Espiritualidade. Livro em Busca da Sabedoria. Por N. Sri Ham (1889-1973). A BELEZA DA VIRTUDE. Parte II. A forma que vem à existência modifica-se de momento em momento, quando a ação que cria a forma surge de uma base de sensibilidade e vida, a vida significa mudança a cada momento. Pode haver uma ação assim espontânea porque quando o terreno está livre, quando há uma qualidade de pureza ou inocência naquele solo. A semente divina presente em toda parte da natureza, ela é realmente uma concentração de energia, floresce por si mesma. O que é divino é sempre belo. As suas energias agem em conjunto e criam uma forma de beleza. Um conhecido hino hindu antigo fala da “semente uma” que floresce em muitas formas diferentes. Ela é tão fértil, tão plena de potencialidade, que suas energias irrompem em ação por si mesmas quando o caminho está aberto para que assim o façam. Todas as virtudes emergentes de um mesmo solo puro de uma natureza incorrupta, constituem, em sua totalidade, uma forma de perfeição. É esta verdade que é transmitida na lenda do Cristo que nasceu da Virgem Maria. O Cristo sendo a personificação da graça e beleza divinas bem como da Sabedoria. Maria representando aquela natureza imaculada, da qual a perfeição surge espontaneamente. Quando há um instinto de beleza, tudo o que se faz acompanhando aquele instinto será belo. Da mesma maneira, pode haver um instinto de virtude ou retido, e quando ele entra em ação, tudo o que se faz, pensa e sente, será reto e belo. Quando a harmonia que é inata e latente na natureza incondicionada ou espiritual é manifestada em uma forma de beleza. Podemos denominá-la a beleza da alma, e ela é mais bela do que qualquer beleza exotérica. Tem sido dito que todas as artes aspiram na direção da música. São uma à forma assumida pela música mais bela. Todas as obras de pintura, escultura e arquitetura precisam ser criação em um meio menos plástico do que o som. A música sobressai-se porque nela há também mudança e movimento de um momento ao outro. A natureza que estamos discutindo se modifica de instante em instante, e a mudança que está em um meio que representa o limite em plasticidade pode ser mais sutil do que qualquer outra coisa que posso ser concebida por nossas mentes. É uma tal natureza de sensibilidade e harmonia, isenta de qualquer elemento que possa impedir ou distorcer a sua ação. Prestando-se as mais sutil modificações e nuances, que constitui a verdadeira individualidade da alma do homem. Toda a beleza que vemos ao nosso redor, nas coisas externas a nós, nada mais é do que reflexos imperfeitos da beleza que reside no interior. Essa beleza interior quando passa a manifestar-se, traduz em vida a ação, sempre cambaleante, porém apresentando em cada mudança um aspecto daquela harmonia que constitui a sua base. Uma distinção fundamental nas virtudes estaria entre aquelas que podem ser chamadas básicas ou espirituais. Expressando a natureza essencial da alma, a qualidade nela presente, virtudes tais como humildade, inocência, pureza e amor e outras que são auxiliares ou representam efeitos secundários prestando-se a razão como necessária e prática. Exemplo dessas últimas seriam a liberdade de indolência, perseverança, discrição e assim por diante. Estas em si mesmas são insuficientes. A perseverança é necessária, mas pode-se perseverar na direção errada. Pode-se não ser indolente, mas energético, e pode-se estar fazendo mais mal do que bem com sua energia. É preciso penetrar profundamente na natureza de todo bem e mal na forma que existe em nós. Deve haver uma compreensão, por exemplo, do que implica a indolência e o que ela faz conosco e com os outros. Quando houver uma compreensão, deixar-se-á de ser indolente, preso, amarrado, estático e inerte. Quando um artista cria uma bela forma, ela sempre expressa determinada qualidade que parece permear aquela forma. Ela evoca no observador um sentimento que possui aquela qualidade. Toda forma bela de comportamento exprime uma qualidade que está na natureza da alma. Aquela natureza consiste nessas qualidades. Contudo uma forma copiada de um modelo não pode ter a beleza ou a graça que possuiu uma forma trazida à existência a partir de uma compreensão ou um sentimento interior, enquanto criação espontânea.A natureza da alma possui uma beleza atemporal, que não é desta Terra. Todas as virtudes são manifestações daquela beleza. Em sua totalidade, elas constituem, por assim dizer, a flor da alma. Aquela beleza manifesta-se quando a pessoa for verdadeiramente altruísta. Mas não é fácil extirpar o eu, porque mesmo quando não está presente como uma entidade ativa projetando sua presença, pode subconscientemente permear a natureza da pessoa, operando ali de maneira indireta. Todavia quando tudo o que se conota pela palavra “eu” ambição, exaltação, luxúria, engano e assim por diante. Desaparece, então, como um céu límpido, a natureza da alma aflora com as suas belas qualidades. Mesmo se apenas uma dessas qualidades for realizada com perfeição, todas as demais a acompanharão, pois surgem do mesmo estado de ser sempre indivisível, e cada uma envolve as demais. É possível dizer que a humildade é a mãe de todas as virtudes ou que o amor, em seu sentido mais belo, constitui a virtude fundamental. Ou que deve existir uma qualidade de inocência ou pureza na pessoa, como uma base primária. No entanto não é necessário cultivá-las uma após a outra. Na realidade, elas não podem ser cultivadas no sentido de serem copiadas de um modelo. Pode-se compreender aquele estado de ser em que todas essas e outras virtudes estão presentes. Por ser uma questão de compreensão pela própria pessoa, a virtude é algo que, em sua verdadeira qualidade, não pode ser ensinada. Pode-se aprender através da observação ou das palavras de outras pessoas, os caminhos ou as formas com que determinada virtude se manifesta. Porém a forma, embora possa sugerir o que significa para uma pessoa intuitiva, não pode criar o espírito ou o sentimento daquilo que é expressão. A virtude não é como o conhecimento comum, que pode ser transmitido através de palavras. Encontra-se na mesma categoria que o gosto, um sentimento para com o belo, além de outros dons inatos que não podem ser ensinados. Eles precisam ser apreendidos por outros meios. Quando houver amor no sentido real, criando um acordo solidário ou um estado de comunhão entre duas pessoas, digamos, entre uma mãe e o seu filho. Aquilo que está no coração da mãe pode então ser transmitido para a criança. Não sabemos o que o amor realmente significa. Conhecemos apenas o amor que se baseia no apego e na posse. Quando uma pessoa se enamora, especialmente se for amor a primeira vista, não construído através de reações acumuladas, o objeto de amor parece revestir-se de uma beleza divina. Infelizmente, essa condição esvaece, pois se mescla a outros sentimentos, mas ela indica o que é a real natureza do amor. É a luz que brilha de uma natureza dentro de nós próprios que ilumina a beleza oculta nas coisas. Toda a ação da natureza espiritual tem o encanto e o frescor da espontaneidade. A virtude tem esse encanto. É como uma flor sempre nova. A ação da natureza espiritual não é apenas integralmente voluntária, ela é também irrestrita. Ela se doa completamente. A beleza da virtude está em tal doação. Existe uma natureza muito profunda dentro de nós que se exterioriza apenas quando o terreno estiver desimpedido para ela. Aquela natureza permanece a mesma, e é atemporal em sua qualidade, no entanto, é capaz de uma variedade de ação infinita. Todo modo e forma de sua ação constituem uma forma de beleza, quando se expressam na conduta da pessoa, também constituem uma forma de virtude. Abraço. Davi
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