sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

OS VALORES RELIGIOSOS E A SOCIEDADE HUMANA

 

Budismo. Livro Bondade, Amor e Compaixão do Dalai Lama. Palestra de Sua Santidade o Dalai Lama. OS VALORES RELIGIOSOS E A SOCIEDADE HUMANA. De certo modo – em termos materiais – a geração atual alcançou um nível de desenvolvimento elevado. Ao mesmo tempo, porém, nós, seres humanos, enfrentamos muitos problemas. Alguns se devem a circunstâncias ou causas externas, como os desastres naturais. Esses não podem ser evitados. Entretanto, muitos outros são criados pelas nossas próprias insuficiências mentais. Sofremos por causa de uma carência interior. Considero tais problemas evitáveis. Se adotarmos uma atitude mental correta, essas dificuldades originadas pelo homem não ocorrerão. Com frequência, elas acontecem devido a diferenças ideológicas que, lamentavelmente envolvem, algumas vezes, divergências entre crenças religiosas distintas. Portanto, é muito importante a adoção de uma atitude correta. Existem muitas e diferentes filosofias, porém o que realmente importa é a compaixão, o amor ao próximo, a preocupação com o sofrimento das pessoas e a diminuição do egoísmo. Sinto que o pensamento piedoso é a coisa mais preciosa que existe. Apenas os seres humanos podem desenvolvê-lo. Se nosso coração for bondoso e fraterno, e alimentarmos sentimentos afetuosos, tornar-nos-emos felizes e satisfeitos. Ao mesmo tempo, nossos amigos e aqueles que nos rodeiam também partilharão de uma atmosfera cordial e tranquila. É um estado que poderá ser vivenciado de nação a nação, de país a país e de continente a continente. O princípio básico é a compaixão e o amor pelos outros. Sustentando tudo encontramos o sentimento válido do “eu”, pois, num nível convencional, existe um eu – Eu quero isso. Eu quero aquilo. Experimentamos esse sentimento naturalmente, e, de modo análogo, desejamos a felicidade – Eu quero a felicidade. Não quero o sofrimento. Isso não só é natural, como também correto. Não precisa de nenhuma justificativa posterior. É um sentir espontâneo, confirmado pelo fato de que, natural e corretamente, desejamos a felicidade e não o sofrimento. Baseados nesse sentir, temos direitos à felicidade e ao privilégio de nos livrarmos do sofrimento. Além disso, do mesmo modo como abrigo esse sentimento e tenho esse direito, outras pessoas experimentam experimenta sentimento idêntico e têm o mesmo direito. A diferença é que quando você diz “eu”, está se referindo tão só a uma única pessoa, uma alma. Os outros, numericamente, são ilimitados. Assim, visualizemos o seguinte: de um lado, imagine o seu próprio eu, que até aqui concentrou-se apenas em metas egoísticas. De outro, imagine as demais pessoas -  seres ilimitados, infinitos. Você é uma terceira pessoa que, no meio, observa ambos os lados. No que diz respeito ao sentimento de desejar a felicidade e não querer o sofrimento, os dois lados são iguais, absolutamente idênticos. Também com relação ao direito de obter a felicidade, são exatamente os mesmos. Contudo, não interessa quão importante seja a pessoa motivada pelo egoísmo, ela é apenas uma, não interessa quão insignificantes sejam as outras, elas são ilimitadas, infinitas. A terceira pessoa, observando de modo imparcial, pode verificar que muitos são mais importantes do que o um. Através disso, podemos compreender, sentir, que a maioria – os outros seres ilimitados – é mais importante do que uma única pessoa, um “eu”. Assim, o problema é o seguinte: todos deverão ser usados para eu alcançar a felicidade, ou devo ser eu, a fonte de felicidade do próximo? Eu ser útil a esses seres ilimitados será correto. Se eles forem usados em função de um único eu, será um erro completo. Mesmo que você possa usar esses outros, isso não o fará feliz. Ao passo que, se você, esse único indivíduo, contribuir e servir tanto quanto puder, será causa de grande alegria. É com base em tal atitude que a verdadeira compaixão e o amor pelo próximo podem ser desenvolvidos. A compaixão que se  fundamenta nesse princípio e nesses sentimentos tende a estender-se inclusive a nossos inimigos. Nosso sentido corriqueiro de amor e de compaixão está, na verdade, muito ligado ao apego. Experimenta-se um sentimento de compaixão e de amor por uma esposa ou um marido, pelos pais e pelos filhos. Contudo, como isso está ligado ao apego, não pode incluir seus inimigos. Mais uma vez, tudo se concentra numa motivação egoística – como são minha mãe, meu pai e meus filhos, eu os amo. Contrastando, deparamo-nos com o claro reconhecimento da importância e do direito alheios. Se a compaixão for desenvolvida a partir desse ponto de vista, ela englobara até os inimigos. Para podermos desenvolver essa motivação para a compaixão, precisamos ser tolerantes e pacientes. Na prática da tolerância, nosso inimigo é o melhor professor.  Seu inimigo pode ensiná-lo a ser tolerante, ao passo que seu professor ou seus pais, nem sempre conseguem. Assim, sob essa ótica, um inimigo é, na verdade, muito útil – o melhor dos amigos, o melhor dos professores. Baseado na minha experiência pessoal, acho que adquirimos maior conhecimento e experiência nos períodos mais difíceis da vida. Se a experiência flui facilmente, sem entraves, seremos levados a crer que tudo vai bem. Entretanto, quando nos defrontamos com problemas, sentimo-nos deprimidos e desamparados. Num período difícil podemos aprender, desenvolver força interior, determinação e coragem para enfrentar momentos críticos. Quem nos dá essa oportunidade? O inimigo. Isso não significa que devamos obedecer ao inimigo ou nos inclinarmos diante dele. Na verdade, segundo o comportamento do adversário, algumas vezes precisaremos reagir com energia – interiormente, no entanto, a calma e a compaixão deverão permanecer intactas. Isso é possível. Algumas pessoas podem pensar: Ora, o Dalai Lama está falando bobagem. Não, não estou. Se você praticar essa atitude, se puder experimentá-la em sua própria vivência, você a conhecerá e poderá senti-la por si mesmo. O desenvolvimento do amor e da compaixão é fundamental. Repito com frequência que é uma das principais mensagens religiosas. Ao falar em religião, não estamos nos referindo, necessariamente, a assuntos filosóficos mais profundos. A compaixão é a verdadeira essência das crenças. Se você for budista, desde que procure praticar a compaixão, o fato de realçar ou não a figura do Buda não será tão importante. Como cristão, se você tentar praticar esse amor, não terá necessidade de colocar muita ênfase em outros  assuntos filosóficos. Afirmo isso de modo cordial. O importante é que em sua vida diária você pratique as coisas essenciais, e, nesse nível, quase não existe diferença entre budismo, cristianismo ou qualquer outra profissão de fé. Todas elas focalizam o desenvolvimento, o aperfeiçoamento dos seres humanos, o sentimento de fraternidade. O amor – que são o denominador comum de todos os credos. Assim, se você refletir sobre a essência da religião, não encontrará muitas diferenças. Eu sinto, e também digo a outros budistas, que a questão do nirvana será abordada sim – mais tarde. Não há tanta pressa. Se viver o seu dia-a-dia de maneira honesta, com amor, compaixão e menos egoísmo você se aproximará naturalmente do nirvana. Se, ao contrário, falarmos sobre ele e sobre filosofia, mas não nos ocuparmos com a prática diária, talvez alcancemos, sim, um raro “nirvana”, porém não atingiremos o verdadeiro nirvana, devido à falta dessa prática. É preciso que esses bons ensinamentos façam patê da nossa vida diária. Não é muito importante o fato de se acreditar em Deus ou no Buda. Tampouco o é, caso sejamos budistas, que acreditemos na reencarnação. Precisamos levar uma vida satisfatória, o que não significa apenas boa comida, boas roupas e um bom abrigo. Não é suficiente. É necessária uma boa motivação: compaixão, sem dogmatismo, sem uma filosofia complicada. Compreender apenas que os outros são nosso irmãos e irmãs e respeitar-lhes os direitos e a dignidade humana. O fato de que nós, seres humanos, podemos nos ajudar mutuamente é uma das nossas capacidades excepcionais. Temos de participar do sofrimento alheio, mesmo que não possamos dar auxílio material, a possibilidade de mostrar interesse, de conceder apoio moral e de expressar simpatia é extremamente valiosa. Deveria ser esse o alicerce das nossas atividades. Que chamemos ou não de religião, não é importante. No atual contexto mundial, algumas pessoas podem achar que a religião destina-se aqueles que se retiram para lugares remotos e que ela não é muito necessária nas áreas dos negócios ou da política. Minha resposta a isso é não. Pois, como acabei de dizer, na minha simples compreensão de religião, o amor é a motivação principal. Se um político tiver uma boa motivação e com ela procurar melhorar a sociedade humana, revelar-se-á uma pessoa correta e honesta. A política em si não é má. Costumamos dizer, “a política é corrupta”, o que não é correto. A política é necessária como instrumento para solucionar os problemas humanos e da sociedade humana. Não é má em si, e é necessária. Contudo, se praticada por pessoas desonestas, de forma astuta e sem a motivação correta, então naturalmente tornar-se-á desprezível. Isso é verdadeiro não apenas no que diz respeito a política como também a todas as áreas, inclusive a religião – se eu falar sobre religião com uma motivação negativa. O sermão se tornará negativo, mas não se pode concluir que a religião é ruim. Não se pode dizer “a religião é corrupta”. A motivação é muito importante, assim sendo, minha modesta religião é formada por amor, respeito ao próximo e honestidade – ensinamentos que abrangem não só a religião mas também o campo da política, da economia, das finanças, da ciência, das leis, da medicina em todos os lugares. Com a motivação adequada, pode-se ajudar a humanidade, sem ela, ocorre exatamente o oposto. Sem uma boa motivação, a ciência e a tecnologia, em vez de serem úteis, criam mais medo e a ameaça da destruição global. O pensamento piedoso é fundamental para a espécie humana. No momento atual, se observarmos a sociedade com atenção, perceberemos que as pessoas não são tão felizes quanto parecem. Por exemplo, ao visitar um novo país, tudo me parece muito bonito no início. Quando travo novos conhecimentos, é muito agradável, não há motivo para reclamações. Em pouco tempo, porém, começo a ouvir as pessoas falarem dos seus problemas. E torna-se bem claro que em todos os lugares existem muitos conflitos. Bem no fundo, encontramos a inquietação. Devido a essa inquietação, as pessoas se sentem isoladas, deprimidas, passam a experimentar desconforto e sofrimento mental. Esse é o clima que impera no mundo. A verdadeira justiça e a honestidade não são compatíveis com os sentimento ardilosos. Querer causar um benefício a outras pessoas tendo bem no fundo uma motivação egoística também não é possível. Quando, apesar de falar-nos sobre paz, amor, justiça, etc... Ao sermos afetados pelas coisas que acontecem nos esquecemos de tudo e, se necessário, oprimimos outras pessoas ou mesmo declaramos uma guerra, é um sinal evidente de que algo está faltando. Essa atmosfera perturbada representa a realidade dos nosso dias. Apesar de muito desagradável, é a realidade. As pessoas poderão sentir que o oposto disso, a transformação interior sobre a qual tenho falado, é simplesmente idealista e não tem relação com nosso situação aqui na Terra. Meu sentimento, contudo, é que, se persistir o atual clima em que tudo depende do dinheiro e do poder, sem muita preocupação para com o verdadeiro valor do amor. Se a sociedade humana perder o sentido da justiça, da compaixão, da honestidade, enfrentaremos maiores dificuldades e mais sofrimentos na próxima geração ou em um futuro mais adiante. Assim, embora seja difícil realizar a transformação interior, vale a pena tentar, acredito firmemente nisso. O importante é nos esforçarmos o mais que pudermos. Ser bem sucedido ou não é outra questão. Mesmo não obtendo o que procuramos nesta vida, não tem importância. Pelo menos teremos realizado uma tentativa no sentido de construir uma sociedade humana melhor, alicerçada no amor – no verdadeiro amor – e menos egoísta. As pessoas que lidam diariamente com os problemas atuais precisam se concentrar naquele que é o problema imediato. Mas, ao mesmo tempo devem observar o efeito a longo prazo sobre a sociedade humana. Por exemplo, o seu corpo físico precisa ser saudável e forte, pois, se tivermos uma base saudável, não teremos pequenas e contínuas doenças. Ou mesmo se as tivermos, poderemos nos curar dentro de um curto período de tempo. A sociedade humana é semelhante. Se nos concentrarmos totalmente no “modo realista” visando benefícios temporários e a curto prazo, é como se estivéssemos doentes hoje e tomássemos remédio. Contudo, se fizermos isso, e ao mesmo tempo nos preocuparmos com o futuro da humanidade a longo prazo, é como se estivéssemos formando um corpo saudável É necessário lidar com os problemas visando simultaneamente uma solução temporária e outra de longo alcance. Nos últimos anos, venho observando os problemas mundiais, inclusive o nosso próprio problema, a situação tibetana. Tenho pensado sobre isso e encontrado pessoas de diversas áreas e diferentes países. Fundamentalmente todas são iguais. Sou originário do Oriente, a maior parte de vocês (plateia) é do Ocidente. Se eu os analisar de modo superficial, acharei que somos diferentes, e se aprofundar esse nível, ficaremos mais distantes ainda. Por outro lado, se eu os encarar como sendo da minha espécie, seres humanos como eu, que possuem um nariz, dois olhos e assim por diante, naturalmente a distância desaparecerá. Eu desejo a felicidade. Vocês também a querem. A partir desse reconhecimento mútuo é possível construir a verdadeira confiança e o respeito recíproco. Daí podem surgir a cooperação e a harmonia, com as quais viabiliza-se a solução de muitos problemas. Atualmente, dependemos muito uns dos outros. Não apenas as nações, mas também os continentes. Desse modo, é essencial que exista uma verdadeira cooperação aliada a uma boa motivação. Podemos assim resolver inúmeras dificuldades. As boas relações, de coração a coração, de ser humano a ser humano, são muito importantes e necessárias. Tudo depende de uma boa motivação. Livro Bondade, Amor e Compaixão do Dalai Lama. Abraço. Davi

 

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