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OS ANALECTOS. Tradução do inglês de Caroline Chang. Tradução do chinês.
Introdução e notas de D. C. Lau. INTRODUÇÃO I. Apesar de sua imensa importância
na tradição chinesa, poucas das informações sobre Confúcio são de fato
comprovadas. O texto canônico sobre sua vida é a biografia que integra a obra
de Ssu-ma Ch’ien Shih chi (Arquivos históricos), concluída no início do século
1 a.C., mas nessa época tantas lendas já pairavam ao redor da figura do sábio
que pouca certeza se pode ter em relação a qualquer um desses acontecimentos
que não são confirmados por fontes anteriores e independentes. Sendo esse o
caso, podemos considerar confiáveis apenas o que é possível concluir a partir
do próprio Lun yü – conhecido como Os analectos de Confúcio – e do Tso chuan (O
comentário Zuo dos Anais do Período de Primavera e Outono [1] ). Os textos de
Mêncio podem ser usados como uma fonte suplementar. Os fatos são escassos.
Diz-se que Confúcio descendia de uma família nobre no reino de Sung. [2] Nos
primeiros anos do século 8 a.C., um dos ancestrais de Confúcio morreu quando o
duque de Sung, que era seu superior, foi assassinado; seus descendentes fugiram
para o reino de Lu e se estabeleceram na cidade de Tsou. No Tso chuan do décimo
ano do duque Hsiang, está registrado que um tal de Shu He de Tsou teria segurado
o portão da muralha com as próprias mãos enquanto seus amigos fugiam. O Shih
chi, entretanto, dá o seu nome como Shu Liang He e acrescentou ainda a
informação de que ele era o pai de Confúcio. Sobre a mãe de Confúcio, nada de
certo se sabe. K’ung Ch’iu ou K’ung Chung-ni [Kong Fuzi], comumente conhecido
no Ocidente como Confúcio, ou Confucius, nasceu em 552 ou 551 a.C. e ficou
órfão muito cedo. Da sua juventude pouco se sabe, exceto que era pobre e que
gostava de estudar. Ele disse: “Eu era de origem humilde quando jovem. É por
isso que tenho várias habilidades manuais” (Livro IX.6), e “Aos quinze anos,
dediquei-me de coração a aprender” (Livro II.4). No ano 517 a.C., o duque Chao
de Lu teve de fugir do reino depois de uma malfadada tentativa de enfrentar a
família Chi na guerra. É provável que tenha sido por essa época, quando tinha
35 anos, que Confúcio foi para Ch’i. Se ele o fez, logo voltou a Lu. Foi na
época do duque Ting, de Lu (por volta de 509-494 a.C.) que ele se tornou o
chefe de polícia de Lu. Durante a sua gestão, aconteceram dois eventos que
estão registrados no Tso chuan. Primeiro, ele acompanhou o duque em uma reunião
com o duque Ching de Ch’i e obteve uma vitória diplomática. Segundo, ele foi
responsável pela desistência de se destruir a principal cidade de cada uma das
três poderosas famílias nobres. Foi provavelmente no ano de 497 a.C. que
Confúcio deixou o reino, ou o Reino, de Lu, para só retornar treze anos depois.
Um relato é dado em Os analectos sobre por que ele deixou Lu: “Os homens de
Ch’i enviaram de presente moças cantoras e dançarinas. Chi Huan Tzu aceitou-as
e não foi à corte durante três dias. Confúcio foi embora” (XVIII.4). No
Mencius, entretanto, um relato diferente é feito. “Confúcio era o chefe de
polícia de Lu, mas não lhe foi dada uma parte sequer da carne do animal
sacrificado. Ele abandonou o reino sem sequer tirar o chapéu cerimonial.” O
comentário de Mêncio foi: “Aqueles que não o entenderam pensaram que ele agia
de tal forma por causa da carne, mas aqueles que o entenderam perceberam que
ele partiu porque Lu não soube observar os ritos devidamente”. [3] Como Mêncio
provavelmente tinha razão em pensar que Confúcio partira com algum pretexto
claro, não precisamos ficar surpresos se não há consenso sobre qual era esse pretexto.
Confúcio primeiro foi para Wei e, durante os anos seguintes, visitou vários
outros reinos, oferecendo conselhos aos senhores feudais. Sem lograr êxito,
voltou para Wei em 489 a.C. Não é possível determinar quanto tempo Confúcio
ficou em cada reino, já que as poucas evidências que existem a respeito tendem
a ser conflitantes. Confúcio finalmente retornou para Lu em 484 a.C., quando
contava já 68 anos. Dando-se por fim conta de que não havia esperanças de
conseguir colocar suas ideias em prática, ele devotou o resto de sua vida ao
ensino. Seus últimos anos foram entristecidos primeiro pela morte do seu filho,
depois pela morte do seu discípulo favorito, Yen Hui, ainda muito jovem.
Confúcio faleceu em 479 a.C. Mas nos concentremos nos ensinamentos de Confúcio.
Filósofos interessados no campo da moral geralmente podem ser divididos em dois
tipos: aqueles que se interessam pela essência moral e aqueles que se
interessam pelos atos morais. Confúcio com certeza tem mais a dizer sobre a
essência moral do que sobre atos morais, mas isso não significa que a correção
dos atos seja, em última instância, desimportante dentro da sua filosofia. Mas
significa, sim, que em qualquer apreciação da filosofia de Confúcio é razoável
começar com suas visões sobre a essência da moralidade. Antes que comecemos a
ver o que Confúcio tem a dizer sobre a essência moral, é conveniente, antes de
mais nada, falar sobre dois conceitos que já eram correntes na época de
Confúcio: o Caminho (tao) e a virtude (te). A importância que Confúcio atribuía
ao Caminho pode ser percebida na seguinte observação: “Não viveu em vão aquele
que morre no dia em que descobre o Caminho” (IV.8). Usado nesse sentido, o
termo “Caminho” parece cobrir a soma total de verdades sobre o universo e sobre
o homem; e não apenas do indivíduo mas também do Estado diz-se que possui ou
não o Caminho. Como se trata de algo que pode ser transmitido de professor para
discípulo, é necessariamente algo que pode ser colocado em palavras.
Entretanto, há um outro sentido, ligeiramente diferente, no qual o termo é
usado. O Caminho é dito, também, como sendo o caminho de alguém, por exemplo,
“os caminhos dos antigos reis” (I.12), “o caminho do rei Wen e do rei Wu”
(XIX.22), ou “o caminho do Mestre” (IV.15). Quando for esse o caso, “caminho”
naturalmente pode apenas ser tomado como algo que significa o caminho seguido
pela pessoa em questão. Já o “Caminho”, escolas de pensamento rivais declaravam
tê-lo descoberto, mesmo que aquilo que cada escola dizia ter descoberto se
mostrasse uma coisa diferente da outra. O Caminho, então, é um termo altamente
subjetivo e se aproxima muito do termo “verdade”, tal como é encontrado nas
escrituras filosóficas e religiosas do Ocidente. Parece haver poucas dúvidas de
que a palavra te, virtude, seja uma palavra homófona à palavra te, “conseguir”
[4] . Virtude é uma bênção que o homem recebe do Céu [5] . A palavra era usada
nesse sentido quando Confúcio, mediante um atentado à sua vida, disse: “O Céu é
o autor da virtude que há em mim” (VII.23), mas o uso da palavra nesse sentido
é raro em Os analectos. Na época de Confúcio, o termo provavelmente já tinha se
tornado uma palavra carregada de significado moral. Trata-se de algo que alguém
cultiva e que permite a tal pessoa governar bem um reino. Uma das coisas que
causava preocupação a Confúcio era, de acordo com ele próprio, seu fracasso em
cultivar a própria virtude (VII.3). Ele também disse que, se um homem guiasse o
povo por meio da virtude, o povo não apenas reformaria a si próprio como
desenvolveria um sentimento de vergonha (II.3). Tanto o Caminho quanto a
virtude eram conceitos correntes antes de Confúcio e, na época dele, já tinham,
provavelmente, uma certa aura. Ambos, de alguma forma, originam-se do Céu. É
talvez por essa razão que, embora ele tenha dito poucas coisas concretas e
específicas sobre qualquer um desses conceitos, Confúcio, ainda assim, atribuiu
a eles grande importância no seu modo de ver o mundo. Ele disse: “Aplico meu
coração no caminho, baseio-me na virtude, confio na benevolência para apoio e
encontro entretenimento nas artes” (VII.6). Benevolência é algo cujo alcance
depende totalmente de nossos próprios esforços, mas virtude é, em parte, um
presente do Céu. Por trás da busca de Confúcio da essência ideal da moral,
subjaz o nãofalado e, portanto, inquestionado pressuposto de que o único
objetivo que um homem pode ter e também a única coisa válida que pode fazer é
tornar-se um homem tão bom quanto possível. Isso é algo que tem de ser
perseguido somente pelo próprio valor intrínseco e com completa indiferença
quanto ao sucesso ou fracasso. Diferentemente de mestres religiosos, Confúcio
não podia pregar nenhuma esperança de recompensa, neste mundo ou no outro. No
que tange à vida após a morte, a atitude de Confúcio pode, na melhor das hipóteses,
ser descrita como agnóstica. Quando Tzu-lu perguntou como os deuses e os
espíritos deveriam ser servidos, o Mestre respondeu que, como ele não era apto
a servir os homens, como poderia ele servir os espíritos? E quando então Tzu-lu
perguntou sobre a morte, o Mestre respondeu que, como não compreendia a vida,
como poderia entender a morte? (XI.12). Isso mostra, no mínimo, uma relutância
da parte de Confúcio em se comprometer com o assunto da existência após a
morte. Embora sem dar aos homens qualquer segurança de uma vida após a morte,
Confúcio, entretanto, fez deles grandes exigências morais. Ele disse do
cavalheiro [6] de valor e do homem benevolente que “ao mesmo tempo em que é
inconcebível que eles busquem permanecer vivos graças à benevolência, pode
acontecer que tenham de aceitar a morte para conseguirem realizar a
benevolência” (XV.9). Quando tais exigências são feitas a homens, pouco
surpreende que um dos discípulos de Confúcio tenha considerado que o fardo de
um Cavalheiro “é pesado, e sua estrada, longa”, pois o fardo dele é a
benevolência, e a estrada só chegava ao fim com a morte (VIII.7). Se um homem
não pode ter certeza sobre uma recompensa após a morte, tampouco pode ter
certeza sobre o sucesso das ações morais da sua vida. O porteiro do Portão de
Pedra perguntou a Tzu-lu, “o K’ung que continua perseguindo um objetivo que ele
sabe ser impossível?” (XIV.38). Em outra ocasião, depois de um encontro com um
preso, Tzu-lu foi levado a apontar: “O cavalheiro aceita um cargo oficial para
cumprir seu dever. Quanto a colocar o Caminho em prática, ele sabe o tempo todo
que é uma causa perdida” (XVIII.7). Já que, ao ser um ente moral, um homem não
pode estar seguro de uma recompensa nem pode ter garantia de sucesso, a
moralidade é algo a ser perseguido por ela mesma. Essa é, talvez, a mensagem
mais fundamental dos ensinamentos de Confúcio, uma mensagem que diferenciou os
seus ensinamentos daqueles de outras escolas de pensamento da China antiga.
Para Confúcio, não há apenas um tipo de caráter ideal, mas uma variedade deles.
O mais alto é o sábio (sheng jeng). Esse ideal é tão alto que quase nunca se
realiza. Confúcio alegava que ele próprio não era um sábio e dizia que nunca
havia visto tal homem. Ele disse: “Como posso me considerar um sábio ou um homem
benevolente?” (VII.26). A única vez que ele indicou o tipo de homem que
mereceria o adjetivo foi quando Tzu-kung lhe perguntou: “Se houvesse um homem
que desse generosamente ao povo e trouxesse auxílio às multidões, o que você
pensaria dele? Ele poderia ser considerado benevolente?” A resposta de Confúcio
foi: “Nesse caso não se trata mais de benevolência. Se precisa descrever tal
homem, ‘sábio’é, talvez, a palavra adequada” (VI.30). Mais abaixo na escala
estão o homem bom (shan jen) e o homem completo (ch’eng jen). Mesmo o homem bom
Confúcio alegava não ter visto, mas o termo “homem bom” parece se aplicar
essencialmente a homens responsáveis pelo governo, como quando ele disse, por
exemplo: “Como é verdadeiro o ditado que diz que depois que um reino foi governado
durante cem anos por bons homens é possível vencer a crueldade e acabar com a
matança!” (XIII.11) e “Depois que um homem bom educou o povo por sete anos, aí
então eles estarão prontos para pegar em armas” (XIII.29). Na única ocasião em
que lhe perguntaram sobre o caminho do homem bom, a resposta de Confúcio foi um
tanto obscura (XI.20). Quanto ao homem completo, ele é descrito em termos que
não lhe são exclusivos. Ele, “à vista de uma vantagem a ser obtida, lembra-se
do que é certo” e “em face do perigo, está pronto para dar a própria vida”
(XIV.12). Termos similares são utilizados para descrever o Cavalheiro (XIX.1).
Não há dúvida, entretanto, que o tipo de caráter moralmente ideal para Confúcio
é o chün tzu (cavalheiro), conforme é discutido em mais de oitenta capítulos em
Os analectos. Chün tzu e hsio jen (pequeno homem) são termos correlativos e
contrastantes. O primeiro é usado para homens de autoridade, enquanto o último
aplica-se aos homens que são governados. [7] Em Os analectos, entretanto, chün
tzu e hsiao jen são termos essencialmente morais. O chün tzu é o homem com uma
moral cultivada, enquanto hsiao jen é o oposto.
Vale a pena
acrescentar que os dois usos, indicando o status social e moral, não são
exclusivos e, em casos específicos, é difícil ter certeza se, além das
conotações morais, esses termos também não podem carregar sua conotação social
comum. [8] Como o cavalheiro é o caráter moral ideal, não se deve esperar que
um homem possa se tornar um cavalheiro sem muito trabalho ou cultivo, como os
chineses dizem. Há um considerável número de virtudes que um cavalheiro deve
ter, e a essência dessas virtudes é frequentemente resumida em um preceito.
Para ter uma total compreensão do caráter moral de um cavalheiro, precisamos
olhar detalhadamente para as variadas virtudes que ele precisa possuir.
Benevolência (jen) é a qualidade moral mais importante que um homem pode ter.
Embora o uso desse termo não tenha sido uma inovação de Confúcio, é quase certo
que a complexidade de seu conteúdo e a preeminência que atingia entre outras
qualidades morais sejam devidas a Confúcio. A ideia de que é a qualidade moral
que um cavalheiro precisa possuir fica claro no seguinte provérbio: Se o
cavalheiro abandona a benevolência, de que modo pode ele construir um nome para
si? Um cavalheiro nunca abandona a benevolência, nem mesmo pelo pouco tempo que
demora para se comer uma refeição. Se ele se apressa e tropeça, pode-se ter
certeza de que é na benevolência que ele o faz (IV.5). Em alguns contextos “o
cavalheiro” e “o homem benevolente” são termos quase intercambiáveis. Por
exemplo, é dito que “o cavalheiro é livre de preocupações e medos” (XII.4),
enquanto em outra passagem é do homem benevolente que se diz que não tem
preocupações (IX.29, XIV.28). Como a benevolência é um conceito tão central,
naturalmente espera-se que Confúcio tenha muito a dizer a respeito. Quanto a
isso, as expectativas são cumpridas. Em nada menos do que seis ocasiões
Confúcio respondeu perguntas diretas sobre benevolência, e, como Confúcio tinha
o hábito de formular suas respostas levando em consideração as necessidades
específicas da pessoa que fazia a pergunta, essas respostas, tomadas em
conjunto, nos fornecem um quadro razoavelmente completo. O ponto essencial
sobre a benevolência é encontrado na resposta de Confúcio para Chung-kung: Não
imponha aos outros aquilo que você não deseja para si próprio. (XII.2) Essas
palavras foram repetidas em outra ocasião. Tzu-kung perguntou: “Existe uma
palavra que possa ser um guia de conduta durante toda a vida de alguém?”. O
Mestre disse: “Talvez, a palavra shu. Não imponha aos outros aquilo que você
não deseja para si próprio”. (XV.24) Considerando as duas frases conjuntamente,
podemos ver que shu é parte da benevolência e, como tal, é de grande importância
nos ensinamento de Confúcio. www.https://rt.br. Abraço. Davi
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