Judaísmo. www.morasha.com.br. A POLÔNIA - DA FUNDAÇÃO À PARTILHA. Até a Shoá, a maioria
dos judeus do mundo podia associar sua origem a essa região. Durante séculos
foi um importante centro religioso, o berço do Chassidismo e da cultura judaica
iídiche. No início do século 15, era, para os judeus, o país mais seguro da
Europa, e acabou abrigando a maior e mais importante comunidade judaica no
mundo. Desde a fundação de um Estado polonês na Europa Central e do
Leste, no século 10, e sua partilha entre o Império Russo, o Alemão, e a
Áustria, em fins do século 18, suas fronteiras mudaram consideravelmente.
Através de conquistas e alianças, a “Polônia da Coroa”1(Korona),
coração do antigo Estado medieval, expandiu seus territórios de um núcleo entre
os rios Odra e Vístula, até o Báltico, o Dnieper, o Mar Negro e os Cárpatos. Em
1386, a Polônia e o Grão-Ducado da Lituânia se unem e, em 1569, é assinada a
União de Lublin, que acabaria por formar a Comunidade Polaco-Lituana ou das
Duas Nações. No início do século 17, esta nação era uma potência internacional,
o maior país da Europa, incluindo toda a Polônia pós-1991, Lituânia,
Bielorrússia e Letônia, bem como a maior parte da Ucrânia e Estônia. Mas, entre
1772 e 1795, enfraquecida, a Comunidade Polaco-Lituana viu todo o seu
território ser partilhado entre as nações vizinhas. A Polônia deixa de existir
como nação soberana para apenas ressurgir como estado independente – a chamada
Segunda República Polonesa, em 1918. No decorrer deste artigo, o termo “judeus
poloneses” referir-se-á à população judaica que, num determinado momento da
História da nação polonesa, vivia dentro das fronteiras do então Estado e sob
sua jurisdição. A história dos judeus a partir da criação da Segunda República,
em 1918, constitui um capítulo à parte, mais penoso para vida judaica polonesa,
e não será tratado nesta matéria. Desde a fundação do Reino da Polônia, em
1025, até os primeiros anos do estabelecimento da união dinástica, no final do
século 14, os governantes poloneses eram conhecidos por sua tolerância
religiosa. Chamado de o “paraíso dos judeus”, o Estado polonês tornou-se abrigo
para judeus expulsos de outros locais. No final do século 17, a comunidade
polonesa era a maior, em termos numéricos, dentre qualquer outro centro
populacional judaico. Demodo geral, os judeus prosperaram em terras polonesas.
Gozavam de ampla autonomia e criaram instituições de governança comunitária,
bem como religiosas e educacionais. Desfrutavam de uma rica vida religiosa,
tendo lá surgido líderes espirituais de renome, e construíram lindas sinagogas.
Criaram seus próprios padrões culturais, daí nascendo um jargão
judaico-polonês, o iídiche. Gavriel ben Yehoshua Schossburg, cronista judeu
daquele século, caracterizou a comunidade, em tempos medievais, como “um
deleite para todas as terras no Exílio por sua fidelidade à Torá, sua honra e
grandeza” (Petach
Teshuvá, 1651 4a). A
fundação da nação polonesa. Acredita-se que tribos
eslavo-ocidentais tenham chegado à região que hoje constitui a Polônia nos
séculos 6 e 7 e que, em meados do século 10, os Polânios ocupassem as terras
entre os rios Odra e Vístula. De acordo com a tradição, Piast, o “Forja Rodas” (Piast
Kołodziej) uniu diferentes grupos de Polânios formando uma unidade
denominada Polska. Piast, que surgiu em torno do ano
940 em Giecz, fundou a dinastia dos Piastos, que reinaria até o século 14. A
maioria dos historiadores data o estabelecimento do Estado polonês somente duas
décadas mais tarde, em 966, quando o duque Miecislau I se converte ao
catolicismo, adotando-o como a religião oficial do Estado. Enquanto a Rússia
gravitava em torno do Império Bizantino, a Polônia se voltava para o Ocidente e
para Roma. Miecislau I estabelece sua capital em Gniezno, unificando sob seu
domínio os territórios da Grande Polônia2,
possivelmente incluindo a Mazóvia3.
Ao falecer, em 992, as fronteiras do ducado se estendiam por uma área
semelhante à atual República da Polônia. Após a cristianização, as já
existentes ligações comerciais com o Sacro Império Romano-Germânico se
estreitam, dando origem a um aumento no número de mercadores alemães, tanto
cristãos quanto judeus, que se aventuravam em terras polonesas. O sucessor de
Miecislau, o duque Boleslau IChrobry, o Grande, continuou a expansão
territorial e, no ano 1000, a Polônia é reconhecida como Estado pelo Sacro Império
Romano-Germânico (Império Germânico) e por Roma. Com a coroação de Boleslau I
pouco antes de sua morte, seu ducado torna-se um reino: a Grande Polônia (Wielkopolska).
Os limites do reino aumentaram no início do século 12, quando Bolesłau III
subjuga a Pomerânia Ocidental e a região de Gdansk. Porém, em 1138, ele comete
um erro que levaria à fragmentação do Estado polonês por quase 150 anos. Em seu
testamento, dividiu seus domínios entregando-os aos filhos. O resultado foi o
surgimento de vários principados feudais rivais. O nascimento da comunidade judaica. Contamos
apenas com lendas acerca da presença dos judeus na região antes desta se tornar
cristã. Acredita-se que já no século 9 mercadores judeus que viviam nas
províncias do Império Germânico comercializassem nas terras às margens dos rios
Varta e Vístula. Sabe-se que alguns se instalaram na Grande Polônia no reinado
de Boleslau I, no final do século 10, sendo muito bem recebidos pelo Rei. As
primeiras referências documentais sobre a presença judaica foram encontradas
numa responsa da
primeira metade do século 11, onde há menção a uma decisão da corte rabínica de
Cracóvia. No entanto, essa imigração dificilmente teria tido a dimensão que
teve não fossem as nefastas circunstâncias que forçaram um grande número de
judeus a buscar refúgio na Polônia.A Primeira Cruzada, em 1096, foi o primeiro
catalizador. Em seu “caminho” à Terra Santa os cruzados matavam ou convertiam à
força as populações judaicas. Os massacres, que se iniciaram em Rouen, na
França, espalharam-se para cidades do Reno chegando a Praga. Os judeus da
Boêmia decidiram fugir para a Polônia, apesar da decisão do príncipe de
confiscar as propriedades dos que partiam. Tornou-se constante o fluxo de
judeus das províncias do Reno e Danúbio para as terras polonesas. O número
cresceu em consequência das Cruzadas de 1146-1147 e de 1196, e da
intensificação das perseguições contra a população judaica, no Império
Germânico, durante os séculos 12 e 13. Vendo que o poder real era incapaz de
defendê-los contra a fúria da multidão cristã fanática ou dos degradantes
cânones da Igreja Católica, grandes levas de judeus alemães buscam refúgio nos
domínios poloneses. Desde o início do século 12 – durante o reinado de Boleslau
III, havia judeus espalhados pela Polônia, onde desfrutavam de considerável paz
e liberdade. A cultura medieval cristã, imbuída de grande intolerância
religiosa, ainda não fincara raízes entre a população eslava. Mas, mesmo após
se estabelecer em terras polonesas, os judeus continuaram a manter um estreito
relacionamento comercial e fortes laços comunitários, espirituais e
intelectuais com o Império Germânico. De suas terras os judeus poloneses não
herdaram apenas o idioma, um dialeto alemão, que, como vimos, subsequentemente
se desenvolveu no jargão judaico-polonês, o iídiche, mas também sua tradição
religiosa e sua organização comunitária, incluindo a aceitação da autoridade
rabínica asquenazita alemã no país. Na segunda metade do século 12, após a
fragmentação do Reino polonês em vários principados feudais, cada governante
empenhara-se em atrair imigrantes judeus para seus domínios, outorgando-lhes
consideráveis privilégios e direitos. De modo geral, os governantes medievais
beneficiavam-se com a presença de uma ativa comunidade judaica, e isto era
particularmente verdadeiro na Polônia onde a economia ainda era agrícola e
primitiva. Os judeus, além de ter ampla experiência financeira, comercial e
administrativa, atuavam como pioneiros na economia, colocando seu próprio
capital em circulação. No fim do século 12 e início do 13, os judeus
administravam a Casa da Moeda da Grande e da Pequena Polônia4 e cunhavam moedas. Chegaram até os
dias atuais moedas nas quais os nomes dos príncipes foram cunhados em letras
hebraicas. Eram donos de terras e propriedades na Grande Polônia, na Cujávia
(Kuyavia) e na parte polonesa da Silésia. Havia comunidades organizadas em
Wrocław, Świdnica, Głogów, Lwówek, Płock, Kalisz, Szczecin, Gdańsk e Gniezno. Por
volta de 1200, a população judaica atinge um número crítico que tornaria sua
presença permanente, do ponto de vista demográfico, e, significativa, social e
culturalmente. Essa permanência envolvia aspectos legais e religiosos, exigindo
uma regulamentação tanto por parte das autoridades judaicas comunitárias quanto
das polonesas. Durante vários séculos a vida e status jurídico dos judeus foram
determinados por forças antagônicas. De um lado, a Coroa, os príncipes e a alta
nobreza que, julgando a presença dos judeus economicamente benéfica,
protegiam-nos. Do outro, a Igreja Católica, a pequena nobreza, as
municipalidades e os comerciantes e artesãos cristãos que os viam como “um
grande perigo” a ser afastado. A Igreja queria vê-los reduzidos a párias. O 4º
Concílio de Latrão (1216) promulgara decretos permeados de ódio contra eles. O
judeu era visto como causador de “grande dano” à fé, devendo, portanto, viver
segregado. E, como a conversão polonesa ao catolicismo era algo relativamente
novo, enviados eclesiásticos eram despachados por Roma para se assegurar que os
estatutos canônicos fossem postos em prática. A pequena ou baixa nobreza,
comerciantes e artesãos cristãos, principalmente os de origem germânica,
nutriam um forte antagonismo econômico contra os judeus. Os direitos concedidos
pelos governantes haviam aberto a estes últimas novas oportunidades e, à medida
que os judeus expandiam suas atividades e prosperavam, a população cristã ia-se
ressentindo da competição e atiçava, ainda mais, o anti-judaísmo. Os
governantes, apesar da pressão para tomarem medidas contra os judeus, passaram
a promulgar uma série de decretos, Cartas de Privilégios, para protegê-los. Em
1173, Mechislav III, por exemplo, proibiu todo tipo de violência contra judeus
e, em particular, os ataques verbais e físicos efetuados por religiosos
eclesiásticos e monásticos. Em 1264, o grão-duque Boleslau de Kalisz, da Grande
Polônia, promulgou um estatuto definindo os direitos dos judeus em seus
domínios. O Estatuto de Kalisz, como é conhecido, garantia-lhes proteção e
autonomia legal. Entre outros, proibia impor impostos mais elevados do que o
cobrado aos cristãos, demolir cemitérios judaicos e atacar as sinagogas. Seria
punido o sequestro de crianças judias com o intuito de batizá-las. Proibia,
ainda, acusações de assassinato ritual, libelos de sangue, apontando que as
bulas papais já haviam declarado tais acusações sem fundamento. O estatuto foi
mal recebido pelas autoridades eclesiásticas. Em 1279, o Conselho de Buda
ratificou a determinação que proibia aos cristãos “sob pena de excomunhão”
socializar com judeus, e obrigava o uso do “símbolo judeu”, descrito como sendo
“um anel de tecido vermelho costurado na parte superior de suas vestimentas, no
lado esquerdo do peito”. Porém, até o catolicismo assumir o controle em terras
polonesas, a Igreja não tinha poderes de infligir sérios danos aos judeus. Além
disso, até o século 18, em virtude do grande número de religiões “dissidentes”
(inúmeras denominações protestantes e ortodoxas), os judeus e o judaísmo
recebiam menos “atenção” das autoridades eclesiásticas do que em outros locais
do Ocidente. A volta
da unidade política. No século 13, a Europa foi invadida pelos
mongóis. Na Polônia, os principados foram devastados pelos exércitos mongóis da
Horda Dourada, liderada por Batu-Khan, neto de Genghis Khan, em 1240, 1259 e
1287. Vencedores, os mongóis levaram consigo milhares de seus habitantes como
escravos, inclusive muitos judeus. Em 1319, o rei Ladislau I, da Grande
Polônia, inicia a reunificação do Estado polonês, alcançada por seu filho
Casimiro III, o “Grande”. Em seu reinado (1333-1370), Casimiro III duplicou o
território sob seu domínio e incorporou a Galícia, fundando várias cidades e
promovendo o desenvolvimento de sua capital, Cracóvia, localizada na Voivodina
(Pequena Polônia). Ele deu início a importantes reformas e promoveu a atividade
econômica. Querendo atrair a experiência financeira e comercial dos judeus,
Casimiro III incentiva a imigração judaica, principalmente do Império
Germânico. Sem ligações ou interesses políticos e nacionais, o Rei os
considerava mais leais que os cristãos. No segundo ano do seu reinado, Casimiro
III ratificou, ampliou e estendeu a todas as províncias do Reino o Estatuto de
Kalisz de 1264. Promulgou leis que iam contra a determinação de Igreja de
isolar a população judaica dos “fiéis”. Determinou que os judeus não estariam
sujeitos a tribunais municipais ou eclesiásticos, concedendo-lhes acesso jurídico
ao sistema da Corte. Eles passaram a ter direito de livre trânsito e residência
em todo o reino, podendo alugar ou hipotecar imóveis da nobreza, além de
conceder empréstimos. As inúmeras cartas de direitos outorgadas ao longo da
história da Polônia foram fundamentais para o florescimento de uma vida judaica
em uma sociedade na qual eles sempre foram vistos como estrangeiros. Os
direitos concedidos procuravam assegurar às comunidades judaicas autonomia
comunitária, segurança física e liberdade religiosa e econômica. Procuravam,
também, resolver os interesses conflitantes entre as comunidades judaicas e os
municípios, e entre comerciantes e artesãos cristãos e judeus, delineando os
limites da atividade econômica destes últimos. E assim, os judeus prosperaram,
chegando alguns a se tornar poderosos e politicamente influentes nas cortes. Porém,
a situação dos judeus foi sendo minada à medida que crescia a influência da
Igreja e das vizinhas populações católicas, que passaram a “exportar” seu ódio
ao judeu. Em 1347, o país é palco da primeira acusação de
assassinato ritual e, dois anos mais tarde, quando a Peste Negra que varreu
toda a Europa (1348-1349) se espalha pela Polônia, traz consigo a nova vertente
de anti-judaismo. Na época não se conheciam as causas da peste bubônica que
dizimou, entre um terço e metade da população da Europa. Acreditava-se que
fosse pestis
manufacta, uma doença provocada por uma substância indutora
secretamente produzida pelos inimigos do cristianismo. Os supostos culpados
eram os judeus, que teriam envenenado os poços, e a Europa foi tomada pela
maior onda de antissemitismo desde a 1a Cruzada.
Milhares de judeus foram assassinados e propriedades destruídas. Crônicas
polonesas da época relatam ataques contra os judeus em Kalisz, em 1349, outros
em Cracóvia, Głogów e em várias cidades polonesas situadas perto da fronteira
alemã. Porém, a Polônia não é mencionada nas crônicas judaicas que relataram as
perseguições da época; talvez porque a situação tenha sido relativamente “mais
tranquila” quando comparada com a destruição impiedosa sofrida por seus
correligionários na Europa Ocidental. O que se sabe é que grande número de
judeus alemães buscaram refúgio em território polonês. A situação da população
judaica piora no final do século 14 com a subida ao trono, em 1382, de Jadwiga
(Edwiges), bisneta de Ladislau I. Quatro anos mais tarde, ela se casa com o
Grão-duque Jogaila, da Lituânia. Essa união dinástica vai ser de extrema
importância na história da região, pois Edwiges condiciona o casamento à
conversão do noivo ao catolicismo, exigindo o mesmo de outros nobres lituanos.
Jogaila se converte, assumindo o nome de Wladyslaw Jagiello II, o primeiro da
dinastia dos Jagiello. Até então, os lituanos haviam resistido ferozmente às
tentativas de conversão ao catolicismo, mas como apenas os católicos podiam
fazer parte da cúpula governamental e militar, a maior parte da elite lituana
acaba se convertendo. Uma rainha dedicada ao fortalecimento do catolicismo e um
rei que se rendera à influência do clero católico eram claros sinais de que
haveria consequências para os judeus. Fortalecida, a Igreja consegue que fossem
adotados decretos anti-judaicos até então raramente postos em prática. Os
judeus passam a ser obrigados a viver em bairros separados e a usar uma marca
distintiva na roupa. Apesar de ainda usufruírem de extensa proteção das leis,
foi crescendo a influência da Igreja. Em 1407, em Cracóvia, instigados por
padres, os judeus são atacados, suas propriedades destruídas, crianças e
adultos batizados à força. Muitos morrem, outros tantos ficaram feridos. A
violência ocorrida em Cracóvia se repete em 1464. No entanto, apesar do
crescente anti-judaísmo que imperou durante a dinastia dos Jagiello, as terras
polonesas pareciam um “paraíso” quando comparadas com o crescente anti-judaísmo
e a violência sofrida pelos judeus em terras alemãs. Isso fez com que um número
cada vez maior deles procurasse refúgio na Polônia. No decorrer do século 15 e
início do 16, aprofundara-se o processo de “polonização” da região sob domínio
das duas Coroas. Este processo é concluído em 1569 com a União de Lublin, que
transformava o Reino da Polônia e o Grão-Ducado da Lituânia em um único estado,
a Primeira República da Polônia. Conhecida, também, como a Comunidade Polaco-Lituana
ou das Duas Nações, era governada por um único monarca (eleito pela nobreza, a szlachta),
juntamente com o Sejm, o Parlamento. O
monarca mantinha as funções de Rei polonês e Grão-duque da Lituânia. Nos anos
seguintes, o Estado polonês continuou a se expandir para o Leste, tornando-se
um dos maiores e mais populosos da Europa abrangendo os territórios do que são
hoje a Polônia e a Lituânia, a Bielorrússia e a Letônia, grande parte da
Ucrânia e Estônia, além da região ocidental da atual Rússia. Atividades econômicas. Na
Polônia, os judeus podiam participar de inúmeras atividades econômicas,
incluindo agricultura e pecuária, artesanato, e comerciais, participando do
comércio internacional com a Europa, o Império Otomano e a Rússia. A Coroa, os
nobres e as instituições religiosas, proprietárias de grandes terras, tinham
interesse em promover a segurança dos judeus. Uma comunidade judaica forte e
segura trazia benefícios máximos a um custo mínimo. Ademais, nesse período há
uma redução da importância judaica como credores, pois se tornam grandes
captadores de recursos de prestamistas cristãos e de instituições religiosas
para cobrir seus investimentos. Uma comunidade próspera oferecia a garantia de
que os empréstimos seriam pagos. A partir da União de Lublin, os judeus são
incentivados a se estabelecer na Ucrânia, e passam a ter um papel de liderança
no desenvolvimento da Polônia Oriental, do interior da Lituânia e da Ucrânia. O
rápido crescimento da população europeia fora acompanhado por uma crescente
necessidade de alimentos e a Polônia era um grande produtor de grãos. Por volta
de 1500, estima-se que houvesse nos domínios da dinastia Jagiello entre 10 a 30
mil judeus; em 1575, o número salta para 150 mil. Judeus vindos de toda a
Europa para lá se dirigiam. Em sua maioria, estabeleciam-se nas terras
pertencentes à alta nobreza polonesa. Estes, donos de enormes latifúndios e
senhores dos camponeses que neles viviam, passaram a arrendar suas terras a
judeus por vultosas quantias, através de um sistema chamado “arenda”. É
bem verdade que a Igreja era profundamente anti-judaica, no entanto, inúmeras
instituições religiosas eram donas de grandes propriedades de terra e “usavam”
os judeus para administrá-las. Os latifundiários tinham autoridade judicial
sobre “seus judeus”, particularmente após 1539, quando é sancionada uma lei
transferindo o status jurídico e fiscal dos judeus da Coroa aos donos das
propriedades onde viviam. Cabia ao arrendatário (o arendarz) custear a
atividade agrícola, organizar a produção e a comercialização dos produtos. Pelo
sistema de arenda, as concessões podiam ser de uma
aldeia inteira ou de uma área de centenas de quilômetros quadrados. Os judeus
tinham, sempre, que arrendar não apenas a terra, mas também todos os ativos
fixos, tais como moinhos e hospedarias, o direito exclusivo de destilar e
vender bebidas alcoólicas, e a arrecadação de impostos alfandegários. Além
disso, havia uma transferência total de autoridade do latifundiário para o
arrendatário. Em 1594, por exemplo, o Príncipe Piotr Zabrzeski arrendou a
Efrayim de Międzyboż, por 9.000 zloty, uma soma imensa,
todas as suas propriedades localizadas no distrito de Krzemieniec, inclusive
“todas as aldeias e assentamentos..., os nobres boiardos (membros da
aristocracia), os burgueses e os servos... todas as suas dívidas, obrigações e
privilégios; (…) tavernas, moinhos e seu faturamento,(...) os dízimos pagos
pelos boiardos, burgueses e servos,... bem como todos os demais rendimentos (...)”.
Os judeus atuavam como representantes dos donos junto aos camponeses, um papel
cheio de perigos, já que eram eles que, na ausência dos proprietários, impunham
as exigências feudais e aplicavam a disciplina. O fato dos nobres serem
católicos, os administradores judeus e os camponeses cristãos ortodoxos5 criava tensões, que eram ainda
maiores nas relações entre os servos ortodoxos e os judeus. O judeu que
arrendava uma propriedade costumava levar, além de sua família, outros judeus
que se tornavam subarrendatários. Surgem shtetls6,
aldeias e municípios inteiros onde a maioria da população era judia. Acabou
criando-se uma classe média judaica na zona rural, e o sistema de arenda tornou-se
um empreendimento “básico” para a comunidade judaica. Cada item do contrato de
arrendamento – moinhos, tavernas, arrecadação de impostos alfandegários e assim
por diante – ou cada subunidade geográfica da propriedade poderia ser sublocada
para outros. Vida
comunitária e religiosa. A vida judaica floresceu na Polônia
nos séculos 16 e 17. Historiadores estimam que em meados do século 16, cerca de
80% dos judeus do mundo viviam na Polônia, que se tornou o centro cultural e
espiritual dos judeus asquenazitas. O iídiche era o idioma utilizado por todos
os judeus, criando uma cultura própria. O cotidiano da população judaica girava
em torno da fé, que dominava todos os aspectos de sua vida. A profunda
religiosidade era fonte de orgulho e, nos dias tenebrosos, de consolo. A
sinagoga era uma das primeiras construções erguidas por uma comunidade.
Milhares foram construídas, de todos os tamanhos, algumas em alvenaria, outras
em madeira. Em cada shtetl, não importava
seu grau de penúria, havia ao menos um shul, uma sinagoga, que
era o centro da vida religiosa e social. Era primordial o estudo da Torá, do
Talmud e de todas as obras sagradas. As crianças aprendiam a ler no cheder,
a casa de estudos, e os mais velhos iam para as ieshivot. A fama de uma
cidade não residia em sua importância econômica, mas no número de suas ieshivot e na
reputação de seus rabinos. Em meio à população polonesa, na qual 90% do povo
não sabiam nem ler nem escrever, era praticamente nulo o analfabetismo entre os
judeus. São incontáveis os grandes estudiosos, rabinos e líderes espirituais
que viveram em terras polonesas. Um dos maiores eruditos judeus de todos
os tempos foi Rabi Moshé Isserles, conhecido como o Rema (ou Remo).
Ele nasceu em Cracóvia, em 1520, e sua obra mais conhecida é Mappá (literalmente
“Toalha de mesa”) – um comentário sobre o Shulchan Aruch (“Mesa
posta)”, o Código de Lei Judaica, escrito por Rabi Yossef Caro. Mappá,
que trata dos costumes asquenazitas, se tornou o Código de Lei Judaica da
grande maioria das comunidades desta origem. A instituição judaica básica era a Kehilá,
a comunidade, que tinha um status legal autônomo. A peculiar posição ocupada
pelos judeus na Polônia fez sua autonomia jurídica ser possível e necessária. A
Coroa e a população consideravam os judeus um corpo social independente. A
definição de sua autonomia foi delineada juridicamente em 1551, em uma carta de
privilégios concedida por Sigismundo II Augusto, Rei da Polônia e Grão-Duque da
Lituânia. Como resultado dessa autonomia jurídica, cada cidade ou aldeia era
governada por dois conselhos independentes, um cristão e outro judaico.
Enquanto os cristãos eram governados por um conselho municipal, regidos pela
legislação do Reino, os judeus o eram por um conselho comunal composto de
rabinos e líderes comunitários, cuja autoridade se baseava nos privilégios
concedidos pelo rei ou pelos latifundiários, bem como na Lei e tradição
judaica. Ambos os conselhos eram, porém, subordinados à autoridade supervisória
do rei ou do proprietário. Já no final do século 16, as comunidades judaicas
criaram uma federação de kehilot quase
autônoma, o Conselho de Quatro Nações. Esse Conselho, que representou a
comunidade judaico-lituana de 1580 até 1764, era formado pelos rabinos e
representantes comunitários da Grande Polônia (sendo que a principal era a de
Posen), da Pequena Polônia (as principais eram a de Cracóvia e Lublin), da
Rússia Vermelha (a de Lemberg), da Volínia (as de Ostrog e Kremenetz), e da
Lituânia (as de Brest e Grodno). Os
massacres de Chmielnicki (1648-1649). O sistema de arenda era
um barril de pólvora onde o descontentamento econômico se entrelaçava com o
antagonismo entre católicos e cristãos ortodoxos e principalmente o
anti-judaísmo. Os camponeses ortodoxos viam os judeus, “infames infiéis e
estrangeiros” representantes dos nobres poloneses católicos, como sendo os
culpados por lhe impor pesado ônus econômico. O ódio religioso e o profundo
descontentamento acabaram explodindo. O ressentimento dos camponeses contra o
poder polonês veio à tona em várias revoltas, rapidamente reprimidas. Mas, em
maio de 1648, quando surge a figura de Bohdan Chmielnicki, a situação sai do
controle. Chmielnicki, furioso pela
conduta das autoridades polonesas de seu lugar natal, incitou os cossacos
ucranianos a se juntarem à resistência armada. Em 1648, encabeçando cossacos do
Dnieper e tártaros da Crimeia, ele inflige grave derrota ao exército polonês.
Esta derrota serviu como um sinal para que se rebelasse toda a região nas
margens orientais do Dnieper. A revolta banhada em sangue alastrou-se por todo
o território da atual Ucrânia, Volínia e Podólia. Camponeses ortodoxos e
ucranianos moradores da cidade juntaram-se às forças de Chmielnicki que
semeavam o terror e a morte por onde passavam. A região se tornou um grande
matadouro. Nobres e padres poloneses católicos foram imediatamente
assassinados. Mas, apesar de os poloneses católicos serem o principal alvo do
descontentamento, foi sobre os judeus que se abateu toda a sua fúria. Citando
um historiador russo: “Os assassinatos eram acompanhados por torturas bárbaras
(...), no entanto, a mais terrível crueldade era exercida sobre os judeus. Eles
eram destinados à aniquilação (...)”. Os massacres de 1648 e1649 são conhecidos
entre os judeus como Gzeyres tach vetat (Malignos
decretos). A
literatura judaica da época relata os ocorridos em inúmeras comunidades, como
Nemirov, Ostrog, Narol e Polonnoye. Em Tulchin, soldados poloneses entregaram,
inutilmente, os judeus em troca de suas próprias vidas; em Tarnopol e Dubno,
poloneses impediram que os judeus que viviam nas redondezas entrassem na
cidade. Em Dubno, dois mil judeus foram massacrados. Um dos relatos descreve a
devastação: “Muitas comunidades além do Dnieper, como Pereyaslaw, Baryszowka,
Piratyn e Boryspolê, Lubin, Lachowce (...) foram atacadas e os judeus tiveram
morte cruel e amarga. Alguns foram esfolados vivos e sua carne atirada aos
cães; outros tiveram as mãos e membros decepados e seus corpos atirados na
estrada só para serem destroçados por carroças e esmagados pelos cavalos (...).
O inimigo massacrou mulheres e crianças no colo de suas mães (...). Atrocidades
semelhantes foram perpetradas em todos os lugares por onde passavam (...)”. Não
se sabe ao certo o número de judeus mortos nos massacres, de acordo com
algumas crônicas judaicas foram 100 mil, mas há relatos de que teriam sido 300
mil e que mais de 300 comunidades foram destruídas. A situação se acalmou em
agosto de 1649, quando um tratado foi assinado entre Chmielnicki e a Coroa
Polonesa restabelecendo o domínio do governo polonês nas regiões onde vivia a
maior população judaica. Mas, os cossacos e os ucranianos ortodoxos continuavam
insatisfeitos. Chmielnicki então entabula negociações com o Czar russo Alexis
Michaelovich, buscando a incorporação ao Império moscovita – com os direitos de
uma província autônoma – da parte ortodoxa da Ucrânia, sob o nome de Pequena
Rússia. Em 1654, realiza-se essa incorporação e, no mesmo ano, os russos
marcham sobre a Rússia Branca e a Lituânia. É, então, a vez dos judeus da
região noroeste de padecer do seu quinhão de sofrimento. A captura das
principais cidades polonesas pelas hostes unidas dos moscovitas e dos cossacos
foi acompanhada do extermínio ou expulsão dos judeus (...). No entanto, apesar
da magnitude do desastre, muitos judeus retornam à região. No final de 1650, o
Conselho das Quatro Terras, reunido em Lublin, redige uma série de regulamentos
para restaurar as condições normais na vida judaica. Em 1655, os suecos –
terceiros inimigos da Polônia – invadem a Polônia Ocidental (1655-1658). Seu
rei, Charles Gustav, conquista uma cidade após a outra, inclusive Cracóvia e
Varsóvia. Grande parte da Grande e da Pequena Polônia caem em mãos dos suecos. No
final do século 17 boa parte dos territórios da Comunidade Polaco-Lituana
estava ocupada por cossacos, russos e suecos. O exército polonês reorganizado
consegue fazer recuar os invasores, mas a nação se encontrava em estado caótico
e era grande a deterioração econômica. As perdas infligidas aos judeus
poloneses na década de 1648-1658 foram terríveis. Nos relatos dos cronistas da
época umas 700 comunidades judias foram vítima de massacres e pilhagem e o
número de mortos é estimado em 500 mil, excedendo as catástrofes das Cruzadas e
da Peste Negra. Nas cidades situadas na margem esquerda do Dnieper, região
povoada por cossacos e nas regiões de Chernigov, Poltava e parte de Kiev, as
comunidades judaicas haviam desaparecido quase por completo. E nas localidades
na margem direita do Dnieper ou na parte polonesa da Ucrânia, bem como na
Volínia e Podólia, onde quer que os cossacos tivessem pisado, apenas cerca de
um décimo da população judaica conseguiu sobreviver. Porém, ainda que dizimada
e destituída, a população judaica polonesa superava numericamente as populações
judaicas de outros locais na Europa. A extraordinária vitalidade do povo judeu
era novamente demonstrada – os judeus poloneses conseguiram, em um relativo
espaço de tempo, recuperar-se de suas terríveis perdas. Mas a vida era muito
difícil. O fim do século 17 é marcado por inúmeros julgamentos nos quais os
judeus eram acusados de assassinato ritual e profanação dos sacramentos da
Igreja. Os mais revoltantes foram os de Dunaigrod (1748), Pavolochi e Zhytomir
(1753), Yampol (1756), Stupnitza (1759) e Voislavitza (1760). No século 18,
volta à tona o ódio acumulado pelas massas ortodoxas contra o domínio polonês
na região que hoje é a Ucrânia. A desordem geral e a agitação religiosa levaram
à formação de bandos conhecidos como Haidamacks, compostos
por cossacos da Rússia, Ucrânia e servos em fuga. Os Haidamacks atacaram
a região em 1734, assassinando grande número de nobres poloneses e milhares de
judeus. Mais uma vez, os judeus se tornaram o alvo. O comandante das forças Haidamacks chegou
a proclamar que o objetivo da revolta era “destruir o Povo Judeu para proteger
o cristianismo”. Bandos de Haidamacks destroem
comunidades em Fastov, Granov, Zhivotov, Tulchin, Dashev e Uman. De acordo com
o censo oficial de 1764, viviam 300 mil judeus no território da atual
Ucrânia, estimando-se que entre 50 mil e 60 mil judeus tenham sido
assassinados. Os anos em que a Comunidade Polaco-Lituana ficou estraçalhada por
revoltas internas e invasores externos resultaram em uma deterioração econômica
e tensões sociais. Na época, as comunidades judaicas se encontravam afundadas
em desespero, com a intensificação dos pogroms e das
acusações de assassinato ritual. Ademais, graves dificuldades econômicas e
tensões sociais internas afetavam o dia-a-dia e sustento das populações
judaicas. Uma mistura de sofrimento e debilitante pobreza serviram de pano de
fundo para o surgimento, no início do século 18, do Chassidismo. Seu
fundador, Rabi Israel Ben Eliezer, o Baal Shem Tov (o Besht),
nasceu na Podólia em 1700. No final do século 18, a Polônia deixa de existir
como país soberano. Desaparece do mapa a Comunidade Polaco-Lituana, sendo
dividido o seu território entre seus poderosos vizinhos, em 1772, 1793 e 1795.
A Prússia fica com a parte ocidental até o Mar Báltico, a Áustria com um pedaço
central que incluía a Galícia, enquanto à Rússia coube ficar com a maior parte
do território – Ucrânia, Lituânia e Polésia. Doravante a vida dos judeus que
viviam nessas regiões iria depender de cada soberano, pois, somente em 1918 a
Polônia ressurgiria como estado soberano. A vida das centenas de milhares de
judeus que se tornaram súditos indesejáveis dos czares seria ainda mais sofrida
do que a daqueles que ficaram sob domínio da Prússia e da Áustria. 1 Coroa
do Reino da Polônia (em polonês, Korona Królestwa Polskiego)
ou, simplesmente, a Coroa, é o nome comumente para as possessões históricas –
mas não consolidadas – do rei da Polônia, na Baixa Idade Média. 2A
Grande Polônia, que compreende grande parte da área banhada pelo rio Varta e
seus afluentes, foi o coração do antigo Estado medieval polonês, “o berço da
Polônia”. 3Região histórica e geográfica no leste da Polônia, com
sua capital em Varsóvia. 4 Pequena Polônia, a parte sul
do país, em polonês, Małopolska; em latim, Polonia
Minor. 5A Igreja Ortodoxa Ucraniana está ligada à
história da Igreja Ortodoxa Russa. 6 Shtetl - vilarejo, cidade pequena, em iídiche. BIBLIOGRAFIA: Dubnow,
Simon Markovich, History of the Jews in Russia and
Poland eBook Kindle. Palmer, Nigel, Jews Of Poland: Up to 1795 (P
Publishing History Series Book 14) eBook Kindle. Zamoyski,
Adam, Poland:
A history. eBook Kindle. www.morasha.com.br.
Abraço. Davi
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