Teosofia. Livro O Interesse Humano. Por N. Sri Ram (1889-1973). FELICIDADE. Felicidade é aquela condição ou estado que é buscada por todos os seres vivos. É inerente a vida, que é um processo de movimento constante a partir do interior. Toda evolução é um processo de organização para a libertação de ainda mais vida. Consequentemente, existe alegria no simples ato de viver a vida através de um instrumento perfeito. Apesar de rapinarem uns aos outros e da dor ocasionalmente sentida, as vidas de pássaros e animais em liberdade é alegre enquanto o homem não se intromete. É ele quem sai atirando e caçando, que os aprisiona em jaulas, que os tortura e os priva de mil e uma maneiras. Mesmo quando o homem morre como mártir, ou inflige dor a si mesmo, age assim porque isso lhe dá prazer para assegurar seu poder sobre si mesmo. E experimenta uma felicidade interior que é maior do que a dor. Maiores do que as alegrias da natureza física são as alegrias das emoções e da mente - a alegria da criação, da experiência estética, do amor. Cada uma é um tipo diferente de experiência. Segundo a filosofia antiga da Índia, a natureza mesma da vida ou existência é bem-aventurança. Obviamente a vida é uma força cinética. Ela é também, como podemos ver, um cabedal de energia latente, um depósito de potencialidade, ilimitado até onde sabemos. Quando a energia flui de um modo que expresse essa potencialidade, existe alegria. Quando existe restrição há sofrimento ou dor. Essa restrição deve-se ou ao molde no qual a vida que flui está aprisionada ou a uma distorção sofrida por essa vida na tentativa de ser diferente dela mesma. O que cria a distorção? No caso dos seres humanos esse molde é causado pela mente, que também é inerente a vida. Do ponto de vista da Teosofia - que é a sabedoria inerente a todas as coisas - sempre que existe percepção ou consciência. Seja de sono ou vigília, germinal ou desenvolvida. Onde existe mente existe dualidade - eu e o outro, dentro e fora, uma coisa e outra. A mente não está contente em permitir que a corrente de vida flua em seu próprio curso ou seu padrão natural. porém estabelece metas e objetivos segundo a experiência relembrada, e busca ser diferente do que é. Ela ou quer confinar-se dentro - o homem de tamas - de certos hábitos que lhe dão satisfação de tranquilidade ou estagnação. Ou age segundo certas ideias ou desejos, que também surgem do passado, e se distorce violentamente no processo. Este é o homem ambicioso ou impetuoso - o homem de rajas. Tanto no homem de tamas quanto no de rajas existe condicionalmente ou limitação da mente e da vida do homem. Em um caso pelo simples ímpeto de antigos hábitos de pensamentos e ação. Em outro pelo funcionamento da sua mente sobre experiências passadas, produzindo ideias e desejos novos. Quer o resultado seja estagnação ou ambição, estupidez ou desejo febril, existe um retrocesso ao processo natural de expressão livre e desimpedida do que está dentro da própria pessoa. O que dá lugar a infelicidade. Estamos familiarizados com a frase "vida, liberdade e a busca da felicidade". É importante que os três estágios que se fundem em um - a vida, a liberdade de que se precisa. E a felicidade que surge a partir do interior e que não é meramente uma reação agradável a uma excitação exterior - estejam todos agrupados. A felicidade é inerente à vida, não precisa ser perseguida ou buscada. Ela surge como resultado da livre expressão da vida, que só é possível quando a mente do homem não é condicionada pelo seu passado. É importante que, do ponto de vista da filosofia indiana, a meta e o objetivo da vida tenham sido concebidos como moksha ou liberdade absoluta. Não era apenas libertação da necessidade de uma vida terrena e da labuta nela implícita, libertação do karma, das complicações da vida passada. Todavia também das limitações da própria incapacidade de viver sua própria vida num estado de liberdade. Tal como podemos conceber que uma flor experimente quando é seu próprio eu natural. "Olhai os lírios do campo, eles não trabalham, nem fiam", contudo existe neles a exuberância da vida. O problema não é a felicidade a que todos acreditam ter direito. Questionamos apenas a necessidade da dor. O problema é um problema de dor ou sofrimento, como foi há muito afirmado pelo Senhor Buda em sua sabedoria. Dor e sofrimento são a negação da vida pela limitação que lhe é imposta. Essa limitação, que é a mesma coisa que karma, é imposta pela própria pessoa, por sua própria ignorância. Cada um é prisioneiro das próprias memórias, ansiando a repetição de prazeres passados, planejados prazeres futuros. Construindo muralhas de segurança com medo de perder o que possui e fechando-se dentro delas. Feliz o homem que não é escravo de seus próprios desejos, cuja mente e coração estão livres de ansiedade a respeito do amanhã. Ser dominado por um desejo não é ser livre. Quando homens e mulheres são perturbados por seus desejos não conseguem experimentar a felicidade. A satisfação do desejo é apenas temporária. Existe uma reação oriunda de cada satisfação, depois nos recobramos da reação e todo o processo repete-se indefinidamente. A verdadeira felicidade não dá origem a reação, pois é a experiência de um florescimento que ocorre a partir do interior. Não surge de fora, avoluma-se a partir do interior, mas não do eu isolado. É um estado de liberdade, e não o preenchimento de um vazio dentro de si próprio. Também não é aliviar-se da monotonia. Não é a mesma coisa que prazer, por mais agudo que seja, que surge a partir de uma excitação do corpo físico ou de qualquer outro corpo. A verdadeira felicidade não é um estado no qual o homem está separado do resto do mundo e indiferente a ele. Como quando está sob uso de drogas ou de bebida alcoólica. O estado da mais elevada felicidade é aquele em que a consciência é universal. Livre como o vento, e pode identificar-se instantaneamente com cada momento passageiro. O voo de um pássaro, o tremular de uma folha, os sorrisos e as lágrimas de outros seres humanos. O homem que está concentrado na satisfação de sua luxúria não consegue pensar em nada senão na satisfação e em si mesmo. O anelo pelo prazer pode destruir a humanidade, seja no individual ou no mundo coletivo em geral. O homem e a mulher livres não alimentam ansiedade a respeito do amanhã. Isto não quer dizer que eles não façam planos ou não vivam de maneira inteligente. Mas devem ter em seu interior aquele dinamismo do espírito. Estando desejo de aceitar qualquer que sejam as condições que tenham de confrontar. Somente isso lhes permitirá viver com tranquilidade, como homens e mulheres livres no verdadeiro sentido do termo. Mesmo na ausência disso, podemos ser felizes de certo modo, aceitando a vida fácil e filosoficamente. Muito de nossa felicidade, deve-se ao modo como assimilamos os incidentes da vida. Um bom batedor de críquete - esporte - consegue fazer a bola resvalar até a linha divisória batendo com o bastão num determinado ângulo. O que faremos se não tivermos um senso de eu muito forte. Ou podemos deixar que o comentário distorça nossos sentimentos até que se tornem um nó emaranhado que não pode ser facilmente desfeito. Aquele que altruisticamente busca tornar os outros felizes cria felicidade para si próprio. É possível dormir um sono mais tranquilo no chão do que sobre uma cama com colchão de penas. Dizem que Deus distribuiu suas prendas de modo muito desigual. Porém Ele se aproxima muito da imparcialidade nas porções de felicidade concedidas a Seus filhos. A libertação do desejo, se puder ser alcançada é a chave para o segredo da felicidade. o segredo jaz dentro da própria pessoa e em nenhum outro lugar. Nem mesmo em Deus, pois o que chamamos de Deus não é a realidade. Porém uma projeção de nossas próprias mentes. O segredo consiste em cada um ser ele próprio, o que não quer dizer tornar-se isto, aquilo ou aquilo outro. Como planejado e buscado por nossas mentes ambiciosas. Existe um vir a ser na natureza que é uma questão de forma. O ser é de vida em sua essência e pureza. Mas quando queremos competir, criar, experimentar, estabelecemos um objetivo fora de nós que buscamos atingir. Assim ocorre a luta, o conflito, a renúncia da felicidade que nos é possível dentro de nós mesmos. Desejar é ser arrastado pra fora de si próprio. A cessação do desejo, pela compreensão de sua natureza, é a retirada do não Eu e a compreensão do Eu. Nisso está a mais elevada felicidade. Existe um trecho interessante em um dos Upanishads que compara a felicidade experimentada pelos mortais, pelos devas e outros. A mais elevada felicidade, segundo esse trecho, é a felicidade do homem ou da mulher que compreendeu a natureza de Brahman. A verdade em todas as coisas e dentro de si próprio e não mais está acorrentado pelo desejo. Não ter desejos centrados no eu é amar a todos, pois é o desejo que separa aquele que desfruta dos outros a quem o objeto desfrutado pode igualmente servir. Quando existe amor sem posse e sem a busca de gratificação daquela posse, ocorre a bem-aventurança. Amar é doar livremente, e é na doação que está a experiência da felicidade. A felicidade está na plenitude da vida. A vida é consciência e existe em todos os níveis, mental, emocional e físico. Plenitude Implica plenitude do próprio ser. Portanto a realização de todos os ideais - verdade, beleza e bondade - a harmonização de pensamento e ação. Então, vive-se a partir de um centro interior no qual não existe possibilidade de conflito. Porém existe uma perene fonte de pensamento, sentimento e ação, tudo perfeitamente harmonizado. Tudo instintivamente respondendo às necessidades um do outro e a cada situação, à medida que surge de momento a momento. Abraço. Davi.
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