sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

OS ANALECTOS - INTRODUÇÃO VII


Confucionismo. www.https//rt.br. OS ANALECTOS. Tradução do inglês de Caroline Chang. Tradução do chinês. Introdução e notas de D. C. Lau. INTRODUÇÃO VII. Pobre, mas alegre no Caminho; rico, porém observador dos ritos’” (I.15). Aqui o preceito citado por Tzu-kung trata da superação da pobreza e da riqueza como obstáculos para a realização moral. Confúcio (551 AC 479) examina o preceito sob esse aspecto e propõe uma versão aprimorada. Alguém disse: “Pague uma injúria com uma boa ação. O que você acha desse ditado?”. O Mestre disse: “Com o que, então, você paga uma boa ação? Deve-se pagar a injúria com a retidão, mas pagar com uma boa ação apenas uma boa ação”. (XIV.34) Aqui Confúcio critica o provérbio existente “Pague uma injúria com uma boa ação” por ela ser generosa demais, já que não deixa nada com o que se pagar uma boa ação. É suficiente, na visão de Confúcio, que não sejamos motivados pela vingança. O que Confúcio advoga é o caminho do meio entre vingança e generosidade excessiva. De exemplos como esses, em que Confúcio examina criticamente preceitos existentes, podemos inferir algumas coisas sobre sua opinião geral quanto ao problema das regras e dos princípios. Na época de Confúcio, se alguém devesse explicitar o problema, seria correto colocá-lo em termos de li (os ritos) e yi (retidão). Já abordamos a relação entre os dois no contexto da moralidade dos atos e dos agentes. Agora examinaremos mais detidamente essa relação. Os ritos são um código de regras de comportamento. Embora os ritos, por serem algo herdado da Antiguidade, carregassem grande autoridade, mesmo assim essa autoridade não pode garantir a correção deles. Se eles estão corretos ou não depende de estarem à altura das exigências do que é correto. Serem ou não corretos, por outro lado, é o critério pelo qual todos os atos têm, em última instância, de ser avaliados. Assim, há uma íntima relação entre li e yi. O exame crítico dos preceitos existentes é precisamente isso, sujeitar as regras à prova de se ele condiz ou não ao que é considerado correto. Mas por que uma regra que foi considerada correta no passado deveria ser submetida a novo e fresco escrutínio? A resposta é a seguinte: primeiro, uma regra, uma vez formulada em termos precisos, não pode se adaptar a circunstâncias cambiantes. O que foi correto em uma época anterior não necessariamente continua sendo correto em uma época subsequente. Essa consciência de que as regras têm de estar de acordo com o os tempos – que mudam – é claramente sentida por Confúcio. Ele disse: “Os Yin basearam-se nos ritos de Hsia. Pode-se saber o que foi acrescentado e o que foi omitido. Os Chou basearam-se nos os ritos de Yin. Podese saber o que foi acrescentado e o que foi omitido” (II.23). Aqui podemos ver que, embora os ritos de uma época posterior tenham tido como base aqueles de uma época anterior, por causa do passar do tempo novas regras tiveram de ser acrescidas, e outras, obsoletas, tiveram de ser suprimidas. Essa consciência de que aquilo que é apropriado muda com o tempo foi uma das características diferenciadoras do pensamento de Confúcio, tanto que Mêncio o descreve como “o sábio cujas ações eram apropriadas ao seu tempo” (Mencius, V.B.1). Em segundo lugar, podem surgir circunstâncias em que uma regra entre em conflito com outra. Tal conflito apenas pode ser solucionado lançando-se mão de princípios morais básicos. Em terceiro lugar, mesmo com uma regra que possa ser satisfatória em si, há ocasiões em que a observância dela entra em conflito com a ideia por trás da regra. Por todas essas razões, é preciso sempre estar alerta à possibilidade de que uma regra necessite reformulação a qualquer momento e em qualquer ocasião. Até agora, apenas observamos o problema do ponto de vista da subordinação da regra ao princípio. Igualmente, o princípio não pode existir sem regras que lhe deem expressão. Princípios morais precisam ser aplicados na prática, e qualquer ato que dê expressão a um princípio moral será, na verdade, um exemplo de uma ou outra regra. Isso é, conforme vimos, especialmente verdade nos casos em que o objetivo de um ato é mostrar certa atitude, por exemplo, respeito. Nenhuma ação é, inerentemente, um sinal de respeito. Uma ação pode apenas servir para demonstrar respeito dentro de uma certa convenção, e uma convenção apenas pode ser pronunciada, declarada, em uma regra. Dessa forma, enquanto uma regra pode continuar correta apenas sendo constantemente medida e avaliada mediante necessidades de princípios, um princípio não pode existir sem regras, no que diz respeito a ter expressão. Esse diálogo entre regra e princípio constitui a essência do sistema de pensamento moral de Confúcio. Nesse sentido, a abordagem de Confúcio pode ter algo a oferecer ao debate sobre se moral é algo objetivo ou uma convenção. O argumento funciona mais ou menos da seguinte forma. Se moralidade é uma convenção, não tem nenhuma objetividade. Apenas se podem julgar regras morais dentro das convenções de um dado sistema social do qual elas fazem parte. Não há como julgá-las misturando critérios de sistemas diferentes. Por outro lado, se a moralidade é algo objetivo, como ficamos sabendo que essa realidade objetiva nos coloca problemas epistemológicos? A abordagem de Confúcio parece oferecer uma saída. Todas as regras morais têm implícito algum princípio ou princípios. Uma regra pode, portanto, ser julgada por seu sucesso em realizar esses princípios. Em outras palavras, regras morais têm embutidos padrões pelos quais podem ser julgadas. Se deixam a desejar, isso aponta para o caminho do seu aprimoramento. Por outro lado, os princípios implícitos são ideais que se tornam mais claros para nós na medida em que são usados como padrões para criticar as regras. Adquirimos uma visão mais aprofundada sobre um princípio moral ao descobrir as inadequações das regras que lhe dão expressão. Além de refletir sobre questões morais do passado, pensar também é importante se conseguimos ver conexões entre fenômenos que à primeira vista parecem não ter relação. Vimos que isso é importante tanto na esfera da literatura quanto na esfera da moralidade. Na literatura, vimos que as Odes podem estimular a imaginação de modo que seja possível ver similaridades subjacentes entre fenômenos díspares. No campo da moralidade, é por meio do método shu que podemos esperar ser capazes de praticar a benevolência, e shu consiste em usar a nós mesmos como analogia para descobrir sobre as preferências e aversões de outros seres humanos. Confúcio não toleraria nenhum discípulo que, por não conseguir pensar, fosse incapaz de descobrir novas aplicações para princípios já conhecidos. Ele disse: “Se mostro um dos cantos de um quadrado para alguém e essa pessoa não consegue encontrar os outros três, não mostro uma segunda vez”. De fato, Confúcio acreditava tanto no valor do estudante que fizesse o máximo de esforço para pensar por si próprio que ele disse, na mesma ocasião: “Nunca explico nada para alguém que não esqueça do mundo ao tentar entender um problema ou que não entre em um frenesi ao tentar se expressar por palavras” (VII.8). Vimos que Confúcio elogiou Tzu-hsia como alguém com quem valia a pena discutir as Odes (III.8). Ao elogiar Tzukung de modo similar, ele acrescentou a seguinte observação: “Diga algo a este homem, e ele poderá ver sua relevância em relação ao que não foi dito” (I.15). Essa também é a característica essencial para um professor. “Merece ser um professor o homem que descobre o novo ao refrescar na sua mente aquilo que ele já conhece” (II.11). Inteligência é algo que Confúcio valorizava muito. O maior elogio feito por ele foi dirigido a Yen Hui, que não apenas era superior aos seus colegas discípulos em matéria de compreensão moral como também em inteligência. Quando Tzukung, que não era homem de pouca inteligência, observou “Como eu ousaria me comparar a Hui? Quando lhe é dita uma coisa, ele compreende cem coisas. Quando me é dita uma coisa, eu entendo apenas duas”, Confúcio consolou-o dizendo: “De fato, você não é tão bom quanto ele. Nenhum de nós dois é tão bom quanto ele” (V.9). Confúcio era um grande pensador, assim como um grande ser humano. Na condição de pensador, ele propunha um ideal para todos os homens. Este consistia na possibilidade de uma pessoa aperfeiçoar o próprio caráter. A realização desse ideal envolve não apenas ser benevolente com outros indivíduos, mas também trabalhar arduamente pelo bem-estar do povo. Por isso Confúcio não podia oferecer nenhuma esperança de recompensa, seja nesta vida ou na próxima. A recompensa reside no ato de fazer o que é bom, e isso constitui a alegria de perseguir o Caminho. Ele tinha grande respeito pela sabedoria do passado, mas não a aceitava sem fazer críticas. Para ele, o único modo de progredir é refletir sobre aquilo que nos foi entregue pelo passado. Confúcio era tudo, menos dogmático: “recusava-se a fazer conjecturas ou a ser dogmático; recusava-se a ser inflexível ou egocêntrico” (IX.4). Ao descrever a si próprio, ele disse: “Não tenho preconceitos quanto ao que deve e ao que não deve ser feito” (XVIII.8). Não se pode negar que, ao longo dos séculos, o confucianismo incorporou muitos dogmas e desenvolveu tendências autoritárias, mas seria tão injusto acusar disso Confúcio quanto culpar Jesus pelos excessos da Igreja Católica ao longo da história. Confúcio era modesto quanto às suas próprias realizações. Ele disse: “Como posso me considerar um sábio ou um homem benevolente?” (VII.34). Apesar dessa modéstia, ele provavelmente realizou, em grande parte, o seu próprio ideal. De outra forma, seria impossível justificar a reverência e a afeição a ele demonstradas pelos discípulos, que eram muito diferentes em termos de talento e temperamento. Yen Hui, que era excepcional em matéria de moral e inteligência, disse-lhe certa vez, quando Confúcio achou que ele tinha sido morto em uma emboscada: “Enquanto o senhor, Mestre, estiver vivo, como eu ousaria morrer?” (XI.23). Ele descreveu o ideal do Mestre e seu método de ensino da seguinte maneira: Quanto mais o observo, mais alto ele parece. Quanto mais o pressiono, mais duro ele se torna. Vejo-o à minha frente. De repente, está atrás de mim. O Mestre é bom em conduzir alguém passo a passo. Ele me estimula com a literatura e me traz de volta às coisas essenciais por meio dos ritos. Eu não conseguiria desistir nem que quisesse, mas, uma vez que dei o melhor que pude, ele parece levantar-se acima de mim e não consigo segui-lo, por mais que eu queira. (IX.11) Tzu-kung, o homem do mundo que teve uma carreira bem-sucedidda tanto como diplomata quanto mercador, fez o seguinte comentário quando alguém criticou Confúcio: Não é possível difamar Chung-ni. Em outros casos, homens de excelência são como montanhas que uma pessoa pode escalar. Chung-ni é como o sol e a lua, que ninguém escala. Mesmo que alguém quisesse escapar do sol e da lua, como isso deporia contra eles? Isso somente serviria para mostrar mais claramente que esse alguém não teve consciência do seu próprio tamanho. (XIX.24) Mais adiante ele disse: O Mestre não pode ser igualado, assim como o céu não pode ser medido. (...) Em vida, ele é glorificado e, na morte, será pranteado. Como pode ele ser igualado? (XIX.25) Tseng Tzu, o discípulo que levava sua responsabilidade moral tão seriamente (VIII.7), disse, de acordo com Mencius, o seguinte sobre Confúcio: Banhado pelo Rio e por Han, alvejado pelo sol de outono, tão imaculado era ele que seu testemunho não pode ser ultrapassado. (III.1.4) Mêncio (372 AC 289) deu eco a esse sentimento quando disse: Desde que o ser humano veio para este planeta, nunca houve um maior do que Confúcio. (II.A.2) De sua parte, Confúcio nunca se disse superior em inteligência ou em qualidades morais. Ele disse: “Não nasci com conhecimento, mas, por gostar do que é antigo, apressei-me em buscá-lo” (VII.20), e “Em um vilarejo de dez casas, sempre haverá aqueles que são meus iguais quanto a fazer o melhor que podem pelos outros e quanto a ser fiéis às próprias palavras, mas dificilmente terão tanta vontade de aprender quanto eu tenho” (V.28). Em ambos os dizeres, tudo o que ele proclamava era sua sede de aprender. Esta era igualada apenas por sua sede de ensinar. Ele disse: “Silenciosamente depositar conhecimento na minha mente, aprender sem perder a curiosidade, ensinar sem cansar: isso não me apresenta dificuldade alguma” (VII.2). Novamente, ao negar que fosse um sábio, ele disse: “Talvez possa ser dito sobre mim que aprendo sem esmorecer e que ensino sem me cansar” (VII.34). Como professor, ele era capaz tanto de criticar seus discípulos com firmeza quanto de provocá-los de forma bemhumorada. Quando Tsai Yü tirou um cochilo durante o dia, Confúcio disse: “Um pedaço de madeira podre não pode ser esculpido, tampouco pode uma parede de esterco seco ser aplainada” (V.10). De novo, quando o mesmo discípulo duvidou da sabedoria do período de luto de três anos, Confúcio disse: “Quão insensível é Yü. (...) Os pais de Yü não lhe deram três anos de amor?” (XVII.21) Na ocasião em que Confúcio foi até Wu Ch’eng e encontrou Tzu-y u ensinando música às pessoas, ele brincou com o discípulo ao dizer: “Para que usar um cutelo de boi para matar uma galinha?” Quando Tzu-y u levou isso a sério e começou a defender suas próprias ações, Confúcio admitiu que estava apenas brincando (XVII.4). A impressão predominante que fica de Confúcio, ao se ler Os analectos, é a de um homem cuja vida era cheia de alegrias. Quando o prefeito de She perguntou a Tzu-lu que tipo de homem Confúcio era, Tzu-lu não respondeu. O comentário de Confúcio foi: Por que você não falou simplesmente o seguinte: ele é o tipo de homem que esquece de comer quando está distraído com um problema, que é tão alegre que esquece suas preocupações e que não percebe a aproximação da velhice? (VII.19) Ele descreve essa alegria em termos mais concretos quando diz: Ao comer arroz comum e ao beber água, ao utilizar o próprio cotovelo como apoio, a alegria será encontrada. Riqueza e status conquistados por meios imorais têm tanto a ver comigo quanto as nuvens que passam. (VII.16) Não há dúvida de que parte dessa alegria vinha da busca do Caminho. Confúcio disse: “aos setenta, segui o meu coração, sem passar dos limites” (II.4). É compreensível que ele tenha ficado alegre quando, após toda uma vida de cultivação moral, ele descobriu que aquilo que ele desejava naturalmente coincidia com aquilo que era moral. Mas a alegria não era confinada ao lado moral da sua vida. Em uma ocasião em que ele estava com um grupo de discípulos, Confúcio pediu que dissessem o que gostariam de fazer. Quando terminaram, Confúcio demonstrou que sua simpatia estava com Tseng Hsi, que dissera: No final da primavera, uma vez confeccionadas as roupas da estação, eu gostaria de, junto com cinco ou seis adultos ou sete meninos, ir tomar banho no rio Yi e aproveitar a brisa no Altar da Chuva e então voltar para casa entoando poesias. (XI.26) Eis aqui um homem que, de fato, apreciava as alegrias da vida. Qualquer um que tenha lido os dizeres de Confúcio atentamente e sem preconceitos com certeza achará difícil reconhecer o incorrigível conservador e arque-vilão no qual às vezes ele é transformado. Confúcio é, talvez, uma nova instância do profeta-modelo. www.https//rt.br. OS ANALECTOS. Abraço. Davi.

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