Judaísmo. www.morasha.com.br. MISHKAN – O TABERNÁCULO. “E Me farão um santuário, e Eu
morarei entre eles” (Êxodo 25:8). Uma pergunta intrigante com a qual se debatem
teólogos e filósofos é por que D’us teria se dado ao trabalho de criar o
Universo. Como um Ser Perfeito é, por definição, completo, sem nada lhe faltar,
o que O teria levado à decisão de criar os mundos, físico e espiritual, e todos
os seres que os habitam? O Midrash Tanchuma responde,
enigmaticamente, que D’us criou o mundo porque Ele desejava ter uma morada nos
mundos inferiores. O Rabi Shneur Zalman de Liadi, fundador da dinastia
Chabad-Lubavitch e autor de obras cabalistas seminais, explica em seu Likutei
Amarim (Sefer HaTanya) que: “É disso que se trata o homem (…).
É este o propósito de sua criação e da criação de todos os mundos, o superior e
o inferior: para que fosse feito para D’us uma morada nos mundos inferiores”. A
primeira dessas moradas a ser erguida – que serve como protótipo para o empenho
de construir uma morada para D’us no mundo físico – foi o Mishkan,
o Tabernáculo – santuário portátil construído pelos Filhos de Israel no Deserto
de Sinai, após o Recebimento da Torá no Monte Sinai. Quinze substâncias físicas
– entre as quais ouro, prata, cobre, madeira, lã, linho, peles de animais,
óleo, especiarias e pedras preciosas – representando uma amostra representativa
dos recursos minerais, vegetais e animais do universo físico, bem como dos
recursos humanos investidos em sua manufatura, foram usados para erguer o Mishkan.
Esse edifício, construído por seres humanos e dedicado ao serviço de D’us, foi
o local físico onde D’us escolheu para se comungar com o homem. Sua descrição
na Torá é longa e minuciosa. Uma boa parte do Livro de Êxodo – nada menos que
13 capítulos – são repletos de detalhes sobre a construção do Tabernáculo,
desde as dimensões de cada pilar às cores que compõem cada tapeçaria. É
intrigante que a descrição do Miskhan na Torá seja tão longa e
elaborada, pois quem estuda o Talmud sabe que os Cinco Livros de Moisés são
extraordinariamente sucintos. Cada uma de suas letras, tendo sido escritas por
D’us e transmitidas a Moshé, tem significado. Como demonstrado no Talmud, a
Torá transmite muitas leis complexas por meio de um único versículo ou mesmo
uma única palavra ou letra. Por que, então, dedica 13 de seus capítulos a
detalhes sobre o Tabernáculo, se apenas dedica um único capítulo a seu relato
da criação do Universo, e apenas três à Revelação Divina no Sinai? A resposta é
que o próprio propósito da criação do Universo foi incorporado pelo Mishkan.
Assim sendo, cada detalhe é importante. Por exemplo, é necessário definir –
como faz o Talmud – as 39 formas de trabalho criativo – desde arar até tecer ou
escrever – envolvidas na construção do Mishkan. Pois aqui se
situa o protótipo para o trabalho de nossa vida de tornar nosso mundo e nossa
existência uma morada para D’us. Microcosmo do Universo: Os Três
Domínios. O Midrash e a Cabalá descrevem o Mishkan como
um microcosmo do ser humano, do universo físico e da Criação como um todo. Os
utensílios do Mishkan, por exemplo, representavam os vários órgãos
e sentidos do homem. A Arca da Aliança, que continha as Tábuas do Testemunho,
correspondia à mente e ao dom da fala. A Menorá –
candelabro de sete braços, que era aceso diariamente – representava o sentido
da visão. O Shulchan – a Mesa que continha o “pão sagrado” –
simbolizava o sentido do paladar. O Altar Interior, sobre o qual era queimado o
incenso, Ketoret, correspondia ao sentido do olfato, ao passo que o
Altar Exterior, para o qual as oferendas de sacrifícios de animais e de
alimentos eram levadas, representava o aparelho digestivo. Em um dos seus
cadernos manuscritos (Reshimot) descobertos após seu
falecimento, o Lubavitcher Rebe, Rabi Menachem Mendel Schneerson
(1902-1994), resume comentários de Rabenu Bechayei, Rabi Moshe Isserlis
(o Ramá), Rabi Yeshayahu Horowitz (o Shelá HaKadosh), e
de outros Sábios acerca de como os domínios básicos do Mishkan são
comparáveis às divisões na criação do Universo, no Tempo e na alma comunitária
do Povo Judeu. Maimônides (1135-1204) – o maior filósofo judeu e um dos
maiores legisladores em Torá – descreve o Universo como consistindo de três
estratos: matéria não refinada – a Terra e todos os seus seres terrestres;
matéria refinada – as estrelas e os corpos celestes; e os seres puramente
espirituais – entidades que não possuem matéria, como os anjos. O Tempo
também pode ser dividido em três domínios: os seis dias de trabalho (que
correspondem à matéria não refinada); o Shabat – Dia Sagrado (matéria
refinada), e o Yom Kipur – Shabat dos Shabatot – a data mais
sagrada do calendário judaico: um dia no qual os judeus, que se abstêm dos
prazeres físicos e se dedicam integralmente ao serviço de D’us, são comparados
aos anjos (entidades sem matéria). Entre as almas do Povo Judeu, também
encontramos três domínios primários. Onze das Doze Tribos de Israel eram Israelim,
cuja vida era dedicada, em geral, aos assuntos da vida material – líderes,
empresários, mercadores, fazendeiros e soldados. Houve também a Tribo de Levi,
constituída pelos Cohanim e Levi’im, cujo serviço
no Miskhan, e, mais tarde, no Templo Sagrado de Jerusalém, envolvia
o refinamento e a elevação do mundo material. Finalmente, entre os Cohanim havia
o Cohen Gadol, o Sumo Sacerdote, cujo propósito era personificar as
maiores alturas espirituais que o ser humano pode alcançar. No Mishkan –
a Morada de D’us na Terra – esses três domínios eram representados pelo Pátio,
o Lugar Santo (a câmara externa) e o Santo dos Santos (a câmara interna e mais
santificada de todas). No Pátio do Tabernáculo eram realizados os elementos
mais terrenos e materiais do Serviço Divino. Era nesse domínio que os Cohanim lavavam
suas mãos e seus pés para se purificarem de seu contato com o mundo material,
antes de iniciar seu serviço. Era no Pátio que os sacrifícios de animais, Korbanot,
eram realizados. Era também lá que a gordura dos sacrifícios, simbolizando
o excesso de materialidade na vida do ser humano, era queimada sobre o Altar
Exterior, e onde as cinzas da Menorá e do Altar Interior – que
simbolizavam o desperdício – eram depositadas. O segundo domínio do Mishkan era
o Lugar Santo (a câmara externa). Somente os Cohanim tinham
permissão de lá entrar. O Lugar Santo abrigava os elementos mais refinados do
Serviço do Templo: a Menorá, o Altar Interior (no qual o incenso
diário era queimado) e o Shulchan – a Mesa que continha o “pão
sagrado”, comido pelos Cohanim no Shabat. O terceiro domínio e
o mais sagrado de todos era o “Santo dos Santos”, que abrigava a Arca da
Aliança. O Talmud ensina que a entrada no Santo dos Santos era proibida a
todos – mesmo os anjos e demais criaturas celestiais. A única exceção era
o Cohen Gadol, que lá podia entrar – mas apenas em Yom
Kipur – o dia mais sagrado do calendário judaico. O Santo dos Santos
representava a total transcendência de materialidade no serviço do homem a
D’us. A Arca e o Altar: o Cabalista e o Legislador. É evidente
que o Santo dos Santos era mais sagrado que o Lugar Santo, e que este era mais
sagrado do que o Pátio. Mas, qual dos domínios do Mishkan representava
sua principal função? De acordo com Nachmânides, Cabalista e um dos maiores
comentaristas da Torá e do Talmud, a essência do Mishkan, Morada
Divina na Terra, era seu núcleo espiritual: o Santo dos Santos, onde repousava
a Arca da Aliança. Como escreveu Nachmânides: “A principal finalidade do
Santuário é servir como lugar de repouso para a Presença Divina. Isso ocorre na
Arca da Aliança, pois D’us disse a Moshé: ‘Comungarei contigo lá, falando
contigo por cima do Kaporet (a cobertura dourada da Arca da
Aliança)’. Por essa razão, a Torá inicia sua descrição do Mishkan com
a Arca da Aliança e o Kaporet” (Nachmânides, comentário sobre Êxodo
25:1). Segundo Maimônides, no entanto, o ponto focal do Mishkan era
o Altar Exterior, onde as oferendas de farinha e de vinho e os sacrifícios de
animais eram ofertadas diariamente. Maimônides define o Santuário como “uma
casa para D’us destinada à oferenda de sacrifícios...” (Mishnê Torá,
Leis do Templo Sagrado 1:1). Contrariamente a Nachmânides, Maimônides defende
que o eixo do Tabernáculo, em torno do qual tudo revolvia, era o Pátio, não o
Santo dos Santos. A discussão sobre o ponto central do Mishkan não
é meramente filosófica e acadêmica. Tem profundas ramificações que podem afetar
nossa compreensão do propósito da Criação e dos mandamentos da Torá. Levanta a
questão de como definir o conceito de um local e estrutura físicos, que serve
de Morada para D’us no mundo físico. Por um lado, a Morada de D’us na Terra
pode ser um domínio no qual e através do qual D’us optou por Se revelar ao
homem. Por outro, pode também ser um lugar no qual e através do qual o homem
sirva a D’us. O Mishkan serviu a ambos os propósitos. Foi o
lugar de onde D’us se comunicou com Moshé. Era, pois, um domínio de onde D’us
chegava aos seres humanos: onde o homem finito podia testemunhar e vivenciar a
Presença do Infinito. Mas o Mishkan foi, também, um local
físico onde o homem oferecia suas posses físicas e seu serviço a D’us. Qual
dessas duas funções é a principal? Qual das duas serve e facilita a outra?
Seria a Morada de D’us na Terra um meio para o Altíssimo se achegar ao homem ou
seria um portal de onde o homem poderia aproximar-se de D’us? O Rebe de
Lubavitch explica que as diferentes perspectivas expressas por Nachmânides e
Maimônides refletem as duas vertentes da Torá que esses dois grandes Sábios
representam. Para Nachmânides, místico e Cabalista, o ponto focal do Mishkan está
em seu núcleo espiritual: o Santo dos Santos, onde apenas a mais transcendente
das almas – o Cohen Gadol – podia entrar, e apenas no dia mais
sagrado do ano – Yom Kipur. O Santo dos Santos continha
a Arca da Aliança, que abrigava as Tábuas do Testemunho, nas quais estavam
inscritos os Asseret HaDibrot (os Dez Mandamentos). O Kaporet,
a cobertura da Arca, era uma representação das formas sublimes da Carruagem
Celestial. A Voz Divina que se propagava do meio dos Querubins, as figuras
angelicais que ficavam no topo da Arca, expressavam a essência de uma Morada
Divina: um portal para o mundo material através do qual brilha um raio da Luz
Infinita de D’us. Se Nachmânides estiver correto – se o Santo dos Santos é o
eixo central do Mishkan –, tudo o mais serve apenas para
“preparar o terreno” para essa Revelação – para elevar o homem e o mundo
a um estado de receptividade a essa Luz. Para Maimônides – o mestre da Halachá,
possivelmente o maior de todos os legisladores judeus – a essência
do Mishkan residia no Altar, onde eram oferecidos os
sacrifícios, que representavam o empenho humano de oferecer, dia-a-dia,
elementos materiais de sua vida a D’us. Todo o restante – a luz da Menorá,
a fragrância do Ketoret (incenso), e o pão sagrado no Shulchan (a
Mesa) – e mesmo as Revelações Divinas que emanavam do Santo dos Santos – são
secundárias: são o meio, e não o fim, e se prestam a permitir e ajudar no
serviço do homem a seu Criador. Resumindo, Nachmânides defende que a função da
Morada de D’us na Terra é servir como um portal onde o Altíssimo faça brilhar
sua Luz sobre nós, seres humanos. Segundo Maimônides, no entanto, essa função é
permitir que o homem finito cumpra a Vontade Divina, desta forma, ligando-se a
Ele. Onde D’us mora, atualmente. Na ausência do Mishkan e
do Templo Sagrado de Jerusalém, onde reside D’us Infinito? Onde é Sua Morada na
Terra? Ensina o Talmud: “Desde o dia em que o Templo foi destruído,
o Santo, Bendito Seu Nome, nada tem neste mundo, exceto os quatro cúbitos
da Halachá (a Lei Judaica)” (Talmud Bavli, Berachot 8a).
Isso significa que D’us reside onde quer que o homem estude a Sua Torá e cumpra
os Seus mandamentos. D’us decretou muitos mandamentos, que são caminhos para
Sua Essência Impenetrável. Alguns desses mandamentos são físicos, outros são
espirituais. Doar aos pobres, colocar Tefilin, comer
alimentos casher, habitar numa Sucá em Sucot e
comer Matzá durante o Seder de Pessach são
exemplos de mandamentos Divinos executáveis por meio de ações e objetos
físicos. Mas a Torá também contém mandamentos mais espirituais do que físicos,
tais como amar e temer a D’us e orar a Ele; estudar e ensinar a Sua Torá;
sentir angústia em Tishá b’Av e alegria em Purim.
Esses são mandamentos que cumprimos com nossa alma e não com recursos físicos:
com nosso coração e nossa mente – com pensamentos, sentimentos e palavras. Qual
o nosso propósito neste mundo? Na ausência do Mishkan e do
Templo Sagrado de Jerusalém, como o judeu se torna uma Morada para D’us na
Terra? Servindo a Ele com nosso corpo e nossas posses materiais ou com nossa
alma, mente e coração? Em outras palavras, o que é mais meritório perante o
Altíssimo: doar ao pobre ou estudar a Torá? Comer casher ou
orar profusa e sinceramente? Uma pergunta similar: Quem está mais próximo de D’us:
o empresário filantropo ou o grande sábio? Em outras palavras, qual a parte
mais sagrada em nós: nossos atos físicos, do cotidiano, ou nossas aspirações
transcendentais? Poder-se-ia dizer que se D’us fosse um Ser físico, os
mandamentos físicos seriam a forma preferencial de servi-Lo. Mas D’us é
completamente isento de qualquer fisicalidade. Muitos presumem, erroneamente,
que D’us é o Ser espiritual supremo. Acreditam, portanto, que a pessoa
religiosa é espiritual: ou seja, que é mais importante colocar as palavras
do Shemá Israel em nosso coração do que colocar Tefilin,
que fisicamente as contém. No entanto, D’us está tão distante da
espiritualidade como está da fisicalidade. D’us nem é espiritual nem físico.
Ele apenas É. Portanto, nem os mandamentos físicos nem os espirituais da Torá
gozam de qualquer forma de superioridade uns sobre os outros. Tenda
do Encontro com D’us. “Estas e estas são as palavras do D’us
Vivo”, afirma o Talmud sobre as disputas entre os Sábios sobre interpretações
da Torá. Isso significa que todos os pontos de vista deles são válidos, mesmo
se a Lei Judaica dá precedência a um sobre os demais. A visão mística,
cabalista, expressa por Nachmânides e a perspectiva legal da Halachá apresentada
por Maimônides são, ambas, componentes integrais da “Morada de D’us” construída
no Deserto do Sinai, e a “Morada de D’us” que todo judeu tem o dever de
construir em sua vida. Essa é a razão pela qual a Torá chama o Mishkan de Ohel
Moed: “Tenda do Encontro”. Era nela que D’us – ao projetar Sua Luz Infinita
sobre a Terra – e o humano e material, querendo chegar aos Céus – se
encontravam. Isso nos ensina que cada vez que um judeu cumpre a Vontade
de D’us, ele se torna receptivo à Luz Divina Infinita: ele próprio se torna uma
Morada Divina nos mundos inferiores, realizando, assim, todo o propósito da
Criação. Ao mesmo tempo, cada Revelação Divina que emana das Alturas capacita o
homem a revelar a Divindade presente, implicitamente, dentro da finitude e
materialidade da existência. O Mishkan incluía três
domínios – o Pátio, o Lugar Santo e o Santo dos Santos – porque a missão
de “fazer para D’us uma morada nos mundos inferiores” abarca todas as áreas da
nossa vida. Os judeus servem a D’us em seus momentos mais exaltados, tais
como Yom Kipur (o Santo dos Santos). Eles também O servem em
seus esforços para elevar e santificar o mundo, como no Shabat – um dia
basicamente dedicado à espiritualidade (o Lugar Sagrado). Mas também devem
empenhar-se em fazer uma Morada Divina em suas mais simples atividades do
cotidiano, durante os seis dias da semana (o Pátio). O Povo Judeu construiu o
primeiro protótipo da Morada de D’us na Terra seguindo instruções muito
detalhadas que o Altíssimo transmitiu a Moshé no Sinai. Quando a construção
do Mishkan foi completada – quando o último pilar, tapeçaria e
divisória foram colocados em seu lugar – D’us fez com que Sua Infinita Presença
habitasse o Tabernáculo. Isso capacitou todas as futuras gerações de judeus, e
cada judeu em particular, a replicar seus domínios nos recônditos de sua
vida. www.morasha.com.br. Abraço.
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