terça-feira, 5 de janeiro de 2021

OS ANJOS

 

Espiritismo. Texto de Allan Kardec (1804-1869). Livro O Céu e o Inferno. Capítulo IX. OS ANJOS. Os anjos segundo a Igreja • Refutação • Os anjos segundo o Espiritismo.  OS ANJOS SEGUNDO A IGREJA. Todas as religiões, sob diversos nomes, tiveram anjos, quer dizer, seres superiores à humanidade, intermediários entre Deus e os homens. O materialismo, negando qualquer existência espiritual fora da vida orgânica, naturalmente colocou os anjos entre as ficções e as alegorias. A crença nos anjos faz parte essencial dos dogmas da Igreja; é assim que ela os defi ne. Nós cremos firmemente, diz um concílio geral e ecumênico, que só há um verdadeiro Deus, eterno e infinito, que no começo dos tempos, tirou conjuntamente do nada uma e outra criatura, a espiritual e a corporal, a angélica e a mundana, e em seguida formou, como intermediária entre as duas, a natureza humana composta de corpo e espírito. Tal é, segundo a fé, o plano divino na obra da criação: plano majestoso e completo, como convinha à sabedoria eterna. Assim concebido, ele oferece aos nossos pensamentos o ser em todos os graus e em todas as condições. Na esfera mais elevada aparecem a existência e a vida puramente espirituais; na última classe, a existência e a vida puramente materiais; e no meio que as separa, uma maravilhosa união de duas substâncias, uma vida comum ao mesmo tempo ao espírito inteligente e ao corpo organizado. Nossa alma é de uma natureza simples e indivisível, porém é limitada em suas faculdades. A ideia que temos da perfeição nos faz compreender que pode haver outros seres simples iguais a ela, e superiores por suas qualidades e seus privilégios. A alma é grande e nobre, mas está associada à matéria, servida por órgãos frágeis, limitada na sua ação e no seu poder. Por que não haveria outras naturezas mais nobres ainda, libertas dessa escravidão e desses entraves, dotadas de uma força maior e de uma atividade incomparável? Antes que Deus houvesse colocado o homem na Terra para conhecê-lo, amá-lo e servi-lo, não deveria já ter chamado outras criaturas para compor sua corte celeste e para adorá-lo na morada da sua glória? Deus, enfim, recebe das mãos do homem o tributo de honra e a homenagem deste universo; é de admirar que ele receba das mãos do anjo o incenso e a prece do homem? Portanto, se os anjos não existissem, a grande obra do Criador não teria o remate e a perfeição da qual ela era suscetível; este mundo, que atesta sua onipotência, não seria mais a obra-prima da sua sabedoria; nossa própria razão, ainda que fraca e débil, poderia facilmente concebê-lo mais completo e mais aperfeiçoado. A cada página dos livros sagrados do Antigo e do Novo Testamento, faz-se menção dessas sublimes inteligências, nas invocações piedosas e nos episódios históricos. Sua intervenção aparece manifestamente na vida dos patriarcas e dos profetas. Deus serve-se de seu ministério, ora para declarar suas vontades, ora para anunciar os acontecimentos futuros; Deus quase sempre faz dos anjos os intermediários da sua justiça ou da sua misericórdia. Sua presença está unida às diversas circunstâncias do nascimento, da vida e da paixão do Salvador; sua lembrança é inseparável da dos grandes homens e dos fatos mais importantes da antiguidade religiosa, encontra-se mesmo no meio do politeísmo e nas fábulas da mitologia, porque a crença de que falamos é tão antiga e tão universal quanto o mundo; o culto que os pagãos rendiam aos bons e aos maus gênios era apenas uma falsa aplicação da verdade, um resto degenerado do dogma primitivo. As palavras do santo concílio de Latrão, ano 1123, continham uma distinção fundamental entre os anjos e os homens. Elas nos ensinam que os primeiros são espíritos puros, enquanto que os segundos são compostos de um corpo e de uma alma; isto é, que a natureza angélica se sustém por si mesma, não somente sem mistura, mas ainda sem associação real possível com a matéria, por mais leve e sutil que a imaginemos; enquanto que nossa alma, igualmente espiritual, está associada ao corpo de maneira a não formar com ele senão uma só e mesma pessoa, e que este é essencialmente seu destino. Enquanto durar essa união tão íntima da alma com o corpo, estas duas substâncias têm uma vida comum e exercem influência recíproca uma sobre a outra; a alma não pode se livrar inteiramente da condição imperfeita que esse fato lhe acarreta: suas ideias lhe chegam pelos sentidos, pela comparação dos objetos exteriores, e sempre sob imagens mais ou menos aparentes. Daí porque ela não pode contemplar a si mesma, e não pode representar Deus e os anjos sem lhes admitir alguma forma visível e palpável. Eis por que os anjos, para se fazerem visíveis aos santos e aos profetas, devem ter recorrido a formas corporais; mas essas formas não eram mais que corpos imateriais que eles faziam mover sem se identificarem com eles, ou atributos simbólicos em relação com a missão da qual estavam encarregados. Seu ser e seus movimentos não estão localizados e circunscritos em um ponto fixo e delimitado do Espaço. Não estando ligados a nenhum corpo, não podem ser retidos e limitados por outros corpos, como nós o somos; eles não ocupam nenhum lugar e não preenchem nenhum espaço vazio; porém, assim como nossa alma está toda inteira em nosso corpo e em cada uma das suas partes, eles também estão inteiramente, e quase que simultaneamente, sobre todos os pontos e em todas as partes do mundo; mais rápidos que o pensamento, eles podem estar por toda a parte no abrir e fechar de olhos e ali atuarem por si mesmos, sem outros obstáculos às suas intenções senão a vontade de Deus e a resistência da liberdade humana. Enquanto temos que nos conformar em ver apenas pouco a pouco, e em uma certa medida, as coisas que estão fora de nós, e as verdades de ordem sobrenatural nos aparecem como em enigma e em um espelho, segundo as palavras do Apóstolo São Paulo, eles vêm sem esforço o que lhes interessa saber, e estão em relação imediata com o objetivo do seu pensamento. Seus conhecimentos não são o resultado da indução e do raciocínio, mas dessa intuição clara e profunda que abrange simultaneamente o gênero e as espécies que deles derivam, os princípios e as consequências que deles decorrem. A distância das épocas, a diferença dos lugares, a multiplicidade dos objetos não podem produzir nenhuma confusão em seus espíritos. A essência divina, sendo infinita, é incompreensível; ela tem mistérios e profundezas que eles não podem penetrar. Os desígnios particulares da Providência não lhes são mostrados; ela, porém, os revela quando, em certas circunstâncias, os encarrega de anunciá-los aos homens. As comunicações de Deus aos anjos, e dos anjos entre si, não se fazem, como entre nós, por meio de sons articulados e de outros sinais sensíveis. As puras inteligências não têm necessidade nem de olhos para ver, nem de ouvidos para ouvir; elas não têm mais o órgão da voz para manifestar seus pensamentos, esse intermediário habitual de nossas conversas não lhes é necessário; elas, porém, comunicam seus sentimentos de uma maneira que lhes é própria e que é toda espiritual. Para serem compreendidas é sufi ciente que o desejem. Somente Deus conhece o número de anjos. Este número, certamente, não poderia ser infinito, e não o é; mas, de acordo com os autores sacros e os santos doutores, ele é bastante considerável e verdadeiramente prodigioso. Se é natural proporcionar o número de habitantes de uma cidade à sua grandeza e à sua extensão, sendo a Terra apenas um átomo em comparação com o firmamento e as imensas regiões do Espaço, temos que chegar à conclusão de que o número de habitantes do céu e do ar é muito maior que o dos homens. Visto que a majestade dos reis deve seu brilho ao número de seus súditos, seus oficiais e seus servidores, o que existe de mais próprio para nos dar uma ideia da majestade do Rei dos reis do que essa multidão inumerável de anjos que povoam o céu, a Terra, o mar e os abismos, e a dignidade daqueles que se mantêm, incessantemente, prosternados ou de pé diante do seu trono? Os padres, a Igreja e os teólogos geralmente ensinam que os anjos estão distribuídos em três grandes hierarquias, ou principados, e cada hierarquia em três companhias ou coros. Os da primeira e da mais alta hierarquia são designados em consequência das funções que desempenham no céu. Uns são chamados Serafins, porque estão como abrasados diante de Deus pelos ardores da caridade; outros, Querubins, porque são um reflexo luminoso da sua sabedoria; e outros, de Tronos, porque proclamam sua grandeza e fazem resplandecer seu brilho. Os da segunda hierarquia recebem seus nomes das operações que lhes são atribuídas no governo geral do Universo, e são: as Dominações, que determinam aos anjos de ordens inferiores suas missões e seus encargos; as Virtudes, que realizam os prodígios reclamados pelos grandes interesses da Igreja e do gênero humano, e as Potências, que protegem, pela sua força e sua vigilância, as leis que regem o mundo físico e moral. Os da terceira hierarquia têm em partilha a direção das sociedades e das pessoas, e são: os Principados, prepostos aos reinos, às províncias e às dioceses; os Arcanjos, que transmitem as mensagens de alta importância; os Anjos Guardiães, aqueles que acompanham cada um de nós para velarem pela nossa segurança e a nossa santifi cação.” REFUTAÇÃO. O princípio geral que resulta dessa doutrina é que os anjos são seres puramente espirituais, anteriores e superiores à humanidade, criaturas privilegiadas consagradas à felicidade suprema e eterna desde a sua formação; dotadas, pela sua própria natureza, de todas as virtudes e de todos os conhecimentos, sem haverem feito nada para adquiri-los. Eles estão em primeiro lugar na obra da criação; em último, a vida puramente material, e, entre os dois, a humanidade formada de almas, seres espirituais inferiores aos anjos, unidos a corpos materiais. Muitas dificuldades capitais resultam desse sistema. Inicialmente, qual é essa vida puramente material? Trata-se da matéria bruta? Mas a matéria bruta é inanimada e não tem vida por si mesma. Quer se falar das plantas e dos animais? Isso, então, seria uma quarta ordem na criação, porque não se pode negar que haja no animal inteligente algo mais que em uma planta e nesta, mais que em uma pedra. Quanto à alma humana, que é a transição, ela está unida diretamente a um corpo que é apenas matéria bruta, visto que, sem alma, ele não tem mais vida do que um torrão de terra. A esta divisão, evidentemente, falta clareza, e ela não está de acordo com a observação; assemelha-se à teoria dos quatro elementos anulada diante dos progressos da Ciência. Admitamos, portanto, esses três termos: a criatura espiritual, a criatura humana e a criatura corporal; tal é, dizem, o plano divino, plano majestoso e completo como convém à sabedoria eterna. Notemos primeiro que entre esses três termos não há nenhuma ligação necessária, são três criações distintas, formadas sucessivamente; de uma à outra existe solução de continuidade, enquanto que, na natureza, tudo se encadeia, tudo nos mostra uma admirável lei de unidade, da qual todos os elementos, que são apenas transformações uns dos outros, têm seu traço de união. Essa teoria é verdadeira quanto a esses três termos que, evidentemente, existem; apenas é incompleta: faltam-lhe os pontos de contato, como é fácil demonstrar. 4. Esses três pontos culminantes da criação são, diz a Igreja, necessários à harmonia do conjunto; que haja apenas um de menos e a obra está incompleta, não está mais segundo a sabedoria eterna. Entretanto, um dos dogmas fundamentais da religião diz que a Terra, os animais, as plantas, o Sol, as estrelas, a própria luz foram criados e tirados do nada, há seis mil anos. Antes dessa época, portanto, não havia nem criatura humana, nem criatura corporal; durante a eternidade decorrida, a obra divina ficara, então, imperfeita. A criação do Universo remontando a seis mil anos é um artigo de fé de tal forma capital que ainda há poucos anos a Ciência era anatematizada porque vinha destruir a cronologia bíblica ao provar a antiguidade maior da Terra e de seus habitantes. Entretanto o concílio de Latrão, concílio ecumênico que faz lei em matéria de ortodoxia, diz: “Nós cremos firmemente que há apenas um único e verdadeiro Deus, eterno e infinito, o qual, no começo dos tempos, tirou conjuntamente do nada uma e outra criatura, a espiritual e a corporal.” O começo dos tempos pode-se entender apenas como a eternidade decorrida, porque o tempo é infinito, como o Espaço: não há nem começo nem fim. Esta expressão: o começo dos tempos é uma figura que implica a ideia de uma anterioridade ilimitada. O concílio de Latrão, portanto, crê firmemente que as criaturas espirituais e as criaturas corporais foram formadas simultaneamente, e tiradas conjuntamente do nada em uma época indeterminada no passado. O que vem a ser, pois, o texto bíblico, que fixa essa criação em seis mil anos dos nossos dias? Admitindo-se que esteja aí o começo do Universo visível, esse não é, seguramente, o do tempo. Em que acreditar, no concílio ou na Bíblia? 5. O mesmo concílio formula, além disso, uma estranha proposição: “Nossa alma, diz ele, igualmente espiritual, está associada ao corpo de maneira a formar com ele uma só e mesma pessoa, e tal é, essencialmente, sua destinação.” Se o destino essencial da alma é estar unida ao corpo, esta união constitui seu estado normal, seu objetivo, seu fim, pois que essa é sua destinação. Entretanto, a alma é imortal e o corpo é mortal; sua união com o corpo tem lugar apenas uma vez, segundo a Igreja, e mesmo que essa união dure um século, o que é esse tempo comparado a eternidade? Porém, para um grande número, essa união é de apenas algumas horas; que utilidade pode ter para a alma essa união de tão pouca duração? Quando, junto à eternidade, a mais longa duração dessa união é um tempo imperceptível, é exato dizer que o seu destino é estar essencialmente ligada ao corpo? Essa união na realidade é apenas um incidente, um momento na vida da alma, e não o seu estado essencial. Se o destino essencial da alma é estar unida a um corpo material; se, por sua natureza, e segundo o objetivo providencial da sua criação, essa união é necessária para as manifestações de suas faculdades, somos obrigados a concluir que, sem o corpo, a alma humana é um ser incompleto; ora, para que, por sua destinação, a alma continue o que é, faz-se necessário que após ter deixado um corpo ela tome um outro, o que nos conduz à pluralidade forçada das existências ou, dito de outro modo, à reencarnação para sempre. É verdadeiramente estranho que um concílio, considerado como uma das luzes da Igreja, haja identificado a esse ponto o ser espiritual e o ser material, que eles não possam de qualquer forma existir um sem o outro, visto que a condição essencial da sua criação é estarem unidos. 6. O Espiritismo professa, com relação à união da alma e do corpo, uma doutrina infinitamente mais espiritualista, para não dizer menos materialista, e que tem ainda a seu favor estar mais conforme com a observação e o destino da alma. Segundo o que ele nos ensina, a alma é independente do corpo, sendo este apenas um envoltório temporário; sua essência é a espiritualidade, sua vida normal é a vida espiritual. O corpo não é mais que um instrumento para o exercício das suas faculdades nas suas relações com o mundo material, porém, separada desse corpo, ela desfruta das suas faculdades com mais liberdade e amplidão. 7. A união da alma com o corpo, necessária aos seus primeiros progressos, acontece somente no período que se pode chamar de sua infância e sua adolescência; quando a alma atinge um certo grau de perfeição e de desmaterialização, essa união não é mais necessária, e ela progride apenas pela vida do espírito. Além disso, por mais numerosas que sejam as existências corporais, elas estão necessariamente limitadas pela vida do corpo, e sua soma total não abrange, em todos os casos, mais que uma imperceptível parte da vida espiritual, que é ilimitada. 8. O quadro hierárquico dos anjos nos demonstra que várias ordens têm, em suas atribuições, o governo do mundo físico e da humanidade, que eles foram criados para esse fi m. Porém, segundo o Gênesis, o mundo físico e a humanidade só existem há seis mil anos, portanto, o que faziam esses anjos antes desse período, durante a eternidade, já que não existiam os objetos das suas ocupações. Os anjos foram criados de toda a eternidade? Assim deve ser, visto que servem para a glorificação do Altíssimo. Se Deus os houvesse criado em uma época determinada qualquer teria ficado, até essa época, isto é, durante uma eternidade, sem adoradores. 9. Mais adiante, diz o concílio: “Enquanto dure essa união tão íntima da alma com o corpo”. Então, chega um momento em que essa união não existe mais? Esta proposição contradiz a que faz dessa união a destinação essencial da alma. Ele disse ainda: “As ideias lhes chegam pelos sentidos, pela comparação dos objetos exteriores.” Essa é uma doutrina fi losófica em parte verdadeira, porém não no sentido absoluto. Segundo eminente teólogo, é uma condição inerente à natureza da alma receber as ideias somente pelos sentidos; ele esquece as ideias inatas, as faculdades, às vezes tão transcendentes, a intuição das coisas que a criança traz ao nascer e que ela não deve a nenhum ensinamento. Por qual sentido jovens pastores, calculadores naturais que causaram admiração aos sábios, adquiriram as ideias necessárias para a solução quase instantânea dos mais complicados problemas? Pode-se dizer o mesmo de certos músicos, pintores e linguistas precoces. “Os conhecimentos que os anjos possuem não resultam da indução e do raciocínio”, eles os têm porque são anjos, sem precisarem aprender. Deus os criou tais como são; a alma, ao contrário, deve aprender. Se a alma recebe as ideias apenas pelos órgãos corporais, quais são as ideias que a alma de uma criança, morta após alguns dias de vida, pode ter, admitindo-se, como o faz a Igreja, que a alma não renasce? 10. Aqui apresenta-se uma questão vital: a alma adquire ideias e conhecimentos após a morte do corpo? Se, uma vez desligada do corpo, ela não pode adquirir nenhum conhecimento, a alma da criança, do selvagem, do cretino, do idiota ou do ignorante permanecerá sempre como era no momento da morte; ela está condenada à nulidade, por todo o sempre. Se a alma adquire novos conhecimentos após a vida atual, é porque ela pode progredir. Sem o progresso ulterior da alma, chega-se a consequências absurdas; com o progresso, chega-se à negação de todos os dogmas fundamentados sobre seu estado estacionário: o destino irrevogável, as penas eternas, etc. Se a alma progride, onde o progresso se detém? Não existe nenhuma razão para que ela não atinja o grau dos anjos ou puros espíritos. Se a alma pode chegar a esse ponto, não havia nenhuma necessidade de serem criados seres especiais e privilegiados, livres de todo trabalho e desfrutando da felicidade eterna sem haverem feito nada para conquistá-la, enquanto que outros seres, menos favorecidos, não obtêm a suprema felicidade senão à custa de longos e cruéis sofrimentos e das mais rudes provas. Deus poderia tê-lo feito, sem dúvida alguma, mas se admitimos o infinito das suas perfeições, sem as quais não seria Deus, também é preciso admitir que ele não faz nada de inútil, nada que desminta a soberana justiça e a soberana bondade. 11. “Visto que a majestade dos reis deve seu brilho ao número de seus súditos, seus ofi ciais e seus servidores, o que existe de mais próprio para nos dar uma ideia da majestade do Rei dos reis do que essa multidão inumerável de anjos que povoam o céu, a Terra, o mar e os abismos, e a dignidade daqueles que se mantêm, continuamente prosternados ou de pé diante do seu trono?” Não é rebaixar a Divindade, assemelhar sua glória ao fausto dos soberanos da Terra? Essa ideia, incutida no espírito das massas ignorantes, falseia a opinião que se faz da sua verdadeira grandeza; é sempre Deus reduzido às mesquinhas proporções da humanidade; supor que ele tenha necessidade de milhões de adoradores incessantemente prosternados ou de pé diante dele, é atribuir-lhe as fraquezas dos monarcas déspotas e orgulhosos do Oriente. O que faz um soberano verdadeiramente grande? É o número e o brilho dos seus cortesãos? Não; é a sua bondade e a sua justiça, é o título merecido de pai dos seus súditos. Pergunta-se se existe alguma coisa mais própria para nos dar uma ideia da majestade de Deus do que a multidão dos anjos que compõem sua corte. Sim, certamente, existe algo melhor do que isso: é o fato de Deus apresentar-se para todas as suas criaturas soberanamente bom, justo e misericordioso, e não colérico, invejoso, vingativo, inexorável, exterminador, parcial, criando para sua própria glória esses seres privilegiados, favorecidos com todos os dons, nascidos para a eterna felicidade, enquanto que, a outros, faz com que conquistem, penosamente a felicidade, punindo um momento de erro com uma eternidade de suplícios. OS ANJOS SEGUNDO O ESPIRITISMO. 12. Que haja seres dotados de todas as qualidades atribuídas aos anjos, disso não se poderia duvidar. Sobre esse ponto, a revelação espírita confirma a crença de todos os povos, porém, ao mesmo tempo, ela nos faz conhecer a natureza e a origem desses seres. As almas, ou espíritos, são criadas simples e ignorantes, isto é, sem conhecimentos e sem consciência do bem e do mal, mas aptas a adquirir tudo o que lhes falta e que é obtido pelo trabalho. O objetivo, que é o mesmo para todas, é a perfeição. Elas a alcançam mais ou menos rapidamente em virtude do seu livre arbítrio e em razão dos seus esforços; todas têm os mesmos graus para percorrer, o mesmo trabalho para realizar; Deus não concede um quinhão nem maior nem mais fácil a umas que a outras, porque todas são suas filhas e, sendo justo, não tem preferência por nenhuma. Ele lhes diz: “Eis a lei que deve ser a vossa regra de conduta; somente ela pode vos levar ao objetivo; tudo o que está de acordo com esta lei é o bem, tudo o que é contrário a ela é o mal. Sois livres para obedecê-la ou para infringi-la, e sereis, assim, os árbitros do vosso próprio destino.” Deus, portanto, não criou o mal; todas as suas leis são para o bem. Foi o homem, o próprio homem quem criou o mal, desrespeitando as leis de Deus, se ele as observasse escrupulosamente jamais se afastaria do bom caminho. 13. A alma, porém, nas primeiras fases de sua existência, assim como a criança, não tem experiência, razão por que está sujeita a cometer faltas. Deus não lhe dá a experiência, mas dá os meios de adquiri-la. Cada passo em falso no caminho do mal é para a alma um atraso, do qual ela sofre as consequências, aprendendo, à sua custa, o que deve evitar. É assim que, pouco a pouco, ela se desenvolve, se aperfeiçoa e avança na hierarquia espiritual, até que chegue ao estado de puro espírito ou de anjo. Os anjos são, portanto, as almas dos homens que chegaram ao grau de perfeição que a criatura comporta, e desfrutam da plenitude da felicidade prometida. Antes de atingirem o grau supremo, desfrutam de uma felicidade relativa ao seu adiantamento, mas essa felicidade não se encontra na ociosidade, ela está nas funções que Deus lhes confia e que elas ficam felizes em realizar, porque essas ocupações são um meio de progredirem. (Ver o cap. III, “O Céu.”) 14. A humanidade não está limitada à Terra; ela ocupa os inumeráveis mundos que circulam no Espaço; ocupou aqueles que desapareceram, e ocupará aqueles que se formarão. Deus criou por toda a eternidade e cria sem cessar. Portanto, muito tempo antes de a Terra existir, por mais antiga que a imaginemos, havia, em outros mundos, espíritos encarnados que percorreram as mesmas etapas que nós, espíritos de formação mais recente, percorremos neste momento, e que chegaram ao objetivo antes mesmo que tivéssemos saído das mãos do Criador. De toda a eternidade, portanto, existiram anjos ou puros espíritos; mas, com a sua existência humana perdendo-se no infinito do passado, para nós é como se eles sempre tivessem sido anjos. 15. Assim se acha realizada a grande lei da unidade da criação; Deus jamais foi inativo, sempre teve puros espíritos, experimentados e esclarecidos, para a transmissão de suas ordens e para a direção de todas as partes do Universo, desde o governo dos mundos até os mais pequenos detalhes. Não há, pois, necessidade de crer em seres privilegiados, isentos de encargos; todos, antigos e novos, conquistaram suas posições na luta e por seu próprio mérito; todos, enfi m, são os filhos das suas obras. Assim se realiza igualmente a soberana justiça de Deus. Livro O Céu e o Inferno. Abraço. Davi

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