terça-feira, 29 de novembro de 2022

O ENSINAMENTO SOBRE TARA

Budismo. www.nossacasa.net/shunya/. Por Lama Tubten Yeshe (1935-   ). 19 a 21 de setembro de 1980. Caldas de Montbuy, Barcelona – Espanha. O ENSINAMENTO SOBRE TARA. O Tantra enfatiza a prática da transformação. Os problemas surgem quando pensamos que beiramos a perfeição e que nosso valor é inestimável. Ou, ao contrário, quando pensamos que somos egoístas e segue-se crítica e depressão. O ego que passa julgamentos é o mesmo que gera confusão e insatisfação, o que rejeita a ideia de que temos méritos, o ego que permeia toda a nossa existência. Se me considero uma pessoa mau humorada e belicosa minhas relações tenderão a ser conflituosas, um preconceito do ego sobre o qual preciso agir para transformar. O Tantra também enfatiza que todos temos a qualidade bhúdica, a qualidade divina. Podemos aludir à qualidade nuclear de Deus, a qualidade bhúdica, existente em nós todos, um conceito fundamental. Vejamos o que acontece em nossos relacionamentos. Quando perdemos o respeito por alguém procuramos o motivo porque a mente negativa pensa que o outro deixou de ser quem era e que, por conseguinte, não temos mais nada em comum. Pelo ponto de vista psicológico, contudo, fui eu quem deixou de ser quem era, o meu ego produziu a mudança, que constatada, fez com que este mesmo ego reagisse perdendo a consideração pelo outro. Segundo o budismo, quando passo por uma transformação, o que me rodeia já não atrai do mesmo modo e, por conseguinte, o outro deixa de me interessar. Assim, (para não nos incompatibilizar com a vida enquanto passamos por todo tipo de transformação) na medida das nossas possibilidades, reconheçamos a qualidade divina de Tara em todos os seres. Este yoga tântrico é a prática de ver todos os seres humanos, e nós mesmos, como Tara. O que é TaraTara é a qualidade divina dos seres supremos. Manifesta-se com o aspecto feminino porque este tipo de energia é apanágio (atributo) do feminino. Tara não é mulher e todos, homens e mulheres, têm o potencial para se manifestar como TaraTara é um estado de consciência, um estado de realização, é a ação divina diligente; em outras palavras, quando desenvolvemos a qualidade de Tara eliminamos a preguiça e ativamos uma poderosa fonte de energia. Quando um homem busca a completa realização ou de alguma forma, para o bem ou para o mal, ser bem sucedido, precisa de uma mulher. Não se trata só de sucesso mundano porque os Yogues e os Mahapanditas nas tradições tibetana e hinduísta adotaram Tara como deidade pessoal na realização do caminho da iluminação. Meditantes, homens e mulheres, desde o início da prática e até alcançarem a iluminação aperfeiçoam a energia de Tara. Por outro lado, do ponto de vista da verdade relativa, as mulheres são sensíveis àquilo que os homens não são. A mulher, pela constituição física, sentimentos, sensibilidade, desenvolve a nível relativo, aspectos que não estão ao alcance do homem. Neste nível, não se pode dizer que esta flor e aquela são iguais. Porém, considerando a verdade absoluta, mas só em termos absolutos, não existe diferença entre o homem e a mulher. Contudo, enquanto perambulamos pelo Samsara com um ego dualista, então sim, são diferentes. Quando rejeitamos a qualidade feminina rejeitamos a própria vida. O Tantra, que não é filosofia nem conhecimento filosófico, nos ensina que não se pode rejeitar ou menosprezar a qualidade feminina. Na busca do estado de felicidade, precisamos da energia feminina. Homens e mulheres têm o potencial de alcançar a divina ação rápida a que chamamos Tara, difícil de alcançar. Temos um corpo físico e um corpo de consciência que coexistem e é possível transformá-los e dar-lhes identidade através da irradiação da luz verde. Este ponto é muito importante e nem sempre de fácil assimilação por um ocidental cuja mente peca pela racionalidade de uma abordagem científica. A realidade da consciência ou da mente é essencialmente humana e independe de crenças. Mesmo para quem não acredita no coração, ele continua batendo (...). Ninguém viu seu próprio coração, mas sabe que faz parte do corpo e não o rejeita. Assim se passa com a consciência; é parte de nossa vida e pode manifestar-se de formas muito diferentes. Agora mesmo, como vejo vocês diante de mim, manifestam-se de certo modo; vejo-os tranquilos, não estão nem mal humorados nem sonolentos. A chave do que observo em vocês vem da mente de cada um. A mente causa vibrações no corpo, de paz, de mal humor ou de outros sentimentos. É fácil observar, é um bom exemplo da ação da mente sobre o corpo. Muito especialmente, a irradiação da luz verde tem um tipo de energia magnética que harmoniza o entorno. Quando digo que nos convertemos em Tara não quer dizer que adotamos as feições de Tara, mas que a consciência que é energia física insubsistente se transforma em corpo de energia irradiante, verde, de Tara. Antes de receber uma iniciação nos purificamos externamente e tratamos de eliminar obstáculos externos, internos ou secretos. Visualizamos nosso mestre, não como um monge tibetano, mas como tendo um corpo de luz, não é preciso acreditar ou deixar de acreditar, simplesmente o visualizamos, de um verde brilhante que afasta todos os obstáculos. O essencial da meditação é unir o cotidiano à prática de Arya Tara. A mãe da sabedoria divina, Tara, é a causa fundamental da felicidade. Consta dos textos que todos os seres supremos, os bodhisattvas e os budas surgiram a partir da sabedoria da Mãe Tara. Ela é genitora dos seres supremos do passado do presente e do futuro, todos nasceram dela e por isso é chamada de Mãe Tara. Nosso conhecimento espiritual é fruto da sabedoria inerente à energia feminina. O motivo porque chamamos Mãe Tara tem uma explicação científica, não é mitológico. Tara é a sabedoria que rompe as aparências, com o poder de manifestar-se de muitas formas e cores distintas, umas pacíficas e outras iradas, para beneficiar todos os seres humanos e não humanos. Se por vezes sentimos que falta algo em nossas vidas e é precisamente o que a sabedoria divina de Tara provê e unifica. A vida não pode ser vivida apenas racionalmente, a vida é esotérica ,é tantra; creio que a vida seja oculta e portanto não podemos vivê-la dizendo: "quero ser feliz, quero atingir um objetivo e farei tudo para alcançá-lo para, então, ser feliz." Não pensem que a felicidade possa surgir a partir do racional; a vida é um ir e vir, um movimento perpétuo ao encontro de novas situações. Temos um bom exemplo nos discípulos de Lama Tsong Khapa (1357-1419) que muito valorizavam a compreensão e a sabedoria do mestre e buscavam igualá-las; portanto, as experiências de uns e de outros nunca se assemelharam às do mestre. No ocidente encontramos tais exemplos. Carl Gustav Jung (1875-1961), discípulo de Sigmund Freud (1856-1939), queria seguir o mestre e descobriu que não era possível. Tinha seu próprio estilo e seu jeito de lidar com os pacientes. Acontece o mesmo com os mestres tibetanos que trazem o Dharma para o ocidente; passaram por certas experiências enquanto que vocês vivem outras. Estas diferenças são reais até certo ponto do caminho, mas quando se realiza a totalidade, não existem mais diferenças. Um dia uma italiana veio visitar-me dizendo que queria encontrar um marido. Gostava de um rapaz, mas encontrava obstáculos. Dei-lhe uma meditação e uma prática de Tara, em que ela visualizava-se com raios de luz vermelha que, saindo de Tara (ela mesma), iam ao coração do homem de seu agrado e o enlaçavam. No ano seguinte ela veio com o marido e toda a família agradecer-me. O êxito não teve nada a ver com meus poderes, mas com os da mãe da sabedoria divina, Tara. Quando estou no ocidente, um turista curioso, costumo visitar igrejas. Vejo gente rezando e fazendo oferecimentos diante da imagem da Virgem, medito por um tempo e sou invadido por uma sensação muito agradável. Observo que a maioria dos fieis está diante da imagem da Virgem Maria o que parece indicar que a energia de Tara e a energia da Virgem Maria Santíssima são a mesma. Todos temos a qualidade de Tara e nas mulheres ela é acentuada. As 21 manifestações de Tara são aspetos distintos desta poderosa energia que vai ao encontro de muitas circunstâncias. Se não for possível transformarem-se por completo em Tara, sugiro que visualizem o interior de seus corpos de cor verde transparente e brilhante, é um método precioso e talvez mais fácil do que a transformação em Tara. Nosso ego e suas crenças nos limitam, mas transformando-nos em corpo de luz verde brilhante rompemos este conceito, criamos espaço e tempo onde possam manifestar-se energias positivas, como a compaixão, a sabedoria, o amor, a compaixão, a inteligência (...). Por isso desde que nos levantamos até hora de deitar, durante qualquer atividade, nos identificamos com este corpo de luz verde brilhante, sempre conscientes dele. Esta prática é muito poderosa e nos fortalece. Para dormir visualizamo-nos como Tara, com um corpo de luz verde brilhante que se absorve lentamente na sílaba TAM no nosso coração; de baixo para cima até desaparecer no vazio. Adormecemos com a mente em Shunyata. Adormecer de forma adequada é, segundo o Tantra, uma prática importante; colocamos de parte a mente obsessiva. Na psicologia budista dia e noite, vigília e sono, são a mesma realidade. Cremos na realidade do que observamos no estado de vigília enquanto que o que observamos durante o sono é onírica, mas são a mesma realidade cármica. Se pensarmos que os sonhos não são reais, o que constatamos em estado de vigília também não é. Segundo o Paramitayana, dormir é prejudicial; mas o Budha disse que dormir com o método adequado se converte no caminho da iluminação. Esta é a essência, a beleza e a característica do Tantra, converter e transformar tudo no caminho da libertação, tornarmo-nos mais conscientes e com mais domínio sobre a mente. Este é o poder do Tantra, o caminho mais rápido. Utilizando a meditação da vacuidade, dormimos cultivando a sabedoria. Há duas maneiras de adormecer e de despertar. Quando abrimos os olhos pela manhã, talvez ouçamos um ruído, o canto dos pássaros, ou alguém batendo à porta. Então, transformamos estes sons no mantra OM TARE TUTTARE TURE SOHA visualizando-o no espaço. Utilizando o método de adormecer em Shunyata, ao despertar convertemo-nos em Tara. Fazemos a higiene matinal recitando o mantra e oferecendo-o a Tara. No café da manhã abençoamos o que vamos comer com o mantra OH AH HUNG três vezes. A comida se transforma em energia gozosa, em ambrósia, uma prática muito proveitosa. Durante a refeição, se possível, visualizem-se sendo invadidos pela energia gozosa que se instala no coração transformando nela qualquer estado de insatisfação. Reconheçamos em todos os seres, em tudo o que nos rodeia, a mente e a qualidade divina de Tara, reflexos da sabedoria e da felicidade transcendentais. Qualquer som é reconhecido como o mantra, assim mantendo continuamente no estado de plena atenção, tudo será transformado numa experiência preciosa. Sempre que praticamos a Sadhana devemos recitar o mantra que é o poder de transformar a palavra. É um fogo que queima todos os pensamentos mundanos e tem um poder nuclear. Recitamos com concentração o mantra tanto tempo quanto possível para aguçar a mente, para torná-la poderosa. Não é possível enumerar os benefícios que recebemos ao recitar o mantra; porque seria injusto limitá-los já que vão muitos além de qualquer limite, como se fossem milagres. Recitando o mantra podemos passar por experiências inusitadas. A récita também outorga poderes telepáticos, é curativa, é uma forma de superar a energia negativa, alivia o sofrimento físico. Segue-se a Sadhana passo a passo. Chegando ao mantra, transformem-se em Tara, e da sílaba semente TAM no coração uma luz verde brilhante se irradia nas dez direções purificando tudo que nos rodeia e todos os seres viventes. Há que purificar tudo, pensamentos, doenças, sofrimentos, tudo (...). Todos os seres se transformam em Tara, amigos e inimigos que a seguir se dissolvem em luz e são absorvidos no nosso coração. Podem também, alternadamente, apenas contemplar com atenção. A Sadhana começa com a tomada de Refúgio. Imaginem as Vinte e Uma Taras no espaço diante de nós, não é preciso vê-las, simplesmente pensar que estão ali. Segundo o tantra, o que vemos, o que projetamos, é a nossa realidade. O que não vemos, não projetamos, não é real para nós. Por isso, quando olhamos para um ser vivente, podemos reconhecer nele a qualidade divina, a da Mãe Tara. Tudo o que ouvimos por exemplo, o ronco de um motor de avião, o canto de um pássaro, reconhecemos como o som do mantra. Em qualquer pensamento positivo ou negativo, reconhecemos a sabedoria não dual da Mãe Tara; em vez de seguir um diálogo dualista transformamos o pensamento. Tendo em mente a qualidade da sabedoria divina não dual de Tara, interpretando o manifesto como o mantra ou como a sua forma, não nos surgirão atitudes mentais negativas. Ao surgir um pensamento de apego ou de ódio, teremos uma relação diferente com a sua essência. O que antes era uma situação neurótica e desanimadora passa a ser a clareza não dual da mente do ódio e do desejo. Tudo dependerá da forma como é observado. O ódio, o ressentimento, o desejo, a raiva parecem concretos, parecem ter existência própria, porque esta é a natureza destes fortes sentimentos. É como o oceano, o oceano da mente: vem o vento, e do próprio oceano, surge a onda com seus efeitos potencialmente desastrosos. O ódio, o desejo, o ressentimento parecem ser mais portentosos ainda que o Everest, mas à luz do Dharma isto é pura fantasia. Precisamos apreciar e recorrer à sabedoria do Dharma que, sem estas situações, não seria necessária. Se não houvesse desejo e ódio não teríamos necessidade de coisa nenhuma, nem de religião, nem de alternativas, nem sequer de iluminação. O ressentimento e o desejo são parte da vida, assim como as ondas são parte do oceano; reconhecendo as características da sua natureza vemos que são também sabedoria não dual, sabedoria onisciente, sabedoria onipresente. Observo meus amigos que levam uma vida "super Samsárica", super louca, super hippie. Matam, roubam, fazem o pior que se possa fazer; são explosivos e dominadores. Outros são tranquilos, não reagem indevidamente, mas quando um destes super loucos encontra o Dharma, passa a ser um excelente praticante; aprende com a força da mente louca e Samsárica, e se transforma. Muitos dos meus discípulos pertenceram ao movimento hippie, eram marginais, viciados em drogas e estavam conscientes disto. Depois, passaram por uma transformação profunda. Muitos hippies são criativos, extremistas, eficientes, possuem uma energia nuclear poderosa; quando têm convicção, também são praticantes convictos. Podemos observar como as pessoas poderosas e cruéis, quando se transformam, continuam poderosas, mas podem também ser bondosas. Outros amigos são mais tranquilos, pacíficos e conservadores, têm uma prática menos intensa, mais branda, é assim mesmo. Quanto mais desejo, ressentimento e ódio temos, mais infla o nosso ego. É preciso observar estes pensamentos e constatar a sua natureza clara e transparente, reconhecer neles a característica da sabedoria não dual cuja essência é o estado de felicidade. Pelo ponto de vista filosófico a natureza da mente é clara, com a transparência de cristal. O desejo é o movimento produzido quando colocamos o pensamento nisto ou naquilo, então surge o apego e daí a raiva. Se nos deixamos levar pelo pensamento, se nos apegamos a conceitos, explicando, "é por isso ou por aquilo, é assim ou assado, porque é tal ou qual", tudo se complica. Temos duas formas de dar um basta aos pensamentos negativos. A primeira é ter consciência do surgimento da mente negativa, como temos da aurora antes do sol raiar. Se estivermos presentes, antes que apareça a raiva notaremos a sua vibração no corpo e tratamos de detê-la ainda ali, antes que nos invada e se manifeste. A segunda forma de deter a raiva é não reagindo quando ela já se manifestou. Temos consciência de que estamos com raiva, invocamos a luz verde, e recorrendo à força da própria raiva, transformamos nosso corpo num vulcão em erupção que cobre todo o mundo de luz verde irradiante. Podemos transformar a forte energia da raiva ou do que quer que se manifeste em luz verde irradiante. Reconhecemos a pureza de tudo o que nos rodeia, o mundo, os sentidos, todos os objetos sob seu aspecto gozoso. Assim, tudo o que surge se transforma em energia gozosa. Devemos reconhecer ainda a natureza não dual desta energia, a ausência de existência intrínseca. Podemos visualizar tudo como se fosse um passe de mágica que nos permite ver o que não é evidente. Tudo o que surge tem a característica da não dualidade, observando assim os fenômenos desenvolvemos sabedoria e adquirimos uma compreensão cada vez maior da vacuidade. Se ao nos deparar com um objeto de prazer perscrutarmos a sua natureza não dual, o prazer não nos prejudicará. O conflito surge quando não podemos perscrutar o prazer e a sua verdadeira natureza simultaneamente. Quando nos envolvemos com o prazer perdemos de certo moto o sentido, já que a ideia do prazer surge da ignorância e é pura fantasia, nunca vemos o prazer na não dualidade, tal como é. Não existe nada de errado em ter prazer, o problema é que a mente se converte em mente equivocada, egoísta e então surge o engano e não nos é possível reconhecer a verdadeira natureza do prazer. Assim, quando sentimos prazer deixamos de ser conscientes e perdemos a sabedoria. No budismo não existe diferença entre buscar a verdadeira realidade nos objetos Samsáricos ou em buscar a verdade no Buhda. Não pensem que o Budha detém a verdade e eu não. A verdade do Budha e a minha é a mesma; isto é muito importante. Todos nossos problemas são causados pela mente dualista que separa as coisas, enquanto que o Samsara e a libertação coexistem no mesmo espaço da não dualidade, no espaço da auto existência, esta é a natureza de todas as coisas, não é um conceito filosófico. O mais importante é reconhecer nas aparências sua natureza não dual, não nascida. Esta natureza, de si mesmo, é o gozo, o estado de felicidade. Temos o hábito de dizer: "gosto disto, aquilo me desagrada; não gosto daquilo, isto é bonito (...)." Desde que nascemos estamos sempre envolvidos nestas considerações e não vemos jamais a verdadeira natureza do que nos rodeia. Há quem nunca tenha pensado que esta flor seja linda. Quem nunca tenha visto a realidade e a beleza desta flor devido à mente obsessiva. A beleza se encontra em todas as partes, mas se não a vemos e se estamos fechados a ela é devido às nossas limitações. Qualquer ambiente tem beleza própria. O tantra nos ensina a reconhecer o caráter gozoso de qualquer aparência e em tudo o que vemos reconhecer a união do gozo e da ausência de existência inerente. Aqui está algo que devemos procurar compreender, uma realidade científica: parte da natureza do outro é a minha natureza. Parte da natureza desta montanha é o oceano, que é também a minha natureza. Temos uma realidade comum e por isto definimos Shunyata como absoluto já que a essência de tudo o que existe é a unidade. Com esta sabedoria não existe possibilidade de que surjam negatividades porque podemos reconhecer a sabedoria gozosa de tudo o que vemos como imantado por ela, de onde surge a energia gozosa que aumenta a sabedoria não dual. Vivemos uma realidade incontornável e, como não podemos evitar a cidade, recorramos à sabedoria em vez de queixarmo-nos da turbulência da cidade. No Samsara, desde um tempo sem começo sempre houve desastres, mortes e problemas que não precisam ser motivo de preocupação indevida já que, o que está acontecendo agora, sempre aconteceu. Para a mente ocidental, o Tantra é muito válido. Com esta compreensão, este gozo energizante, esta sabedoria sem confusão, sem insatisfação, tudo é possível. Certas coisas são impuras na visão Sútrica, mas tornam-se puras pelo ponto de vista tântrico. Tudo depende da atitude da mente. Nada existe apenas negativamente. Tudo o que pensamos ser negativo ou condenável é apenas relativo. Conta-se que certa vez dois monges que regressavam ao mosteiro encontraram uma leprosa que pedia ajuda para atravessar o rio. Um deles pensou: "impossível, como monge, não posso tocar numa mulher, é como por a mão no fogo." O outro pensou: "já é tarde e se não ajudo esta mulher a atravessar, passará aqui o resto da noite." Pensando assim carregou-a para a outra margem. O primeiro monge observou que o amigo rompera os votos e de regresso ao mosteiro procurou o abade relatando-lhe o sucedido. O abade respondeu: "Quem julga como você tem uma mente negativa". O outro monge ao ser questionado respondeu: "sim, carreguei a mulher de uma margem para a outra, mais nada." Ele a teria deixado lá, nada mais. Quando nos relacionamos com o mundo não temos os meios hábeis para constatar a não dualidade. Precisamos do forte propósito de realizar a experiência direta da não dualidade; desenvolver a visão que reconhece que tudo é mera aparência, uma visão ilusória. Ainda que possa agradar, o canto dos pássaros não nos causa uma sensação negativa ou positiva. Em geral a sensação é neutra, mas reconhecendo o som do mantra em todos os sons, o convertemos no caminho para a iluminação. Reconhecendo a qualidade do mantra nestes sons, uma ação neutra se transforma em positiva. Já que passamos metade da vida dormindo, podemos fazer o mesmo com os sonhos. Passamos ainda um quarto da vida comendo e talvez o quarto restante praticando o Dharma o que faz com que o caminho para a iluminação seja lento e longo. Também quando comemos ou bebemos devemos reconhecer a energia gozosa. Com esta mente, comer se torna um ato positivo em vez de negativo. Gostaria que tivessem uma sólida compreensão do que acabamos de tratar e cuja maior parte se refere à forma de atuar fora da meditação formal. Primeira versão. O objeto central de refúgio pode ser Tara visualizando ao redor as demais Taras. À direita nosso pai, à esquerda nossa mãe, à frente os que nos incomodam e atrás parentes e amigos; ao redor, num vasto círculo, todos os demais seres viventes. Todos tomamos refúgio e fazemos surgir muita compaixão e equanimidade para com todos os seres viventes, aspiramos unificá-los na natureza da iluminação. Dos objetos de refúgio surgem luzes de três cores, branco, vermelho e azul que purificam nosso corpo, palavra e todas as concepções errôneas. Reconhecemos os obstáculos e sofrimentos causados pelo ego que afligem todos os seres viventes e que podem cessar com a tomada de refúgio. Atualizar a Bodhicitta quer dizer assumir a responsabilidade de gerar enorme desejo de retribuir a bondade que recebemos de todos os seres, o que de melhor podemos fazer. Assim, dediquemos nossa prática aos demais no tempo que nos resta de vida. Em qualquer tipo de organização fala-se muito, o que denota uma conduta irresponsável. Por exemplo, se a nossa empresa produz papel e em vez de nos dedicarmos à produção de papel, agimos através do ego arquitetando uma ou outra ideia que nada tenha a ver com o objetivo de empresa, estamos sendo irresponsáveis. Acontece o mesmo com os casais que se desentendem. Pensam que são especiais e não são, são apenas irresponsáveis. Por ignorância, destroem a harmonia em vez de fomentá-la, não vêm a totalidade da realidade e não sabem criar harmonia. Quando agimos movidos pela Bodhicitta assumimos a responsabilidade. Ainda que possamos ser alvo das más vibrações das energias negativas, temos algum controle e podemos prosseguir o caminho certo à vontade. Sempre que temos um revés tratamos de criar espaço em nossa mente. Quando nos criticam ou mesmo nos ameaçam de morte, pensamos que pode não ser assim e criamos um espaço em nossas mentes para estas e outras realidades. Quem sabe? O inimigo de hoje pode ser o amigo de amanhã, quem sabe nos trará uma grande alegria. Pode também acontecer que o amigo de hoje seja o inimigo de amanhã. A Bodhicitta é assim, ela cria espaço, não discrimina. Não distingue entre etnias ou religiões, a natureza de todas as coisas é a mesma, e esta é a maravilha do budismo. Segundo o budismo, quando todos os seres estiverem totalmente libertados do sofrimento, de ideias, de filosofias, de doutrinas e fanatismo religioso; uma vez libertados de tudo, passam a ser uma unidade, uma mesma família. Nossa mente é saudável. Não sentimos inveja dos árabes por serem donos de muito petróleo. Observando objetivamente os seres, analisando nossos sentimentos, vemos como são ilusórios e realizamos que somos todos iguais. Aqui na Espanha tem um grupo terrorista, quem sabe nos estão apontando uma realidade positiva? Quem sabe podemos aprender alguma coisa com eles? Mao Tse Tung (1893-1976) também é um bom exemplo. Ele me obrigou a sair do Tibete, sem roupa, sem nada, e estou pessoalmente muito agradecido a ele. Despejou-me do meu ninho Samsárico. No Tibete tinha meus parentes, centenas deles e vocês sabem o que são parentes: bla, bla, bla, bla (...). Desde que fui expulso do Tibete sinto melhor em mim o Dharma. Já praticava então, mas agora a prática é autêntica, deixou de ser uma aquisição intelectual em que apenas repetia palavras, agora, aprendi alguma coisa. A realidade vai além das palavras, é o que é e será através da tensão entre o que é e o que gostaríamos que fosse, que permitimos a abertura de espaços em que, então, aprendemos. Tudo o que nos rodeia no ocidente é muito precipitado, acontece rápido, as delusões (enganos) são muito mais fortes, o desejo, o ódio são fortíssimos e assim o ocidente é ideal para a prática do Dharma. Nos Himalaias nada acontece, as pedras não saem do lugar, a água corre infalivelmente, as mudanças são poucas, a vida é fácil. No ocidente a coisa é outra. O desafio dos meus discípulos ocidentais é enorme. Praticam com muito mais empenho que os monges dos Himalaias. Precisam se relacionar com a vida, com a sociedade, com tudo o que se passa e tudo é muito difícil. A prática de vocês é o que vão vivendo. O Dharma é uma ideia colocada em prática e que se converte numa vivência e torna-se então indestrutível. Se não for assim, não passa de uma filosofia. A Bodhicitta é parte essencial do Dharma e com esta atitude superamos os problemas. Se formos prejudicados temos espaço, se alguém nos crítica ou nos odeia, também temos espaço para isto. Assim, não nos perturbamos e, ainda que sentidos, aceitamos a situação. Fonte: Shunya. Grupo de Estudo e Prática Budista. http://www.nossacasa.net/shunya/. Abraço. Davi.

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