segunda-feira, 21 de novembro de 2022

OS DEMÔNIOS

 

Espiritismo. Texto de Allan Kardec (1804-1869). Livro O Céu e o Inferno. Capítulo X. OS DEMÔNIOS. Origem da crença nos demônios • Os demônios segundo a Igreja • Os demônios segundo o Espiritismo. ORIGEM DA CRENÇA NOS DEMÔNIOS. 1. Os demônios têm, em todas as épocas, desempenhado um grande papel nas diversas teogonias; embora consideravelmente decaídos na opinião geral, a importância que ainda se lhes atribui em nossos dias dá a essa questão uma certa gravidade, porque ela toca mesmo no fundo das crenças religiosas; eis por que é útil examiná-la com os desdobramentos que ela comporta. A crença em um poder superior é instintiva nos homens, por isso a encontramos, sob diferentes formas, em todas as épocas no mundo. Se hoje, com o grau de adiantamento intelectual a que os homens chegaram, eles ainda discutem sobre a natureza e os atributos desse poder, quanto mais imperfeitas deviam ser as suas noções a esse respeito no começo da humanidade! 2. O quadro que para nós se apresenta da inocência dos povos primitivos em contemplação diante das belezas da natureza, na qual eles admiram a bondade do Criador, é sem dúvida muito poético, mas nele falta a realidade. Quanto mais o homem se aproxima do estado natural, mais o instinto o domina, como se pode verificar ainda entre os povos selvagens e bárbaros dos nossos dias; o que mais o preocupa, ou melhor, o que exclusivamente o ocupa, é a satisfação das necessidades materiais, porque outras ele não tem. O único sentido que pode torná-lo acessível aos prazeres puramente morais só se desenvolve com o tempo e gradualmente; a alma tem sua infância, sua adolescência e sua virilidade, assim como o corpo humano; mas, para atingir a virilidade que a torna apta a compreender as coisas abstratas, quanto de evolução ela deve realizar. Quanto de existências lhe é necessário cumprir! Sem recuar às primeiras épocas, vemos à volta de nós as pessoas dos nossos campos, e nos perguntamos que sentimentos de admiração nelas despertam o esplendor do Sol nascente, o céu estrelado, o cantar dos pássaros, o murmúrio das ondas claras, os campos cobertos de flores! Para elas, o Sol se ergue porque tem esse hábito e, sob a condição de que ele dê bastante calor para amadurecer as colheitas, e não muito para calciná-las, é tudo o que elas querem. Se olham o céu é para saber se fará bom ou mau tempo no dia seguinte; se os pássaros cantam ou não, isso lhes é indiferente, contanto que não comam o seu grão; em lugar do canto dos rouxinóis preferem o cacarejar das galinhas e o grunhir dos seus porcos; o que pedem aos regatos claros ou lodosos é que não sequem nem inundem as terras; aos campos, que de boa erva, com ou sem flores. É tudo o que desejam, dizemos mais, é tudo o que compreendem da natureza, e, no entanto já estão longe dos homens primitivos. 3. Se nos reportarmos a estes últimos, nós os vemos, mais exclusivamente ainda, preocupados com a satisfação das necessidades materiais; o que serve para abastecê-los e o que pode prejudicá-los resume para eles o bem e o mal nesse mundo. Eles creem em um poder extra-humano; mas, como o que lhes traz um prejuízo material é o que mais lhes importa, eles o atribuem a esse poder, do qual, apesar disso, fazem uma ideia muito vaga. Não podendo ainda conceber nada fora do mundo visível e tangível, eles imaginam que esse poder resida nos seres e nas coisas que lhes são prejudiciais. Os animais nocivos, portanto, são, para eles, os representantes naturais e diretos desse poder. Pela mesma razão, viram nas coisas úteis a personificação do bem: daí o culto dispensado a certos animais, a certas plantas e mesmo a objetos inanimados. Mas o homem geralmente é mais sensível ao mal que ao bem; o bem lhe parece natural, enquanto que o mal o afeta mais; eis por que, em todos os cultos primitivos, as cerimônias em homenagem ao poder maligno são as mais numerosas; o medo prevalece sobre o reconhecimento. Durante muito tempo, o homem concebeu apenas o bem e o mal físicos; o sentimento do bem moral e do mal moral marcou um adiantamento na inteligência humana; somente então o homem entreviu a espiritualidade, e compreendeu que o poder sobre-humano está fora do mundo visível, e não nas coisas materiais. Esse foi o trabalho de algumas inteligências de alta qualidade, mas que não puderam, no entanto, superar certos limites. 4. Como se via uma luta incessante entre o bem e o mal, e, frequentemente, o mal suplantar o bem; como, por outro lado, não se podia racionalmente admitir que o mal fosse a obra de um poder benéfico, chegou-se à conclusão de que existiam dois poderes rivais governando o mundo. Daí nasceu a doutrina dos dois princípios: o do bem e o do mal, doutrina lógica para essa época, porque o homem ainda era incapaz de conceber uma outra, e de penetrar a essência do Ser supremo. Como poderia ele compreender que o mal é apenas um estado momentâneo de onde pode surgir o bem, e que os males que o afligem devem conduzi-lo à felicidade, ajudando-o no seu adiantamento? Os limites do seu horizonte moral nada lhe permitiam ver fora da vida presente, nem para a frente, nem quanto ao passado; ele não podia compreender que havia progredido, nem que ainda progrediria individualmente, e muito menos que as vicissitudes da vida são o resultado da imperfeição do ser espiritual que está nele, que preexiste e sobrevive ao corpo, e se purifica em uma série de existências, até que ele tenha atingido a perfeição. Para compreender o bem que pode surgir do mal, não se pode analisar apenas uma existência; é preciso abranger o conjunto: só então aparecem as verdadeiras causas e seus efeitos. 5. O duplo princípio do bem e do mal foi, durante muitos séculos e sob diferentes nomes, a base de todas as crenças religiosas. Foi personificado sob os nomes de Oromaze e Arimane entre os persas, de Jeová e Satã entre os hebreus. Porém, como todo soberano deve ter ministros, todas as religiões admiram os poderes secundários, os gênios bons ou maus. Os pagãos os personificavam sob uma inumerável multidão de individualidades, tendo cada uma atribuições especiais para o bem e para o mal, para os vícios e para as virtudes, e aos quais deram o nome geral de deuses. Os cristãos e os muçulmanos receberam dos hebreus os anjos e os demônios. 6. A doutrina dos demônios, portanto, tem sua origem na antiga crença nos dois princípios: o do bem e o do mal. Vamos examiná-la aqui apenas no ponto de vista cristão, e ver se ela está de acordo com o conhecimento mais exato que temos atualmente dos atributos da Divindade. Esses atributos são o ponto de partida, a base de todas as doutrinas religiosas; os dogmas, o culto, as cerimônias, os usos, a moral, tudo está em harmonia com a idéia mais ou menos justa, mais ou menos elevada que se faz de Deus, desde o fetichismo até o Cristianismo. Se a essência íntima de Deus ainda é um mistério para a nossa inteligência, nós, entretanto, o compreendemos melhor do que ele jamais foi compreendido, graças aos ensinamentos do Cristo. O Cristianismo, de acordo com a razão, nos ensina que: Deus é único, eterno, imutável, imaterial, todo-poderoso, soberanamente justo e bom, infinito em todas as suas perfeições. Assim como foi dito em outra parte (cap. VII, “Penas Eternas”): “Se se tirasse a mais pequena parcela de um só dos atributos de Deus, não mais haveria Deus, porque poderia existir um ser mais perfeito.” Esses atributos, em sua plenitude mais absoluta, são pois o critério de todas as religiões, a medida da verdade de cada um dos princípios que elas ensinam. Para que um desses princípios seja verdadeiro, é preciso que ele não atente contra nenhuma das perfeições de Deus. Vejamos se assim acontece na doutrina comum dos demônios. OS DEMÔNIOS SEGUNDO A IGREJA. Segundo a Igreja, Satã, o chefe ou o rei dos demônios, não é uma personificação alegórica do mal, mas um ser real, fazendo exclusivamente o mal, enquanto que Deus faz exclusivamente o bem. Aceitemo-lo, pois, tal como nos é dado. Satã existe de toda a eternidade, como Deus, ou é posterior a Deus? Se existe de toda a eternidade, ele é incriado, e por consequência igual a Deus. Neste caso Deus não é mais único, existe o Deus do bem e o Deus do mal. Satã é posterior a Deus? Então ele é uma criatura de Deus. Visto que só faz o mal, que é incapaz de fazer o bem e de se arrepender pelo mal praticado, Deus criou um ser consagrado eternamente ao mal. Se o mal não é a obra de Deus, mas a obra de uma de suas criaturas predestinada a fazê-lo, Deus sempre é o primeiro autor do mal, e então ele não é infinitamente bom. O mesmo acontece com todos os seres maus chamados demônios. 8. Essa foi, durante muito tempo, a crença sobre esse assunto. Atualmente, dizem: “Deus, que é a bondade e a santidade por essência, não os havia criado maus, e nocivos. Sua mão paternal, que se regozija em espalhar sobre todas as obras um reflexo de suas perfeições infinitas, lhes havia concedido em grande quantidade seus mais magníficos dons. Às elevadas qualidades de sua natureza, acrescentara as generosidades de sua benevolência; em tudo os fizera semelhantes aos sublimes espíritos que estão na glória e na felicidade; distribuídos em todas as suas ordens e misturados em todas as suas classes, eles tinham o mesmo objetivo e os mesmos destinos; seu chefe foi o mais belo dos arcanjos. Eles também poderiam ter o mérito de ser, para sempre, confirmados na justiça e acolhidos para desfrutarem, eternamente, da felicidade dos céus. Este último favor teria posto o coroamento em todos os outros favores dos quais eram o objeto; porém, esse favor seria o prêmio por sua docilidade, e eles se tornaram indignos dele, perderam-no por uma revolta audaciosa e insensata. Qual foi o obstáculo à sua perseverança? Que verdade desconheceram? Que ato de fé e de adoração eles recusaram a Deus? A Igreja e os anais da história santa não o dizem de uma maneira positiva, mas parece certo que eles não concordaram nem com a mediação do Filho de Deus por eles mesmos, nem com a exaltação da natureza humana em Jesus Cristo. O Verbo Divino, por quem todas as coisas foram feitas, é também o único mediador e salvador, no céu e na Terra. O fim sobrenatural foi dado aos anjos e aos homens somente na previsão de sua encarnação e de seus méritos; porque não existe nenhuma proporção entre as obras dos mais eminentes espíritos e essa recompensa, que não é outra senão o próprio Deus; nenhuma criatura poderia ali chegar sem essa intervenção maravilhosa e sublime da caridade. Ora, para preencher a distância infinita que separa a essência divina das obras de suas mãos, seria preciso que ele reunisse em sua pessoa os dois extremos, e que associasse à sua divindade a natureza do anjo ou a do homem; e ele escolheu a natureza humana. Esse plano concebido de toda a eternidade, foi manifesto aos anjos muito antes da sua execução; o Homem-Deus lhes foi mostrado no futuro como aquele que devia confirmá-los em graça e introduzi-los na glória, sob a condição de que o adorassem sobre a Terra durante sua missão, e no céu por toda a eternidade. Revelação inesperada, visão deslumbrante para os corações generosos e agradecidos, porém, mistério profundo, opressivo para os espíritos soberbos! Esse fim sobrenatural, essa carga imensa de glória que lhes era proposta não seria, pois, unicamente a recompensa por seus méritos pessoais! Eles não poderiam jamais atribuir a si mesmos os títulos e a posse. Um mediador entre eles e Deus, que injúria feita à sua dignidade! A preferência gratuita concedida à natureza humana, que injustiça! que ofensa dirigida aos seus direitos! Essa humanidade, que lhes é tão inferior, eles a verão, um dia, divinizada pela sua união com o Verbo, e sentada à direita de Deus, sobre um trono resplandecente? Consentirão eles em lhe oferecer eternamente suas homenagens e sua adoração? Lúcifer e a terça parte dos anjos foram vencidos por esses pensamentos de orgulho e de ciúme. São Miguel, e com ele a maioria, exclamaram: ‘Quem é semelhante a Deus? Ele é o mestre dos seus dons e o soberano Senhor de todas as coisas. Glória a Deus e ao Cordeiro que será sacrificado pela salvação do mundo!’ Mas o chefe dos rebeldes, esquecendo que a sua nobreza e as suas prerrogativas eram devidas ao seu Criador, ouviu apenas a sua imprudência, e disse: Sou eu mesmo quem subirá ao céu; estabelecerei minha morada acima dos astros; eu me sentarei sobre a montanha da aliança, nos flancos do Aquilão; dominarei as nuvens mais elevadas, e serei semelhante ao Altíssimo. Aqueles que partilharam seus sentimentos acolheram suas palavras com um murmúrio de aprovação; e eles se encontravam em todas as ordens da hierarquia, mas o seu grande número não os colocou a salvo do castigo.” 9. Essa doutrina provoca várias objeções: 1a ) Se Satã e os demônios eram anjos, eles eram perfeitos; como, sendo perfeitos, puderam fracassar e desconhecer a esse ponto a autoridade de Deus, em presença de quem se encontravam? Ainda poderíamos conceber tal fato se eles tivessem chegado a esse grau eminente de forma gradual e, após haverem passado pela experiência da imperfeição, tivessem sofrido por um retrocesso lamentável; mas o que torna o fato mais incompreensível é que eles nos são apresentados como tendo sido criados perfeitos. A consequência dessa teoria é esta: Deus quis criar neles seres perfeitos, já que os havia cumulado de todos os dons, e ele se enganou; logo, segundo a Igreja, Deus não é infalível. 2ª pois que nem a igreja e nem os sagrados anais explicam a causa da rebelião dos anjos contra Deus, e que apenas dão como problemática quase certa na recusa deles em reconhecer a missão futura do Cristo, que valor pode ter o quadro tão preciso e tão detalhado da cena que teve lugar nessa ocasião? De qual fonte foram tiradas as palavras, tão claramente narradas, como tendo sido pronunciadas naquele momento, e até os simples murmúrios? De duas coisas, uma: ou a cena é verdadeira ou ela não o é. Se é verdadeira, não há nenhuma incerteza, então por que a Igreja não resolve claramente a questão? Se a Igreja e a História se calam, se a causa apenas parece certa, ela não é mais que uma suposição, e a descrição da cena é uma obra da imaginação. 3a ) As palavras atribuídas a Lúcifer demonstram uma ignorância que é de espantar ser encontrada em um arcanjo que por sua própria natureza, e no grau em que está colocado, não deve partilhar, sobre a organização do Universo, os erros e os preconceitos que os homens professaram até que a Ciência viesse esclarecê-los. Como Lúcifer pôde dizer: “Estabelecerei minha morada acima dos astros; dominarei as nuvens mais elevadas”? É sempre a antiga crença na Terra como centro do mundo, no céu de nuvens que se estende até às estrelas, na região limitada de estrelas formando a abóbada, e que a Astronomia nos mostra disseminadas ao infinito, no Espaço infi nito. Como se sabe hoje em dia que as nuvens não se estendem além de duas léguas da superfície da Terra, para dizer que ele dominará as nuvens mais elevadas, e falar das montanhas, era preciso que a cena se passasse na superfície da Terra, e que lá fosse a morada dos anjos; se a morada está nas regiões superiores, seria inútil dizer que se elevaria para além das nuvens. Fazer com que os anjos tenham uma linguagem entremeada de ignorância, é reconhecer que os homens, atualmente, sabem mais do assunto que os anjos. A Igreja sempre tem cometido o erro de não levar em conta os progressos da Ciência. 10. A resposta à primeira objeção se acha na seguinte passagem: “A Escritura e a tradição dão o nome de céu ao lugar onde os anjos haviam sido colocados no momento da sua criação. Mas esse não era o céu dos céus, o céu da visão beatífica, onde Deus se mostra aos seus eleitos face a face, e onde seus eleitos o contemplam sem esforços e sem nuvens; porque, lá, não há nem perigo nem possibilidade de pecar; a tentação e a fraqueza são desconhecidas; a justiça, a alegria e a paz reinam ali em uma imutável segurança; a santidade e a glória não estão sujeitas a se perderem. Era, portanto, uma outra região celeste, uma esfera luminosa e afortunada, onde essas nobres criaturas, amplamente favorecidas por comunicações divinas, deviam recebê-las e a elas aderir pela humildade da fé, antes de serem admitidas a ver claramente a sua realidade na essência do próprio Deus.” Do que precede resulta que os anjos que falharam pertenciam a uma categoria menos elevada, menos perfeita, que não tinham ainda chegado ao lugar supremo onde o erro é impossível. Seja; mas então há aqui uma contradição evidente, porque é dito mais acima que “Deus os havia feito em tudo semelhantes aos sublimes espíritos que, distribuídos em todas as suas ordens e misturados em todas as suas classes, tinham o mesmo objetivo e o mesmo destino; que seu chefe era o mais belo dos arcanjos.” Se eles foram feitos em tudo semelhantes aos outros, não eram, portanto, de uma natureza inferior; se foram misturados em todas as classes, não estavam em um lugar especial. Logo, a objeção vigora inteiramente. 11. Há uma outra objeção que é, sem contestação, a mais grave e a mais séria. Está dito: “Esse projeto (a mediação do Cristo), concebido de toda a eternidade, foi revelado aos anjos muito tempo antes da sua realização.” Deus sabia, portanto, de toda a eternidade, que os anjos, assim como os homens, teriam necessidade dessa mediação. Ele sabia, ou não sabia, que certos anjos fracassariam; que essa queda lhes acarretaria a condenação eterna sem esperança de retorno; que seriam destinados a tentar os homens e que aqueles homens que se deixassem seduzir sofreriam a mesma sorte. Portanto, se Deus sabia disso, ele criou esses anjos, com conhecimento de causa, para sua perda irrevogável e para a perda da maior parte do gênero humano. Digam o que disserem, é impossível, com semelhante previsão, conciliar sua criação com a soberana bondade. Se ele não sabia, não era onipotente. Tanto em uma como em outra hipótese, é a negação de dois atributos sem a plenitude dos quais Deus não seria Deus. 12. Se admitirmos a falibilidade dos anjos, como também a dos homens, a punição é uma consequência natural e justa da falta; porém, se admitirmos ao mesmo tempo a possibilidade do resgate, pelo retorno ao bem, a obtenção do perdão após o arrependimento e a expiação, não há nada que desminta a bondade de Deus. Deus sabia que eles falhariam, que seriam punidos, mas sabia também que esse castigo temporário seria um meio de fazê-los compreender seu erro e se transformaria em seu benefício. Assim se achariam confirmadas estas palavras do profeta Ezequiel: “Deus não quer a morte do pecador, mas a sua salvação.” O que seria a negação dessa bondade é a inutilidade do arrependimento e a impossibilidade do retorno ao bem. Nesta hipótese, é rigorosamente exato dizer que: “Esses anjos, desde sua criação, já que Deus não podia ignorá-lo, foram consagrados ao mal pela eternidade, e predestinados a se tornarem demônios, para induzir os homens ao mal.” 13. Vejamos, agora, qual é o seu destino e o que fazem. “Mal sua revolta se evidenciou na linguagem dos espíritos, quer dizer no entusiasmo dos seus pensamentos, eles foram banidos, irrevogavelmente, da cidade celeste e precipitados no abismo.” “Por essas palavras, entendemos que eles foram relegados a um lugar de suplícios, onde sofressem a pena do fogo, de acordo com este texto do Evangelho, que saiu da própria boca do Salvador: Ide, malditos, para o fogo eterno que foi preparado pelo demônio e pelos seus anjos. São Pedro diz expressamente que Deus os abandonou às cadeias e às torturas do inferno, mas nem todos ficam ali perpetuamente; isto só acontecerá no fim do mundo, quando eles ali serão presos para sempre com os condenados. Presentemente, Deus permite que eles ocupem ainda um lugar nessa criação a qual eles pertencem, na ordem das coisas a que se prende sua existência, nas relações, enfim, que eles deviam ter com o homem e das quais fazem o mais pernicioso abuso. Enquanto que uns estão na sua morada tenebrosa, e ali servem de instrumento à justiça divina, contra as almas infelizes que eles seduziram, uma infinidade de outros, formando legiões invisíveis sob o comando de seus chefes, residem nas camadas inferiores da nossa atmosfera e percorrem todas as partes do globo. Eles estão envolvidos com tudo o que se passa aqui embaixo onde muitas vezes tomam uma parte muito ativa.” Quanto ao que se refere às palavras do Cristo sobre o suplício do fogo eterno, essa questão é tratada no capítulo IV, “O Inferno”. 14. Segundo essa doutrina, só uma parte dos demônios está no inferno; a outra erra em liberdade, envolvendo-se em tudo o que se passa aqui embaixo, dando-se ao prazer de fazer o mal, e isto até o fim do mundo, cuja época, indeterminada, provavelmente não acontecerá tão cedo. Por que essa diferença? Uns são menos culpados que outros? Seguramente, não. A menos que eles dali não saiam alternadamente, o que pareceria resultar desta passagem: “Enquanto que uns estão na sua morada tenebrosa, e ali servem de instrumentos à justiça divina contra as almas infelizes que eles seduziram.” Suas funções, portanto, consistem em atormentar as almas que eles seduziram. Assim, não são encarregados de punir aquelas que são culpadas de faltas livre e voluntariamente cometidas, mas sim daquelas que eles mesmos provocaram. Eles são, ao mesmo tempo, a causa da falta e o instrumento do castigo; e, coisa que a justiça humana, tão imperfeita como é, não admitiria: a vítima que, por fraqueza, não resiste quando a ocasião se apresenta para tentá-la é punida tão severamente quanto o agente provocador que emprega a perfídia e a astúcia, até mais severamente porque ela vai para o inferno ao deixar a Terra, para não sair mais dele, para ali sofrer sem interrupções nem misericórdia durante a eternidade, enquanto que aquele que é o causador do seu erro desfruta da moratória e da liberdade até o fim do mundo! Portanto, a justiça de Deus não é mais perfeita que a dos homens! 15. Isso, porém, não é tudo. “Deus ainda permite que eles ocupem um lugar nessa criação, nas relações que deviam ter com o homem e das quais fazem o mais pernicioso abuso.” Deus podia ignorar o abuso que fariam da liberdade que ele lhes concedeu? Então, por que lhes permitiu tal liberdade? Portanto, é com conhecimento de causa que Deus entrega suas criaturas à mercê de si mesmas, sabendo, por causa de toda a sua presciência, que elas não resistirão e terão a sorte dos demônios. Não possuíam, essas criaturas, a sua própria fraqueza em quantidade sufi ciente, sem permitir que fossem incitadas ao mal por um inimigo tanto mais perigoso porquanto é invisível? Ainda se o castigo fosse apenas temporário e se o culpado pudesse se reabilitar pela reparação! Mas não, ele está condenado por toda a eternidade. Seu arrependimento, seu retorno ao bem, seus lamentos são inúteis. Os demônios são, por conseguinte, os agentes provocadores predestinados a recrutar almas para o inferno, e isso com a permissão de Deus, que sabia, ao criar essas almas, a sorte que lhes estava reservada. Na Terra, o que se diria de um juiz que assim procedesse para povoar as prisões? Estranha ideia nos dão da Divindade, de um Deus cujos atributos são a soberana justiça e a soberana bondade! E é em nome de Jesus Cristo, daquele que só pregou o amor, a caridade e o perdão, que se ensinam semelhantes doutrinas! Houve um tempo em que tais anomalias passavam despercebidas; não eram compreendidas, não eram sentidas; o homem, curvado sob o jugo do despotismo, submetia sua razão sem discernimento, ou antes, renunciava à sua razão; mas atualmente soou a hora da emancipação, o homem compreende a justiça, ele a quer durante sua vida e após sua morte; eis por que ele diz: “Isto não é, isto não se pode, ou Deus não é Deus!” 16. “O castigo segui por toda a parte esses seres decaídos e malditos, por toda a parte levam seu inferno com eles, não têm paz nem repouso; até as próprias doçuras da esperança para eles se transformaram em amargura: a esperança lhes é odiosa. A mão de Deus incidiu sobre eles no próprio ato do seu pecado, e sua vontade se obstinou no mal. Tornados perversos, não querem deixar de ser perversos, e o são para sempre. Após o pecado, eles são o que o homem é após a morte. A reabilitação daqueles que caíram é, pois, impossível; sua perda é daqui em diante sem retorno, eles perseveram em seu orgulho, frente a frente com Deus, em seu ódio contra seu Cristo, em seu ciúme contra a humanidade. Não podendo se apropriar da glória do céu, pelo arrojo da sua ambição, eles se esforçam em estabelecer seu império sobre a Terra e dela excluir o reino de Deus. Não obstante, o Verbo feito carne realizou seus desígnios para a salvação e a glória da humanidade; todos os seus meios de ação são consagrados a tirar do Cristo as almas que ele resgatara; a astúcia e a impertinência, a mentira e a sedução, valem-se de tudo para conduzi-los ao mal e para consumar sua ruína. Com tais inimigos, a vida do homem, desde o seu nascimento até à morte, não pode ser, valha-me Deus!, senão uma luta perpétua, porque eles são poderosos e infatigáveis. Esses inimigos, efetivamente, são aqueles mesmos que, após haverem introduzido o mal no mundo, vieram para cobrir a Terra com as densas trevas do erro e do vício. Aqueles que, durante longos séculos, se fizeram adorar como deuses e reinaram como soberanos sobre os povos da Antiguidade; aqueles, enfim, que ainda exercem seu domínio tirânico sobre as regiões idólatras, e que fomentam a desordem e o escândalo até dentre as sociedades cristãs. Para avaliar todos os meios que eles possuem a serviço da sua maldade, é sufi ciente observar que não têm perdido nada das prodigiosas faculdades que são as propriedades características da natureza angélica. Sem dúvida, o futuro e principalmente a ordem sobrenatural têm mistérios que Deus reservou para si e que eles não podem descobrir, porém a inteligência deles é bem superior à nossa porque eles percebem num relance os efeitos em suas causas, e as causas em seus efeitos. Essa sagacidade lhes permite anunciar com antecedência acontecimentos que estão muito além das nossas suposições. A distância e a diversidade dos lugares desaparecem diante da sua agilidade. Mais súbitos que o relâmpago, mais rápidos que o pensamento, eles se encontram quase ao mesmo tempo sobre diversos pontos do globo, e eles podem descrever de longe as coisas das quais são testemunhas na mesma hora em que elas acontecem. As leis gerais pelas quais Deus rege e governa este Universo não estão sob o domínio deles, não podem anulá-las nem, consequentemente, predizer ou realizar milagres verdadeiros, porém, possuem a arte de imitar e de arremedar, em certos limites, as obras divinas; eles sabem quais fenômenos resultam da combinação dos elementos, e predizem com firmeza aqueles que acontecem naturalmente, assim como os que eles mesmos têm o poder de produzir. Daí, esses numerosos oráculos, esses prestígios extraordinários dos quais os livros sagrados e profanos guardaram a lembrança, e que serviram de base e de alimento a todas as superstições. Sua substância simples e imaterial faz com que não possamos vê-los; estão ao nosso lado sem serem percebidos; eles impressionam nossa alma sem atingir nossos ouvidos; cremos obedecer ao nosso próprio pensamento, quando, na verdade, nos submetemos às suas tentações e à sua funesta influência. Nossas disposições, ao contrário, são do conhecimento deles pelas impressões que elas despertam em nós, e eles nos atacam, geralmente pelo nosso lado mais fraco. Para nos seduzirem com mais segurança, têm o hábito de nos apresentarem adulações astuciosas e sugestões conforme as nossas tendências. Eles modificam sua ação segundo as circunstâncias e de acordo com os traços característicos de cada temperamento. Suas armas favoritas, porém, são a mentira e a hipocrisia.” 17. Dizem que o castigo os segue por toda a parte; não têm mais paz nem repouso. Isso, no entanto, não destrói a observação feita sobre a trégua de que desfrutam aqueles que não estão no inferno, trégua tanto menos justificada porquanto, estando fora do inferno, eles fazem mais mal. Sem dúvida alguma, não são felizes como os bons anjos, mas não se leva em conta a liberdade de que desfrutam? Se não têm a felicidade moral proporcionada pela virtude, indiscutivelmente são menos infelizes que seus cúmplices que estão entre as chamas infernais. E depois, para o mau, existe uma espécie de prazer em fazer o mal em plena liberdade. Perguntem a um criminoso se para ele é a mesma coisa estar na prisão ou correr pelos campos e cometer seus crimes à vontade. A posição é exatamente a mesma. O remorso, dizem, os persegue sem trégua nem misericórdia. Mas esquecem que o remorso é o precursor imediato do arrependimento, se já não é o próprio arrependimento. Dizem: “Tornados perversos, eles não querem deixar de ser perversos, e eles o são para sempre.” Desde que eles não querem deixar de ser perversos, é porque não têm remorsos; se tivessem o menor arrependimento, deixariam de fazer o mal e pediriam perdão. Portanto, para eles o remorso não é um castigo. 18. “Eles são após o pecado o que o homem é após a morte. A reabilitação daqueles que caíram é, pois, impossível.” De onde vem essa impossibilidade? Não se compreende que ela seja a consequência da sua similitude com o homem após a morte, enunciado que, além disso, não é muito claro. Essa impossibilidade vem da sua própria vontade ou da de Deus? Se é o ato da sua vontade, isso denota uma extrema perversidade, uma insensibilidade absoluta no mal; por conseguinte não se compreende que seres tão profundamente maus, pudessem ter sido anjos de virtude, e que, durante o tempo indefi nido que eles passaram entre estes últimos, não tenham deixado que se descobrisse nenhum traço da sua natureza má. Se é a vontade de Deus, compreende-se ainda menos que ele imponha como castigo a impossibilidade do retorno ao bem, após uma primeira falta. O Evangelho não diz nada semelhante. 19. “Sua perda, acrescente-se, daqui em diante é sem retorno, e eles perseveram no seu orgulho diante de Deus.” Para que lhes serviria não perseverarem nele já que todo arrependimento é inútil? Se tivessem a esperança de uma reabilitação, qualquer que fosse o seu preço, o bem teria uma finalidade para eles, entretanto não é assim. Se eles perseveram no mal é porque a porta da esperança lhes foi fechada. E por que Deus lhes fecha essa porta? Para se vingar da ofensa que recebeu com a sua falta de submissão. Assim, para satisfazer o seu ressentimento contra alguns culpados, ele prefere vê-los não somente sofrer, mas antes fazerem o mal que o bem; induzir ao mal e empurrar para a perdição eterna todas as suas criaturas do gênero humano, quando seria sufi ciente um simples ato de clemência para evitar um tão grande desastre, e um desastre previsto de toda a eternidade! Por ato de clemência, tratar-se-ia de uma graça pura e simples que talvez fosse um encorajamento ao mal? Não, mas de um perdão condicional, subordinado a um sincero retorno ao bem. Porém, em lugar de uma palavra de esperança e de misericórdia, fizeram Deus dizer: Que morra toda a raça humana, antes que a minha vingança! E se admiram que haja incrédulos e ateus com semelhante doutrina! É assim que Jesus nos representa seu Pai? Ele que nos deixou uma lei expressa do esquecimento e do perdão das ofensas, que nos diz para dar o bem pelo mal, que coloca o amor aos inimigos no primeiro lugar entre as virtudes que nos fazem merecer o céu, queria pois que os homens fossem melhores, mais justos, mais complacentes que o próprio Deus? OS DEMÔNIOS SEGUNDO O ESPIRITISMO. 20. Segundo o Espiritismo, nem anjos nem demônios são seres à parte; a criação dos seres inteligentes é una. Unidos a corpos materiais, eles constituem a humanidade que povoa a Terra e as outras esferas habitadas; libertos desses corpos eles constituem o mundo espiritual ou dos espíritos que povoam os espaços. Deus os criou suscetíveis de aperfeiçoamento e lhes deu por objetivo a perfeição, e a felicidade que é a sua consequência, mas não lhes deu a perfeição; Deus quis que eles a devessem ao trabalho pessoal de cada um, a fim de que tivessem o mérito da sua conquista. Desde o momento da sua formação, eles progridem seja no estado de encarnação, seja no estado espiritual; chegados ao apogeu, tornam-se puros espíritos, ou anjos, segundo a denominação comum; de modo que, desde o embrião do ser inteligente até o anjo, temos uma cadeia não interrompida na qual cada elo marca um degrau no progresso. Disso resulta existirem espíritos em todos os graus de adiantamento moral e intelectual, conforme estejam no alto, embaixo ou no meio da escala. Por consequência, há espíritos em todos os graus do saber e da ignorância, de bondade e de maldade. Nas classes inferiores, encontram-se os que ainda estão profundamente inclinados para o mal, e que nele se comprazem. Se quisermos pode-se chama-los demônios porque eles são capazes de todas as más ações atribuídas a estes últimos. Se o Espiritismo não os denomina assim é porque tal nome se prende à ideia de seres distintos da humanidade de uma natureza essencialmente perversa, consagrados ao mal por toda a eternidade e incapazes de progredirem no bem. 21. Segundo a doutrina da Igreja, os demônios foram criados bons e tornaram-se maus pela sua desobediência: são os anjos decaídos; eles foram colocados por Deus no alto da escala, e desceram. Segundo o Espiritismo, são espíritos imperfeitos, mas que irão melhorar; ainda estão na parte inferior da escala, e se elevarão. Durante os primeiros períodos da sua existência, os espíritos estão sujeitos à encarnação material que é necessária ao seu desenvolvimento, até que tenham chegado a um certo grau. O número das encarnações é indeterminado e subordinado à rapidez do progresso; o progresso se realiza em razão do trabalho e da boa vontade do espírito que age, em qualquer circunstância, pelo poder do seu livre-arbítrio. Aqueles que, por seu descuido, sua negligência, sua obstinação e sua má vontade permanecem mais tempo nas classes inferiores, disso se ressentem, e o hábito da permanência no mal torna-lhe mais difícil sair dele; mas chega um momento em que se cansam dessa existência penosa e dos sofrimentos que são a sua consequência; é então que, comparando sua situação à dos bons espíritos, eles compreendem que seu interesse está no bem, e procuram melhorar-se, mas o fazem por sua própria vontade e sem serem obrigados a isso. Eles estão submetidos à lei do progresso por sua disposição inata para progredir, porém, não progridem contra sua própria vontade. Deus lhes fornece incessantemente os meios, mas eles são livres para aproveitá-los ou não. Se o progresso fosse obrigatório, nenhum mérito teriam, e Deus quer que tenham o mérito das suas obras. Deus não coloca nenhum no primeiro lugar por privilégio, o primeiro lugar está aberto a todos, mas eles só o alcançam por seus esforços. Os anjos mais elevados conquistaram seu grau percorrendo, como os outros, o mesmo caminho. Todos, desde o cimo até a base, pertenceram ou pertencem ainda à humanidade. Os homens são, assim, espíritos encarnados mais ou menos adiantados, e os espíritos são as almas dos homens que deixaram seu invólucro material. A vida espiritual é a vida normal do espírito; o corpo é apenas uma vestimenta temporária apropriada às funções que eles devem exercer na Terra, assim como o guerreiro veste a armadura e a cota de malha para o momento do combate, e as deixa após a batalha, sob a condição de vesti-las novamente quando vier o momento de uma nova luta. A vida corporal é o combate, a luta que os espíritos devem sofrer para avançar; em vista disso, eles revestem a armadura que é para eles um instrumento de ação mas, ao mesmo tempo, uma tortura. Os espíritos trazem na encarnação suas qualidades de espírito; aqueles que são imperfeitos são os homens imperfeitos; aqueles que são mais adiantados, bons, inteligentes, instruídos, são os homens instintivamente bons, inteligentes e aptos a adquirir com facilidade novos conhecimentos; da mesma forma, os homens ao morrerem fornecem ao mundo espiritual espíritos bons ou maus, adiantados ou atrasados. O mundo corporal e o mundo espiritual se inclinam assim constantemente um sobre o outro. Entre os maus espíritos existem os que têm toda a perversidade dos demônios, e a quem se pode aplicar perfeitamente a imagem que se faz desses últimos. Na sua encarnação, eles produzem esses homens perversos e astuciosos que se comprazem no mal, que parecem nascidos para a desgraça de todos aqueles que eles atraem na sua intimidade, e dos quais pode-se dizer, sem lhes fazer injúria, que são demônios encarnados. 22. Tendo alcançado um certo grau de purificação, os espíritos têm missões relacionadas com o seu adiantamento; eles cumprem todas aquelas que são atribuídas aos anjos de diferentes ordens. Como Deus criou desde sempre, desde sempre se encontraram espíritos para satisfazer a todas as necessidades do governo do Universo. Uma só espécie de seres inteligentes, submetidos à lei do progresso, é, portanto, sufi ciente para tudo. Essa unidade na criação, com a ideia de que todos têm um mesmo ponto de partida, o mesmo caminho para percorrer, e que se elevam por seu próprio mérito, corresponde bem melhor à justiça de Deus do que à criação de espécies diferentes, mais ou menos favorecidas por dons naturais que seriam semelhantes a privilégios. 23. A doutrina comum sobre a natureza dos anjos, dos demônios e das almas humanas, não admitindo a lei do progresso, e vendo, no entanto, seres em diversos graus de evolução, chegou à conclusão de que eles eram o produto de criações igualmente especiais. Ela chegou, assim, a fazer de Deus um pai parcial, dando tudo a alguns de seus filhos, enquanto a outros impunha o mais rude trabalho. Não é de admirar que durante muito tempo os homens nada tenham achado de chocante nessas preferências, porquanto eles agiam da mesma forma relativamente aos seus próprios filhos, pelo direito de primogenitura e os privilégios do nascimento; podiam esses homens acreditar que faziam mais mal do que Deus? Porém, atualmente o círculo das ideias se ampliou; eles vêm mais claro; têm noções mais nítidas da justiça e a querem para si mesmos; se não a encontram hoje sobre a Terra, esperam, pelo menos, encontrá-la mais perfeita no céu; eis por que, toda doutrina em que a justiça divina não lhes apareça em sua maior pureza, contraria a sua razão. Livro O Céu e o Inferno. Abraço. Davi

 

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