quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

II. A REENCARNAÇÃO SEGUNDO ORÍGENES DE ALEXANDRIA NO CRISTIANISMO PRIMITIVO


Cristianismo Primitivo. Texto de Ricardo Lindemann. www.ricardolindemann@uol.com.br. Mestre em Filosofia pela Universidade de Brasília (UnB) Brasil, aluno cursando o Doutorado em Ciência da Religião na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Engenheiro Civil (UFRGS). Atua em Projetos de Pesquisa de História da Filosofia da Religião no Grupo de Filosofia da Religião da UnB, e de As Tradições Soteriológicas dos Upanishads do Núcleo de Estudos em Religiões e Filosofias da Índia da UFJF. II. A REENCARNAÇÃO SEGUNDO ORÍGENES DE ALEXANDRIA NO CRISTIANISMO PRIMITIVO. O FATO HISTÓRICO. A PERSEGUIÇÃO SISTEMÁTICA (44) do Imperador Justiniano I (482-565) à obra é a causa do problema maior para seu estudo: O fato de que foi perdido o original grego do livro Peri Archon em que há evidências do tratamento deste tema da QUEDA E TRANSMIGRAÇÃO das ALMAS até a APOCATÁSTASE, tendo sido apenas parcialmente reconstituído pelo magistral trabalho de Paul Koetschau a partir de diversas fontes e fragmentos, e que a controvertida tradução remanescente feita ao latim por Rufino de Aquileia (340-410), intitulada De Principiis, ser comprovadamente imprecisa por ter sido teologicamente censurada (46), ou seja, foi até intencionalmente alterada em alguns pontos por motivos religiosos, a fim de se contornar o problema das condenações da Igreja. Talvez a posição sensata tenha sido a de Butterworth, quando compara e sistematicamente em sua tradução as versões grega reconstituída e latina em toda sua extensão, de modo a possibilitar ao leitor à sua própria opinião, mas ponderando que: “Então, qualquer leitor de Primeiros Princípios (De Principiis), se tomar em consideração, como deve fazer, a irrefutável evidência de São Jerônimo (347-420) e do Imperador Justiniano, será forçado a admitir que Orígenes pelo menos concedeu a possibilidade da TRANSMIGRAÇÃO. Isto para pôr o caso pelo seu mínimo”. Nesta direção, Butterworth ainda considera que se deve lembrar que Orígenes apresentava suas “opiniões não como dogmas estabelecidos, mas como especulações delineadas para responder a problemas do pensamento humano”, apoiando-se em declarações de Orígenes citadas por São Jerônimo. O FATO HISTÓRICO é que até a resolução do Concílio Constantinopla II em 553 DC, ainda havia espaço oficial no Cristianismo para a DOUTRINA DA REENCARNAÇÃO e que Orígenes ou seu grande número de seguidores (50) em seu nome sustentaram a TRANSMIGRAÇÃO das ALMAS pelo menos por três séculos ocupando tal espaço. Foi o Imperador Justiniano I (482-565) quem não mediu esforços e usou todos os meios, inclusive destituindo e exilando o Papa anterior, O Papa Silvério (480-537) que assim morreu de subnutrição, e nomeando seu sucessor. O Papa Vigílio que recusou a comparecer ao supramencionado Concílio, para condenar os três capítulos que acabaram por atingir a doutrina da PREEXISTÊNCIA DA ALMA de Orígenes, condição sine qua non para a TRANSMIGRAÇÃO DAS ALMAS, conforme considera Butterworth: “O fato de que havia muitos seguidores de Orígenes mesmo no século VI – foi a sua existência e influência que fez Justiniano tão ávido de assegurar a condenação de Orígenes – teria tornado necessário ser cauteloso. Havia abundante material para condenação, de acordo com as ideias de Justiniano, sem a necessidade de perverte-lo ou exagerá-lo. A supramencionada alegação das supostas interpolações heréticas que teriam sido feitas ainda em grego no texto do Peri Archon de Orígenes foi negada pelo próprio São Jerônimo, conforme comenta Butterworth: “Jeronimo nega a afirmação de que as obras de Orígenes tenham sidas corrompidas por heréticos: tanto Eusébio quanto Dídimo admitiram como certo que Orígenes sustentou os pontos de vista incriminados. Portanto, não há evidências de interposições de heréticos, senão muito pelo contrário o que de fato há são evidências de interpolações e omissões de Rufinus de aquileia (340-410) na sua tradução do Peri Archon para a versão latina ou De Principiis, a que Butterworth escolhe como exemplo a contradição entre o texto da obra Defesa de Orígenes, escrito por Pânfilo de Cesareia (240-309) e Eusébio de Cesareia (263-339). Onde Pânfilo cita em grego passagens do Peri Archon que foram deliberadamente omitidas por Rufinus na sua tradução para o latim do De Principiis. Butter Worth comenta que tal ponto “enfraquece consideravelmente a alegação de Rufinus de que o texto de Orígenes teria sido corrompido por heréticos; se alguma coisa sofreu alteração foi a teologoa autorizada pela Igreja. Conforme Butterworth também comenta, Rufinus não podia acreditar que o texto grego do Peri Archon fosse autêntico, pois seria impossível que um erudito como Orígenes pudesse divergir da teologia aceita no século IV, de modo que se autorizou subjetivamente a corrigir o texto onde ele acreditava que os heréticos haviam introduzido interpolações, “sem qualquer dúvida em total honestidade”, como justifica a si mesmo no texto de sua autoria A Corrupção das Obras de Orígenes, o qual anexou a sua tradução para o latim do De Principiis de Orígenes. TRÊS DOUTRINAS INTERDEPENTES. EM RESUMO, TUDO PARECE indicar que pelo menos três das criativas doutrinas de Orígenes são interdependentes, a saber a PREEXISTÊNCIA DA ALMA e sua eventual queda da condição angelical original, a sua TRANSMIGRAÇÃO que possibilita a expiação ou purificação progressiva, e finalmente o retorno à condição primordial chamada APOCATÁSTASE ou SALVAÇÃO UNIVERSAL. O fato é que entre os autores e Dicionários citados há consenso somente quanto a PREEXISTÊNCIA e APOCATÁSTASE, não havendo consenso quanto a TRANSMIGRAÇÃO. Poder-se-ia ver, mas para tanto se necessitaria muito mais espaço do este trabalho se propõe, que aceitar a PREEXISTÊNCIA da ALMA e a APOCATÁSTASE, sem aceitar a TRANSMIGRAÇÃO enquanto necessário processo intermediário. Criaria uma inconsistência lógica, porém Reale e Antiseri resumem magistralmente o essencial de Origens sobre a TRANSMIGRAÇÃO DA ALMA, como segue: Tal visão relaciona-se estreitamente com a concepção origeniana segundo a qual, no fim, todos os espíritos se purificarão, resgatando suas culpas, mas para se purificarem inteiramente é necessário que sofram longa, gradual e progressiva expiação e correção, passando, portanto, por muitas reencarnações em mundos sucessivos”. Tudo, parece, pois indicar que a doutrina da TRANSMIGRAÇÃO DAS ALMAS sustentada por Orígenes é algo distinta da doutrina pitagórica particularmente na ideia dos mundo sucessivos, mencionada acima por Reale e Antiseri. Pois quando argumenta em seu Comentário Sobre Mateus contrariamente à doutrina pitagórica parece mais preocupado em evitar argumentos contrários à sua doutrina da APOCATÁSTASE, mas que ele parece melhor conciliar com a TRANSMIGRAÇÃO em mundos sucessivos levando à APOCATÁSTASE no De Principiis, publicado aproximadamente “entre 219 e 230 DC. Quando ele ainda era mais jovem e talvez mais ousado como também argumenta Butterworth: É possível que a opinião de Orígenes tenha mudado ao longo dos anos intermediários. Ou ele pode ter sentido que mais cautela fosse necessária num comentário que circularia amplamente entre todas as classes de cristãos, do que num tratado (De Principiis) que refletia na maior parte as discussões entre ele e seus alunos na Escola Catequética. Assim Butterworth estaria justificando por que as alusões de Orígenes favoráveis à TRANSMIGRAÇÃO encontram-se no De Principiis. É sempre importante ter também em mente que a maioria das Homilias e Comentários remanescentes de Orígenes chegou a nossa época por meio das duvidosas traduções de Rufinus. Além disso, quando Butterworth considera que “de um caráter diferente são os oito livros de Contra Celso, obra publicada aproximadamente em 248 DC, quando Orígenes já tinha 63 anos. Tais possibilidades acima sugeridas por Butterworth parecem também aplicáveis à uma rápida passagem de Contra Celso onde Orígenes critica a fundamentação da METEMPSICOSE na dieta pitagórica e parece não asseverar “qualquer queda da alma ao nível de criaturas irracionais. Concordando mais nesse ponto com a teosofia neoplatônica de Jâmblico (245-325) e Proclo (412-485), pois naquela idade ele já havia sido condenado pelo menos duas vezes. Parece, pois, muito plausível a hipótese acima sugerida por Butterworth de que Orígenes, que, como foi visto acima, sustentava os distintos níveis históricos, alegóricos e esotéricos para a interpretação da Escritura Sagrada, tenha adotado um certo tipo de ensinamento interno para seus discípulos intencionalmente distinto do que ele divulgava ao público. Como Butterworth sugere acima particularmente em relação ao caso do Peri Archon ou De Principiis de Orígenes para seus discípulos da Escola Catequética de Alexandria. O que também era próprio de uma época em que o exercício da liberdade de pensamento podia acabar em martírio, como aliás foi o seu caso. Dessa forma, poderia se explicar a natureza declaradamente velada de sua linguagem quando no Contra Celso parece declarar-se contrário à METEMPSICOSE. Mas simultaneamente vela a sua opinião a respeito afirmando que “não devemos expor aos ouvidos profanos a doutrina sobre a entrada das ALMAS NO CORPO, citando inclusive a Escritura: “É bom manter oculto o segredo do rei”, Tobias 12,7; e também que “não se deve dar aos cães o que é santo, nem pérolas aos porcos”, Mateus 7,6. Concluindo o mesmo parágrafo com a utilidade da divisão dos níveis de interpretação da Escritura Sagrada, e, nesse caso, da linguagem histórica ou nível literal da Escritura para encobrir intencionalmente um significado mais interno: “Basta haver exposto, em forma história, o que, ao estilo de história, foi ocultamente dito, para que aqueles que sejam capazes elaborem para si mesmos o que o tema encerra”. REFERÊNCIAS: (44). Conforme considera Roque Frangiotti no prefácio da obra Contra Celso: “Orígenes permanece, sem dúvida, o gênio maior que a Igreja cristã de língua grega produziu (...). Por causa de sua exegese alegórica e pela influência da filosofia platônica, sua ortodoxia foi questionada e pelos anos 400, as disputas se acirraram violentamente. As discussões e os ataques se acalmaram só a partir do edito do Imperador Justiniano I, de 543, e do II Concílio de Constantinopla, em 553, que condenou nove proposições de Orígenes, o que provocou o desaparecimento sistemático de sua imensa obra (...) 2 mil “livros”, conforme informa Jerônimo”. (46). Bettenson chega a se referir sobre tais traduções como “as livres, e com frequência teologicamente censuradas, versões de Rufinus de Aquilea. Butterworth dedica várias páginas para analisar a censura teológica de Rufinus: “Somente em poucos casos nós possuímos o (original) grego que nos capacita a checa-lo (checar a tradução de Rufinus), e quando podemos fazê-lo o resultado não é satisfatório. Butterworth também cita São Jeronimo clamando a Rufinus: “Quem te deu licença, clama Jeronimo, para omitir tanto em tua tradução”? (50). Deve ficar claro que nem todos os cristãos seguiam as doutrinas da PREEXISTÊNCIA DA ALMA, sua possível TRANSMIGRAÇÃO até a SALVAÇÃO UNIVERSAL – APOCATÁSTASE – no juízo final que eram sustentadas pelo padre Orígenes de Alexandria (185-253). Mas sim que seus inúmeros seguidores tiveram a liberdade de sustentar por três séculos uma linhagem dentro do cristianismo, o origenismo. Esse foi oficialmente aceitável até 553, data da condenação dessas doutrinas de Orígenes no Concílio Constantinopla II, convocado arbitrariamente pelo Imperador Justiniano I, que destituiu e exilou o Papa Silvério, morto nesse exílio “poucos meses depois de subnutrição”. Esse tornou-se um dos casos mais controversos e polêmicos de cesaropapismo, ou seja, de interferência do Estado na história da Igreja. O Papa Vigilio, indicado pelo Imperador, nem compareceu ao referido Concílio, inicialmente alegando estar doente. Mesmo na insistência do Imperador e dos Bispos, Vigilio não compareceu ao Concílio. www.ricardo lindemann.@uol.com.br. Abraço. Davi

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