosados mamilos rubros de amor. Acrescentaram que nada sobrepuja a suave harmonia da forma, que oferece à vista linhas e encantos da pessoa amada, na indizível harmonia que se encontra de alma para alma, que faz ferver o nosso sangue e que a vontade adora e deseja porque sabe que ali está o ótimo, que é o verdadeiro céu onde os mortais são como deuses, criadores e soberanos, que é o dom dos dons, sempre renovado, e por ele se podem suportar mil dores. Porque, quem se lembra de ter sofrido quando era enlaçado por braços ternos e toda a sua vida se fundia num suspiro de felicidade e num ardente e apaixonado beijo possuía o mundo inteiro? Assim cantavam com gestos lânguidos, com olhos que soltavam amorosas chamas e com lábios de sedutores sorrisos. Em sua dança lasciva deixavam entrever os quadris e coxas como casulos entreabertos que ostentam seus matizes e, no entanto, ocultam seus corações. Jamais houve para olhos humanos encanto maior do que aquelas bailarinas noturnas que se aproximava da árvore, cada qual mais sedutora que a precedente, murmurando: Oh! Excelso Sidharta! Sou sua. Prove de minha boca e veja se não é deleitosa a minha juventude. Mas ao ver que o espírito de Buda permanecia inquebrantável, Kama brandiu o seu arco mágico, e de repente destacou-se do grupo de dançarinas uma figura muito mais bela e majestosa do que as outras cujo semblante se assemelhava ao do doce Yasodhara. Seus olhos negros, regados de lágrimas, refletiam paixão extremamente veemente. Seus braços, abertos para ele, se retorciam de dor; e gemendo suavemente, a encantadora sombra chamou-o pelo seu nome, dizendo entre suspiros: Meu príncipe. Estou morrendo porque você me abandonou. Que céu encontrou que seja comparável ao que gozamos nas margens do límpido Rohim, na Mansão do Prazer; onde choro por você há já longos e penosos anos? Volte, Sidharta. Oh!, volte! Ao menos beije-me outra vez em meus lábios, e que ao menos outra vez eu repouse no seu peito, para que seus sonhos estéreis se desvaneçam. Contemple-me. Não sou aquela que você ama? Buda respondeu-lhe: Pelo doce amor daquela que desse modo você lembra, sombra formosa e falsa de vã astúcia, não a maldigo porque você assumiu uma forma tão querida, ainda que, como todas aparições terrenas, seja uma ilusão mil vezes enganosa. Desvaneça-se de novo no vazio! Então, ressoou um grito no bosque, e o tropel sedutor se desvaneceu com as cenas vaporosas. Capítulo nove. A Iluminação. Afugentado Mara, o Senhor Buda entregou-se à meditação. Ante os olhos do espírito passaram os males e misérias do mundo, procedentes das más ações com seus consequentes sofrimentos. Então ele disse: É verdade que se os homens soubessem antecipadamente o resultado de suas más ações não as cometeriam; porém, a personalidade é cega e eles continuam sujeitos aos seus perniciosos desejos. Desejam ardentemente o prazer, e engendram a dor. Quando a morte destrói sua personalidade, não encontram a paz. Continuam sujeitos à roda de morte e renascimentos, e aparecem em outra personalidade em novas existências. Assim continuam movendo-se num círculo, sem poder fugir do inferno que eles mesmos criaram. Vãos são os prazeres e ineficazes seus esforços. Ocos como o bambu, e vazios como a bolha de sabão. O mundo está cheio de pecado e aflição, porque nele domina o erro. Os homens se extraviam porque pensam que o erra vale mais que a Verdade. E mesmo que vejam a Verdade, os homens a desprezam pelo erro porque este é no momento mais atraente, embora dê como resultado a aflição e a infelicidade. Buda começou então a expor a doutrina do Dharma. O Dharma é a verdade, a lei, a religião. Somente o Dharma pode livrar-nos do erro, do pecado e da aflição. Ao considerar as causas do nascimento e da morte, o Bem-aventurado reconheceu que a ignorância é a fonte envenenada de todo o mal, que se encadeia nas doze Vidanas. No princípio da existência não há conhecimento, e dessa ignorância surgem os apetites da vida de sensação, que por sua vez engendram as formas orgânicas com os seis campos de percepção, ou seja, os cinco sentidos e a morte em que os cinco se resumem. Os seis campos se relacionam com o mundo exterior e, desse contato, provêm a sensação que tece a rede da personalidade com o apego às coisas materiais. A personalidade se perpetua nos sucessivos nascimentos que ocasionam dor, angústia, abatimento, velhice e morte. A causa de toda dor é a ignorância. Dissipe a ignorância e os apetites que nascem dela se desvanecerão. Desaparecerá a falsa percepção do mundo material e vocês se livrarão da concupiscência, do erro, da ilusão, do egoísmo da personalidade, que se sobrepõem à enfermidade, à velhice, à morte e ao renascimento. O Sábio viu as quatro nobre verdades que mostram o caminho do Nirvana e o aniquilamento da personalidade. A primeira nobre verdade é que o sofrimento existe. Sofre-se ao nascer, ao crescer, ao adoecer e ao morrer. Sofre quem está unido ao que repugna. Sofre quem se vê forçado a separar-se de quem ama. Sofre quem anela o que não consegue obter. A segunda nobre verdade é que o sofrimento provém da concupiscência. O mundo objetivo excita à sensação, e a sensação desperta o desejo com ânsia de imediata satisfação. O desejo de viver para satisfazer os desejos da personalidade nos prende nas redes do sofrimento. O prazer sensual é um acontecimento que resulta em dor. A terceira nobre verdade é que o sofrimento pode cessar. Quem subjuga a personalidade, livra-se da concupiscência, e, por conseguinte, do desejo e da dor. A quarta nobre verdade é que pelo caminho óctuplo chega-se à eliminação do sofrimento. Apenas aquele que submete sua vontade ao dever salva-se do sofrimento. O homem inteligente segue o caminho óctuplo e desse modo deixa de sofrer. Eis as oito etapas do caminho. I. Reta compreensão. 2. Reto propósito. 3. Reta palavra. 4. Reta conduta. 5. Retos meios de subsistência. 6. Reto esforço. 7. Reta atenção. 8. Reta meditação. Trilhe-o respeitando o Dharma, isto é, cumprindo o seu dever e evitando prejudicar outros seres. Pense na lei de causa e efeito, na lei do Karma que forja o destino do homem, e domine os seus sentimentos. Essa é a doutrina da reta compreensão. Seja benévolo com tudo quanto vive. Extirpe a maledicência, a inveja e a ira de tal sorte que você se assemelhe ao suave sopro da brisa. Cuide de seus lábios como se fossem os portais do palácio de um rei. Que todas as suas palavras sejam francas, sinceras e corteses, como se você estivesse na presença do rei. Essa é a reta palavra. Que cada uma de suas ações elimine um vício e estimule uma virtude. Como se entrevê um fio de prata entre as contas cristalinas de um colar, assim se deve mostrar o amor em toda boa ação. Essa é a reta conduta. As outras quatro etapas superiores só podem ser percorridas pelos pés que já não pisam caminhos mundanos. Almas cujas asas não têm mais plumagem! Não tente voar até o Sol! O ar das regiões inferiores lhe é suave, e conhecidos e seguros lhes são os caminhos e níveis domésticos a que você está acostumado. Apenas seres vigorosos podem abandonar o ninho que cada qual fabricou para si. O amor da mulher e do filho são valiosos. Eu sei disso. As amizades e os recreios da vida são agradáveis. As compassivas qualidades de uma conduta virtuosa são úteis. Faça de sua debilidade uma escada de ouro e eleve-se pela convivência diária com essas ilusões até as verdades mais dignas de ser amadas. Desse modo, você alcançará cumes mais serenos, a sua subida será menos penosa, suas culpas não pesarão tanto, e você se fortalecerá pela vontade para quebrar as ligações dos sentidos e entrar no caminho. Esse é o Dharma. Essa é a religião. Essa é a Verdade. E o sábio exclamou: Quanto tempo andei por caminhos errados! Ligado durante muitas vidas pela cadeia dos desejos, buscando inutilmente a origem da inquietação que tortura o homem, do egoísmo e da ansiedade inerente à vida terrena, com seu nascimento, suas dores e sua morte. Porém já o descobri. É a personalidade. Não construam, Oh! Senhores do Karma, nova casa para mim, porque eu rompi o jugo do pecado e quebrei o leme da inquietação. Meu espírito entrou no Nirvana. Desvaneceu-se o desejo. Ali está a personalidade e aqui a Verdade. Onde está a personalidade não está a Verdade. São incompatíveis. A personalidade é erro transitório do Samsara, a roda dos nascimentos e mortes; a isoladora separação egoísta, mão da inveja e do ódio. A personalidade é a insensata avidez e prazeres, o louco afã dos ilusórios triunfos e da vaidade. Em troca, a verdade se origina da reta compreensão das coisas; é eterna; é a realidade da existência; é a bem-aventurança que conduz ao reto caminho. A personalidade é uma ilusão, e não há no mundo nem vício nem pecado que não derive da afirmação da personalidade. Para alcançar a Verdade é indispensável reconhecer a ilusão da personalidade. Não é possível caminhar com pés firmes pelo reto caminho sem que se tenha antes abandonado o embaraçoso lastro das paixões egoístas. A paz perfeita requer o abandono de toda vaidade. Bem-aventurado quem compreende o Dharma. Bem-aventurado o que não prejudica os demais seres humanos. Bem-aventurado quem venceu o pecado e está livre de paixões. Desfruta de completa felicidade quem vence o egoísmo e a vaidade, porque já é perfeito e santo. Alcançou a suprema Iluminação. Livro o Evangelho do Buda. Abraço. Davi.
terça-feira, 5 de novembro de 2024
JESUS. Parte VII
Judaísmo. Livro Judaísmo e Cristianismo – As Diferenças. Por Trude Weiss Rosmarin (1908-1989). JESUS. Capítulo 8. JESUS. Parte VII. O divórcio se constitui numa tragédia, ao que todos os mestres judeus prontamente admitem. Na verdade, é tão trágico que o próprio altar de Deus verte lágrimas quando um homem se divorcia da esposa que conheceu na sua juventude. Mas devido ao fato de a vida ser como é, o divórcio é necessário. Assim, a lei judaica aprova o divórcio e o Talmud devota um tratado inteiro para as implicações legais da dissolução do casamento – Guitim. “A eles (os judeus) foi dito: Aquele que repudiar sua mulher, dê-lhe uma carta de divórcio. Eu, porém, vos digo: Todo aquele que repudia sua mulher, a não ser por motivo de fornicação, faz com que ela adultere, e aquele que se casa com a repudiada, comete adultério”. Mateus 5,31 e seguintes: comparar com Mateus 19,3-9. Como é bem sabido, o Catolicismo ainda aceita esse princípio e não permite o divórcio. Ainda mais grave, entretanto, foi a atitude negativa de Jesus quanto as leis dietéticas expressas em seus ensinamentos. “Ouvi e entendei. Não é o que entra pela boca que torna o homem impuro, mas o que sai da boca, isto sim o torna impuro” Mateus 15,11. Isto era uma clara e inequívoca desaprovação da importância das leis dietéticas. Os discípulos de Jesus, indignados com esse ataque a uma importante observância judaica, perguntaram a seu mestre: “Você sabia que os fariseus se escandalizaram ao ouvir o que dissestes? Ao que ele respondeu: “Qualquer planta que meu Pai celeste não plantou será arrancada. Deixai-os. São cegos conduzindo cegos. Ora, se um cego conduz outro, ambos acabarão caindo num buraco”. A pedido de Paulo, para explicar a parábola, Jesus disse: “Não entendeis que tudo o que entra pela boca vai para o ventre e daí para a fossa? Mas o que sai da boca procede do coração e é isto que torna o homem impuro” Mateus 15,12-18. De maneira natural Jesus declarou que “todos os alimentos são puros” Marcos 7,19. Claro que esse ataque frontal a totalidade das leis dietéticas se constitui em estranho contraste à colocação de Jesus de que ele não havia vindo para abolir nada da Lei, ou dos profetas. Ao transmitir a impressão de que manter as leis dietéticas é irrelevante, bem como ser contra a fiel observância das leis ética. Jesus se colocou em oposição eterna ao judaísmo, que ensina que a lei cerimonial é a companheira da lei ética e sua guardiã. Jesus também declarou que a lavagem ritual das mãos antes das refeições era sem importância. Este fato é evidente a partir de sua controvérsia com os fariseus sobre essa observância: “Então alguns fariseus e escribas vieram até Jesus, de Jerusalém, e disseram a ele: “Por que seus discípulos não seguem as leis entregues por seus ancestrais? Comem o pão sem antes lavarem as mãos” Mateus 15,1-3, compare com Marcos 7,1. Como resposta, Jesus acusou os fariseus de negligenciarem os importantes mandamentos éticos por causa de meras regulamentações rituais. Apesar de afirmar que “é isso que polui um homem, mas não o fato de comer sem lavar as mãos” Mateus 15,12. Entretanto, não somente os discípulos de Jesus, mas ele também ignorava o mandamento de lavar as mãos. Certa vez, convidado à casa de um fariseu, sentou-se à mesa sem lavar as mãos. Quando a anfitriã manifestou sua surpresa, Jesus novamente desferiu um amargo ataque aos fariseus: “Vocês, fariseus, limpam o exterior das xícaras e louças, mas por dentro são repletos de maldade e doenças. Vocês tolos! O Criador da porção exterior não fez o interior também?” Lucas 11,37-41. Jesus também se colocou em oposição à Lei e seus mestres ao ignorar os jejuns observados pelas comunidades e ao defender o afastamento dos costumes relacionados aos jejuns judaicos. Os Evangelhos registram que, quando os fariseus, e mesmo quando os discípulos de João Batista jejuavam, os discípulos de Jesus não o mantinham. Quando lhe perguntaram sobre essa permissividade. Jesus respondia que, enquanto ele, “o noivo, convivesse com seus discípulos, não havia motivo pra jejuarem. Pois “Por acaso podem os amigos do noivo estar de luto enquanto o noivo está com eles? Dias virão, quando o noivo lhes será tirado, então sim jejuarão” Mateu 9,14. Marcos 2,18-20. As leis que regulamentam a observância dos jejuns judaicos consideram lavar as mãos e se perfumar deleites físicos que devem ser evitados nos dias de abnegação solene. Entretanto, Jesus disse a seus discípulos para desconsiderar essas leis: “Quando jejuardes, não tomeis um ar sombrio como fazem os hipócritas, pois eles desfiguram seu rosto para que seu jejum seja percebido pelos homens. Em verdade vos digo: “Já recebem a sua recompensa. Tu, porém, quando jejuardes, unge tua cabeça e lava teu rosto para que os homens não percebam que estás jejuando, mas apenas o teu Pai que está lá no segredo, e o teu Pai que se Vê nos segredos de recompensará” Mateus 6,16-18. O judaísmo considera as rezas em comunidade a mais recomendável forma de culto. O minián, a reunião de no mínimo dez homens adultos, é o quórum exigido pra certas orações importantes, especialmente pra a leitura da Torá nos dias prescritos de cada semana. A ênfase dada as rezas em minián não significa, entretanto, que o judaísmo desconheça ou despreze o valor religioso ou o conforto derivado da devoção silenciosa. A importância atribuída ao minián é devida ao fato de que o judaísmo pretende que seus seguidores saibam e se conscientizem sempre que o indivíduo é apenas um elo na poderosa corrente do seu povo e da humanidade. Assim deve estar próximo de Deus, não na solidão, mas junto com seus irmãos, cujo destino está vinculado ao dele. Jesus, em oposição à abençoada tradição, denegriu o valor religioso das orações em comunidade e idealizou devoção solitária: “E quando orardes, não sejais como os hipócritas que gostam de fazer orações pondo-se de pé nas sinagogas e nas esquinas, a fim de serem vistos pelos homens. Em verdade, vos digo: Já receberam a sua recompensa. Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e, fechando tua porta, ora ao teu Pai que está lá, no segredo. E o teu Pai no segredo, te recompensará”. Esses exemplos da hostilidade de Jesus e não obediência às leis básicas judaicas e aos princípios aceitos, de costumes e cerimônias deveriam provar de modo conclusivo que o título de “rabino” não pode ser estendido a ele. Na verdade, Jesus se opunha o atacava todos e tudo que os rabinos de seu tempo defendiam. Ele se opunha a eles, não somente com relação a detalhes e aspectos menores da Lei, mas também indiscriminadamente e por princípios. Portanto, Jesus, advertiu seus discípulos contra “o fermento dos fariseus e saduceus”. Mateus 16,11 e seguintes. A análise da atitude de Jesus quanto ao judaísmo, sua Lei e seu modo de vida mostraram que ele não se qualifica como profeta, rabino ou mestre no sentido judaico. Em todos os aspectos relevantes, Jesus se colocou em oposição a fé na qual nasceu. Portanto, é desnecessário e inútil conceder lugar a ele no judaísmo. O qual ele próprio rejeitou em teoria e prática, mesmo que por vezes insistiu ser fiel à religião de seus ancestrais. Uma alegação que é irrefutavelmente negada pelo testemunho dos Evangelhos. Abraço. Davi. Pagina 157 ...
domingo, 3 de novembro de 2024
OS PROCEDIMENTOS
Religião Afro-brasileira. Umbanda. Livro Código de Umbanda. Por Rubens Saraceni (1951-2015). OS PROCEDIMENTOS. A doutrina de Umbanda estimula os procedimentos corretos e incorporou aqueles mais afins a própria natureza divina dos Orixás. A um médium é solicitado que conheça o mínimo indispensável para que possa realizar as práticas de umbanda e seus rituais. Também é exigido que estude um pouco, porque só assim entenderá tudo o que acontece dentro de um templo de Umbanda durante a realização das giras de trabalho. Cada religião tem seus parâmetros ou vestes litúrgicas, e a Umbanda também tem os seus: vestes brancas. Por que o branco é a cor preferencial da Umbanda? O branco é a cor de Oxalá, o regente da Fé no Ritual de Umbanda Sagrada. Logo, como a fé é o mistério religioso por excelência, o astral tem estimulado o uso dos paramentos brancos. O simbolismo da veste branca é bem visível, além de permitir uma uniformidade na apresentação do corpo mediúnico. Mas, se alguém se veste de branco e assume o grau de médium, dele também se exige que purifique seu íntimo, reformule seus antigos conceitos com ralação a religiosidade e se porte de acordo com o que dele esperam os Orixás sagrados, sendo que, serão estes que o ampararão daí em diante. A doutrina de Umbanda tem por objetivo primeiro o auxílio espiritual, estimulando o despertar da consciência religiosa nos médiuns. Os doutrinadores sabem que têm de ser pacientes, sobretudo precisam lidar com pessoas oriundas de outras religiões, nas quais já desenvolveram uma consciência mais ou menos de acordo com o que pregam suas doutrinas. A doutrina tem como um de seus procedimentos basilares nunca obrigar alguém a renegar a religião que praticava, desse modo, nenhuma religião deve ser renegada ou criticada. O máximo tolerado pela doutrina é a crítica aos mercadores da fé, aos fanáticos líderes das doutrinas obscurantistas. E, ainda assim, se eles forem os primeiros a agredir a religião umbandista, como sempre ocorre, já que sentem uma ameaça invisível aos seus feudos religiosos nas religiões libertadoras do espírito. Como o são a Umbanda e o Espiritismo. As verdades semeadas pelo espírito são superiores às que eles semeiam e tratam de combatê-las. Todavia, fora essas escaramuças em nível terra, a doutrina de Umbanda reprova toda tentativa de diminuir outras religiões, sendo que, todas se fundamentam em Deus e em suas divindades. Logo, o universalismo adotado pela doutrina de Umbanda não permite críticas às religiões, tampouco obriga alguém a renegar sua antiga crença. Quem proceder de outra forma não é, ainda, um verdadeiro médium de Umbanda Sagrada, a mais ecumênica das religiões. Em seus templos manifestam-se espíritos trazendo ainda vibrantes as suas antigas formações religiosas que lhes possibilitaram a ascensão espiritual aos níveis superiores da Luz. Manifestam-se espíritos vindos de todas as outras religiões e regiões do planeta. Uns são hindus, outros são árabes, outros são judeus, budistas, cristãos ... e até índios brasileiros e negros africanos, os seus fundadores espirituais. Logo, dentro dos procedimentos recomendados está o de absterem-se de qualquer crítica a outras religiões ou e alimentarem preconceitos religiosos mesquinhos. Outro procedimento recomendado é respeitar os templos de todas as religiões e seus espaços religiosos, pois, aquele que não respeita a casa alheia, não respeita a própria. Se não consegue ver em um templo alheio uma morada de Deus, então não é digno de dizer que, no seu templo, Deus habita. Em verdade, onde pessoas se reúnem para louvarem a Deus, Ele ali se estabelece e se manifesta. Não importando que o invoquem com outros nomes que não o de “Olorum” ou “Zambi”. Deus é único e os nomes que lhe dão são apropriações humanas de suas qualidades divinas manifestadas a todos o tempo todo. Afinal, Ele é tudo em si mesmo e temos de invocá-lo por um nome que mais nos fale ao coração, certo? Outros procedimentos recomendados, e já bastante divulgados, são relativos às práticas rituais: 1. Em dia de trabalhos mediúnicos, não se deve comer alimentos de difícil digestão ou ingerir bebidas alcoólicas, sendo que, estas entorpecem a mente e anulam a percepção extrassensorial. Assim como abrem o campo mediúnico às vibrações negativas e estimulam o emocional dos médiuns. 2. A Mediunidade só deve ser desenvolvida com o recurso da concentração dos cantos rituais e dos atabaques. Nunca com o concurso de qualquer produto alucinógeno, o qual cria delírios emocionais e animismos. 3. Médium desequilibrado deve ser afastado do corpo mediúnico e encaminhado para tratamento médico psicológico e espiritual. 4. Médium alcoolizado, ainda que minimamente, não deve realizar trabalhos práticos, ou deles participar. 5. Médium que não realizar a higiene espiritual e pessoal, tal como banho com ervas, firmar uma vela para seu anjo da guarda. Firmar sua esquerda e direita etc. Não está apto a realizar um bom trabalho mediúnico. Nessa higiene pessoal, inclui-se a bucal, de modo que não há coisa mais desagradável que um consulente ter de suportar o mal hálito de um médium relapso. 6. Estar sempre vestido com roupas limpíssimas. 7. Portar-se com respeito e silêncio dentro das tendas – espaços consagrados às divindades e aos rituais religiosos praticados dentro da Umbanda. Abraço. Davi