quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

I. A REENCARNAÇÃO SEGUNDO ORÍGENES DE ALEXANDRIA NO CRISTIANISMO PRIMITIVO


Cristianismo Primitivo. www.ricardolindemann@uol.com.br. Texto de Ricardo Lindemann. Mestre em Filosofia pela Universidade de Brasília (UnB) Brasil, aluno cursando o Doutorado em Ciência da Religião na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Engenheiro Civil (UFRGS). Atua em Projetos de Pesquisa de História da Filosofia da Religião no Grupo de Filosofia da Religião da UnB, e de As Tradições Soteriológicas dos Upanishads do Núcleo de Estudos em Religiões e Filosofias da Índia da UFJF. www.ricardolindemann@uol.com.br. I. A REENCARNAÇÃO SEGUNDO ORÍGENES DE ALEXANDRIA NO CRISTIANISMO PRIMITIVO. RESUMO. Este trabalho tem como objetivo investigar, a partir da obra Peri Archon (De Principiis) de Orígenes de Alexandria, a presença da doutrina da Reencarnação no Cristianismo Primitivo. Deve ficar claro que nem todos os cristãos seguiam as doutrinas da Preexistência da alma, sua possível Transmigração, até a Salvação Universal no juízo final que eram sustentadas pelo Padre Orígenes de Alexandria (185-253), mas sim que seus inúmeros seguidores tiveram a liberdade de sustentar por três séculos uma linhagem dentro do cristianismo, o origenismo, que era oficialmente aceitável até 553 DC. Essa foi a data da condenação dessas doutrinas de Orígenes no Concílio Constantinopla II, convocado arbitrariamente pelo Imperador Justiniano I (482-562), que destituiu e exilou o Papa Silvério (480-537), morto nesse exílio “poucos meses depois de subnutrição”. O Papa Virgílio (500-555), indicado pelo Imperador, nem compareceu ao Concílio. PALAVRA CHAVE: METEMPSICOSE. CRISTIANISMO PRIMITIVO. ORÍGENES. REENCARNAÇÃO. INTRODUÇÃO. ESTE TRABALHO TEM A INTENÇÃO de evidenciar que a doutrina da Reencarnação podia ser encontrada no Cristianismo Primitivo no Século III. Perdurando em seu livro Peri Archon (De Principiis), que foi sistematicamente perseguido e destruído pelo Imperador Justiniano, mas teve uma versão reconstituída por Paul Koetschau (1868-1949), com base principalmente na própria correspondência do Imperador e na ata do Concílio Constantinopla II em 553, que condenou o livro. ORÍGENES E SUA DOUTRINA DE NÍVEIS DE INTERPRETAÇÃO DA ESCRITURA SAGRADA: O PADRE ORÍGENES de Alexandria (185-253) no Egito, foi Diretor da Escola Catequética de Alexandria, um dos primeiros exegetas sistemáticos e um dos maiores expoentes da interpretação alegórica das Escrituras Sagradas, e afirma que estas tinham três níveis de significação semelhantes à constituição humana: corpo, alma e espírito. O primeiro seria o nível literal e histórico, suficiente para pessoas simples, o segundo intelectual, alegórico e de sentido moral, e o terceiro era o “sentido místico, acessível somente às almas mais profundas”, que corresponde a gnose cristã ou conhecimento esotérico como Jaeger o denomina. Um exemplo prático de sua interpretação alegórica é o de não fixar literalmente os sete dias da criação do Gênesis em períodos de 24 horas, como afirma Orígenes: “Que pessoa inteligente acreditaria que um primeiro, um segundo e um terceiro dia, tarde e manhã aconteceram sem Sol, Lua e estrelas? E que o primeiro dia, se podemos assim chama-lo, foi até mesmo sem um céu”? Porém, se tal linha de interpretação tivesse progredido e sido mais amplamente aceita pela Igreja, de modo que os dias da criação pudessem ter sido interpretados alegoricamente como um processo de eras de milhões de anos, não teria feito posteriormente enorme diferença na polêmica relação da Igreja com a teoria da evolução de Charles Darwin (1809-1882) no século XIX? Jaeger também afirma que “Clemente de Alexandria (150-215) e Orígenes se tornaram os fundadores da filosofia cristã”. Butterworth cita São Jerônimo (347-420) que vai mais longe afirmando que Orígenes seria “o maior instrutor da Igreja depois dos apóstolos”. Jaeger também considera grande influência do platonismo, e talvez também estoica, sobre Orígenes, convergindo na ideia do retorno ou que o fim deve ser igual ao princípio chamada APOCATÁSTASE, como uma Salvação Universal em que “Deus seja tudo em todos” – II Coríntios 15,28. Jaeger ainda considera que Orígenes morreu como mártir justamente porque pensava de modo muito avançado para sua época ou que “não era ainda chegado o tempo propício às suas ideias”. APOCATÁSTASE OU SALVAÇÃO UNIVERSAL. A SUA DOUTRINA DA APOCATÁSTASE, por exemplo, implicando na Salvação Universal, gerou muita polêmica, como comenta Butterworth, quando Orígenes “foi lançado pela lógica de seu pensamento a afirmar (...) a possibilidade teórica da salvação do diabo, pois (...) quando Deus for “tudo em todos”, não haverá lugar para um diabo como tal”. Mas poucos parecem preocupar-se com a flagrante contradição da possibilidade oposta do Deus cristão, caracterizado na Escritura Sagrada com essencialmente amoroso e misericordioso, pois o Princípio do Amor e do Perdão é provavelmente um dos mais característicos do Cristianismo. Ficar assistindo impassivelmente a grande parte de seus próprios filhos sendo torturados nos fogos do inferno por toda a eternidade. Afinal, não é um Princípio fundamental do Cristianismo afirmar que “Deus é amor”? I João 4,8-16. Não seria o inferno eterno a maior contradição do Cristianismo? O que se poderia então dizer de uma justiça divina (teodiceia) tão desproporcional, onde houvesse um Deus que cobrasse penalidades eternamente de seus próprios filhos por erros cometidos na finitude do tempo? Se a maior desproporção matemática possível surge da comparação do infinito com o finito, poderia haver maior injustiça do que essa? Não seria mais próprio de um Pai amoroso, misericordioso e justo que, após a expiação das respectivas faltas houvesse uma Salvação Universal, ou seja, para todos os seus filhos, como sustenta Orígenes, fundamentando-se nas Escrituras Sagradas? Para sustentar tal posição Orígenes necessitou reinterpretar o temido “fogo eterno” do inferno como sendo uma punição de “uma consciência ardente e picada pelos espinhos do remorso”. Pois ele afirma que “encontramos no profeta Isaías que o fogo pelo qual cada homem é punido é descrito como pertencente a si mesmo. Pois ele diz “andai ente as labaredas do vosso fogo e entre as chamas que acendestes para vós mesmos” Isaías 50,11 “Eis que todos vos que acendeis fogo, e vos cingis com faíscas, andai entre as labaredas do fogo e entre as faíscas que acendestes”. Mas ao trazê-lo por meio de sua interpretação alegórica para a consciência, ele relativiza a duração do fogo, assim como comenta Jaeger sobre Gregório de Nissa (335-394), que “aceita o mito de Platão e o dogma cristão do castigo na outra vida. Mas não aceita a ideia cristão de um castigo eterno depois da morte (...)”. Todo o mal é para ele essencialmente uma privação do bem. A ideia da restauração final ou APOCATÁSTASE vem-lhe, juntamente com outros elementos do seu platonismo, de Orígenes (...), pois como comenta Butterworth, para Orígenes “a punição, também, tem de ser para disciplinar e para remediar o caráter, e não meramente para infligir dor, o que seria indigno de Deus. PREEXISTÊNCIA E TRANSMIGRAÇÃO DAS ALMAS: BUTTERWORTH COMENTA, considerando que as escrituras sagradas falam que se chegaria um tempo em que Deus será “tudo em todos”, que então “Orígenes foi levado a crer que um dia o amor de Deus provaria ser mais forte que a liberdade humana e que todos os espíritos criados retornariam àquela unidade e perfeição que era sua no princípio”. Orígenes, contudo, deveria saber muito bem que esse dia ainda estaria muito distante, por isso, Buttenworth acrescenta que para Orígenes “enfrentar essa dificuldade ele assumiu uma sucessão de mundos” nos quais o processo de transmigração das almas poderia oferecer todo o tempo indispensável para que estas espirassem suas faltas até avançar para a perfeição última. Tudo parece, pois, indicar que Orígenes tentou conciliar o Cristianismo com o Platonismo, tornando-se assim, por hipótese uma espécie de elo perdido entre essas duas visões, inclusive por tentar especular sobre um dos pontos mais polêmicos para tal reconciliação que é a doutrina da METEMPSICOSE (33). Como particularmente considera Butterworth: “a preexistência e futura reencarnação (34) da alma humana foi uma doutrina recebida com muita oposição na Igreja devido à sua óbvia conexão com a especulação grega e oriental. Na verdade, há autores como Santos, que já parecem ter alguma dificuldade com a doutrina da preexistência da alma, que todos os autores aceitam como tendo sido sustentada por Orígenes, e apesar de tal doutrina aparecer claramente no livro da Sabedoria de Salomão (37), Bíblia Católica. Porque ela foi arbitrariamente condenada no Concílio Constantinopla II, e foram ironicamente os textos dos próprios acusadores de Orígenes (particularmente Justiniano e Jerônimo), que acabaram por os fragmentos que sobreviveram à perseguição sistemática (38) que foi decretada por Justiniano I. Afinal, o que se poderia esperar de um homem tão contrário ao livre pensamento que fechou por decreto em 529 até a Academia de Platão em Atenas? Orígenes argumenta em favor de sua doutrina da preexistência das almas como segue: “Pois Deus não faz acepção de pessoas, Atos 10,34, e entre todos estes seres que são de natureza única (pois todos os seres imortais são racionais) ele deve fazer alguns demônios, algumas almas e alguns anjos, mais propriamente está claro que Deus fez de um ser um demônio, de um ser uma alma e de um outro ser um anjo como um meio de punir cada um na proporção de seu pecado. Pois se não fosse assim, e as almas não tivessem preexistência, como encontraríamos bebês recém-nascidos cegos (41), quando eles não cometeram nenhum pecado, enquanto outros nascem sem defeito algum? Não parece ser esta uma doutrina lógica e justa que mereceria pelo menos algum espaço para investigação e reflexão, ao invés de ser arbitrariamente condenada no Concílio Constantinopla II, mesmo com o Papa Vigílio ausente (43), em 553 DC? REFERÊNCIAS CITADAS: (33). É no mínimo curioso que o Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs, publicado por Vozes e Paulus, traduzido do original italiano, não apresentar nenhum verbete sobre metempsicose, transmigração, reencarnação ou qualquer de seus sinônimos em suas 1483 páginas. (34). Apesar de haver várias passagens na Bíblia Sagrada relacionadas à reencarnação, principalmente relacionadas à tão importante profecia do retorno do Profeta Elias (no corpo de João Batista) para preparar a vinda do Messias, que caracteriza essencial ligação do Velho com o Novo Testamento. Como o Cristo disse: “Porque todos os profetas bem como a lei profetizaram até João. E, se quiserdes dar crédito, ele é o Elias que havia de vir. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça”, Mateus 11,13-15. (37). “Eu era uma criança de boas qualidades, com alma boa. Ou melhor, porque eu era bom, vim a um corpo sem mancha”, Sabedoria 8,19-20. (38). Conforme comenta Henri de Lubac do ocorrido com a obra de Orígenes, após o Concílio Constantinopla II: “Seguiu-se a destruição física dos escritos. Começou no fim do século IV; mas neste tempo (depois de 553 DC) foi conduzida sistematicamente. (...). Não há meios de medir tal perda. Epifânio e Justiniano serviram bem aos inimigos da civilização cristã”. (41). Provável alusão a pergunta dos discípulos a Cristo: “Rabi, quem foi que pecou para ele nascer cego? Foi ele, ou foram seus pais? João 9,2. (43). O Papa Vigílio (500-555) foi indicado pelo Imperador Justiniano depois que Justiniano depusera e exilara o anterior, o Papa Silvério (480-537), que assim morreu “poucos meses depois de subnutrição”. Vigílio nem compareceu ao Concílio que começou em 05 de maio de 553, inicialmente alegando estar doente. “Apesar do convite do Imperador e dos Bispos, Virgílio não compareceu ao Concílio”. Os anátemas contra Orígenes foram publicados em 14 de junho de 553. Justiniano anuncia publicamente o perjúrio de Virgílio em 14 de julho de 553. Uma vez que o Concílio completou seus trabalhos, Justiniano enviou as atas a todos os bispos para que as assinassem. “Justiniano concordou que Vigílio retornasse à Roma, desde que reconhecesse o Concílio. Vigílio resistiu por seis meses. Em fevereiro de 554, declarando que teria sido enganado por seus conselheiros, Vigílio capitulou. Em seu Constitutum II, reverteu sua posição anterior e aceitou a Sentença e os anátemas do Concílio (...)”. www.ricardolindemann@uol.com.br. Abraço. Davi  

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