Confucionismo. Biografia de Confúcio. Memória Histórica de Sima Qian. 5. PENÚRIA EM CH’EN e TS’AI. Depois de Jan Ch’iu haver partido, Confúcio encaminhou-se de Ch'en para Ts'ai, no ano seguinte (491 a. C.) O Duque Chao, de Ts'ai, ia a Wu atendendo a uma convocação do rei. O duque havia mentido previamente a seus vassalos, ao mudar sua capital para Choulai, e agora que estava de viagem para Wu seus ministros temiam que ele fosse mudar a capital outra vez; e Kungsun P'ien atirou no duque e matou-o. No ano seguinte (490 a. C.) Confúcio passou de Ts'ai para Yeh (outro pequeno Estado), e o duque de Weh interpelou-o quanto ao que seria um bom governo. Confúcio respondeu: - "O bom governo consiste em conquistar a lealdade dos cidadãos próximos e a simpatia dos cidadãos afastados." De outra feita, o duque indagou sobre Confúcio a seu discípulo Tselu, que não soube responder. Ao saber disto, Confúcio falou: - "Ah Yu (apelido familiar de Tselu), por que não disseste que sou um homem incansável na procura da verdade, que me esqueço de comer quando me entusiasmo com alguma coisa, esqueço todas as preocupações quando alegre ou feliz, e que não temo a velhice que vem chegando?" Saindo de Yeh, Confúcio voltou a Ts'ai. Changchu e Chiehni estavam juntos, arando o campo. Confúcio imaginou que fossem filósofos em retiro, e mandou Tselu indagar qual o caminho a seguir. "Quem é aquele que vai dirigindo a carruagem?" - perguntou Ch'angchu. Tselu respondeu: - "Aquele é Confúcio." "É K'ung Chiu, de Lu?" - tornou a indagar o outro, e Tselu respondeu que sim. "Ora, então ele devia saber o caminho." E Chiehni perguntou a Tselu: - "Quem sois?" "Sou Chung Yu." "Discípulo de K'unq Chiu?" Tselu assentiu, e Chiehni disse: - "Então o mundo está cheio de gente transviada, mas sempre a ponto de mudar o atual estado de coisas? Ouvi ainda: em vez de seguir a quem evita certos tipos de pessoas, por que não aderir logo a quem evita a sociedade inteira?" Tselu contou isso a Confúcio, e o mestre suspirou: - "Pássaros e animais [ou os que tentam imitálos] não são companhia ideal para nós. Se houvesse uma boa ordem moral no mundo em que vivemos, por que me preocuparia eu em mudá-le?" Outro dia Tselu caminhava pela estrada e encontrou um ancião carregando um cesto de vime, a quem perguntou: - "Vistes o Mestre?" O ancião retrucou: - "Quem é o Mestre? Um homem que não usa os braços e as pernas para trabalhar e que nem sabe distinguir diferentes espécies de grãos!" E o velho enfiou seu bastão na terra e pôs-se a mondar o campo. Tselu relatou a Confúcio o que se passara, e ele conjeturou: - "Deve ser algum filósofo em retiro." Tselu voltou a procurá-lo, mas já ele havia desaparecido. Confúcio andou por T's'ai uns três anos. O país de Wu estava em guerra contra Ch'en, e Ch'u viera em auxílio de Ch' en (isto foi em 489 a. C.). O exército de Ch'u acampara em Ch'engfu, e ao terem notícia de que Confúcio estaria em algum lugar entre Ch'en e Ts'ai, mandaram procurá-lo. Confúcio saiu a apresentar seus cumprimentos. Então os ministros de Ch'en e Ts'ai reuniram-se para confabular: - "Confúcio é muito hábil. Já descobriu as fraquezas dos governantes de várias nações. Agora tem estado longamente por aqui e não parece gostar do que estamos fazendo. Ora, Ch'u é uma nação poderosa e pretende usar Confúcio; se ele chegar ao poder, em Ch'u, nossos países ver-se-ão em dificuldades e nós, ministros, estaremos em perigo." Por isto, mandaram soldados a deter Confúcio pelos arredores. O grupo de Confúcio não tinha meios de escapar, e os mantimentos começaram a escassear; muitos caíram de cama, enfermos; Confúcio, entretanto, continuava a ler, e a cantar acompanhando-se com um instrumento de cordas, sem alterar-se. Com evidente raiva, Tselu dirigiu-se ao Mestre: - "Também o gentil-homem se vê em dificuldades, às vezes" E Confúcio replicou: - "Decerto, mas só o homem vulgar é que, ao se ver em dificuldades, perde sua personalidade e comete toda sorte de tolices. Tsekung ficou visivelmente impressionado com essas palavras do Mestre, e ele continuou, noutro tom: - Ah Sze, tu imaginas que eu aprendi uma porção de coisas e as tenho de cor?" E Tsekung: - "Imagino, pois não é verdade?" Confúcio disse: - "Não, o que eu tenho realmente é uma linha mestra que passa através de todos os meus conhecimentos." Confúcio ficou então sabendo que seus discípulos estavam zangados e com o desapontamento na alma; chamou Tselu para dentro e o interrogou: - "Está no LIVRO DOS CANTARES: "Nem búfalos nem tigres, que erram pelo deserto" (uma comparação com eles próprios). Achas errado o que eu ensino? Como é que eu me coloco, nesta situação?" Tselu respondeu: - "Talvez não sejamos bastante grandes e não tenhamos sabido granjear a confiança do povo. Talvez não sejamos bastante sábios e o povo não queira seguir nossos conselhos." Confúcio falou: - "Pois é assim? Ah Yu, se os grandes homens pudessem granjear sempre a confiança do povo, por que iriam Poyi e Shuch'i para as montanhas, morrer de fome? Se os sábios sempre tivessem os seus conselhos seguidos pelo povo, por que o Príncipe Pikan haveria de suicidar-se?" Tselu saiu e Tsekung entrou, e Confúcio disse: - “Ah Sze, está no LIVRO DOS CANTARES: "Nem búfalos nem tigres, que erram pelo deserto." Há erro em meus ensinamentos? Como me coloco nesta situação?" Tsekung respondeu: - "Os ensinamentos do Mestre são demasiado grandiosos para o povo, e eis por que ele não os segue. Por que não baixais um pouco das vossas alturas?" Confúcio falou: “- Ah Sze, o bom lavrador semeia o campo, mas não pode garantir a safra, e o bom artesão esmere-se no trabalho, mas não pode garantir que agradará a seus fregueses. Eis que não tendes mais interesse em cultivar a vós próprios, senão em serdes aceitos pelo povo... receio que não estejais buscando para vós mesmos o padrão mais elevado." Tsekung saiu, entrou Yen Huei e Confúcio lhe disse: - "Ah Huei, está no LIVRO DOS CANTARES: “Nem búfalos nem tigres, que erram pelo deserto." Há erro no que ensino? Como me coloco nesta situação?" E Yen Huei falou: "Os ensinamentos do Mestre são tão grandiosos... por isto o mundo não os pode adotar. Não obstante, deveis fazer o possível para divulgar vossas ideias, Que vos importa se das não são aceitas? O simples fato de não as aceitarem prova que sois realmente um homem superior. Se a verdade não é cultivada por nós, a vergonha é nossa; mas se nos dedicamos exaustivamente à pregação de uma ordem moral e ela não é seguida pelo povo, a vergonha é dos que estão no poder. Que vos importa isso? O fato de não vos aceitarem mostra que sois um verdadeiro gentil-homem." Confúcio ficou satisfeito e falou sorrindo: - "Pois é assim? Ó filho, de Yen, és um homem precioso, eu devia ser teu servo!" Confúcio enviou então Tsekung a Ch'u, e o Rei Chao, de Ch'u, mandou um exército socorrer Confúcio, tirando-o assim de suas dificuldades. O rei ia dar a Confúcio terras medindo setecentos li (propriedades de vinte e cinco famílias, cada). Um ministro de Ch'u, de nome Tsehsi, comentou: - "Tem Vossa Majestade um diplomata mais hábil do que Tsekung?". O rei disse que não. "Tem Vossa Majestade um primeiro-ministro como Yen Huei?" O rei disse ainda que não. “Tem Vossa Majestade um general tão bom quanto Tselu?” De novo o rei negou. “Tem Vossa Majestade um administrador como Tsai Yu?" Outra vez o rei disse que não. E o ministro prosseguiu: - "No entanto, o antepassado dos governantes deste país recebeu aqui a categoria de barão e originalmente suas terras mediam apenas cinquenta li [li, cerca de um terço de milha]. Agora vem Confúcio, que leva o tempo todo a falar nos antigos regimes dos Três Grandes Reis e na tradição moral do Duque Chou e do Duque Shao ... Como esperais que o nosso país continue a dominar milhares de milhas quadradas, de geração a geração, se Confúcio conseguir pôr em prática a sua utópica ordem social? O Rei Wen surgiu da cidade de Feng e seu filho, o Rei Wu, surgiu da cidade de K'ao, começando com um território de cem li apenas, mas acabaram por fundar um império sobre toda a China. Não acho que seja bom para o nosso país dar terras a Confúcio, com tão hábeis discípulos a assisti-lo." Isto mudou completamente a disposição do rei. No outono desse mesmo ano (489 a. C.), o Rei Chao morreu em Ch'engfu. Havia em Ch'u um louco, chamado Chiehyu, que ao passar por Confúcio cantarolou assim:
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