Hinduísmo. Livro a Ciência
do Yoga. II. RAJA YOGA. Texto de I. K. Taimni (1898-1978). RAJA YOGA. Seção Um.
SAMADHI PADA. Atha yoganusasanam. I-1. Será feita uma exposição da Yoga.
Geralmente, um tratado dessa natureza, em sânscrito, começa com um sutra que dá
uma ideia da natureza da tarefa. O presente tratado é uma “exposição” do Yoga.
O autor não pretende ser o descobridor dessa ciência, mas apenas um expositor,
que tentou condensar em uns poucos sutras todo o conhecimento essencial
concernente à ciência que um estudante ou aspirante deve possuir. Muito pouco
se conhece sobre Patanjali. Embora não tenhamos sobre ele uma informação que
possa ser chamada propriamente histórica, ainda assim, de acordo com a tradição
oculta, ele foi a mesma pessoa conhecida como Govinda Yogi e que iniciou
Samkaracarya na ciência do Yoga. Da maneira magistral com que ele expôs o tema
do Yoga nos Yoga Sutra, é obvio que ele foi um yogi muito avançado, com um
conhecimento pessoal de todos os aspectos do Yoga, inclusive sua técnica
prática. Como o método de expor um assunto na forma dos sutras é peculiar e
geralmente pouco familiar aos estudantes ocidentais, que não conhecem a
linguagem sânscrita, talvez não fosse demais dizer-se aqui umas poucas palavras
sobre esse método clássico, adotado pelos sábios e letrados antigos na sua
exposição que fizeram de alguns dos mais importantes temas. A palavra sutram,
em sânscrito, significa “um fio” e este significado primário deu origem ao
secundário de sutram como um aforismo. Do mesmo modo que um fio une uma
quantidade de contas num rosário, a subjacente continuidade da ideia une, em
linhas gerais, os aspectos essenciais de um tema. As características mais
importantes desse método são a máxima condensação, consistente com a exposição
clara de todos os aspectos essenciais, e a continuidade do tema fundamental,
apesar da aparente descontinuidade das ideias apresentadas. Esta última
característica é digna de nota, pois o esforço para se reconhecer o “fio”
oculto do raciocínio, sob ideias aparentemente desconexas, muito frequentemente
fornece a chave para o significado de muitos sutras. Deve-se lembrar que este
método de exposição prevaleceu numa época em que a imprensa era desconhecida, e
a maioria dos mais importantes tratados tinha de ser memorizada pelo estudante.
Daí, a necessidade de condensar ao máximo. É claro que nada de essencial foi
deixado de lado, mas tudo aquilo com que se esperava que o estudante estivesse
familiarizado, ou que ele pudesse facilmente inferir do contexto, era cortado
impiedosamente. O estudante verificará, em um estudo cuidadoso, quão enorme é a
quantidade de conhecimento teórico e prático que o autor conseguiu incorporar
em tão pequeno tratado. Tudo quanto é necessário para a devida compreensão do
assunto foi dado num ou noutro lugar, sob forma estrutural. Mas a essência do
conhecimento requerido tem que ser extraída, convenientemente preparada,
analisada e assimilada, antes que o assunto possa ser completa e integralmente
compreendido. O método sutra de exposição pode parecer, ao estudante moderno,
desnecessariamente obscuro e difícil, mas se ele se dedicar ao trabalho
requerido para domínio do assunto, compreenderá realmente sua superioridade
sobre todos os demais métodos modernos de apresentação, demasiadamente fáceis.
A necessidade de lutar com as palavras e as ideias e extrair seus significados
ocultos assegura uma assimilação bastante completa do conhecimento e
desenvolve, simultaneamente, os poderes e as faculdades da mente, em especial
aquela importante e indispensável capacidade de extrair do recôndito da própria
mente o conhecimento nele oculto. Embora esse método de exposição seja muito
eficaz, apresenta também suas desvantagens. A principal é a dificuldade com que
o estudante comum, não completamente familiarizado com o assunto, depara-se
para encontrar o significado correto. Não somente é possível que ele considere
muitos sutras difíceis de compreender, tendo em vista sua concisão, mas pode
entender de modo completamente equivocado alguns deles, e perder-se de modo
irremediável. Lembremo-nos de que, num tratado como o dos Yoga Sutras, por trás
de muitas palavras há todo um padrão de reflexão, do qual a palavra é um mero
símbolo. Para compreender o verdadeiro significado dos sutras, temos que estar
inteiramente familiarizados com tais padrões. A dificuldade aumenta ainda mais,
quando as palavras precisam ser traduzidas para um outro idioma que não contém
termos exatamente equivalente. Aqueles que escreveram esses tratados tinham
mentes superiores, eram mestres do tema e da linguagem com a qual lidavam. Não
poderia haver falhas em seu método de apresentação. Mas ao longo do tempo, é
possível que tenham ocorrido alterações fundamentais no significado das
palavras e nos padrões de pensamento daqueles que estudaram esses tratados. E
este fato gera infinitas possibilidades de enganos e interpretações errôneas de
alguns dos sutras. Em tratados de natureza puramente filosófica ou religiosa,
talvez tais equívocos não tivessem tanta importância, mas em um de natureza
altamente técnica e prática, como os Yoga Sutras, podem levar a grandes
complicações e, mesmo, sérios perigos. Felizmente, para o estudante sério, o
Yoga sempre foi uma ciência viva no Oriente, e que tem contado com uma sucessão
ininterrupta de especialistas vivos que continuamente verificam, com base em
suas experiências pessoais, as verdades básicas dessa ciência. Isso tem ajudado
não somente a manter vivas e puras as tradições da cultura do Yoga, mas também
a preservar os significados das palavras técnicas, utilizadas nessa ciência,
numa forma claramente definida e exata. Somente quando uma ciência está
divorciada completamente de sua aplicação prática é que ela tende a perder-se
num emaranhado de palavras que perderam seu significado e sua relação com os
fatos. Ao mesmo tempo em que o método de apresentar um assunto sob a forma de
sutras mostra-se perfeitamente adequado ao estudante prático e avançado, não há
como negar sua difícil adequação às nossas condições modernas. Nos tempos
antigos, aqueles que estudavam esses sutras tinham fácil acesso aos instrutores
da ciência, que elaboravam o conhecimento corporificado em uma forma
condensada, preenchiam as lacunas e davam orientação prática. Esses estudantes
tinham tempo para pensar, meditar e extrair os significados por si mesmos. O
estudante moderno, que está interessado apenas no estudo teórico da filosofia
do Yoga, e que não a está praticando sob a orientação de um
instrutor especializado, não tem nenhuma dessas facilidades, e necessita de uma
exposição clara e elaborada para que possa ter uma adequada compreensão do
assunto. O estudante precisa de um comentário que não apenas explique o
significado óbvio, mas também o significado oculto das palavras e expressões
utilizadas, em termos dos conceitos com os quais está familiarizado e que pode
facilmente compreender. Ele deseja seu alimento não sob a forma de “um
comprimido”, mas de forma volumosa e, se possível, saborosa. Livro A Ciência do
Yoga. Abraço. Davi.
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