Espiritismo.
Escrito por Allan Kardec (1804-1869). Livro A Gênese – Os Milagres e as
Predições Segundo o Espiritismo. Capítulo II. DEUS – SUA EXISTÊNCIA • A
natureza divina • A Providência • A visão de Deus. 1. Sendo Deus a causa
primária de todas as coisas, a origem de tudo o que existe, a base sobre que
repousa o edifício da Criação, é também o ponto que importa consideremos antes
de tudo. 2. Constitui princípio elementar que pelos seus efeitos é que se julga
de uma causa, mesmo quando ela se conserve oculta. Se, fendendo os ares, um
pássaro é atingido por mortífero grão de chumbo, deduz-se que hábil atirador o
alvejou, ainda que este último não seja visto. Nem sempre, pois, se faz
necessário vejamos uma coisa, para sabermos que ela existe. Em tudo, observando
os efeitos é que se chega ao conhecimento das causas. 3. Outro princípio
igualmente elementar e que, de tão verdadeiro, passou a axioma é o de que todo
efeito inteligente tem que decorrer de uma causa inteligente. Se perguntassem
qual o construtor de certo mecanismo engenhoso, que pensaríamos de quem
respondesse que ele se fez a si mesmo? Quando se contempla uma obra-prima da
arte ou da indústria, diz-se que há de tê-la produzido um homem de gênio,
porque só uma alta inteligência poderia concebê-la. Reconhece-se, no entanto,
que ela é obra de um homem, por se verificar que não está acima da capacidade
humana; mas a ninguém acudirá a ideia de dizer que saiu do cérebro de um idiota
ou de um ignorante, nem, ainda menos, que é trabalho de um animal, ou produto
do acaso. 4. Em toda parte se reconhece a presença do homem pelas suas obras. A
existência dos homens antediluvianos não se provaria unicamente por meio dos
fósseis humanos: provou-a também, e com muita certeza, a presença, nos terrenos
daquela época, de objetos trabalhados pelos homens. Um fragmento de vaso, uma
pedra talhada, uma arma, um tijolo bastarão para lhe atestar a presença. Pela
grosseria ou perfeição do trabalho, reconhecer-se-á o grau de inteligência ou
de adiantamento dos que o executaram. Se, pois, achando-vos numa região
habitada exclusivamente por selvagens, descobrirdes uma estátua digna de
Fídias, não hesitareis em dizer que, sendo incapazes de tê-la feito os
selvagens, ela é obra de uma inteligência superior à destes. 5. Pois bem!
lançando o olhar em torno de si, sobre as obras da natureza, notando a
providência, a sabedoria, a harmonia que presidem a essas obras, reconhece o
observador não haver nenhuma que não ultrapasse os limites da mais portentosa
inteligência humana. Ora, desde que o homem não as pode produzir, é que elas
são produto de uma inteligência superior à humanidade, a menos se sustente que
há efeitos sem causa. 6. A isto opõem alguns o seguinte raciocínio: As obras
ditas da natureza são produzidas por forças materiais que atuam mecanicamente,
em virtude das leis de atração e repulsão; as moléculas dos corpos inertes se
agregam e desagregam sob o império dessas leis. As plantas nascem, brotam,
crescem e se multiplicam sempre da mesma maneira, cada uma na sua espécie, por
efeito daquelas mesmas leis; cada indivíduo se assemelha ao de quem ele
proveio; o crescimento, a floração, a frutificação, a coloração se acham
subordinados a causas materiais, tais como o calor, a eletricidade, a luz, a
umidade etc. O mesmo, se dá com os animais. Os astros se formam pela atração
molecular e se movem perpetuamente em suas órbitas por efeito da gravitação.
Essa regularidade mecânica no emprego das forças naturais não acusa a ação de
qualquer inteligência livre. O homem movimenta o braço quando quer e como quer;
aquele, porém, que o movimentasse no mesmo sentido, desde o nascimento até a
morte, seria um autômato. Ora, as forças orgânicas da natureza são puramente
automáticas. Tudo isso é verdade, mas essas forças são efeitos que hão de ter
uma causa e ninguém pretende que elas constituam a Divindade. Elas são forças
materiais e mecânicas; não são por si mesmas inteligentes, o que também é
verdade; mas são postas em ação, distribuídas, apropriadas às necessidades de
cada coisa por uma inteligência que não é a dos homens. A aplicação útil dessas
forças é um efeito inteligente que denota uma causa inteligente. Um pêndulo se
move com automática regularidade e é nessa regularidade que lhe está o mérito.
É todo material a força que o faz mover-se e nada tem de inteligente. Mas que
seria esse pêndulo se uma inteligência não houvesse combinado, calculado,
distribuído o emprego daquela força, para fazê-lo andar com precisão? Do fato
de não estar a inteligência no mecanismo do pêndulo e do fato de que ninguém a
ver, seria racional deduzir-se que ela não existe? Julgamo-la pelos seus
efeitos. A existência do relógio atesta a existência do relojoeiro; a
engenhosidade do mecanismo lhe atesta a inteligência e o saber. Quando um
relógio vos indica a hora que desejais saber, quem se lembrará de dizer: aí
está um relógio bem inteligente? Outro tanto ocorre com o mecanismo do
universo: Deus não se mostra, mas se revela pelas suas obras. 7. A existência
de Deus é, pois, uma realidade comprovada não só pela revelação, como pela
evidência material dos fatos. Os povos selvagens, nenhuma revelação tiveram;
entretanto, creem instintivamente na existência de um poder sobre-humano. Eles
veem coisas que estão acima das possibilidades do homem e deduzem que essas
coisas provêm de um ente superior à humanidade. Não demonstram raciocinar com
mais lógica do que os que pretendem que tais coisas se fizeram a si mesmas? Da
natureza divina 8. Não é dado ao homem sondar a natureza íntima de Deus. Para
compreender Deus, ainda nos falta o sentido, que só se adquire com a completa
depuração do Espírito. Mas se o homem não pode penetrar a essência de Deus,
pode ter como premissa a sua existência. O homem pode, então, pela razão chegar
a conhecer-lhe os atributos necessários e concluir que esses atributos só podem
ser divinos, deduzindo daí quem é Deus. Sem o conhecimento dos atributos de
Deus, impossível seria compreender-se a obra da Criação. Esse é o ponto de
partida de todas as crenças religiosas e por não se terem reportado aos
atributos, como ao farol capaz de as orientar, que a maioria das religiões
errou em seus dogmas. As que não atribuíram a Deus onipotência imaginaram
muitos deuses; as que não lhe atribuíram soberana bondade fizeram dele um Deus
ciumento, colérico, parcial e vingativo. 9. Deus é a suprema e soberana
inteligência. É limitada a inteligência do homem, pois que não pode fazer, nem
compreender tudo o que existe. A de Deus, abrangendo o infinito, tem que ser
infinita. Se a supuséssemos limitada num ponto qualquer, poderíamos conceber
outro ser mais inteligente, capaz de compreender e fazer o que o primeiro não
faria e assim por diante, até o infinito. 10. Deus é eterno, isto é, não teve
começo e não terá fim. Se tivesse tido princípio, houvera saído do nada. Ora,
não sendo o nada coisa alguma, coisa nenhuma pode produzir. Ou, então, teria
sido criado por outro ser anterior e, nesse caso, este ser é que seria Deus. Se
lhe supuséssemos um começo ou fim, poderíamos conceber uma entidade existente
antes dele e capaz de lhe sobreviver, e assim por diante, ao infinito. 11. Deus
é imutável. Se estivesse sujeito a mudanças, nenhuma estabilidade teriam as
leis que regem o universo. 12. Deus é imaterial, isto é, a sua natureza difere
de tudo o que chamamos matéria. De outro modo, não seria imutável, pois estaria
sujeito às transformações da matéria. Deus carece de forma apreciável pelos
nossos sentidos, sem o que seria matéria. Dizemos: a mão de Deus, o olho de
Deus, a boca de Deus, porque o homem, nada mais conhecendo além de si mesmo,
toma a si próprio pôr termo de comparação para tudo o que não compreende. São
ridículas essas imagens em que Deus é representado pela figura de um ancião de
longas barbas e envolto em manto. Têm o inconveniente de rebaixar o Ente
supremo até as mesquinhas proporções da humanidade. Daí a lhe emprestarem as
paixões humanas e a fazerem-no um Deus colérico e ciumento não vai mais que um
passo. 13. Deus é onipotente. Se não possuísse o poder supremo, sempre se
poderia conceber uma entidade mais poderosa e assim por diante, até chegar-se
ao ser cuja potencialidade nenhum outro ultrapassasse. Esse então é que seria
Deus. 14. Deus é soberanamente justo e bom. A providencial sabedoria das Leis
divinas se revela nas mais pequeninas coisas, como nas maiores, não permitindo
essa sabedoria que se duvide da sua justiça, nem da sua bondade. O fato de ser
infinita uma qualidade, exclui a possibilidade de uma qualidade contrária,
porque está a apoucaria ou anularia. Um ser infinitamente bom não poderia
conter a mais insignificante parcela de malignidade, nem o ser infinitamente
mau conter a mais insignificante parcela de bondade, do mesmo modo que um
objeto não pode ser de um negro absoluto, com a mais ligeira nuança de branco,
nem de um branco absoluto com a menor mancha preta. Deus, pois, não poderia ser
simultaneamente bom e mau, porque então, não possuindo qualquer dessas duas
qualidades no grau supremo, não seria Deus; todas as coisas estariam sujeitas ao
seu capricho e para nenhuma haveria estabilidade. Não poderia Ele, por
conseguinte, deixar de ser ou infinitamente bom ou infinitamente mau. Ora, como
suas obras dão testemunho da sua sabedoria, da sua bondade e da sua solicitude,
concluir-se-á que, não podendo ser ao mesmo tempo bom e mau sem deixar de ser
Deus, Ele necessariamente tem de ser infinitamente bom. A soberana bondade
implica a soberana justiça, porquanto, se Ele procedesse injustamente ou com
parcialidade numa só circunstância que fosse, ou com relação a uma só de suas
criaturas, já não seria soberanamente justo e, em consequência, já não seria
soberanamente bom. 15. Deus é infinitamente perfeito. É impossível conceber-se
Deus sem o infinito das perfeições, sem o que não seria Deus, pois sempre se
poderia conceber um ser que possuísse o que lhe faltasse. Para que nenhum ser
possa ultrapassá-lo, faz-se mister que Ele seja infinito em tudo. Sendo
infinitos, os atributos de Deus não são suscetíveis nem de aumento, nem de
diminuição, visto que do contrário não seriam infinitos e Deus não seria
perfeito. Se lhe tirassem a qualquer dos atributos a mais mínima parcela, já
não haveria Deus, pois que poderia existir um ser mais perfeito. 16. Deus é
único. A unicidade de Deus é consequência do fato de serem infinitas as suas
perfeições. Não poderia existir outro Deus, salvo sob a condição de ser
igualmente infinito em todas as coisas, visto que, se houvesse entre eles a
mais ligeira diferença, um seria inferior ao outro, subordinado ao poder desse
outro e, então, não seria Deus. Se houvesse entre ambos igualdade absoluta,
isso equivaleria a existir, por toda eternidade, um mesmo pensamento, uma mesma
vontade, um mesmo poder. Confundidos quanto à identidade, não haveria, em
realidade, mais que um único Deus. Se cada um tivesse atribuições especiais, um
não faria o que o outro fizesse; mas, então, não existiria igualdade perfeita
entre eles, pois que nenhum possuiria a autoridade soberana. 17. A ignorância
do princípio de que são infinitas as perfeições de Deus foi que gerou o
politeísmo, culto adotado por todos os povos primitivos, que davam o atributo
de divindade a todo poder que lhes parecia acima dos poderes inerentes à
humanidade. Mais tarde, a razão os levou a reunir essas diversas potências numa
só. Depois, à proporção que os homens foram compreendendo a essência dos
atributos divinos, retiraram dos símbolos, que haviam criado, a crença que
implicava a negação desses atributos. 18. Em resumo, Deus não pode ser Deus,
senão sob a condição de que nenhum outro o ultrapasse, porquanto o ser que o
excedesse no que quer que fosse, ainda que apenas na grossura de um cabelo, é
que seria o verdadeiro Deus. Para que tal não se dê, indispensável se torna que
Ele seja infinito em tudo. É assim que, comprovada pelas suas obras a
existência de Deus, por simples dedução lógica se chega a determinar os
atributos que o caracterizam. 19. Deus é, pois, a inteligência suprema e
soberana, é único, eterno, imutável, imaterial, onipotente, soberanamente justo
e bom, infinito em todas as perfeições, e não pode ser diverso disso. Tal o
eixo sobre que repousa o edifício universal. Esse o farol cujos raios se
estendem por sobre o universo inteiro, única luz capaz de guiar o homem na
procura da verdade. Orientando-se por essa luz, ele nunca se transviará. Se,
portanto, o homem há errado tantas vezes, é unicamente por não ter seguido o
roteiro que lhe estava indicado. Tal também o critério infalível de todas as
doutrinas filosóficas e religiosas. Para apreciá-las, dispõe o homem de uma medida
rigorosamente exata nos atributos de Deus e pode afirmar a si mesmo que toda
teoria, todo princípio, todo dogma, toda crença, toda prática que estiver em
contradição com um só que seja desses atributos, que tenda não tanto a
anulá-lo, mas simplesmente a diminuí-lo, não pode estar com a verdade. Em
Filosofia, em Psicologia, em Moral, em Religião, só há de verdadeiro o que não
se afaste, nem um til, das qualidades essenciais da Divindade. A religião
perfeita será aquela de cujos artigos de fé nenhum esteja em oposição àquelas
qualidades; aquela cujos dogmas todos suportem a prova dessa verificação sem
nada sofrerem. A Providência 20. A providência é a solicitude de Deus para com
as suas criaturas. Ele está em toda parte, tudo vê, a tudo preside, mesmo às menores
coisas. É nisto que consiste a ação providencial. “Como pode Deus, tão grande,
tão poderoso, tão superior a tudo, imiscuir-se em pormenores ínfimos,
preocupar-se com os menores atos e os menores pensamentos de cada indivíduo?”
Está a interrogação que a si mesmo dirige o incrédulo, concluindo por dizer
que, admitida a existência de Deus, só se pode admitir, quanto à sua ação, que
ela se exerça sobre as leis gerais do universo; que o universo funcione de toda
a eternidade em virtude dessas leis, às quais toda criatura se acha submetida
na esfera de suas atividades, sem que haja mister a intervenção incessante da Providência.
21. No estado de inferioridade em que ainda se encontram, só muito dificilmente
podem os homens compreender que Deus seja infinito, pois, vendo-se limitados e
circunscritos, eles o imaginam também circunscrito e limitado. Imaginando-o
circunscrito, figuram-no quais eles são, à imagem e semelhança deles. Os
quadros em que o vemos com traços humanos não contribuem pouco para entreter
esse erro no espírito das massas, que nele adoram mais a forma que o
pensamento. Para a maioria, é Ele um soberano poderoso, sentado num trono
inacessível e perdido na imensidade dos céus. Tendo restritas suas faculdades e
percepções, não compreendem que Deus possa e se digne de intervir diretamente
nas pequeninas coisas. 22. Impotente para compreender a essência mesma da
Divindade, o homem não pode fazer dela mais do que uma ideia aproximativa,
mediante comparações necessariamente muito imperfeitas, mas que, ao menos,
servem para lhe mostrar a possibilidade daquilo que, à primeira vista, lhe
parece impossível. Suponhamos um fluido bastante sutil para penetrar todos os
corpos. Sendo ininteligente, esse fluido atua mecanicamente, por meio tão só
das forças materiais. Se, porém, o supusermos dotado de inteligência, de
faculdades perceptivas e sensitivas, ele já não atuará às cegas, mas com
discernimento, com vontade e liberdade: verá, ouvirá e sentirá. 23. As
propriedades do fluido perispirítico podem nos dar uma ideia. Ele não é de si
mesmo inteligente, pois que é matéria, mas é o veículo do pensamento, das
sensações e percepções do Espírito. O fluido perispiritual não é o pensamento
do Espírito; é, porém, o agente e o intermediário desse pensamento. Sendo ele
que o transmite, fica, de certo modo, impregnado do pensamento transmitido, e
na impossibilidade em que achamos de isolar o pensamento, a nós parece que ele
faz corpo com o fluido, dando a entender que são uma coisa só, como sucede com
o som e o ar, de maneira que podemos, a bem dizer, materializá-lo. Assim como
dizemos que o ar se torna sonoro, poderíamos, tomando o efeito pela causa,
dizer que o fluido se torna inteligente. 24. Seja ou não assim no que concerne
ao pensamento de Deus, isto é, que o pensamento de Deus atue diretamente ou por
intermédio de um fluido, para facilitar a nossa inteligência, figuremo-lo sob a
forma concreta de um fluido inteligente que enche o universo infinito e penetra
todas as partes da Criação: a natureza inteira está mergulhada no fluido
divino. Ora, em virtude do princípio de que as partes de um todo são da mesma
natureza e têm as mesmas propriedades que ele, cada átomo desse fluido, se
assim podemos exprimir, possuindo o pensamento, isto é, os atributos essenciais
da Divindade e estando o mesmo fluido em toda parte, tudo está submetido à sua
ação inteligente, à sua previdência, à sua solicitude. Nenhum ser haverá, por
mais ínfimo que o suponhamos, que não esteja saturado dele. Achamo-nos então,
constantemente, em presença da Divindade; nenhuma das nossas ações lhe podemos
subtrair ao olhar; o nosso pensamento está em contato ininterrupto com o seu
pensamento, havendo, pois, razão para dizer-se que Deus vê os mais profundos
refolhos do nosso coração. Estamos nele, como Ele está em nós, segundo a
palavra do Cristo (1 João, 4:13). Para estender a sua solicitude a todas as
criaturas, não precisa Deus lançar o olhar do Alto da imensidade. As nossas
preces, para que Ele as ouça, não precisam transpor o espaço, nem ser ditas com
voz retumbante, pois que, estando sempre ao nosso lado, os nossos pensamentos
repercutem nele. Os nossos pensamentos são como os sons de um sino, que fazem
vibrar todas as moléculas do ar ambiente. 25. Longe de nós a ideia de
materializar a Divindade. A imagem de um fluido inteligente universal
evidentemente não passa de uma comparação apropriada a dar de Deus uma ideia
mais exata do que os quadros que o apresentam debaixo de uma figura humana.
Essa imagem se destina a fazer compreensível a possibilidade que tem Deus de
estar em toda parte e de se ocupar com todas as coisas. 26. Temos
constantemente sob as vistas um exemplo que nos permite fazer ideia do modo
porque talvez se exerça a ação de Deus sobre as partes mais íntimas de todos os
seres e, conseguintemente, do modo por que lhe chegam as mais sutis impressões
de nossa alma. Esse exemplo tiramo-lo de certa instrução que a tal respeito deu
um Espírito. 27. “O homem é um pequeno mundo, que tem como diretor o Espírito e
como dirigido o corpo. Nesse universo, o corpo representará uma criação cujo
Espírito seria Deus. (Compreendei bem que aqui há uma simples questão de
analogia e não de identidade). Os membros desse corpo, os diferentes órgãos que
o compõem, os músculos, os nervos, as articulações são outras tantas
individualidades materiais, se assim se pode dizer, localizadas em pontos
especiais do corpo. Se bem seja considerável o número de suas partes
constitutivas, de natureza tão variada e diferente, a ninguém é lícito supor
que se possam produzir movimentos, ou uma impressão em qualquer lugar, sem que
o Espírito tenha consciência do que ocorra. Há sensações diversas em muitos
lugares simultaneamente? O Espírito as sente todas, distingue, analisa,
assinala a cada uma a causa determinante e o ponto em que se produziu, tudo por
meio do fluido perispirítico. “Análogo fenômeno ocorre entre Deus e a Criação.
Deus está em toda parte, na natureza, como o Espírito está em toda parte, no
corpo. Todos os elementos da Criação se acham em relação constante com Ele,
como todas as células do corpo humano se acham em contato imediato com o ser
espiritual. Não há, pois, razão para que fenômenos da mesma ordem não se
produzam de maneira idêntica, num e noutro caso. “Um membro se agita: o
Espírito o sente; uma criatura pensa: Deus o sabe. Todos os membros estão em
movimento, os diferentes órgãos estão a vibrar; o Espírito se ressente de todas
as manifestações, as distingue e localiza. As diferentes criações, as
diferentes criaturas se agitam, pensam, agem diversamente: Deus sabe o que se
passa e assina a cada um o que lhe diz respeito. “Daí se pode igualmente
deduzir a solidariedade da matéria e da inteligência, a solidariedade entre si
de todos os seres de um mundo, a de todos os mundos e, por fim, de todas as
criações com o Criador.” (Quinemant, Sociedade de Paris, 1867) 28.
Compreendemos o efeito: já é muito. Do efeito remontamos à causa e julgamos da
sua grandeza pela grandeza do efeito. Escapa-nos, porém, a sua essência íntima,
como a da causa de uma imensidade de fenômenos. Conhecemos os efeitos da
eletricidade, do calor, da luz, da gravitação; calculamo-los e, entretanto,
ignoramos a natureza íntima do princípio que os produz. Será então racional
neguemos o princípio divino, por que não o compreendemos? 29. Nada obsta a que
se admita, para o princípio da soberana inteligência, um centro de ação, um
foco principal a irradiar incessantemente, inundando o universo com seus
eflúvios, como o Sol com a sua luz. Mas onde esse foco? É o que ninguém pode
dizer. Provavelmente, não se acha fixado em determinado ponto, como não o está
a sua ação, sendo também provável que percorra constantemente as regiões do
espaço sem- -fim. Se simples Espíritos têm o dom da ubiquidade, em Deus há de
ser sem limites essa faculdade. Enchendo Deus o universo, poder-se-ia ainda
admitir, a título de hipótese, que esse foco não precisa transportar-se, por se
formar em todas as partes onde a soberana vontade julga conveniente que ele se
produza, donde o poder dizer-se que está em toda parte e em parte nenhuma 30.
Diante desses problemas insondáveis, cumpre que a nossa razão se humilhe. Deus
existe: disso não podemos duvidar. É infinitamente justo e bom: essa a sua
essência. A tudo se estende a sua solicitude: compreendemo-lo. Só o nosso bem,
portanto, pode Ele querer, donde se segue que devemos confiar nele, isso é
essencial. Quanto ao mais, esperemos que tenhamos nos tornados dignos de o
compreender. A visão de Deus 31. Se Deus está em toda parte, por que não o
vemos? Vê-lo-emos quando deixarmos a Terra? Tais as perguntas que se formulam
todos os dias. À primeira é fácil responder. Por serem limitadas as percepções
dos nossos órgãos visuais, elas os tornam inaptos à visão de certas coisas,
mesmo materiais. Assim é que alguns fluidos nos fogem totalmente à nossa visão
e aos instrumentos de análise; entretanto, não duvidamos da existência deles.
Vemos os efeitos da peste, mas não vemos o fluido que a transporta; vemos os
corpos em movimento sob a influência da força de gravitação, mas não vemos essa
força. 32. Os nossos órgãos materiais não podem perceber as coisas de essência
espiritual. Unicamente com a visão espiritual é que podemos ver os Espíritos e
as coisas do mundo imaterial. Somente a nossa alma, portanto, pode ter a
percepção de Deus. Dar-se-á que ela o veja logo após a morte? A esse respeito,
só as comunicações de além-túmulo nos podem instruir. Por elas sabemos que a
visão de Deus constitui privilégio das mais purificadas almas e que bem poucas,
ao deixarem o envoltório terrestre, se encontram no grau de desmaterialização
necessária a tal efeito. Uma comparação vulgar tornará facilmente compreensível
essa condição. 33. Uma pessoa que se ache no fundo de um vale, envolvido por
densa bruma, não vê o Sol. Entretanto, pela luz difusa, percebe a claridade do
Sol. Se começa a subir a montanha, à medida que for acendendo o nevoeiro se irá
dissipando e a luz ficará cada vez mais viva. Contudo, ainda não verá o Sol. Só
depois que se haja elevado acima da camada brumosa e chegado a um ponto onde o
ar esteja perfeitamente límpido, ela o contemplará em todo o seu esplendor. O
mesmo, se dá com a alma. O envoltório perispirítico, conquanto nos seja
invisível e impalpável, é, com relação a ela, verdadeira matéria, ainda
grosseira demais para certas percepções. Esse invólucro, porém, se
espiritualiza, à proporção que a alma se eleva em moralidade. As imperfeições
da alma são quais camadas nevoentas que lhe obscurecem a visão. Cada
imperfeição de que ela se desfaz é uma mácula a menos; todavia, só depois de se
haver depurado completamente é que goza da plenitude das suas faculdades. 34.
Sendo Deus a essência divina por excelência, unicamente os Espíritos que
atingiram o mais alto grau de desmaterialização o podem perceber. Pelo fato de
os Espíritos imperfeitos não verem a Deus, não se segue que eles estejam mais
distantes de Deus do que os outros; esses Espíritos, como os demais, como todos
os seres da natureza, se encontram mergulhados no fluido divino, do mesmo modo
que nós o estamos na luz. O que há é que as imperfeições daqueles Espíritos são
vapores que os impedem de vê-lo. Quando o nevoeiro se dissipar, vê-lo-ão
resplandecer. Para isso, não lhes é preciso subir, nem o procurar nas
profundezas do infinito. Desimpedida a visão espiritual das belidas que a
obscureciam, eles o verão de todo lugar onde se achem, mesmo da Terra,
porquanto Deus está em toda parte. 35. O Espírito só se depura com o tempo,
sendo as diversas encarnações o alambique em cujo fundo deixa de cada vez
algumas impurezas. Com o abandonar o seu invólucro corpóreo, os Espíritos não
se despojam instantaneamente de suas imperfeições, razão por que, depois da
morte, não veem a Deus mais do que o viam quando vivos; mas, à medida que se
depuram, têm dele uma intuição mais clara. Não o veem, mas compreendem-no melhor;
a luz é menos difusa. Quando, pois, alguns Espíritos dizem que Deus lhes proíbe
respondam a uma dada pergunta não é que Deus lhes apareça, ou dirija a palavra,
para lhes ordenar ou proibir isto ou aquilo, não; eles, porém, o sentem;
recebem os eflúvios do seu pensamento, como nos sucede com relação aos
Espíritos que nos envolvem em seus fluidos, embora não os vejamos. 36. Nenhum
homem, conseguintemente, pode ver a Deus com os olhos da carne. Se essa graça
fosse concedida a alguns, só o seria no estado de êxtase, quando a alma se acha
tão desprendida dos laços da matéria que torna possível o fato durante a
encarnação. Tal privilégio, aliás, exclusivamente pertenceria a almas de
eleição, encarnadas em missão, que não em expiação. Mas como os Espíritos da
mais elevada categoria refulgem de ofuscante brilho, pode dar-se que Espíritos
menos elevados, encarnados ou desencarnados, maravilhados com o esplendor de
que aqueles se mostram cercados, suponham estar vendo o próprio Deus. É como
quem vê um ministro e o toma pelo seu soberano. 37. Sob que aparência se
apresenta Deus aos que se tornaram dignos de vê-lo? Será sob uma forma
qualquer? Sob uma figura humana, ou como um foco de resplendente luz? A
linguagem humana é impotente para dizê-lo, porque não existe para nós nenhum
ponto de comparação capaz de nos facultar uma ideia de tal coisa. Somos quais
cegos de nascença a quem procurassem inutilmente fazer compreendessem o brilho
do Sol. A nossa linguagem é limitada pelas nossas necessidades e pelo círculo
das nossas ideias; a dos selvagens não poderia descrever as maravilhas da
civilização; a dos povos mais civilizados é extremamente pobre para descrever
os esplendores dos céus, a nossa inteligência muito restrita para os
compreender e a nossa vista, por muito fraca, ficaria deslumbrada. Livro A
Gênese – Os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo. Abraço. Davi.
Nenhum comentário:
Postar um comentário