Cristianismo. www.ecclesia.com.br. II. BEM-AVENTURADA
VIRGEM MARIA E A BUSCA PELA UNIDADE. Por Ervino Schmidt. Mestre em teologia
pela Universidade de Hamburgo – Alemanha. Pastor da Igreja Evangélica de
Confissão Luterana no Brasil. Nele, os que dão seu assentimento pela fé não
buscam coisa alguma além de Cristo. Os reformadores são unânimes em se voltar
contra a invocação dos santos. Mas, é importante notar que, no fundo, ha uma
concepção positiva dos santos. Numa lindíssima interpretação do Magnificat
(1521) Lutero não se cansa de ressaltar o quanto podemos aprender em termos de
espiritualidade, da oração de Maria. Aliás, a primeira edição dessa obra no
Brasil foi promovida pela Igreja Católica Apostólica Romana. É um sinal visível
de ecumenismo. A posição luterana conforme o artigo 21 da Confissão de Ausburgo
é de grande respeito aos santos: Do culto aos santos ensinam que se pode
lembrar a memória dos santos, a fim de lhes imitarmos a fé e as boas obras - E
ainda mais: o artigo que fala dos santos, encontra-se na primeira parte da
Confissão de Ausburgo, entre os artigos principais da fé, e não na segunda
parte que fala das divergências. E expressamente se diz: Esta é, mais ou menos,
a suma da doutrina entre nós. Pode-se ver que nela nada existe que divirja das
Escrituras, ou da Igreja Romana, até onde nos é conhecida dos escritores. Assim
sendo, julgam duramente os que requerem sejam os nossos tidos por hereges. A
dissensão toda diz respeito a alguns poucos abusos, que se infiltraram nas
igrejas sem autoridade certa. Temos ai, sem dúvida, indicadores que nos podem
ajudar no caminho do diálogo ecumênico. 5. Dois novos dogmas marianos:
imaculada conceição e assunção ao céu. Surgem novos dogmas marianos. Entende-se
que todos eles são desenvolvimento das afirmações contidas no Novo Testamento e
nas confissões da igreja antiga a respeito da concepção pelo Espírito Santo e
do nascimento virginal. O nascimento virginal já havia sido ampliado no sentido
de Maria semper virgo. Um passo além e então a afirmação da Imaculata
Conceptio. Em 1854 o Papa Pio IX proclama: por singular privilégio da graça de
Deus Todo-Poderoso, com vistas aos méritos de Jesus Cristo, salvador do gênero
humano, desde o primeiro instante da sua conceição, foi preservada imune do
labéu do pecado original ... 7 Maria é totalmente sem pecado. Ela está livre de
qualquer mancha do pecado original. Isto para ouvidos protestantes soa como de
difícil conciliação com a Sagrada Escritura, pois são muito habituados com a
teologia paulina e, sobretudo, com a constatação em Romanos 3.10: Não há justo,
nem sequer um. Não há distinção, pois todos pecaram e carecem da glória de Deus
(v.23). Tem-se a impressão de que, no fundo, Maria não fazia parte do gênero
humano. Cem anos mais tarde, já no nosso século, surgiu o quarto dogma mariano.
Em 1950 o Papa Pio XII proclama a glorificação de Maria: no fim de sua vida
terrena, a imaculada Mãe de Deus e sempre Virgem Maria foi levada com corpo e
alma para a celeste glória. Para as igrejas da Reforma essa doutrina é estranha
ao Evangelho. Ela espelha uma indevida glorificação da natureza humana. Maria é
destacada da comunhão dos santos, é elevada para a celeste glória e colocada
junto ao Filho. Desta forma ela é corredentora e mediadora de todas as graças.
Estes dois novos dogmas são realmente problemáticos e são um empecilho para o
diálogo ecumênico sobre o papel de Maria na história da salvação. Ulrich
Wilckens, renomado professor de teologia evangélica diz: Ambos os dogmas se
baseiam exclusivamente em uma tradição constitutiva extra e pós-bíblica. Isso
ainda pode passar como fundamentação de uma piedade mariana do alvitre de cada
um. Porém, ao elevá-los a dogma, o magistério eclesiástico pôs-se acima da
Escritura e exerceu coação sobre as consciências. Com isso, o magistério
impulsionou uma piedade mariana que (...) obscurece a visão sobre Cristo,
mediador único entre Deus e o homem. Na concepção evangélica Maria é exemplo do
agir gracioso de Deus. Como tal ilumina a existência cristã, mas não a fundamenta.
Ela é ilustração, mas jamais norma da fé. 6. O lugar de Maria na
espiritualidade das igrejas evangélicas, hoje. É difícil pintar um quatro
preciso. A mesma igreja, em países e culturas diversas, assume atitudes e
práticas diferentes quanto ao cultivo da memória de Maria. Mesmo no Brasil, há
diferentes ênfases nas diversas igrejas. De modo geral, porém, pode-se dizer
que as igrejas da Reforma assumiram as críticas feitas pelos reformadores
quanto a invocação dos santos. Muitas vezes, porém, assumiram somente as
críticas e deixaram de perceber a valorização do exemplo dos santos que também
faz parte do pensamento da Reforma. Não se recorda os santos que nos
antecederam na fé, também são esquecidos os exemplos de fé e os mártires de
hoje. Mas o povo que ignora os exemplos verdadeiros de seu passado, torna-se
sem raízes, sem identidade. Não se respeita o que se diz em Hebreus (13.7):
Lembrai-vos dos vossos guias que vos pregaram a palavra de Deus, considerando
atentamente a sua maneira de viver e imitando a fé que tiveram. Em datas
especiais são lembradas unicamente as figuras dos próprios Reformadores. Quanto
a Maria, ela é mencionada quando se recita os credos (Apostólico e Niceno) e na
época de Natal. A Igreja Luterana tem belas canções natalinas nas quais se
destaca o nascimento virginal de Jesus. Eis alguns exemplos: Menino lindo vos
nasceu, Maria foi que à luz o deu;... (HPD, 16) ou ainda: Louvado sejas, O
Jesus! Resplandece o céu em luz. Da Virgem nasceu em Belém; os anjos cantam:
Cristo vem! Aleluia (HPD, 18). Mas a Igreja Luterana não tem hinos
mariológicos. Maria não aparece no calendário litúrgico e no lecionário. Uma
posição especial, neste particular, ocupa a Igreja Anglicana. Luiz Caetano
Grecco Teixeira, teólogo anglicano, a meu pedido, escreveu um artigo com o
titulo: A Bem-Aventurada Virgem Maria no Anglicanismo. Basicamente passo a
reproduzir aqui, alguns pensamentos expressos neste seu artigo. O Livro de
Oração Comum da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, aprovado pelo Sínodo
Geral em 1984, registra as seguintes festas marianas: Anunciação (25 de março);
Visitação (31 de maio); Bem-Aventurada Virgem Maria, Mãe de nosso Senhor Jesus
Cristo (15 de agosto) e Natividade da Bem-Aventurada Virgem Maria (8 de
setembro). Todas as festas tem seus próprios ordinários para a Eucaristia. No
Hinário Episcopal, há mesmo um hino mariano.
VÍRGEM MARIA. 1. Honra demos a Maria. Virgem bem-aventurada. Adoremos a
seu filho. Luz do céu a nós mandada. Deus menino veio a terra. Virgem mãe lhe
deu beleza. Fez-se carne o Eterno Verbo. Nossa é dele a natureza. 2. Honra ao
filho de Maria ! Em seu lar de piedade. Nem pobreza nem fadiga. Nele impedem a
piedade. Seu amor a mãe bendita é constante puro e forte. Se deveres os
separam. Nela pensa até a morte. 3. Toda glória ao Pai se oferta. Toda glória
ao Filho seja. Toda glória ao Paracleto. Cante sempre a santa Igreja. Essa
mesma trilogia. Lá no céu, Maria entoa. Repetida pelos santos. Pela terra
inteira ecoa ! (Hino 107 – Hinário Episcopal). Mas, Caetano esclarece: Embora o
calendário e o lecionário incluam festas marianas, não há culto mariano na
Igreja Anglicana; o culto anglicano é exclusivamente Cristo Cêntrico e dirigido
a Santíssima Trindade. Maria não ocupa nenhum lugar de destaque na liturgia
anglicana, tampouco é invocada ou honrada nos altares. Maria é reverenciada e
reconhecida como Mãe de Deus e, como os demais Santos do calendário, como
testemunha do Cristo e referência para a vida dos cristãos. Os próprios para as
festas marianas estão centrados no Cristo, único Senhor, único Mediador e único
Intercessor diante do Pai. Não se dirigem orações nem louvores à Virgem, como
não se dirigem orações aos demais Santos. Isso é praticamente uma regra geral.
Podemos concluir que na Igreja Anglicana a Virgem Maria ocupa um lugar de
destaque. Mas de modo algum é entendida como mediadora da graça. e tida, como
nas demais Igrejas, herdeiras da Reforma como exemplo e modelo de fé, mas não
como advogada ou cooperadora na graça. 7. Pistas para o Diálogo Ecumênico.
Parece-me que ainda há um longo caminho a percorrer no que toca a compreensão
do papel de Maria na história da salvação. Todos concordamos que a Mãe de Jesus
faz parte, de maneira inalienável, da mensagem do nascimento do Filho de Deus.
Em nenhuma época a Igreja pode ignorar Maria, a mãe terrena do Salvador. Mesmo
assim há discrepâncias consideráveis de doutrina entre as igrejas da Reforma e,
especialmente, entre elas e a Igreja Católica Apostólica Romana. Mas os
diálogos ecumênicos dos últimos anos têm abrandado posições extremadas e criado
um clima de respeito e confiança que permite dialogar sobre temas ainda
bastante controversos. A própria abertura para o diálogo já é em si mesma, um
gesto de amor. Para finalizar, algumas indicações que poderão ajudar na
aproximação das igrejas no tocante a compreensão do papel de Maria: As Igrejas Protestantes devem conscientizar-se do
seu crescente afastamento da linha original da Reforma ao não darem o devido
espaço para a veneração (não invocação!) dos santos. Teríamos que começar já
pelo Novo Testamento. Por que não chamar Paulo de São Paulo e Mateus de São
Mateus? Um
diálogo sobre a compreensão de comunhão dos santos certamente contribuiria para
situar Maria na nuvem das testemunhas. Nem a morte rompe a comunhão daqueles
que, em Cristo, estiveram fraternalmente unidos durante sua vida. Certamente há
elementos não teológicos que dificultam a compreensão do papel de Maria na
história da salvação. Por isso, o estudo juntos e a história poderá se
constituir em importante contribuição para a aproximação. Deve-se tomar a
sério que, desde o Concilio Vaticano II, a Igreja Católica oficialmente tem
assumido uma orientação de menor euforia mariana.
É importante também observar que o
Vaticano II admite uma hierarquia de verdades (hierarchia veritatum) [11]. Os
dogmas marianos de 1854 e 1950 poderiam, assim, receber menos destaque por amor
aos irmãos que tem grandes dificuldades na compreensão deles. Recomenda-se que a
Igreja Católica Apostólica Romana busque entender as dificuldades que as Igrejas
da Reforma têm com certas expressões muito em voga na espiritualidade mariana,
como: a Cristo através de Maria (ad Christum per Mariam), Rainha dos Céus,
Advogada, Consoladora, Auxiliadora, Cooperadora na Graça e Medianeira. Para as Igrejas da
Reforma, por sua vez, é importante procurar compreender todo o vasto campo da
religiosidade popular. Religião age sobre os sentimentos. Estes, em seu curso,
fogem ao consenso doutrinário que buscamos.
Para o diálogo é decisivo reconhecer
o esforço que, de parte a parte, está sendo feito no sentido de uma
reconsideração da própria posição. A Igreja Católica, em boa medida, está
tomando a sério o que diz o Vaticano II: Tanto nas palavras quanto nos fatos,
evitem diligentemente qualquer coisa que possa induzir a erro os irmãos
separados ou qualquer outra pessoa sobre a verdadeira doutrina da igreja. De qualquer modo,
também nas afirmações sobre Maria não se deve pretender unanimidade, mas
aceitar um legitimo pluralismo teológico das diversas igrejas. www.ecclesia.com.br/biblioteca.
Abraço. Davi.
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