sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

A RELIGIÃO DO ISLÂ. Parte IX

Islamismo. A RELIGIÃO DO ISLÂ. PARTE IX. Manual para o Novo Muçulmano. Por Jamaal Zarabozo (1961 - ). O banho completo: existem quatro opiniões entre os sábios a respeito do banho completo quando da conversão ao Islam. Sem entrar em maiores detalhes, as opiniões podem ser resumidas da seguinte maneira: Uma delas é que o banho é obrigatório para toda pessoa que adote o Islam. Essa é a opinião da escola Malik e a opinião reconhecida da escola Hanbali. Outra opinião é que este banho não é obrigatório sob nenhuma circunstância. E esta opinião é apoiada por alguns membros da escola Hanbali. Uma terceira opinião diz que o banho é recomendado para qualquer pessoa que abrace o Islam. Assim opinam as escolas Hanafi, Malik e Hanbali. Por último, há uma opinião que diz que o banho é recomendado, a menos que a pessoa se encontre em estado de impureza sexual ou se a mulher estiver no período menstrual ou pós-parto, em cujos casos é obrigatório. Em ditos casos, o banho é exigido para poder alcançar o estado de pureza ritualístico necessário para realizar as orações. Parte da razão destas diferenças de opinião sobre o tema é a existência de alguns ahaadith em que o Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) disse a algumas pessoas que haviam abraçado o Islam que tomassem o banho completo. Sem dúvidas, como foi mencionado antes, para que ditos relatos (ahaadith) sejam considerados como provas para a Lei Islâmica, devem satisfazer estritas condições. Os relatos em questão têm alguns defeitos menores e são considerados fracos por muitos estudiosos de hadith. Além disso, alguns estudiosos advertem que muitas pessoas entraram no Islam, nos tempos do Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) e não existem registros de que havia uma ordem ou noção geral de que ditas pessoas se banhavam como parte do processo de conversão. Inclusive, dado este argumento, os relatos que dizem que o Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) dizia a algumas pessoas que se banhassem, pode ser um sinal de que esse banho é recomendado, mas não obrigatório. Certamente, o novo muçulmano deve também realizar as orações. O requisito para realização da oração é que a pessoa esteja em um estado de pureza física e que o banho seja realizado com o intuito de entrar neste estado de pureza, não simplesmente com finalidade higiênica. Alguns sábios sustentam que o estado anterior da pessoa é ignorado pelo Islam, mas esse não parece ser um argumento de peso neste ponto. Se a pessoa está impura por haver mantido relações sexuais ou se uma mulher esta com hemorragias menstruais pós-parto, então deverá realizar o banho completo antes de realizar suas orações. Em resumo, e segundo evidência geral, pode-se dizer que o banho depois de realizar a declaração de fé é, em suma, um ato recomendado, mas não obrigatório. Não deve ser visto como um mero ritual sem significado algum. A pessoa que adota o Islam de maneira definitiva passa por um renascimento espiritual e empreende uma transformação de sua vida. De fato, para a maioria dos convertidos, o Islam é uma transformação que faz com que sua vida seja muito diferente à que tinha até então. Portanto, deve se preparar mental, emocional e fisicamente. Este banho elimina, metaforicamente, todos os tipos de impurezas que possam permanecer na pessoa. Assim, ele se torna pronto para empreender novos caminhos. Em todo caso, e ao menos para segurança, antes de se rezar, deve-se estar em um estado de pureza física, o qual requer um banho completo daqueles que se encontravam sexualmente impuros, mulheres em fim de período menstrual ou após hemorragia pós-parto. Eliminar todo o pelo dos dias anteriores ao Islam: Esta ação também se baseia em um hadith que a grande maioria dos estudiosos refuta e denomina como fraco. É um hadith em que o Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) haveria dito a um homem que acabava de informar que tinha se convertido ao Islam: “Elimina de teu corpo o pelo [dos tempos] da incredulidade.” Novamente, ainda se o hadith fosse aceito como autêntico, não se trata de uma prática muito comum nos tempos do Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele), nem posteriormente. Por isso, alguns sábios entendem que este hadith se aplica somente àqueles que deixam crescem o pelo com fins religiosos. Nesse caso, devem tirá-lo ao se converterem muçulmanos. Por exemplo, nos tempos de hoje, é de conhecimento geral que os Shaikhs não tiram nenhum pelo de sua cabeça ou corpo como ato religioso. Sem dúvidas, não há nada explícito no texto que apóie esta interpretação. Mais uma vez, o hadith é fraco e, se aceito, pode-se entender como um ato recomendável, mas não obrigatório. Igual ao caso do banho, é um ato por meio do qual a pessoa elimina os restos de sua vida pré-islâmica para assim poder empreender sua nova vida como muçulmano e servo de Allah. Circuncisão: Em alguns do relatos que mencionam que o Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) dizia aos novos muçulmanos que se livra-se dos pelos dos dias anteriores ao Islam, também dizia que deveriam circuncidar-se. Também há outro relato que diz: “Todo aquele que adote o Islam deve estar circuncidado, ainda que seja um homem adulto.” Mas este relato nem pode ser confirmado como uma afirmação do Profeta. Não há dúvidas que a circuncisão é uma prática estabelecida no Islam. Pode ser obrigatória ou fortemente recomendada. Com certeza, não há evidências que demonstrem que se deva cumprir estes requisitos imediatamente à conversão. Existem algumas exceções que podem ser aplicadas à algumas pessoas. No passado, os sábios mencionaram, por exemplo, um adulto que abraça o Islam e teme consequências negativas devido ao processo de circuncisão. Desde então, nos tempos modernos, esta possibilidade foi reduzida, pois a circuncisão é, hoje em dia, um procedimento cirúrgico preciso e seguro. Ao mesmo tempo, em algumas partes do mundo é um pouco caro, especialmente se é considerada uma prática opcional. Esta carga financeira pode ser muito pesada para alguns convertidos, neste caso, poderiam adiar a realização até que possam custeá-la. E Allah sabe mais! As recompensas e circunstâncias especiais para o convertido Existem alguns ditos do Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) que demonstram que há algumas recompensas e circunstâncias específicas para a pessoa que abraça o Islam. Em geral, a pessoa entra no islam e deixa atrás um passado cheio de boas e más ações. O Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) explicou o que acontecerá à pessoa em relação às suas ações anteriores. Al Bukhari registrou em sua coleção de ahaadith autênticos: Hakim Ibn Hicham disse: “Ó Mensageiro de Allah, que pensas sobre os atos de adoração que costumava realizar nos meus dias anteriores ao Islam, como libertar escravos, manter os laços de parentesco e dar em caridade? Receberei recompensa por eles?” O Mensageiro de Allah (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) disse: “Já tens adotado o Islam sobre as coisas boas que tinhas em seu passado.” Uma possível interpretação deste hadith é que a pessoa será recompensada pelo bem que fez no passado e esta recompensa se deve à sua conversão ao Islam. De qualquer forma, há que se clarificar que o Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) não disse explicitamente que a pessoa seria recompensada por aquelas ações que tenha praticado antes de abraçar o Islam. Para que uma ação seja aceita por Allah, deve ser realizada com a intenção de agradar a Allah e com a certeza de que está dentro do limite das leis de Allah. Obviamente, essas duas condições não se cumprem quando se fala das ações dos incrédulos. Também há quem interprete este hadith de outras maneiras. Uma explicação é que essas boas ações desenvolvem um bom caráter na pessoa e esta, por sua vez, demonstra uma tendência a fazer o bem, o qual o beneficiará enormemente na hora que se converter muçulmano. Esta tendência a fazer o bem pode ser a razão que a leva a somar-se ao islam. De fato, pode ser que as ações, através das quais Allah abençoou a pessoa, guiaram-na ao Islam. O hadith também pode significar que a pessoa será recompensada também por estas ações, mas neste mundo. Essa é a grande misericórdia e justiça do Islam, ou seja, Allah não permite que nenhuma boa ação fique sem recompensa. Da mesma forma, pode acontecer das boas ações praticadas por não muçulmanos não serem recompensadas por Allah na próxima vida por não reunirem condições para tal, neste caso elas são recompensadas nesta vida, entretanto Allah não as ignora. Sobre isso o Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) disse: “O incrédulo é recompensado nesta vida com provisões pelas boas ações que pratica.” (Muslim). Há outra narração do Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) que diz claramente que se uma pessoa se converte ao Islam e se empenha para aperfeiçoar e completar sua fé, certamente será recompensada pelas ações realizadas antes de sua conversão. Este parece ser um presente especial que Allah concedeu a estas pessoas e Allah dá Seus agrados a quem deseja. O texto deste hadith diz: “Se um servo aceita e completa seu Islam, Allah registrará para ele todas as boas ações realizadas antes [de sua conversão] e Allah apagará todas as más ações realizadas antes [de sua conversão]. Logo, tudo que venha depois será segundo a retribuição. Por cada boa ação, receberá uma recompensa entre dez e setecentas vezes maior. E por cada má ação, registrar-se-á uma similar, a menos que Allah deixe passar. Este hadith mostra que uma pessoa será recompensada pelas boas ações realizadas antes de se converter muçulmano. Suas más ações também serão apagadas ao se converter à religião. Sem dúvidas, é algo condicional. Depende da pessoa, se ela busca a perfeição e completude em sua opção de fé. Quer dizer, é condição que se mantenha afastada das más ações depois de se converter ao Islam. Dita postura é apoiada por um hadith do Sahih al Bukhari e Sahih Muslim em que Ibn Mass’ud perguntou ao Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) se prestariam contas pelas ações realizadas antes da conversão ao Islam. O Mensageiro de Allah (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) disse: “Aquele que seja excelente no Islam não deverá prestar contas por isso. Ao passo que aquele que faz o mal [no que concerne ao Islam] deverá prestar contas pelo que fez antes de se converter ao Islam e depois também.” Também há um hadith no Musnad Ahmad que diz: Enquanto o Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) falava com Amr Ibn al As disse: “Ó Amr, acaso não sabias que o islam apaga todos os pecados cometidos anteriormente?” Este hadith deve ser analisado sob a luz do hadith anterior: Se uma pessoa completa seu Islam com excelência, então, todos os seus pecados anteriores serão apagados e relevados. Do contrário, se a pessoa continua realizando más ações no Islam, não serão relevados os pecados anteriores. Sem dúvidas, isto só se aplica aos pecados e às más ações com respeito a Allah. Não inclui as obrigações de um modo geral, como as dívidas ou os delitos que são punidos neste mundo. Além disso, há uma passagem no Qur’an muito contundente em que Allah diz: “São aqueles que, quando gastam, não se excedem nem são mesquinhos, colocando-se no meio-termo. (Igualmente o são) aqueles que não invocam, com Deus, outra divindade, nem matam nenhum ser que Deus proibiu matar, senão legitimamente, nem fornicam; (pois sabem que) quem assim proceder, receberão a sua punição: No Dia da Ressurreição ser-lhes-á duplicado o castigo; então, aviltados, se eternizarão (nesse estado). Salvo aqueles que se arrependerem, crerem e praticarem o bem; a estes, Deus computará as más ações como boas, porque Deus é Indulgente, Misericordioso.” (25:67-70). Alguns sábios opinam que este versículo indica que as más ações prévias se transformarão em boas ações. Certamente, para outros, significa que a pessoa praticará boas ações que vão substituir as outras. E há outros que interpretam que na próxima vida as más ações se transformarão e a pessoa será recompensada por elas devido à preocupação e o remorso sofrido por causa delas depois de sua conversão ao Islam. Definitivamente, o novo muçulmano convertido está frente a uma oportunidade muito grande. É-lhe dada a oportunidade de que todos os seus erros e pecados anteriores sejam cancelados imediatamente e, ao mesmo tempo, continuar sendo recompensado pelo bem praticado antes de adotar o Islam. Isso é a graça e misericórdia de Allah. Mas, é condicional. O convertido deve tomar seu Islam com seriedade, praticá-lo corretamente e ser um verdadeiro muçulmano, abstendo-se de praticar os maus atos que praticava antes de sua conversão. Se, de alguma forma, volta a cair em tentação e praticar as más ações habituais do passado, perderá uma grande oportunidade que Allah o ofereceu. Por último, existe um versículo do Qur’an e outro hadith que tratam especificamente dos membros do Povo do Livro que se converteram ao Islam. Essas pessoas acreditavam nos livros e profetas anteriores e logo deram o passo necessário para crer também no último Profeta e no último Livro – que seus próprios profetas e livros mencionavam. Allah disse sobre eles: “Eis que lhes fizemos chegar, sucessivamente, a Palavra, para que refletissem. (São) aqueles a quem concedemos o Livro, antes, e nele crêem. E quando lhes é recitado (o Alcorão), dizem: Cremos nele, porque é a verdade, emanada do nosso Senhor. Em verdade, já éramos muçulmanos, antes disso. A estes lhes será duplicada caridade daquilo com que os agraciamos.” (28:51-54). O Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) também disse: “São três os que receberam recompensas duas vezes. [um deles] Um crente do Povo do Livro que creu em seu profeta e também creu em Muhammad. Ele receberá duas recompensas...” (Bukhari e Muslim). A riqueza ganha por um convertido ao Islam Quando alguém adota o Islam, é muito provável que parte de sua riqueza provenha de fontes que o Islam considera ilegítimas. Por exemplo, o convertido pode possuir dinheiro proveniente de operações que implicaram cobrança de juros, venda de álcool e outras. O que o novo muçulmano deve fazer com tal riqueza que já está em suas posses? A regra geral é que toda a riqueza que já esteja em posse da pessoa, no momento da conversão ao Islam, é propriedade dela, não importando como foi adquirida – desde que tenha sido obtida de maneira legal segundo as leis sob as quais vivia a pessoa. Não se aplicam, então, os princípios islâmicos naquela riqueza obtida antes da conversão ao Islam. Assim, por exemplo, disse Allah: “Os que praticam a usura só serão ressuscitados como aquele que foi perturbado por Satanás; isso, porque disseram que a usura é o mesmo que o comércio; no entanto, Deus consente o comércio e veda a usura. Mas, quem tiver recebido uma exortação do seu Senhor e se abstiver, será absolvido pelo passado, e seu julgamento só caberá a Deus. Por outro lado, aqueles que reincidirem, serão condenados ao inferno, onde permanecerão eternamente.” (2:275). Este versículo demonstra que Allah releva as ações realizadas antes que as normas alcancem a pessoa que as pratica, ou seja, antes que ela seja obrigada a seguir tais regras. Muitas pessoas adotaram o Islam durante a vida do Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele), mas não existem registros de que suas riquezas tivessem sido apreendidas, ou, sequer, que aquelas pessoas tenham sido questionadas a respeito da origem de suas riquezas. Inclusive os matrimônios celebrados antes da conversão não eram questionados, nem examinados para ver se cumpriam com os requisitos islâmicos. Com efeito, existem vários relatos que demonstram que o Profeta, explicitamente, estava de acordo com que os novos convertidos mantivessem sua riqueza. Na realidade, a pessoa obteve tais riquezas crendo que não havia nada de mal no que fazia. Portanto, é-lhes permitido manter tais riquezas. Esse caso é diferente de um muçulmano que vende álcool, por exemplo. Este muçulmano, mesmo depois de se arrepender desse mau ato, não deve manter esta riqueza obtida de forma ilícita. Sem dúvidas, a situação é diferente se um convertido, no momento da conversão, não recebeu ainda o dinheiro proveniente de uma fonte que o Islam considera ilícita. Por exemplo, a pessoa pode ter vendido e distribuído álcool no dia primeiro de Julho, mas cobrará este dinheiro apenas em primeiro de Dezembro. Digamos que em Setembro a pessoa que vendeu estas bebidas se converte ao Islam. É possível analisar esta situação e dizer que, como o contrato havia se encerrado antes da conversão, continua tendo validade e há o direito de se receber este dinheiro, trata-se de uma riqueza obtida antes da pessoa se converter muçulmana. Não há dúvidas que a maioria dos sábios opina que esta pessoa não tem o direito de receber o dinheiro. Citam o seguinte versículo: “...Mas, quem tiver recebido uma exortação do seu Senhor e se abstiver, será absolvido pelo passado, e seu julgamento só caberá a Deus...” (2:275). A advertência já foi dada e só se pode conservar o dinheiro recebido antes, desfazendo-se dos juros. Allah também disse: Porém se vos arrependerdes, reavereis o vosso capital. Página 91. Abraços

quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

II. AVE MARIA CHEIA DE GRAÇA


Cristianismo. Ciência e Religião Juntas. II. AVE MARIA CHEIA DE GRAÇA. Controvérsias teológicas – Os dogmas são as verdades que a Igreja Católica considera inquestionáveis. E as mais populares devoções a Santíssima e Imaculada Maria surgiram exatamente dessas máximas instituídas. O problema é que, para cada qualidade em sua lista de virtudes, existe também um tema que gera polêmica. Ao proclamar a virgindade perpetua de Maria, a sua Imaculada Concepção, a sua assunção (subida) corporal aos céus, o seu papel como mediadora celestial e corredentora, a Igreja Católica promoveu uma veneração popular a Santíssima Virgem (Nossa Senhora) que, muitas vezes, se iguala a adoração a Cristo. Afinal de contas, “Não terás outros deuses além de mim. Não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma imagem de qualquer coisa no céu, na Terra, ou nas águas debaixo da Terra, teria determinado o próprio Deus, segundo Êxodo 20,3-4. Contudo, ainda assim, a veneração de Maria Santíssima continua ocupando um lugar central na teologia. Publicado em 1992, o Catecismo da Igreja Católica corrobora a crença: “Cremos que a Santíssima Mãe de Deus, nova Eva, Mãe da Igreja, continua no céu sua função materna em relação aos membros de Cristo”. E mais: “Esta maternidade de Maria na economia da graça perdura ininterruptamente (...). Assunta aos céus, não abandonou este múnus (trabalho) salvífico, mas por sua múltipla intercessão, contínua a alcançar-nos os dons da salvação eterna”. Já para o escritor, psicanalista e ex pastor presbiteriano Caio Fábio (1955-  ), Maria foi muito especial, mas não no sentido frequentemente julgado. Em uma das publicações de seu site, ele afirma: “Maria, sendo mulher virtuosa, foi escolhida por Deus para ser a mãe de Jesus. Espiritualmente, cada geração herda dá outra e deveria, portanto, crescer mais que a outra. Mas não cresce, posto que a religião tenha determinado que as melhores vidas já estejam mortas. Assim, o sentido da História não deveria ser canonizar santos, mas sim existencialista de modo crescente a experiência de cada pessoa com Deus” (1). Nossa Senhora das Graças – Em uma tarde de sábado, no dia 27 de novembro de 1830, na capela das irmãs Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo – França, Catarina Labouré (1806-1876) teve uma visão de Nossa Senhora. Segundo seus relatos, “a Virgem Santíssima e Imaculada” estava de pé sobre um globo, segurando com as duas mãos outro globo menor, sobre o qual, aparecia uma cruzinha de ouro. Dos dedos das suas mãos, que de repente encheram-se de anéis com pedras preciosas, partiam raios luminosos em todas as direções e, num gesto de súplica, Nossa Senhora oferecia o globo ao Senhor”. O pedido dela teria sido que cunhassem medalhas onde sua imagem aparecesse semelhantemente à da visão. Segundo a aparição, todos que usassem o amuleto receberiam grande graças. Virgindade Perpétua – Você pode ter reparado que em nenhum momento deste texto, a palavra “virgem” foi utilizada como sinônimo de Maria. Isto porque a questão é um tanto quanto delicada. A doutrina da virgindade perpétua foi amplamente apoiada pelos padres da Igreja e, no século VII, foi consolidada num conjunto de concílios ecumênicos. Este é um ensinamento tanto católico quanto anglo católico, ortodoxo e ortodoxo oriental, como se comprova em suas liturgias. Por sua vez, os protestantes, assim como alguns historiadores, céticos e outros estudiosos das Escrituras Sagradas avaliam que tal preceito tem bases para ser confrontado – bíblicas, inclusive. O versículo 25 do primeiro capítulo do evangelho de Mateus, por exemplo, nos diz que “Ele (José) não teve relações com ela (Maria) até que ela deu à luz um filho, e deu-lhe o nome Jesus”. Em outras traduções, a sentença aparece da seguinte maneira: “Mas não teve relações com ela enquanto ela não deu à luz um filho. E ele lhe pôs o nome de Jesus”. A frase parece sugestiva quanto à possibilidade do casal ter se relacionado após o nascimento de Cristo. Outro argumento está no versículo 7 do capítulo 2 de Lucas “e ela deu à luz ao seu primogênito”. Como o termo significa “aquele que nasceu primeiro”, ou ainda “o primeiro filho do casal”: é provável que Jesus então tenha tido irmãos, conforme falado em Mateus 13,55-56 “Não é este o filho do carpinteiro? E não se chama sua mãe Maria, e seus irmão Tiago e José, e Simão e Judas? E não está entre nós todas as suas irmãs? De onde lhe veio, pois tudo isto?” Caso contrário, seria descrito como unigênito (filho único ou único gerado). E, para a surpresa de muitos, a própria Bíblia traz evidências de que o Cristo pode ter tido, além de seus irmãos espirituais, irmãos biológicos. A Grande Família – Para quem não é um leitor assíduo das Escrituras, a especificidade da descrição, citando até mesmo nomes dos irmãos sanguíneos, pode causar espanto. E esta não é a única vez que eles são citados, pois outras passagens também relatam a presença deles junto de Jesus, Maria ou dos demais discípulos. Lucas 8,20 “E foi lhe dito: Estão lá fora tua mãe e teus irmãos, que querem ver-te”. João 2,12 “Depois disto desceu a Cafarnaum, ele, e sua mãe, e seus irmãos, e seus discípulos; e ficaram ali não muitos dias” e Atos 1,14 “Todos estes perseveravam unanimemente em oração e súplicas, com as mulheres, e Maria mãe de Jesus, e com seus irmãos”. Nossa Senhora de Lourde – Na então aldeia de Lourdes, região francesa dos Altos Pirineus, em 11 de fevereiro de 1858, a jovem Bernadette Soubirous (1844-1879) foi apanhar lenha às margens do rio Gave. Contudo, a menina de apenas 14 anos ouviu a voz de uma mulher chamando-a carinhosamente. A voz vinha de dentro da gruta. Curiosa e obediente, Bernadette entrou e viu a figura de uma dama que teria se apresentado como Maria. Esta foi a primeira das outras 17 aparições que se seguiram. A notícia se espalhou e muitas pessoas foram à gruta no desejo de ver o espectro, mas só as crianças viam, o que gerou muita desconfiança e dúvida na população. Mesmo assim, segundo a tradição católica, a manifestação divina fez brotar na rocha uma fonte de água cristalina e considerada milagrosa. Assim, as supostas curas obtidas através da água levaram a Igreja a autorizar o culto à chamada Nossa Senhora de Lourdes. No entanto, a versão oficial da Igreja Católica, sustenta que o termo “irmão” (quando a Bíblia fala de irmãos de Jesus) se refere, na verdade, aos primos de Jesus. E a tese não deixa de ter sentido: as línguas hebraicas e aramaicas não possuem um vocábulo que designe o termo “primos”. Ou seja, como o Novo Testamento foi escrito na língua grega, o processo de tradução pode ter sido prejudicado, já que os autores utilizaram o termo adelfos, que literalmente significa irmãos. O grande problema é que em todas as vezes que são mencionados, os primos ou irmãos de Jesus estão na companhia de Maria – contexto que potencializa as chances de Jesus não ter sido filho único. Nossa Senhora de Guadalupe – A virgem de Guadalupe, como é popularmente conhecida, teria aparecido a um índio da tribo Nahua, no longínquo ano de 1531. Identificando-se como mão do verdadeiro Deus, os relatos afirmam que a imagem fez crescer flores na colina semidesértica de Tepeyac, noroeste da cidade do México – México. Posteriormente, como prova de sua aparição, ela orientou o indígena que levasse uma das flores para o bispo, instruindo-o também que construísse um templo à virgem naquela região. Além disso, deixou sua própria imagem impressa misteriosamente (ou seria milagrosamente?) em um tecido de pouca qualidade, feito a partir do cacto, que deveria se deteriorar em 20 anos. Porém, não mostra sinais de decomposição até os dias de hoje. Nossa Senhora de Guadalupe tornou-se a padroeira do México e é considerada a “imperatriz da América”. Meios irmãos – Um segundo argumento da Igreja Católica Romana é de que os irmãos e irmãs de Jesus eram filhos apenas de José, oriundos de um casamento anterior. Algumas teorias acreditam que o carpinteiro era bem mais velho do que Maria antes de se casar com ela. Além disso, Havia se tornado viúvo e possuía vários filhos. No entanto, caso José já possuísse pelo menos seis herdeiros (os quatro homens citados e, no mínimo, mais duas mulheres referentes as “irmãs”), por que eles não são mencionados na sua viagem com Maria a Belém: Lucas 2,4-7 “E subiu também Jose da Galileia, da cidade de Nazaré, à Judeia, à cidade de Davi, chamada de Belém (porque era da casa e família de Davi); a fim de alistar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida. A aconteceu que, estando eles ali, se cumpriram os dias em que ela havia de dar à luz. E deu à luz a seu filho primogênito, e envolveu-o em panos, e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para ele nas estalagens”. Ou na sua viagem ao Egito em Mateus 2,13-15 “E, tendo eles se retirado, eis que o anjo do Senhor apareceu a Jose num sonho, dizendo: Levanta-te, toma o menino e sua mãe, e foge para o Egito, e demora-te lá até que eu te diga; por que Herodes há de procurar o menino para o matar. E, levantando-se ele, tomou o menino e sua mãe, de noite, e foi para o Egito. E esteve lá, até a morte de Herodes, para que se cumprisse o que foi dito da parte do Senhor pelo profeta, que diz: do Senhor chamei a meu filho”. Ou na sua viagem de volta para Nazaré em Mateus 2,20-23 “Dizendo: Levanta-te, e toma o menino e sua mãe, e vai para a Terra de Israel; porque já estão mortos os que procuravam a morte do menino. Então ele se levantou, e tomou o menino e sua mãe, e foi para a Terra de Israel. E, ouvindo que Arquelau reinava na Judéia em lugar de Herodes , seu pai, receou ir para lá; mas avidado num sonho, por divina revelação, foi para as partes da Galileia. E chegou , e habitou numa cidade chamada Nazaré, para que se cumprisse o que fora dito pelos profetas: Ele será chamado Nazareno”. APARIÇÕES – Na tradição cristã, há muitas ocorrências de aparições de anjos ou santos trazendo alguma mensagem de Deus. Com Maria não poderia ser diferente. Mesmo entre os fiéis, as manifestações são pautas para debates e contestações, uma vez que as chamadas forças do mal são frequentemente acusadas de fraudes em questões desse tipo. Já para a ciência, é difícil assegurar que as experiências sobrenaturais acontecem de fato. Segundo os acadêmicos, conduzir estudos e pesquisas que têm por objetivo investigar a fundo eventos sobrenaturais é uma empreitada de risco. “Quando você se livra de toda a falsidade (algo em torno de 95% dos casos) o resíduo deixado parece ser algo real”: confessa Robert M. Schoch (1949-  ), professor de ciências naturais da Universidade de Boston – EUA. Em uma de suas entrevistas, ele admite a possibilidade de existir uma relação entre os campos eletromagnéticos da Terra e os estímulos elétricos, percebidos por determinadas pessoas. “Um estudo analisou as aparições e os padrões geomagnéticos da superfície da Terra. Parece que é possível relacionar os casos de aparições com o fluxo geomagnético”, observa Schoch, cautelosamente. Enquanto alguns campos científicos preferem permanecer alheios a tais discussões, outros ramos alternativos demonstram interesses em se debruçar nos fenômenos. É o caso da ufologia. Para esses estudiosos, o círculo de hipóteses não pode ser fechado, posto que os acontecimentos de natureza religiosa podem ser conectados com questões mais amplas. Nossa Senhora de  Caravaggio – Na tarde do dia 26 de maio de 1432, a senhora Joaneta Vacchi saiu para buscar comida para seus animais. Ao perceber que estava longe de casa, que era situada no pequeno vilarejo de Caravaggio, norte da Itália, próximo a Milão, a mulher ficou com medo de ser espancada pelo marido, um homem de coração duro que a tratava muito mal. Ao dirigir-se para Maria em busca de socorro, uma luz misteriosa teria surgido em seu caminho, revelando no céu a imagem da mãe de Deus. Primeiramente, a mulher divina exaltou a postura de Joaneta como filha humilde e sofredora. Depois, deu um recado ao povo (no início do século XV, a Igreja Católica estava agitava por disputas e divisões internas, inclusive com o surgimento de alguns antipapas: pediu que voltassem a fazer penitência, jejuassem nas sextas-feiras e orassem na igreja no sábado à tarde, em agradecimento pelos castigos afastados. Isso sem no pedido de construção de um templo em seu nome. Esta foi a única aparição de Nossa Senhora de Caravaggio. Abraço. Davi

Editor do Mosaico – (1). O pastor Caio Fábio é muito conhecido no meio evangélico nacional, residindo atualmente em Brasília – Brasil, liderou o  movimento espiritual Caminho da Graça, com “estações” em vários estados da Federação. Tendo, principalmente nos evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João), sua principal maneira de difundir o cristianismo de forma simples e contextualizada na humanização do ser. Já estive em suas reuniões, e sua palavra tem um grande alcance, pois a trabalha na perspectiva da experiência existencial. Isso quando pregava em cultos, pois hoje tem um canal no YouTube onde continua seu ministério pastoral. É assistido por milhares de pessoas pelo mundo afora preservando a linguagem interior que incomoda o ser. É recorrente em seu discurso abordar temas como: sofrimento, desesperança, angústia, medo, receio, coragem, ânimo e estimulo dentre outros. A psicanálise é claramente vista em suas pregações onde traz palavras típicas da análise terapêutica como: pulsão, libido, depressão, complexo, androginia, catarse, ansiedade, homossexualidade, narcisismo, sublimação, neurose, psicose, esquizofrenia dentre outros. Temas que nos dizem respeito, sendo assim, em alguns casos, nos sentimos numa sessão de psicanálise quando frequentamos os cultos, tal a ênfase como o tema relacionado ao evangelho é abordado. Ele, o culto, é realizado com naturalidade, além de poucos ritos cerimoniais, uma característica do Caminho da Graça, que procura se distanciar do dogmatismo das igrejas protestantes e neopentecostais, voltando a pureza espiritual centrada em valores humanos de fraternidade e amor ao próximo. Mesmo elogiando a performance teológico didático do Caio como primeiro líder do Caminho, discordo do seu argumento quando diz: “O sentido da história não deveria ser canonizar santos, mas sim existencializar de modo crescente a experiência de cada pessoa”. Acho que o primeiro período, em sua generalização, não corrobora com o assunto que se refere a história da santidade, virgindade e pureza de Nossa Mãe Imaculada Conceição Maria – Nossa Senhora. Ela foi, é, e será um exemplo de amor, acolhimento e abnegação para com todos os seres. Sua vida piedosa, e envolvida pelo desejo de ser útil ao Eterno; disponibilizou seu corpo físico, sua emoção e seu sentimento, para que, o filho de Deus viesse ao mundo através do seu ventre. Caio, infelizmente, não tem uma visão profunda sobre a espiritualidade universal, mesmo percebendo psicologicamente a importância dos arquétipos e símbolos que permeiam nosso inconsciente. Tudo o que existe, existiu continuará existindo em nossa mente (cósmica) sideral, onde a humanidade vem caminhando desde milênios. Procurando se aperfeiçoar através dos vários institutos que a acompanham quando relacionados a exemplos de vida, pautados na virtude, fé e solidariedade humana. A questão iconoclasta (aversão a imagem) foi discutida no Concílios de Trento da Igreja Católica realizado na segunda metade do século XVI. Afirmando o culto as imagens dos santos representativos da piedade, santidade e temor a Deus. Quando cremos, sinto que, nossa condição deve ser a do respeito e consideração daqueles que tem nestes ícones, uma tipologia do divino. E as lembranças de que devemos, como "estes" santos, ter vida condizente com a divindade suprema que permeia nossa alma e nosso espírito. Acho que o Caio teve essa intenção ao expor seu argumento. A Sabedoria Divina, mostra que, os mortos continuam “vivos” em planos sutis e etéricos, evoluindo em sua alma. Entretanto, aqueles que chegaram a estágios elevados, quando não optam por trabalharem em dimensões planetárias longínquas. Continuam conosco, exercitando seus dons para o benefício da humanidade. No segundo período “mas existencializar de modo crescente a experiência de cada pessoa”. O Caio, suponho, equivocar-se em seu argumento, pois não vejo reticência verbal que justifique a implícita comparação com vidas passadas de pessoas. Que pela meritoriedade e santidade continuam sendo reverenciadas como exemplos de compaixão, amor e piedade a serem imitados. O apóstolo Paulo em uma de suas cartas diz em I Coríntios 11,1 “Sede meus imitadores como eu sou de Cristo”. Desse modo, imagino que o “olhar” do fiel para uma imagem o reporta ao universo da tipologia incrustado em nosso inconsciente. Como lembrança e representação dum ideal, que nós viventes devemos almejar e procurar pela experiência cristã praticar. A Santíssima Virgem – Nossa Senhora, não só, tem todos esses atributos e exemplos como é na essência o maior arquétipo espiritual do cristianismo juntamente com o Filho de Deus Jesus Cristo. Penso que a Divina Mãe está dentro dessa esfera (acolhimento e cooperação) que envolve nosso planeta Terra e o sistema solar onde estamos inseridos. Ela roga diante do Pai, não só pelos habitantes humanos da Terra, como também por todos os seres dos reinos: mineral, vegetal, animal e humano. Além de ter completa autoridade sobre os anjos, demônios, arcanjos, principados, potestades, tronos e poderes e demais. Igualmente hostis da natureza no imaginário como duendes, silfos, salamandras, ondinas, faunos, fadas, gnomos e desconhecidos seres espirituais. Seja louvada e glorificada Ó Santíssima Imaculada Conceição Virgem Maria. Sua pureza e amor comovem todos os seres. Abraço. Davi.     

segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

I. AVE MARIA CHEIA DE GRAÇA

Cristianismo. Ciência e Religião Juntas. I. AVE MARIA CHEIA DE GRAÇA. A intrigante trajetória da mãe de Jesus suscita pendências históricas, teológicas e até mesmo científicas. Há mais de dois mil anos, na vila de Nazaré, na Galileia, o cotidiano do povoado colonizado pelos romanos era um tanto quanto simples. Enquanto os homens saíam para a árdua rotina da labuta, as mulheres permaneciam em suas casas para os afazeres do lar. E, entre uma ou outra tarefa doméstica, o papel de mãe zelosa e dedicada também era um dos mais bem vistos pela sociedade. Não que a jovem Maria não tenha vivenciado todas essas situações. Contudo, no caso dela, a responsabilidade era muito maior. Afinal, seu filho não era um menino como os demais da vizinhança. O anjo que a visitara tempos antes havia dado o recado de maneira clara: de seu ventre nasceria o Messias, o filho de Deus enviado à Terra para salvar e redimir os pecados da humanidade. Descrita na Bíblia, a história mais conhecida do mundo fez de Maria a figura feminina mais venerada de todos os tempos. E as incógnitas acerca de sua imagem residem justamente ai: não há fontes que remontem ou comprovem sua trajetória além das Sagradas Escrituras e dos evangelhos apócrifos – estes, por sua vez, refutados pela igreja por não serem considerados de inspiração divina. Perfil Bíblico – Ficção para uns, realidade para outros, a verdade é que o conteúdo da Bíblia é – ou pelo menos deveria ser – a única regra de fé para os cristãos. Assim, antes de qualquer questionamento sobre o Culto à Maria, bem como dogmas construídos ao seu redor, torna-se imprescindível resgatar o que os evangelhos canônicos (Mateus, Marcos, Lucas e João) descrevem acerca da mãe terrena de Jesus. Diferentemente do que acontecia com os personagens do Antigo Testamento, Maria não tem a totalidade de sua vida abordada pelos escritores, pois sua trajetória é relatada a partir do momento em que a jovem é designada a se casar com o carpinteiro José. Não há nenhuma indicação de quantos anos ela tinha, mas à época, a tradição judaica prezava que as moças fossem destinadas ao matrimônio ainda virgens, logo aos 13 anos de idade. A Santíssima Virgem nos Apócrifos – Se nas Escrituras Sagradas o papel concedido à Maria é de uma importante coadjuvante, alguns dos evangelhos apócrifos a apresentam como protagonista. Inclusive, muitas das tradições religiosas criadas ao seu redor são provenientes desses escritos: liderança sobre os primeiros cristãos (sobretudo os apóstolos); a palma e o véu de Nossa Senhora; as roupas que ela confeccionou para usar no dia de sua morte; sua assunção ao céu; os nomes de seus pais (Ana e Joaquim). Outros relatos, no entanto, são vistos como possíveis fantasias, como por exemplo, a descrição sobre o parto de Jesus, bem como algumas histórias supostamente contadas pela própria Maria acerca da infância do pequeno Messias. Mãe de Jesus – Desde o princípio a personalidade mariana foi caracterizada por atributos apreciáveis. Nas conversas com o anjo Gabriel, por exemplo, suas falas demostram humildade e obediência à missão confiada por Deus, mesmo com a repercussão polêmica que uma gravidez por concepção através do Espírito Santo poderia lhe causar. “Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim, segundo a Tua palavras”, disse ela, de acordo com Lucas 1,38. Aliais, por falar nos documentos lucanos (tanto o evangelho como o livro dos Atos dos Apóstolos) são neles que a figura de Maria surge como presença constante na vida de seu filho Jesus. É verdade que os devotos acreditam que as narrativas bíblicas foram divinamente inspiradas, mas a riqueza de detalhes faz com que alguns estudiosos coloquem a própria Maria como uma das fontes às quais o evangelista recorreu para compor os quadros de uma narração coordenada dos fatos que entre nós se realizaram, conforme nos transmitiram os que desde o princípio foram testemunhas oculares e ministros da palavra, como ele mesmo definiu. Um dos melhores exemplos disso é quando a mãe de Cristo, ainda nos primórdios da gravidez, decide visitar sua prima Isabel, que por sua vez aguardava o nascimento de seu filho João Batista. “Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, o bebê agitou-se em seu ventre, e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. Em alta voz exclamou: Bendita é você entre as mulheres, e bendito é o filho que você dará à luz”, isso é dito em Lucas 1,41-42. Afinal, quem poderia ter lhe contado a intimidade do diálogo se não a própria protagonista do cena? Diversidade sobre a Imaculada Conceição – Sejam crentes ou céticos, boa parte das pessoas não entende a quantidade de nomeação que se atribuem a Maria. Muitos questionam: é a mesma? Ora, se Maria era judia, é provável que possuísse a pele morena. Então porque as famosas “Nossas Senhoras possuem diferentes raças, roupas e causas? A resposta da Igreja é: sim, todas elas remetem à Maria. Segundo as tradições, seu culto e presença ao longo do desenvolvimento da Igreja propiciaram o nascimento de devoções particulares e locais, além de outras representações simbólicas com aspectos condizentes com as causas pela qual foi invocada. A mesma coisa pode ser dita em relação ao evangelho do publicano Mateus. Neste caso, o destaque fica por conta de todos os pormenores que envolvem o canto natalino – desde a fuga para o Egito até a ilustre visita dos três magos. Já no evangelho do apóstolo João, o relato dos sinais operados por Cristo tem início nas bodas de Cana da Galileia, quando Maria desempenha um papel fundamental na realização daquele que é tido como o primeiro milagre de Jesus, instigando-o a desfrutar de seus poderes sobrenaturais. “E faltando vinho, a mãe de Jesus lhe disse: Não tem vinho. Disse-lhe Jesus: Mulher, que tenho eu contigo? Ainda não é chegada a minha hora. Sua mãe disse aos serventes. Fazei tudo quanto ele vos disser”, estando o texto em João 2,3-5. Apesar de sua resposta demonstrar contrariedade à ideia, a sequência da narrativa revela que o filho obedece a mãe e transforma a água em vinho para a alegria dos presentes na festa de casamento. Outro momento crucial no qual sua presença é relatada diz respeito à crucificação. Sem abandonar Jesus (como muitos dos discípulos fizeram), Maria cumpre sua função de mãe fiel e piedosa ao acompanhar o filho por todo seu martírio. Em síntese, entre os cristãos não há  discordância acerca dos conceitos sobre a pessoa de Maria, já que sob a ótica da fé, é reconhecida como um ser especial. Uma verdadeira escolhida de Deus que teve êxito na mais sublime missão que um mortal poderia receber. No entanto, apesar da evidente relevância, a institucionalização da Igreja primitiva instaurou alguns preceitos que motivam controvérsias até os dias de hoje. DE Acordo com a História – Embora a Igreja Católica proclame a si mesma como a igreja pela qual Cristo morreu, uma leitura – ainda que superficial – do Novo Testamento não encontra alusões à sucessão apostólica, ao papado, ou ainda à veneração a Maria e outros santos. De fato, os primeiros 280 anos após a morte de Jesus foram marcados por uma terrível perseguição aos seus seguidores por parte do Império Romano. Porém, o panorama dramático passou a se alterar quando o imperador Constantino resolveu se “converter” ao Cristianismo. Apesar de o discurso oficial defender que o romano havia abraçado uma nova fé, os historiadores acreditam que a ação escondia segundas intenções. Nossa Senhora Aparecida – Situada na região do Vale do Paraíba, no estado de São Paulo – Brasil, a cidade de Guaratinguetá foi o palco da primeira aparição da imagem. Apesar de partirem para a pesca durante uma temporada não muito propícia, alguns pescadores rezaram para Maria pedindo uma providência dos céus. Segundo os relatos, após algumas tentativas infrutíferas, o barco desceu o curso do rio para que a rede fosse jogada novamente. Dessa vez, em vez de peixes, teriam apanhado a famosa imagem de terracota que, segundo a crença, remetia à figura da mãe de Jesus. A partir daquele momento, os três pescadores conseguiram tantos peixes que se viram forçados a retornar ao porto. E, obviamente, além de descarregarem o resultado da pesca, difundiram esta que é considerada a primeira intercessão atribuída a Santa. Naquela altura, o vasto e diversificado Império Romano começava a se fragmentar. Assim, Constantino supôs que a religião poderia ser sustentação para restaurar a unidade. A princípio, a iniciativa até parecia ser favorável também para a Igreja Cristã – e realmente foi, se considerado apenas o privilégio e o prestígio adquiridos com as mudanças. Contudo, no que diz respeito aos ensinamentos, pode-se dizer que as consequências não foram das mais positivas. E segundo boa parte dos teólogos, a imagem de Maria não escapa dessas deturpações. Seria ingenuidade acreditar que a população abandonaria seus credos religiosos e professariam o Cristianismo em sua totalidade. Portanto, o imperador promoveu uma verdadeira mistura com crenças pagãs e absolutamente não bíblicas. O henoteísmo (crença em Deus único, mesmo aceitando a existência possível de outros deuses), por exemplo, era um prática muito comum na época, cuja essência baseava-se na existência de muitos deuses, mas dando atenção especial a um deus em particular. Entre esse “segundo escalão” de entidades, uma das mais populares era a deusa Ísis. O culto à deusa mãe do Egito se alastrou por todas as partes do mundo grego romano. Através das histórias da mitologia, os pagãos a consideravam um modelo de mãe e esposa, protetora da natureza, além de amiga dos escravos, pescadores e oprimidos. Entre as muitas designações que lhe foram conferidas, destaque para “Rainha dos Céus” ou “Mãe de Deus”. Desta maneira, foi natural que Ísis tivesse sua imagem absorvida pelo Cristianismo – obviamente, atrelada à de Maria, afim de atrair os adoradores da deusa para uma fé que, em outras circunstâncias não abraçariam. Percebendo isto. Constantino e os outros imperadores que o seguiram não hesitaram em potencializar o sincretismo (mistura), visto que a exaltação da mãe de Jesus além do que prediz a Bíblia seria benéfica para a nova fé. Não à toa, muitos templos que eram consagrados a Ísis acabaram dedicados à Maria. Basta ver que a primeira indicação clara dá Santidade da Virgem Maria é  brilhantemente apresentada nos escritos de Orígenes (185-254), escritor e teólogo cristão cuja Terra natal era Alexandria (historicamente, o lugar principal de adoração à deusa egípcia). Livro: Mistérios da Bíblia – O Lado Oculto do Livro Sagrado. Abraço. Davi.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

II. RAJA YOGA

II. RAJA YOGA. Texto de I. K. Taimni (1898-1978). RAJA YOGA. Seção Um. Samadhi Pada. Atha yoganusasanam. I-1. Será feita agora uma exposição da Yoga. Geralmente, um tratado dessa natureza, em sânscrito, começa com um sutra que dá uma ideia da natureza da tarefa. O presente tratado é uma “exposição” do Yoga. O autor não pretende ser o descobridor dessa ciência, mas apenas um expositor, que tentou condensar em uns poucos sutras todo o conhecimento essencial concernente à ciência que um estudante ou aspirante deve possuir. Muito pouco se conhece sobre Patanjali. Embora não tenhamos sobre ele uma informação que possa ser chamada propriamente histórica, ainda assim, de acordo com a tradição oculta, ele foi a mesma pessoa conhecida como Govinda Yogi e que iniciou Samkaracarya na ciência do Yoga. Da maneira magistral com que ele expôs o tema do Yoga nos Yoga Sutra, é obvio que ele foi um yogi muito avançado, com um conhecimento pessoal de todos os aspectos do Yoga, inclusive sua técnica prática. Como o método de expor um assunto na forma dos sutras é peculiar e geralmente pouco familiar aos estudantes ocidentais, que não conhecem a linguagem sânscrita, talvez não fosse demais dizer-se aqui umas poucas palavras sobre esse método clássico, adotado pelos sábios e letrados antigos na sua exposição que fizeram de alguns dos mais importantes temas. A palavra sutram, em sânscrito, significa “um fio” e este significado primário deu origem ao secundário de sutram como um aforismo. Do mesmo modo que um fio une uma quantidade de contas num rosário, a subjacente continuidade da ideia une, em linhas gerais, os aspectos essenciais de um tema. As características mais importantes desse método são a máxima condensação, consistente com a exposição clara de todos os aspectos essenciais, e a continuidade do tema fundamental, apesar da aparente descontinuidade das ideias apresentadas. Esta última característica é digna de nota, pois o esforço para se reconhecer o “fio” oculto do raciocínio, sob ideias aparentemente desconexas, muito frequentemente fornece a chave para o significado de muitos sutras. Deve-se lembrar que este método de exposição prevaleceu numa época em que a imprensa era desconhecida, e a maioria dos mais importantes tratados tinha de ser memorizada pelo estudante. Daí, a necessidade de condensar ao máximo. É claro que nada de essencial foi deixado de lado, mas tudo aquilo com que se esperava que o estudante estivesse familiarizado, ou que ele pudesse facilmente inferir do contexto, era cortado impiedosamente. O estudante verificará, em um estudo cuidadoso, quão enorme é a quantidade de conhecimento teórico e prático que o autor conseguiu incorporar em tão pequeno tratado. Tudo quanto é necessário para a devida compreensão do assunto foi dado num ou noutro lugar, sob forma estrutural. Mas a essência do conhecimento requerido tem que ser extraída, convenientemente preparada, analisada e assimilada, antes que o assunto possa ser completa e integralmente compreendido. O método sutra de exposição pode parecer, ao estudante moderno, desnecessariamente obscuro e difícil, mas se ele se dedicar ao trabalho requerido para domínio do assunto, compreenderá realmente sua superioridade sobre todos os demais métodos modernos de apresentação, demasiadamente fáceis. A necessidade de lutar com as palavras e as ideias e extrair seus significados ocultos assegura uma assimilação bastante completa do conhecimento e desenvolve, simultaneamente, os poderes e as faculdades da mente, em especial aquela importante e indispensável capacidade de extrair do recôndito da própria mente o conhecimento nele oculto. Embora esse método de exposição seja muito eficaz, apresenta também suas desvantagens. A principal é a dificuldade com que o estudante comum, não completamente familiarizado com o assunto, depara-se para encontrar o significado correto. Não somente é possível que ele considere muitos sutras difíceis de compreender, tendo em vista sua concisão, mas pode entender de modo completamente equivocado alguns deles, e perder-se de modo irremediável. Lembremo-nos de que, num tratado como o dos Yoga Sutras, por trás de muitas palavras há todo um padrão de reflexão, do qual a palavra é um mero símbolo. Para compreender o verdadeiro significado dos sutras, temos que estar inteiramente familiarizados com tais padrões. A dificuldade aumenta ainda mais, quando as palavras precisam ser traduzidas para um outro idioma que não contém termos exatamente equivalente. Aqueles que escreveram esses tratados tinham mentes superiores, eram mestres do tema e da linguagem com a qual lidavam. Não poderia haver falhas em seu método de apresentação. Mas ao longo do tempo, é possível que tenham ocorrido alterações fundamentais no significado das palavras e nos padrões de pensamento daqueles que estudaram esses tratados. E este fato gera infinitas possibilidades de enganos e interpretações errôneas de alguns dos sutras. Em tratados de natureza puramente filosófica ou religiosa, talvez tais equívocos não tivessem tanta importância, mas em um de natureza altamente técnica e prática, como os Yoga Sutras, podem levar a grandes complicações e, mesmo, sérios perigos. Felizmente, para o estudante sério, o Yoga sempre foi uma ciência viva no Oriente, e que tem contado com uma sucessão ininterrupta de especialistas vivos que continuamente verificam, com base em suas experiências pessoais, as verdades básicas dessa ciência. Isso tem ajudado não somente a manter vivas e puras as tradições da cultura do Yoga, mas também a preservar os significados das palavras técnicas, utilizadas nessa ciência, numa forma claramente definida e exata. Somente quando uma ciência está divorciada completamente de sua aplicação prática é que ela tende a perder-se num emaranhado de palavras que perderam seu significado e sua relação com os fatos. Ao mesmo tempo em que o método de apresentar um assunto sob a forma de sutras mostra-se perfeitamente adequado ao estudante prático e avançado, não há como negar sua difícil adequação às nossas condições modernas. Nos tempos antigos, aqueles que estudavam esses sutras tinham fácil acesso aos instrutores da ciência, que elaboravam o conhecimento corporificado em uma forma condensada, preenchiam as lacunas e davam orientação prática. Esses estudantes tinham tempo para pensar, meditar e extrair os significados por si mesmos. O estudante moderno, que está interessado apenas no estudo teórico da filosofia do Yoga, e que não a está praticando sob a orientação de um instrutor especializado, não tem nenhuma dessas facilidades, e necessita de uma exposição clara e elaborada para que possa ter uma adequada compreensão do assunto. O estudante precisa de um comentário que não apenas explique o significado óbvio, mas também o significado oculto das palavras e expressões utilizadas, em termos dos conceitos com os quais está familiarizado e que pode facilmente compreender. Ele deseja seu alimento não sob a forma de “um comprimido”, mas de forma volumosa e, se possível, saborosa. Livro A Ciência do Yoga. Abraço. Davi.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

I. RAJA YOGA

I. RAJA YOGA. Prefácio da editora. A ciência e a tecnologia aplicadas ao mundo objetivo libertaram-nos das superstições e limitações do período medieval, dando início às eras espacial e nuclear. Contudo, o poder que a bomba atômica nos trouxe, por mais que prove inquestionavelmente uma certa superioridade que esta civilização conquistou no domínio sobre a matéria, também acentua e evidencia desafios mais subjetivos de relacionamento do homem com a natureza, nas questões ecológicas; do homem com o próprio homem, na questão do convívio pacífico e da fraternidade; e do homem com o próprio sentido da vida e da morte, nas questões psicológicas, filosóficas e existenciais. A Ciência do Yoga, segundo a visão do próprio autor, é a ciência do autoconhecimento, aplicada ao mundo subjetivo, para libertar progressivamente a nossa própria civilização atual – iniciar tal pesquisa subjetiva com método científico, de modo a investigar o que pode ser aproveitado do conhecimento que as antigas civilizações já haviam acumulado nesta área. O propósito deste livro é reencontrar a essência do Yoga a partir de um estudo comparativo da ciência moderna com a clássica e primeira codificação da disciplina do Yoga – os Yoga Sutras – escritos  por Patanjali, o grande filósofo indiano, no século VI AC. Patanjali foi o instrutor de Samkaracarya, sendo sua obra a mais citada e adotada dentre todos os sistemas de Yoga, pois suas técnicas abrangem práticas de todos os sistemas, sendo por isso conhecido como Raja yoga ou Yoga Real. É a base de uma das seis escolas clássicas da filosofia indiana. As descobertas da física quântica demonstram, por exemplo, que a irradiação da luz é descontínua, propagando-se através de porções discretas chamadas fótons. Tal fato cientificamente comprovado está em perfeita concordância com a teoria dos Ksanas (instantes), conforme os Yoga Sutras III-53 e IV-33, que considera como descontínua a própria natureza do tempo e da matéria. Como Patanjali poderia, há 2600 anos atrás, conhecer tais fatos sem o apoio da tecnologia e pesquisa científica atuais? A experiência direta, e não a crença piedosa ou a especulação metafísica – assim é o meio do conhecimento em A Ciência do yoga. A prática da meditação, enquanto método progressivo de pesquisa através das diferentes camadas da mente, habilita o yogi, na concepção do autor, a conhecer a origem e essência do Universo, bem como do próprio ser humano, desvendando assim os grandes mistérios da vida e da morte. Contudo, como em toda ciência, tal maestria e perícia na experiência direta da meditação depende de uma longa prática do Yoga – sintetizado pelo sistema de Patanjali, também conhecido como Astanga Yoga por ser dividido em oito partes, conforme é apresentado em II-29. A necessidade da prática do Yoga evidencia-se em II-15-16 e II-33-34. A importância de sua compreensão teórica é tratada em Svadhyaya (autoconhecimento) em II-1 e II-32, enquanto a prática do Kryia – Yoga ou Yoga ou Yoga Preliminar inicia em 11-1 evoluindo para II-11 e II-30, onde fica caracterizada a importância da ética na aplicação de tal  ciência, cuja prática avançada apresenta riscos, conforme se menciona, em II-49, a respeito de pranayama (controle da respiração). Nesta edição foram omitidas a grafia original dos Yoga Sutras de Patanjali em devanagari e a tradução do devanagari, palavra por palavra, consta no original em inglês, contudo foi conservado o original dos sutras em sânscrito transliterado em letras latinas. No sistema de transliteração empregado às vogais longas são assinaladas, para a antepenúltima, na falta de uma vogal longa naquela posição, ou ainda para a quarta sílaba a contar do fim, na falta de uma vogal longa nas posições anteriores. O som do e corresponde a tch, do j a dj, do r a ri, do s a x, e dos a um som sibilante intermediário entre o s e o ss. Outras obras do mesmo autor (I. K. Taimni 1898-1978), que podem ser úteis para introdução ao tema, são A Preparação para o Yoga, sobre o Yoga Preliminar, e Gayatri: O Mantra Sagrado da Índia, para aprofundamento em Mantra Yoga, ambas da Editora Teosófica. Também merece menção outra obra desta editora que é Yoga: A Arte da Integração, de Rohit Mehta, onde se apresenta outro comentário aos Yoga Sutras de Patanjali, porém sob enfoque predominantemente psicológico e, portanto, complementar a este livro. Dr. I. K. Taimni, nascido na Índia e versado na filosofia e prática do Yoga, obteve o doutorado em Química pela Universidade de Londres, em 1928, tendo se tornado professor catedrático e pesquisador da Universidade de Allahabad, Índia. Tal qualificação possibilitou que esta obra tenha o caráter de ligação entre o Oriente e o Ocidente numa linguagem atual de clareza didática incomum. Prefácio do autor.  Texto de I. K. Taimni (1898-1978). Grande número de pensadores, tanto no Oriente quanto no Ocidente, tem genuíno interesse pelo tema Yoga. Isto é natural, porquanto o homem que começa a questionar a vida e seus problemas mais profundos quer algo mais definido e vital para suas necessidades espirituais que uma simples promessa de alegrias celestiais ou “vida eterna”, para quanto tiver deixado sua breve e febril vida neste planeta. Aqueles que perderam a fé nos ideais das religiões ortodoxas e, ainda assim, sentem que sua vida não é um fenômeno da natureza, passageiro e sem sentido, naturalmente se voltam para a filosofia do Yoga, em busca de uma solução para as questões ligadas à sua vida. As pessoas que iniciam o estudo do Yoga com o objetivo de encontrar uma solução, mais satisfatória para tais problemas, deparar-se-ão provavelmente com uma séria dificuldade. É possível que considerem a filosofia interessante, e, mesmo, fascinante, mas demasiadamente envolta em mistério e incoerência para que tenha valor prático em suas vidas. Pois não há assunto mais cercado de mistério e sobre o qual se pode escrever o que se quiser sem risco de ser considerado equivocado. De certo modo, esta atmosfera de mistério e obscuridade que cerca o Yoga deve-se à própria natureza do assunto. A filosofia do Yoga trata de alguns dos maiores mistérios da vida e do Universo e, assim, é inevitável que esteja associada a uma atmosfera de profundo mistério. Entretanto, muito da obscuridade da literatura do Yoga decorre não da profundidade intrínseca do tema, mas de falta de correlação entre seus ensinamentos e os fatos com os quais se supões estar o homem de cultura comum familiarizado. Se as doutrinas do Yoga, forem estudadas tanto à luz do pensamento antigo quanto do moderno, serão de mais fácil compreensão e apreciação. As descobertas no campo da ciência são de especial ajuda, pois habilitam o estudante a entender alguns fatos da vida do Yoga, já que há certa analogia entre as leis da vida superior e as da vida como ela existe no plano físico – relacionamento sugerido na conhecidíssima máxima oculta “assim como é em cima, é embaixo”. Alguns instrutores do Yoga têm tentado resolver essa dificuldade extraindo da filosofia e da técnica do Yoga aquelas práticas que são fáceis de ser entendidas e executadas, colocando-as ante o público em geral como ensinamentos do Yoga. Muitas dessas práticas, tais como asana, pranayama etc (...) são de natureza puramente física e, quando divorciadas dos ensinamentos essenciais e mais elevados do Yoga, reduzem seus sistemas a uma ciência de cultura física equiparável a outros sistemas de natureza similar. Esta super simplificação do problema da vida do Yoga, embora tenha feito algum bem e ajudado algumas pessoas a viver uma vida física mais saudável, vulgarizou o movimento em prol da cultura do Yoga e produziu uma impressão errada, especialmente no Ocidente, sobre o verdadeiro propósito e técnica do Yoga. O que é necessário, por conseguinte, para a média dos estudantes do Yoga, é uma apresentação inteligível e clara de sua filosofia e de sua técnica, para que se tenha uma ideia correta e equilibrada de todos os seus aspectos em termos do pensamento moderno. Pois, embora seja verdade que muitos aspectos da vida do Yoga estejam além da compreensão daqueles que estão confinados ao domínio do intelecto, a filosofia geral e os amplos aspectos de sua técnica podem ser compreendidos pelo estudante sério que esteja familiarizado com as principais tendências do pensamento filosófico e religioso e preparado para conduzir seu estudo com uma mente aberta e ávida. Ele pode pelo menos, compreender esta filosofia de tal modo que seja capaz de decidir se vale a pena empreender um estudo mais profundo do assunto e, mais tarde, ingressar no caminho do Yoga como sadhaka. Pois somente quando ingressa no caminho do Yoga prático e começa a efetuar mudanças fundamentais em sua natureza é que ele pode esperar vislumbrar de fato os problemas do Yoga e sua solução. Este livro pretende dar ao estudante sério uma ideia clara sobre os ensinamentos fundamentais do Yoga, em linguagem que ele possa entender. O livro não apresenta o Yoga sob determinado ângulo ou baseado em determinada escola filosófica. Os que o estudarem verão por si mesmos que esta ciência das ciências é demasiadamente abrangente em sua natureza e muito profunda em suas doutrinas, para enquadrar-se em qualquer filosofia, seja antiga ou moderna. Ela preserva sua característica de ciência baseada nas leis eternas da vida superior, sem necessitar que qualquer ciência ou sistema filosófico endosse suas afirmativas. Suas verdades são baseadas em experiências e experimentos de uma linha ininterrupta de místicos, ocultistas, santos e sábios, que as realizaram e as testemunharam através das eras. Embora se tenha tentado explicar os ensinamentos do Yoga em bases racionais, de modo que o estudante possa compreendê-los facilmente, nada se procura fazer para comprová-los no sentido comum. As verdades do Yoga superior não podem ser comprovadas nem demonstradas. Elas se dirigem à intuição e não ao intelecto. Há uma vasta literatura tratando de todos os aspectos e tipos do Yoga. Mas é provável que o principiante que tente mergulhar nessa massa caótica sinta aversão pela confusão e pelas exageradas afirmativas que venha a encontrar por toda parte. Em torno de um pequeno núcleo de ensinamentos fundamentais e genuínos do Yoga, cresceu, ao longo de milhares de anos, substancial quantidade de literatura espúria, composta de comentários, exposições de sistemas inferiores de cultua do Yoga e de práticas tântricas. Qualquer estudante inexperiente que adentre esta floresta, provavelmente se sentirá perdido, dela saindo com a impressão de que sua procura do ideal do Yoga poderá resultar em perda de tempo. O estudante, por conseguinte, faria melhor caso se limitasse à literatura básica, a fim de evitar confusão e frustração. Na literatura básica do Yoga, os Yoga Sutras de Patanjali revelam-se a obra de maior autoridade e a mais útil de todas. Em seus 196 sutras o autor sintetizou o essencial da filosofia e da técnica do Yoga, de maneira a constituir uma maravilhosa exposição condensada e sistemática. O estudante que analisa o livro superficialmente, ou pela primeira vez, talvez o considere um tanto estranho e desordenado, porém um estudo mais cuidadoso e profundo revelará a racionalidade com que é tratada a matéria. O resumo a seguir dá uma ideia de quão racional é a forma de tratar todo o tema. A primeira seção refere-se à natureza geral do Yoga e sua técnica. Ocupa-se realmente em responder à pergunta: O que é o Yoga?. Dado que samadhi é a técnica essencial do Yoga, é natural que ocupe a posição mais importante entre os vários tópicos tratados na seção. Esta seção é, assim, chamada de Samadhi Pado. A primeira parte da segunda seção trata da filosofia de Klesas e tem por objetivo responder à pergunta: por que deveria alguém praticar Yoga? Ela analisa magistralmente as condições da cia humana, bem como a miséria e o sofrimento inerentes a tais condições. A filosofia de Klesas tem que ser muito bem entendida por qualquer pessoa que pretenda seguir o caminho do Yoga com a inflexível determinação de perseverar, vida após vida, até que tenha atingido o fim. A segunda parte da seção II trata das primeiras cinco práticas da técnica do Yoga, referidas como bahiranga ou externas. São práticas de natureza preparatória e tem a finalidade de tornar o sadhaka apto à prática do samadhi. Como esta seção ocupa-se em habilitar o aspirante, física, mental, emocional e moralmente, à prática do Yoga superior, é chamada de Sakhana Pada. A primeira parte da terceira seção trata das três práticas restantes da técnica do Yoga, referidas como antaranga, ou internas. É através dessas práticas, que culminam em samadhi, que todos os mistérios da vida do Yoga são desvendados e os poderes, ou siddhis, são adquiridos. Na segunda parte desta seção são adquiridos. Na segunda parte desta seção são discutidas em detalhes estas realizações e a seção é, assim, chamada Vibhuti Pada. Na quarta e última seção são expostos todos aqueles problemas filosóficos essenciais envolvidos no estudo e na prática do Yoga. A natureza da mente e a percepção mental, do desejo e seus efeitos aprisionadores, da liberação e os resultados que lhe seguem, são todos tratados de forma resumida, mas sistematicamente, de modo que o estudante tenha uma base adequada de conhecimento teórico. Como todos esses tópicos estão ligados de um modo ou de outro com a conquista de Kaivalya, a seção tem o título de Kaivalya pada. Em virtude de seu tratamento abrangente e sistemático do assunto, os Yoga Sutras constituem o livro mais adequado a um profundo e sistemático estudo do Yoga. Nos velhos tempos, todos os estudantes do Yoga eram preparados para memorizar e meditar de forma regular e profunda sobre os sutras, para deles extrair seus significados ocultos. Mas o estudante moderno, que precisa, primeiramente, ser convencido de que o estudo e a prática do Yoga valem a pena, requer um tratamento mais detalhado e sofisticado do assunto, o qual lhe permita compreender sua filosofia como um todo. Mesmo para esse propósito os Yoga Sutras são a base mais adequada, não somente por oferecerem todas as informações essenciais sobre o Yoga de maneira magistral, mas também por serem reconhecidos como uma obra prima na literatura do Yoga e, como tal, resistir ao teste do tempo e da experiência. Eis a razão de constituírem a base deste livro. A tarefa de quem se dedica a comentar um livro como os Yoga Sutras não é fácil. Trata-se de um assunto da mais profunda natureza. As ideias que precisa interpretar são expostas sob a forma de sutras, que corporificam o máximo da arte da condensação. A linguagem em que os sutras são escritos é antiga, e, embora de extraordinária eficácia na expressão de ideias filosóficas, pode implicar enorme variedade de interpretações. E, o que é mais importante, o autor está lidando com uma ciência relacionada a fatos ligados à experiência humana. Ele não pode, como o filósofo acadêmico, dar asas à sua imaginação e adiantar meramente uma interpretação ideia. Ele tem que apresentar as coisas, da melhor maneira possível, como realmente são e não como deveriam ou poderiam ser. Tendo em vista a possibilidade de alterações que sempre acontecem nas conotações das palavras, no decorrer do tempo, é extremamente arriscado interpretar os sutras de modo rígido, literal. É claro que não se pode tomar liberdades com um livro como os Yoga Sutras, escrito por uma mente magistral, em linguagem considerada quase perfeita. Mas uma coisa é interpretar um sutra de maneira livre e, descuidada, outra é expor seu significado com o devido respeito aos fatos da experiência e as reconhecidas tradições das várias épocas. O sensato, portanto, é levar em consideração todos os fatores envolvidos, evitando, em especial, explicações que nada explicam. Outra dificuldade, ao escrever-se um comentário em um idioma ocidental, é a impossibilidade de encontrar equivalentes exatos para muitas palavras sânscritas. Como a ciência do Yoga floresceu principalmente no Oriente e o interesse pelo no Ocidente é de origem recente, não é possível encontrar equivalentes para muitas palavras sânscritas que exprimem conceitos filosóficos bem definidos. Em muitos casos, os termos disponíveis, com significados aproximados, podem dar uma impressão totalmente errada. Para evitar esse perigo, as palavras sânscritas foram usadas livremente no comentário, sempre que não tenha sido possível obter um equivalente exato. Contudo, para facilitar um cuidadoso estudo do assunto, não somente é dado o texto em sânscrito, em cada sutra, mas também os significados das palavras sânscritas nele utilizadas. Por certo, conforme dito acima, não se dispõe dos exatos equivalentes de muitas palavras sânscritas. Em tais casos, são apresentados somente os significados aproximados das palavras, na suposição de que o estudante extraia o significado exato dos termos contidos no comentário que acompanha o sutra. Tal procedimento habilitará o estudante a julgar por si mesmo o quanto a interpretação está de acordo com o significado literal das palavras utilizadas no sutra e, se houver alguma divergência, até onde está se justifica. Mas é claro, a justificativa final de qualquer interpretação é sua conformidade com os fatos da experiência, e, se este tipo de verificação não se tornar possível, devem o bom senso e a razão servir de guia. Aquele que procura a verdade deve ater-se especialmente sobre o significado das palavras. Que esse passatempo seja deixado aos menos eruditos. Um cuidadoso estudo dos Yoga Sutras e o tipo de preparação e esforço necessários à realização do objetivo do empreendimento do Yoga podem dar ao estudante a impressão de uma tarefa extremamente difícil, se não impossível, superior à capacidade do aspirante comum. Essa impressão certamente o desencorajará e, se ele não refletir profundamente sobre os problemas da vida e clarear suas ideias a este respeito, será levado a abandonar a ideia de empreender a Divina Aventura ou postergá-la para uma vida futura. Não pode haver dúvida de que a séria persecução do ideal do Yoga é uma tarefa difícil, e não pode ser assumida como mero lazer, ou como um meio de escapar às tensões e pressões da vida comum. Pode ser empreendida somente a partir de um pleno entendimento da natureza da vida humana, da miséria e do sofrimento que lhes são inerentes, e de uma compreensão de que o meio de acabar permanentemente com a miséria e com o sofrimento é encontrar a verdade que está guardada em nosso íntimo, através do único método disponível – a disciplina do Yoga. Sem dúvida, a consecução deste objetivo é algo que requer muito tempo e o aspirante tem que estar preparado para despender certo número de vidas – tantas quantas necessárias – em sua procura séria e de todo coração. Ninguém pode saber, no princípio, quais são suas potencialidades e de quanto tempo necessitará. Pode esperar o melhor, mas é bom estar preparado para o pior. Aqueles que não se sentem prontos a enfrentar essa tarefa não são forçados a tentá-la imediatamente. Podem continuar o estudo teórico do Yoga, refletir constantemente sobre os mais profundos problemas da vida, tentar purificar suas mentes e fortalecer seu caráter, até que sua capacidade de discernimento se torne suficientemente forte que lhes possibilite penetrar as ideias as ilusões comuns e ver a vida em crua realidade. De fato, este é o propósito do Kriya Yoga, a que Patanjali refere-se no começo da seção II. Quando os olhos interiores do verdadeiro discernimento começam a se abrir, como resultado da prática do Kriya Yoga, deixarão de cogitar se são bastantes fortes para empreender esta longa e difícil jornada em direção a seus verdadeiros lares. Ai, então, nada poderá detê-los e eles se devotarão natural e de todo o coração a essa difícil, mas sagrada tarefa. O que importa é partir definitivamente, de algum lugar, o mais cedo possível – Agora. Quando se dá esta partida, forças começam a juntar-se em torno do eixo do empreendimento e impelem o aspirante para a sua meta, lentamente, a princípio, mas com velocidade crescente, até que ele esteja tão absorto na persecução de seu ideal que o tempo e a distância deixam de importar-lhe. E, um dia, ele descobre que atingiu seu objetivo, e olha para trás com uma espécie de admiração, para a longa e tediosa viagem que completou no reino do tempo, embora durante todo o tempo ele estivesse vivendo no Eterno. Livro A Ciência do Yoga. Abraço. Davi.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

III. O LIVRO JUDAÍCO DOS PORQUÊ

Judaísmo. Por Alfred J. Kolatch (1916-2007). III. O LIVRO JUDAÍCO DOS PORQUÊ. 8. Por que a acusação de que os judeus mataram Jesus não tem fundamento histórico? A crucificação era um costume persa depois aplicado também pelos romanos. O ritual de crucificação dos romanos começava com uma severa surra. Após a qual a pessoa, a quem se cravavam pregos nas mãos e pés, era pendurada em dois pedaços da madeira cruzados. Não era permitido que o corpo da vítima tocasse o solo. O historiador judeu Flávio Josefo (37-100 d.C.) que viveu nos tempos de Jesus, relata sobre milhares de judeus crucificados pelos romanos. É fato, pois, que a crucificação era um procedimento usual dos romanos para executar os criminosos . A acusação dos cristãos de que os judeus crucificaram Jesus pode ser refutada com base nos seguintes pontos: 1. Na época em que Jesus apareceu em cena, o Sanhedrin, o tribunal máximo de justiça dos judeus, havia perdido toda autoridade para ditar sentenças em casos de pena capital. Esta autoridade era detida de forma absoluta pelos romanos. Portanto, a ordem de executar a Jesus só podia provir de uma suprema autoridade romana, especificamente Pôncio Pilatos. 2. De acordo com os relatos de Marcos 14,54 e Mateus 26,57, o Sanhedrin foi convocado para uma sessão na mesma noite em que Jesus foi preso. Tratava-se da véspera de Pêssach, Páscoa, que, nesta ocasião caiu no Shabat, Sábado. Segundo o Talmud, o Sanhedrin não poderia ter debatido esta sentença já que a. os casos de pena capital eram vistos durante o dia e b. por certo que o Sanhedrin não se reuniria para ver uma causa penal em um dia de festa e certamente não no Shabat. O Evangelho segundo Lucas 22,54-66, discorda de Marcos e Mateus neste ponto e afirma que o Sanhedrin se reuniu na manhã daquele dia. 3. Não existe evidência de que a crucificação era uma forma de pena capital usada pelos judeus. Os métodos de execução judaicos eram o apedrejamento, a queima, o estrangulamento e a morte pela espada. Os primeiros três métodos são mencionados na Bíblia e o quarto no Talmud. 9. Por que, através dos séculos, os judeus foram estigmatizados como “assassinos de Cristo”? Pôncio Pilatos, o governador romano da Terra de Israel nos tempos de Jesus, é descrito no Novo Testamento como um líder sem controle algum sobre o que sucedia a seu redor. Ainda que o Evangelho segundo Mateus o registre acusando Jesus de ser o “rei dos judeus” e, portanto, como uma ameaça ao poder romano, Pilatos é apresentado como alguém pouco desejoso de condenar Jesus a pena capital. Os responsáveis pela crucificação seriam “os principais sacerdotes e os anciãos”, que clamavam: “Seja crucificado!”, Mateus 27,11-25. Pôncio Pilatos então “lava as mãos” em público e diz: “Sou inocente do sangue deste justo”, enquanto os judeus respondem: “Que seja seu sangue sobre nós e nossos filhos”. Aqui Mateus transfere a responsabilidade pela crucificação dos romanos aos judeus. Este relato dos Evangelhos provocou durante 20 séculos o estigma dos judeus como “assassinos de Cristo”. Alguns estudiosos cristãos do Novo Testamento se compraziam em apresentar Pôncio Pilatos como uma vítima das circunstâncias e não como o impiedoso governante responsável pela morte de Jesus. Quando os Evangelhos foram elaborados, segundo dizem estes mesmos estudiosos, as relações entre a Igreja emergente e a comunidade judaica eram muito tensas. Os novos cristãos ansiavam por apresentar uma imagem altamente desfavorável dos judeus. 10. Por que o episódio de Judas tem tons marcadamente antissemitas? Conforme o Evangelho segundo Mateus, Judas Iscariotes, um dos discípulos de Jesus, apontou para os representantes da comunidade judaica que o procuravam “para prendê-lo com malícia ... e matá-lo”, Mateus 26,4. Por esta traição, Judas foi recompensado com trinta peças de prata, as quais, mais tarde, ao arrepender-se de seu ato, entregou ao tesouro do Templo. Os sacerdotes do Templo utilizaram este dinheiro para comprar um lugar para enterrar Jesus. Alguns especialistas em Bíblia afirmam que o excesso destaque que a Teologia Cristã concedeu ao incidente de Judas através dos séculos faria parte de um esforço consciente para atribuir aos judeus a responsabilidade pela morte de Jesus. O nome Judas soa tão parecido com judeus, que quando os cristãos condenaram a judas como o traidor de Jesus, conseguiram o efeito de condenar os judeus por igual. Na linguagem comum, Judas se integrou como sinônimo de traidor, avarento, e de alguém disposto a vender sua alma por dinheiro. Intencional ou não, quando alguém escuta o nome Judas, costuma associá-lo aos judeus. 11. Por que os judeus não aceitam que Jesus era alguém que fazia milagres? O Evangelho segundo João sustenta que os milagres realizados por Jesus são prova de sua natureza Divina. Quando Jesus cura os incuráveis, ressuscita os mortos , caminha sobre as águas, transforma água em vinho. Dá de comer a uma multidão de cinco mil pessoas, faz com que seu amigo Lázaro se levante da tumba. Realiza alguns dos outros 40 milagres que se lhe atribuem no Novo Testamento, ele está demonstrando que é “Deus Encarnado”. João cita Jesus dizendo: “... ainda que não creias em mim, crede nas obras, milagres, para que conheçais e creias que o Pai está em mim, e eu no Pai”, 10,38. O judaísmo nega a ideia de que as leis da natureza possam ser contrariadas. Já nos tempos talmúdicos, os rabinos expressaram que os milagres da Bíblia não eram violações das leis naturais. Mas sim eventos programados no momento da Criação. Segundo a interpretação tradicional das Escrituras, ainda que a Bíblia descreva certo número de fatos miraculosos, estes não foram considerados sobrenaturais já que Deus não estaria disposto a violar as leis da natureza que Ele mesmo estabeleceu. Este ponto de vista sobre os milagres tem regido o pensamento judaico através dos tempos. É por isto que os “fazedores de milagres” que aparecem em cena de tempos em tempos, nunca foram aceitos por qualquer corrente majoritária do judaísmo. Abraço. Davi.

sábado, 18 de janeiro de 2025

LEMBRANÇAS INFANTIS E LEMBRANÇAS ENCOBRIDORAS

Psicanálise. Livro Sobre a Psicopatologia da Vida Cotidiana. Por Sigmund Freud (1856-1939). LEMBRANÇAS INFANTIS E LEBRANÇAS ENCOBRIDORAS. Em outro artigo, publicado em 1899 no Monatsschrift fur Psychiatrie und Neurologie, tive a oportunidade de demonstrar a natureza tendenciosa de nossas recordações justamente naquele estágio do qual menos suspeitaríamos. Parti do fato conspícuo de que as primeiras memórias de infância de uma pessoa frequentemente dizem respeito a coisas indiferentes e secundárias, enquanto não permanece na memória dos adultos nenhum traço, falo de maneira geral, não absoluta, de impressões importantes, impressionantes e de forte conteúdo afetivo dessa época. Como é sabido que a memória efetua uma escolha entre as impressões que a ela se oferecem, somos obrigados a supor que, na infância, essa escolha se dê seguindo critérios muito diversos daqueles que vigem quando nos tornamos intelectualmente maduros. Contudo, um exame detalhado revela que tal suposição é desnecessária. As lembranças indiferentes da infância devem sua existência a um processo de deslocamento. Elas constituem a reprodução substitutiva de outras impressões, realmente importantes, cuja existência pode ser revelada pela psicanálise, mas cuja reprodução direta se confronta com uma resistência. Ora, como devem sua conservação não ao próprio conteúdo, mas a uma conexão associativa existente entre esse conteúdo e um outro, repudiado, elas justificam o nome de “lembranças encobridoras” sob o qual eu as designei. No artigo em questão eu apenas toquei de leve, sem de modo algum esgotar, a multiplicidade e variedade dos vínculos e das significações que essas lembranças apresentam. Através de um exemplo minuciosamente analisado consegui revelar uma particularidade das relações temporais entre as lembranças encobridas e o conteúdo que elas encobrem. No caso de que se trata, a lembrança encobridora pertencia a um dos primeiros anos da infância, enquanto aquele o representava na memória, conservando-se relativamente inconsciente, se ligava a uma época posterior da vida do sujeito. Designei essa espécie de deslocamento de retroativo ou retrocedente. Talvez seja ainda mais frequente o caso oposto, em que uma impressão indiferente de uma época posterior se instala na memória a guisa de “lembrança encobridora”. Unicamente porque se conecta a acontecimento anterior cuja reprodução direta esta impedida por certas resistências. Essas seriam as lembranças encobridoras. Um terceiro caso ainda possível, em que a lembrança encobridora se conecta à impressão que a encobre não apenas por seu conteúdo, mas também por sua contiguidade no tempo. Essa seria a lembrança encobridora simultânea ou contigua. Qual é a proporção de nossas lembranças encobridoras? Que papel elas desempenham nos diversos processos intelectuais de natureza neurótica? Há muitos problemas que não pude aprofundar no artigo citado acima e cuja discussão também não irei trazer para cá. Tudo o que me proponho a fazer hoje é demostrar a semelhança que existe entre o esquecimento de nomes acompanhados de lembranças falsas e a formação das lembranças encobridoras. A primeira vista, as diferenças entre esses dois fenômenos parecem mais evidentes que as semelhanças. Lá trata-se de nomes próprios. Aqui, de lembranças completas, de acontecimentos realmente, ou mentalmente, vividos. Lá, de uma pane manifesta da função da memória. Aqui, de um funcionamento mnemônico que nos choca por sua estranheza. Lá, de um problema momentâneo, pois o nome que acabamos de esquecer pôde ser reproduzido cem vezes de modo exato e talvez seja recuperado amanhã. Aqui, de uma condição durável, sem remissão, pois as lembranças da infância que são indiferentes parecem não nos deixar durante boa parte de nossa vida. O enigma parece ter, nos dois casos, uma orientação diferente. O que desperta nossa curiosidade científica no primeiro caso é o esquecimento, aqui, é a conservação. Mas após um exame algo aprofundado, constatamos que, em que pesem as diferenças existentes entre os dois fenômenos sob o ponto de vista dos materiais psíquicos e da duração, eles apresentam analogias que retiram das diferenças toda importância. Tanto num caso como no outro, trata-se de deficiências da memória, que reproduz não a lembrança exata, mas algo que a substitui. No esquecimento de nomes, a memória funciona, mas fornecendo nomes de substituição. No caso das lembranças encobridoras, trata-se de um esquecimento de impressões outras, mais importantes. Nos dois casos, uma sensação intelectual nos adverte quanto à intervenção de um problema cuja forma varia de caso para caso. No esquecimento de nomes, sabemos que os nomes de substituição são falsos. Já quanto às lembranças encobridoras, nós apenas nos perguntamos cheios de assombro de onde elas vêm. E como a psicanálise pode nos mostrar que a formação de substituições se dá nos dois casos da mesma maneira. A favor de um deslocamento que se segue a uma associação superficial, as diferenças que existem entre os dois fenômenos. Quanto à natureza dos materiais, a duração e o centro em torno do qual eles evoluem, são ainda mais de natureza a nos fazer esperar pela descoberta de um princípio importante e aplicável tanto ao esquecimento de nomes quanto às lembranças que encobrem. Esse princípio geral seria o seguinte: a parada ou pane do funcionamento da faculdade de reprodução frequentemente revelam mais do que suspeitamos a intervenção de um fator parcial, de uma tendência que favorece essa ou aquela lembrança, ao passo que tenta se opor a outra. A questão das lembranças da infância me parece de tal modo importante e interessante que gostaria de lhe consagrar ainda algumas observações que ultrapassam os pontos de vista que até o presente são admitidos. Até que idade chegam nossas lembranças infantis? Existem, de meu conhecimento, alguns pesquisadores da questão, sobretudo as pesquisas de V. e C. Henri e de Porwin, donde se depreende que existe quanto a essa questão grandes diferenças individuais, certos indivíduos que fazem suas primeiras recordações remontar à idade de seis meses. Enquanto outros não se lembram de absolutamente nenhum acontecimento em suas vidas antes dos seis ou até mesmo dos oito anos de idade. Mas a que se devem essas diferenças, qual o significado? É evidente que não basta reunir em vasta pesquisa os materiais referentes ao assunto, esses materiais estão ainda por ser elaborados e sempre com a colaboração e a participação da pessoa interessada. Em minha opinião, é errado aceitar como ocorrência natural o fenômeno da amnésia infantil, da ausência de lembranças concernindo os primeiros anos de vida. Deveríamos antes ver nesse fato o testemunho de um enigma peculiar. Esquecemos que até mesmo uma criança de quatro anos é capaz de um trabalho intelectual muito intenso e de vida afetiva bem complicada. E deveríamos ficar espantados ao constatar que todos esses processos psíquicos tenham deixado tão poucos traços da memória, ao passo que temos todos os motivos para admitir que todos esses acontecimentos esquecidos da vida infantil exerceram influência determinante no desenvolvimento do indivíduo. Como pode ser então que, apesar de toda essa influência, inquestionável e sem comparação, tudo isso possa ter sido esquecido? É nos forçoso admitir que a lembrança, concebida como uma reprodução consciente, esteja submetida a condições verdadeiramente especiais que até o momento presente escaparam a nossas pesquisas. É muito possível que o esquecimento infantil nos forneça o meio de compreender as amnésias que, em conformidade a nossos conhecimentos mais recentes, estão na base da formação de todos os sintomas neuróticos. Das lembranças que conservamos da infância, algumas nos parecem bastante compreensíveis, outras estranhas e inexplicáveis. Não é difícil corrigir alguns erros relativos a cada uma das categorias. Quando submetemos ao exame analítico as lembranças conservadas por um homem, constata-se facilmente que não existe garantia alguma quanto à exatidão. Algumas estão incontestavelmente deformadas, incompletas ou sofreram deslocamento no tempo e no espaço. A afirmação de pessoas examinadas segundo as quais sua primeira lembrança remonta, por exemplo, ao seu segundo ano de vida, evidentemente não merece confiança. Rapidamente descobrimos motivos que determinaram a deformação e o deslocamento dos fatos que constituem o objeto das lembranças, e esses motivos mostram ao mesmo tempo que não se trata de simples erros por parte de uma memória infiel. No decorrer da vida posterior do indivíduo, força potentes influenciaram e moldaram a faculdade de evocar as lembranças infantis, e são provavelmente essas mesmas força que, em geral, fazem com que seja tão difícil a compreensão dos anos de nossas infâncias. As lembranças dos adultos remetem, como sabemos, a materiais psíquicos diversificados. Alguns se lembram de imagens visuais, suas lembranças têm um caráter visual. Outros, mal são capazes de reproduzir os contornos mais elementares daquilo que viram. Segundo a proposição de Charcot, a esses sujeitos denominamos “auditivos” e “motores”, que são opostos aos “visuais”. Nos sonhos, todas essas diferenças desaparecem, pois sonhamos todos, preferencialmente, com imagens visuais. Para as recordações da infância observamos, por assim dizer, o mesmo tipo de regressão que acontece com os sonhos. Essas recordações posteriormente irão prescindir de qualquer elemento visual. A lembrança visual conserva assim o tipo infantil de lembrança. No meu caso, as primeiras lembranças infantis são as únicas que conservam seu caráter visual. São em realidade cenas plasticamente elaboradas que só se comparam a representações teatrais. Nessas cenas, verdadeiras ou falsas, datadas da infância, vemos com regularidade aparecer nossa própria persona infantil, com seus contornos e suas vestimentas. Essa circunstância deve forçosamente nos surpreender, pois os adultos “visuais” não costumam ver a imagem de sua pessoa em suas recordações de acontecimentos posteriores. Além disso, vai contra toda nossa experiência aceita que a atenção da criança esteja em si mesma, em vez de se dirigir exclusivamente às impressões de fora. Vai igualmente contra todas as minhas experiências admitir que, nos acontecimentos em que ela é a autora ou testemunha, a atenção da criança se dirija a si mesma em lugar de se concentrar nas impressões vindas de fora. Isso tudo nos obriga a admitir que tudo isso que encontramos nas assim chamadas recordações da primeira infância não são apenas vestígios dos acontecimentos reais. Mas elaboração posterior desses vestígios que foi forçada a efetuar-se sob a influência de diversas forças psíquicas que passaram a intervir a seguir. É desse modo que nossas “recordações infantis” adquirem, em geral, a significação de “lembranças encobridoras” adquirindo semelhança digna de nota com as lembranças da infância dos povos, preservadas nas lendas e nos mitos. Todos os que tiveram oportunidade de praticar a psicanálise com certo número de pessoas com certeza adquiriram grande número de exemplos de “lembranças encobridoras” de todos os tipos. Mas a comunicação desses exemplos se torna extraordinariamente difícil, pela própria natureza das relações que, como já demonstramos. Existem entre as lembranças infantis e a vida posterior, para descobrir numa lembrança infantil uma  “lembrança encobridora”. Seria frequentemente necessário fazer com que se desenrolasse, diante dos olhos do experimentador, toda a vida pregressa da pessoa em análise. É muito raro sermos capazes de expor uma lembrança infantil isolada e destacá-la do conjunto. Eis aqui um exemplo muito interessante. Um jovem de 24 anos conserva a seguinte imagem de seu quinto ano de vida. Ele está sentado no jardim de uma casa de campo, numa pequena cadeira ao lado de sua tia, que se empenha em ensinar-lhe o alfabeto. A diferença entre o “m” e o “n” está lhe parecendo muito difícil, e ele pede à sua tia que lhe diga como distinguir um do outro. A tia chama sua atenção para o fato de a letra “m” ter toda uma parte que o “n” não tem, toda uma perna a mais. Nunca houve oportunidade para por a prova a autenticidade dessa lembrança infantil. Sua importância, contudo, só veio à tona mais tarde, quando ela se mostrou adequada como representação simbólica de outra curiosidade da criança. Pois, assim como outrora ele quisera saber a diferença entre um “m” e um “n”, mais tarde ele quis muito saber qual era a diferença entre um menino e uma menina. E, decerto, ele estaria complemente de acordo se fosse essa mesma tia a lhe prestar os esclarecimentos necessários. Assim, foi quando ele ficou sabendo que se tratava de uma diferença muito semelhante a primeira, ou seja, que o menino também tem uma coisa inteira a mais que a menina. Sendo esse conhecimento que fez com despertasse nele a recordação da lição sobre o alfabeto. Eis aqui outro exemplo que se relaciona a segunda infância. Trata-se de um homem de 40 anos, que sofreu várias decepções em sua vida amorosa. É o mais velho entre nove irmão. Já tinha quinze anos quando nasceu a mais jovem de suas irmãs, mas afirma jamais haver percebido que sua mãe estivesse grávida. Notando-me incrédulo, apelou a suas lembranças e acabou por se lembrar que com a idade de onze ou doze anos, ele um dia viu sua mãe desenlaçar apressadamente sua saia diante de um espelho. Sem ser solicitado, dessa vez, ele completa sua lembrança dizendo que naquele dia sua mãe acabava de chegar e que se sentia tomada por inesperadas dores. Ora, o desenlace (aufbinden) da saia nesse caso era apenas uma lembrança encobridora para dar à luz (entbindung). Tratava-se ali de um tipo de “ponte verbal”, cujo emprego encontraremos em vários outros casos. Com um único exemplo gostaria de mostrar ainda o sentido que uma lembrança infantil, que inicialmente parecia não fazer sentido algum, quando analiticamente elaborada, pode adquirir. Quando, aos meus 43 anos, comecei a me interessar pelo que restava de memória da minha própria infância, veio-me à mente uma cena que há muito tempo, desde sempre, parecia, acudia à minha consciência e que, seguindo boas referências temporais. Deve ter acontecido antes de eu ter completado meu terceiro ano de vida. Eu me vi diante de um baú, chorando e gritando, cuja tampa meu meio-irmão, vinte anos mais velho que eu, conservava aberta, quando subitamente entrou no quarto minha mãe, linda e esbelta, como se estivesse chegando da rua. Com essas palavras estou reproduzindo a cena que se desenrolou plasticamente diante de meus olhos, mas cujo significado eu ignorava em absoluto. Meu irmão queria abrir ou fechar o baú, na primeira representação da cena, tratava-se de “Um armário”? Por que eu havia chorado por causa disso? Que relação havia entre aquilo tudo e a chegada de minha mãe? Havia muitas questões às quais não sabia como responder. Tentei esclarecer a cena imaginando que deveria tratar-se de algum tipo de provocação por parte do meu meio-irmão, e que tinha sido interrompida pela chegada de mamãe. Tais mal-entendido não são raros na memória guardada de cenas infantis. A pessoa se lembra de uma situação, mas não sabe em torno de que ela gira, em qual elemento deve colocar o acento psíquico. O esforço analítico conduziu-me a uma apreensão totalmente inesperada do quadro. Tendo sentido falta de minha mãe, suspeitei que ela pudesse estar trancada nesse baú, ou armário, por isso exigi que meu irmão o abrisse. Quando ele fez minha vontade e eu constatei que minha mãe não se encontrava lá, comecei a berrar. Assim foi o incidente, tal como o retive na memória, ele também se seguiu da imediata aparição de minha mãe e do apaziguamento de minha inquietude e de minha tristeza. Mas quando foi que a criança concebeu a ideia de ir procurar sua mãe no baú? Os sonhos que datam dessa mesma época evocam vagamente em minha memória a imagem de uma baba de quem eu havia guardado outras lembranças. Por exemplo, que ela usava de astúcia para me convencer a entregar-lhe cada moeda que eu recebesse de presente. Para que ela “tomasse conta”, detalhe que, por sua vez, poderia servir apenas como lembrança encobridora a respeito de fatos que se seguiram depois. Assim eu me decidi, a fim de facilitar meu trabalho de interpretação, indagar minha velha mãe acerca dessa empregada. Ela me contou minhas coisas, dentre outras, que essa mulher ardilosa e desonesta, cometera, nos períodos em que minha mãe estivera presa ao leito em virtude e seus partos, numerosos furtos na casa. Tendo inclusive sido condenada à prisão no tribunal quando meu meio-irmão apresentou queixa contra ela. Como num passe de mágica, essa informação me fez compreender a cena que descrevi acima. Eu não ficara indiferente ao súbito desaparecimento dessa empregada. Cheguei mesmo a perguntar a meu irmão o que tinha sido feito dela, pois eu certamente notara que ele havia desempenhado algum papel em seu desaparecimento. E meu irmão me respondeu com evasivas, e, segundo seu costume, jogando com as palavras, dizendo que ela estava “encaixotada” (eingekastelt). Interpretei essa resposta de modo infantil, mas parei de questioná-lo, pois não tinha mais nada a perguntar. Quando minha mãe se ausentou algum tempo depois, fiquei cheio de suspeitas, na certeza de que meu irmão havia feito com ela a mesma coisa que fizera com a empregada. Por isso exigi dele que abrisse o baú. Agora compreendo por que, na tradução da cena visual, a esbelteza de minha mãe se mostra acentuada. Ela me apareceu como chegando de uma verdadeira restauração. Eu sou dois anos e meio mais velho que minha irmã justamente nascida nessa ocasião. Ao completar três, meu meio-irmão deixou a casa paterna. Livro Sobre a Psicopatologia da Vida Cotidiana. Abraço.