Judaísmo. www.morasha.com.br. AMULETOS
E TALISMÃS NO JUDAÍSMO. Amuletos e talismãs são encontrados entre os mais
diferentes povos, em todos os continentes, desde os primórdios da História até
nossos dias. Entre nós, judeus, sua história se estende ao longo de vários
milhares de anos. E o que são amuletos e talismãs? São objetos geralmente
usados no pescoço ou no pulso, com o intuito de proteger ou ajudar aquele que
os porta contra forças espirituais negativas. É preciso, no entanto, ressaltar
que há uma nítida diferença entre amuletos e talismãs. Os primeiros são usados
pela pessoa como forma de proteção e defesa contra algum mal. Já o talismã age
de forma oposta, pois acredita-se que empodere aquele que o usa, atribuindo algum
poder ou energia positiva à pessoa que o possui. Historiadores e arqueólogos
acreditam que praticamente todos os ornamentos usados pelas pessoas, na
Antiguidade, eram originalmente amuletos. Esta premissa se baseia no fato de
que a maioria desses ornamentos costuma trazer a imagem de ídolos ou a estes
eram consagrados. No Livro de Gênesis, por exemplo, lemos que nosso Patriarca
Yaacov enterrou sob uma árvore “todos os deuses estranhos que (aqueles que
viviam em sua casa) tinham em seu poder, e os aros de suas orelhas” (Gênesis
35:4). No Judaísmo, religião puramente monoteísta que rejeita completamente
tudo o que se pareça à adoração de ídolos, o papel dos amuletos e talismãs é
servir como canal condutor para as bênçãos Divinas. Assim sendo, o Judaísmo permite
apenas aqueles amuletos e talismãs feitos e usados de acordo com as leis da
Torá. O Talmud nos ensina que esses objetos geralmente contêm nas palavras que
trazem inscritas um dos Nomes de D’us ou mesmo passagens da Torá (Talmud
Babilônico, Shabat 115b). No entanto, cabe perguntar, por que razão a Torá
sanciona o uso dos amuletos e talismãs? Uma das razões seria a seguinte: como
ensina a Cabalá, misticismo judaico, o ser humano vive em um mundo físico,
portanto precisa usar da materialidade para atrair e transmitir a plenitude
Divina para o mundo. O cajado usado por Moshé e Aaron para realizar milagres –
as 10 pragas, no Egito, e a abertura do Mar de Juncos – são um ótimo exemplo
disso. Os amuletos judaicos geralmente são feitos de textos (letras ou símbolos
gráficos) gravados sobre algum tipo de material; podem até conter plantas ou
pedras preciosas. Têm, na maioria das vezes, um propósito específico como, por
exemplo, facilitar o nascimento, promover a recuperação ou a cura de uma
enfermidade, promover uma melhora nos negócios e assim por diante. A palavra
hebraica para amuleto, kamêa1, relaciona-se com a
noção de amarrar ou unir. Um amuleto judaico, portanto, deve ser “ligado ou
amarrado em torno de algo”. Na maior parte das vezes, os amuletos são usados em
volta do pescoço da pessoa ou amarrados em seu pulso; ou, no caso de um bebê,
presos em sua roupa. Às vezes, os amuletos são usados diretamente no corpo da
pessoa, de forma oculta. Na Antiguidade, era comum encontrar-se amuletos no
corpo dos valentes guerreiros judeus. As maiores evidências do uso de amuletos
pelos judeus remontam à época dos Sábios do Talmud. A discussão que girava em
torno de ser ou não permitido portar amuletos no Shabat encontra-se no Tratado
Shabat, junto com uma resposta afirmativa – podia-se usar o amuleto desde que
quem o tivesse confeccionado fosse um judeu especializado em sua produção ou
que o amuleto fosse, de fato, um objeto cuja eficácia tivesse sido comprovada (Mishná,
Shabat 6.2; Talmud Babilônico, Shabat 61a). O Talmud assim define um amuleto
forte: como ensinaram os Sábios no Tosefta2,o que
constitui um amuleto eficaz? É aquele que curou uma pessoa uma vez, e a curou
novamente, e a curou uma terceira vez. Este é o critério para um amuleto eficaz
e se aplica tanto a um amuleto escrito quanto a um feito com raízes de ervas;
sendo necessário que sua eficácia tenha sido comprovada na cura de um doente em
estado grave ou na cura de um doente em estado não tão grave. O valor e a
eficácia de um amuleto ou de um talismã dependem, também, da espiritualidade de
seu autor, já que seus poderes espirituais são o que irá determinar a força do
amuleto ou do talismã. Os amuletos considerados válidos eram compostos e
gravados por mestres no assunto, conhecidos como os Ba’alei Shem (os
Mestres do Nome Sagrado). Os Cinco Livros da Torá apenas fazem menção a
amuletos, ao passo que as passagens da era do Talmud e pós-Talmud, bem como os
textos da Cabalá, fornecem mais informações sobre esse assunto. Até mesmo o
Livro dos Provérbios, escrito pelo Rei Salomão, Shlomó HaMelech, o
mais sábio dos homens que já viveu, refere-se a concepções consagradas sobre os
amuletos. O uso de amuletos genuinamente judaicos – e não os emprestados de
fontes não-judaicas, foi muito intenso no período rabínico, a dizer, de cerca
do século 1 até cerca do século 7 da Era Comum. Consequentemente há várias
menções sobre amuletos na literatura rabínica. Como o Talmud não proíbe o uso
de amuletos, vemos que através da História seu uso foi muito difundido e
praticado entre os judeus. Floresceu na Espanha, no Oriente e em toda a Europa.
No continente europeu, a crença nos poderes ocultos dos amuletos era muito
difundida entre judeus e não-judeus, em todos os níveis da sociedade. Os
amuletos podiam ser tiras de pergaminho com letras do Nome de D’us, anagramas e
transposições do mesmo, passagens da Torá e outros textos do gênero.
Frequentemente eram uma pequena plaquinha de metal contendo as letras do Nome
Divino. Os amuletos eram usados enrolados no braço ou no pulso; ou excepcionalmente
eram carregados na mão. As mulheres e crianças os portavam geralmente em
correntes no pescoço, anéis ou em outros adornos. Opiniões contraditórias
acerca dos amuletos. Rav Hai Gaon, rabino e erudito que foi o
mestre da Academia Talmúdica de Pumbedita, na Babilônia, no início do século
11, negava os poderes de certos amuletos, como, por exemplo, que um pedaço de
papiro, inscrito com o Nome de D’us, pudesse afugentar os ladrões; ou que esse
Nome Sagrado gravado em uma telha nova pudesse acalmar os mares. No entanto, é
interessante notar que ele admitia que os amuletos pudessem ter eficácia como
meio de cura e proteção. Como escreveu, “tudo dependia do autor do texto e do
momento de sua aplicação”. Rabi Moshé ben Nachman, Nachmanides, permitia o uso
de uma placa de metal com a imagem de um leão como remédio contra uma forte
tosse. Esse tipo de crença era universal e também é mencionado por Manasseh ben
Israel, de Amsterdã – rabino português, cabalista, escritor, diplomata, pintor,
editor e fundador da primeira gráfica em caracteres hebraicos em Amsterdã, em
1626. Vale ressaltar, porém, que nem todos os nossos Sábios concordavam sobre o
uso e poder dos amuletos. Houve uma forte oposição a seu uso entre certos
Sábios, ao longo dos séculos, entre os quais se contava Maimônides, que
declaradamente os condenou. Ele negava que tivessem qualquer força ou virtude,
escrevendo sobre “a loucura dos que fazem os amuletos, que esperam conseguir
milagres com as permutações do Nome Divino”. No entanto, importantes rabinos do
século 18, como o Rabi Yonatan Eybeschütz e o Rabi Naftali ha-Kohen Katz (que
serviu como rabino em Poznan e em Frankfurt am Main), eram conhecidos por
escrever amuletos. Em seu testamento, Rabi Katz determinou que seu grande
amuleto fosse dividido em cinco partes, uma para cada um de seus cinco filhos. Muitos
dos livros escritos por Cabalistas nos séculos 17 e 18 incluem textos sobre
amuletos. Seu uso foi também praticado pelos Hassidim, tendo sido
escritos e gravados por uma série de Rebes ilustres. É interessante notar que
os amuletos não foram apenas um fenômeno da vida judaica medieval. Mesmo hoje
em dia, muitos judeus creem em seu poder. Como demonstra um artigo escrito pelo
Hospital Assaf HaRofeh, em Tel Aviv, os amuletos e talismãs continuam sendo
parte da prática judaica contemporânea. Durante dois meses, os funcionários do
hospital pediram aos pais de todas as crianças internadas na UTI Pediátrica,
para preencher um questionário com dados demográficos sobre o paciente e seus
familiares, o uso de talismãs ou outras práticas de medicina popular, bem como
sua percepção sobre os efeitos de tais práticas no bem-estar do paciente. E
constataram, surpresos, que 30% das famílias judias usavam amuletos e talismãs
na UTI, independentemente da situação socioeconômica da família ou da gravidade
da enfermidade da criança internada. Os resultados indicaram que esses objetos
eram significativamente mais usados por judeus religiosos, por famílias com um
nível mais elevado de instrução e nos casos em que as crianças eram mais
jovens. Mezuzá. Qualquer controvérsia acerca da permissão de se usar
amuletos segundo o Judaísmo depende da definição dada a esses objetos. Por
exemplo, um dos mandamentos mais conhecidos da Torá, que é mencionado duas
vezes no texto da oração do Shemá Israel, é o de se colocar
uma Mezuzá nos umbrais das portas de casa. Por um lado, a
colocação da Mezuzá atende a um mandamento da Torá. Mas, por
outro, também cumpre o papel de um “amuleto”, já que protege os habitantes
desse lar onde é afixada. Desde tempos remotos há registros de pessoas que
usavam a Mezuzá como amuleto. De fato, a Mishná menciona
que alguns tinham o costume de usar um cajado com uma parte oca onde era
afixada uma Mezuzá para sua proteção. Vejamos os poderes
protetores da Mezuzá: na parte externa do seu pergaminho, consta um
dos Nomes de D’us, Sh-a-dai (י-ד-ש). Os
Cabalistas explicam que além de constituírem um Nome Divino, essas três letras
são também o acrônimo de Shomer Delatot Israel – “Guardião dos
portais de Israel,” em alusão à proteção dada pela Mezuzá. Em vista
disso, nas Responsas da época pós-Talmúdica, há uma discussão sobre o seguinte:
a proteção pode ser obtida apenas com uma Mezuzá colocada de
forma correta, segundo o mandamento – ou pode advir de qualquer Mezuzá?
Muitos são da opinião que, de fato, há alguma medida de proteção na
própria Mezuzá, mesmo que não esteja afixada no umbral da porta. A
esse respeito, o Rebe de Lubavitch recomendou que certos indivíduos que
tratavam de assuntos relacionados à saúde sempre levassem consigo uma Mezuzá –
obviamente além de terem Mezuzot casher afixadas
nos portais de sua casa. Os poderes de proteção da Mezuzá servem
como paradigma para os amuletos e talismãs casher – ou seja,
aqueles que são confeccionados e empregados de acordo com as leis da Torá.
Diversas fontes judaicas, inclusive o Talmud, ensinam que, de forma semelhantes
às Mezuzot, os Tefilin também são amuletos
permitidos, preservando o Povo Judeu da força do mal e de seus inimigos. De
forma figurativa, o principal amuleto do Povo de Israel é a própria Torá, já
que é o canal que conduz todas as bênçãos, perdões e bondade Divinos até nós,
seres humanos. www.morasha.com.br.
Abraço. Davi
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