Espiritismo.
Por Allan Kardec (1904-1989). Livro A Gênese – Os Milagres e as Predições
Segundo o Espiritismo. Capítulo XI. A Gênese Espiritual. A DOUTRINA DOS ANJOS
CAÍDOS E A PERDA DO PARAÍSO. Os mundos progridem, fisicamente, pela elaboração da
matéria e, moralmente, pela purificação dos Espíritos que os habitam. A
felicidade neles está na razão direta da predominância do bem sobre o mal e a
predominância do bem resulta do adiantamento moral dos Espíritos. O progresso
intelectual não basta, pois que com a inteligência podem eles fazer o mal. Logo
que um mundo tem chegado a um de seus períodos de transformação, a fim de
ascender na hierarquia dos mundos, operam-se mutações na sua população
encarnada e desencarnada. É quando se dão as grandes emigrações e imigrações.
Os que, apesar da sua inteligência e do seu saber, perseveraram no mal, sempre
revoltados contra Deus e suas leis, se tornariam daí em diante um embaraço ao
ulterior progresso moral, uma causa permanente de perturbação para a tranquilidade
e a felicidade dos bons, pelo que são excluídos da humanidade a que até então
pertenceram e tangidos para mundos menos adiantados, onde aplicarão a
inteligência e a intuição dos conhecimentos que adquiriram ao progresso
daqueles entre os quais passam a viver, ao mesmo tempo que expiarão, por uma
série de existências penosas e por meio de árduo trabalho, suas passadas faltas
e seu voluntário endurecimento. Que serão tais seres, entre essas outras
populações, para eles novas, ainda na infância da barbárie, senão anjos ou
Espíritos decaídos, ali vindos em expiação? Não é, precisamente, para eles, um
paraíso perdido a terra donde foram expulsos? Essa terra não lhes era um lugar
de delícias, em comparação com o meio ingrato onde vão ficar relegados por milhares
de séculos, até que haja merecido libertar-se dele? A vaga lembrança intuitiva
que guardam da terra donde vieram é uma como longínqua miragem a lhes recordar
o que perderam por culpa própria. Ao mesmo tempo que os maus se afastam do
mundo em que habitavam, Espíritos melhores aí os substituem, vindos quer da
erraticidade, concernente a esse mundo, quer de um mundo menos adiantado, que
mereceram abandonar; Espíritos esses para os quais a nova habitação é uma
recompensa. Assim renovada e depurada a população espiritual dos seus piores
elementos, ao cabo de algum tempo o estado moral do mundo se encontra
melhorado. São às vezes parciais essas mutações, isto é, circunscritas a um
povo, a uma raça; doutras vezes, são gerais, quando chega para o globo o período
de renovação. A raça adâmica apresenta todos os caracteres de uma raça
proscrita. Os Espíritos que a integram foram exilados para a Terra, já povoada,
mas de homens primitivos, imersos na ignorância, que aqueles tiveram por missão
fazer progredir, levando-lhes as luzes de uma inteligência desenvolvida. Não é
esse, com efeito, o papel que essa raça há desempenhado até hoje? Sua
superioridade intelectual prova que o mundo donde vieram os Espíritos que a
compõem era mais adiantado do que a Terra. Havendo entrado esse mundo numa nova
fase de progresso e não tendo tais Espíritos querido, pela sua obstinação,
colocar-se à altura desse progresso, lá estariam deslocados e constituiriam um
obstáculo à marcha providencial das coisas. Foram, em consequência, desterrados
de lá e substituídos por outros que isso mereceram. Relegando aquela raça para
esta terra de labor e de sofrimentos, teve Deus razão para lhe dizer: “Dela
tirarás o alimento com o suor da tua fronte.” Na sua mansuetude, prometeu-lhe
que lhe enviaria um Salvador, isto é, um ser que a esclareceria sobre o caminho
que lhe cumpria tomar, para sair desse lugar de miséria, desse inferno, e
ganhar a felicidade dos eleitos. Esse Salvador, Ele lho enviou na pessoa do
Cristo, que lhe ensinou a lei de amor e de caridade que ela, a raça,
desconhecia e que seria a verdadeira âncora de salvação. É igualmente com o
objetivo de fazer que a humanidade se adiante em determinado sentido que
Espíritos superiores, embora não tenham as qualidades do Cristo, encarnam de
tempos a tempos na Terra para desempenhar missões especiais, proveitosas,
simultaneamente, ao adiantamento pessoal deles, se as cumprirem de acordo com
os desígnios do Criador. Sem a reencarnação, a missão do Cristo seria um
contrassenso, assim como a promessa feita por Deus. Suponhamos, com efeito, que
a alma de cada homem seja criada por ocasião do nascimento do corpo e não faça
mais do que aparecer e desaparecer da Terra: nenhuma relação haveria entre as
que vieram desde Adão até Jesus Cristo, nem entre as que vieram depois; todas
são estranhas umas às outras. A promessa que Deus fez de um Salvador não
poderia entender-se com os descendentes de Adão, uma vez que suas almas ainda
não estavam criadas. Para que a missão do Cristo pudesse corresponder às
palavras de Deus, fora mister se aplicassem às mesmas almas. Se estas são
novas, não podem estar maculadas pela falta do primeiro pai, que é apenas pai
carnal e não pai espiritual. A não ser assim, Deus houvera criado almas com a
mácula de uma falta que não podia deixar nelas vestígio, pois que elas não
existiam. A doutrina vulgar do pecado original implica, conseguintemente, a
necessidade de uma relação entre as almas do tempo do Cristo e as do tempo de
Adão; implica, portanto, a reencarnação. Dizei que todas essas almas faziam
parte da colônia de Espíritos exilados na Terra ao tempo de Adão e que se
achavam manchadas dos vícios que lhes acarretaram ser excluídas de um mundo
melhor e tereis a única interpretação racional do pecado original, pecado
peculiar a cada indivíduo e não resultado da responsabilidade da falta de
outrem a quem ele jamais conheceu. Dizei que essas almas ou Espíritos renascem
diversas vezes na Terra para a vida corpórea, a fim de progredirem,
depurando-se; que o Cristo veio esclarecer essas mesmas almas, não só acerca de
suas vidas passadas, como também com relação às suas vidas ulteriores e então,
mas só então, lhe dareis à missão um sentido real e sério, que a razão pode
aceitar. Um exemplo familiar, mas frisante pela analogia, ainda mais compreensíveis
tornará os princípios que acabam de ser expostos. A 24 de maio de 1861, a
fragata Ifigênia transportou à Nova Caledônia uma companhia disciplinar
composta de 291 homens. À chegada, o comandante lhes baixou uma ordem do dia
concebida assim: “Pondo os pés nesta terra longínqua, já sem dúvida
compreendestes o papel que vos está reservado. A exemplo dos bravos soldados da
nossa marinha, que servem sob as vossas vistas, ajudar-nos-eis a levar com
brilho o facho da civilização ao seio das tribos selvagens da Nova Caledônia.
Não é uma bela e nobre missão, pergunto? Desempenhá-la-eis dignamente. Escutai
a palavra e os conselhos dos vossos chefes. Estou à frente deles. Entendei bem
as minhas palavras. A escolha do vosso comandante, dos vossos oficiais, dos vossos
suboficiais e cabos constitui garantia certa de que todos os esforços serão
tentados para fazer-vos excelentes soldados, digo mais: para vos elevar à
altura de bons cidadãos e vos transformar em colonos honrados, se o quiserdes.
A nossa disciplina é severa e assim tem que ser. Colocada em nossas mãos, ela
será firme e inflexível, ficai sabendo, do mesmo modo que, justa e paternal,
saberá distinguir o erro do vício e da degradação...” Aí tendes um punhado de
homens expulsos, pelo seu mau proceder, de um país civilizado e mandados, por
punição, para o meio de um povo bárbaro. Que lhes diz o chefe? — “Infringistes
as leis do vosso país; nele vos tornastes causa de perturbação e escândalo e
fostes expulsos; mandam-vos para aqui, mas aqui podeis resgatar o vosso
passado; podeis, pelo trabalho, criar-vos aqui uma posição honrosa e tornar-vos
cidadãos honestos. Tendes uma bela missão a cumprir: levar a civilização a
estas tribos selvagens. A disciplina será severa, mas justa, e saberemos
distinguir os que procederem bem. Tendes nas mãos a vossa sorte; podeis
melhorá-la, se o quiserdes, porque tendes o livre-arbítrio.” Para aqueles
homens, lançados ao seio da selvajaria, a mãe-pátria não é um paraíso que eles
perderam pelas suas próprias faltas e por se rebelarem contra a lei? Naquela
terra distante, não são eles anjos decaídos? A linguagem do chefe não é
idêntica à de que usou Deus falando aos Espíritos exilados na Terra:
“Desobedecestes às minhas leis e, por isso, eu vos expulsei do mundo onde
podíeis viver ditosos e em paz. Aqui, estareis condenados ao trabalho; mas,
podereis, pelo vosso bom procedimento, merecer perdão e reganhar a pátria que
perdestes por vossa falta, isto é, o Céu?” À primeira vista, a ideia de
decaimento parece em contradição com o princípio segundo o qual os Espíritos
não podem retrogradar. Deve-se, porém, considerar que não se trata de um
retrocesso ao estado primitivo. O Espírito, ainda que numa posição inferior,
nada perde do que adquiriu; seu desenvolvimento moral e intelectual é o mesmo,
qualquer que seja o meio onde se ache colocado. Ele está na situação do homem
do mundo condenado à prisão por seus delitos. Certamente, esse homem se
encontra degradado, decaído, do ponto de vista social, mas não se torna nem
mais estúpido, nem mais ignorante. Será crível, perguntamos agora, que esses
homens mandados para a Nova Caledônia vão transformar-se de súbito em modelos
de virtude? Que vão abjurar repentinamente seus erros do passado? Para supor
tal coisa, fora necessário desconhecer a humanidade. Pela mesma razão, os
Espíritos da raça adâmica, uma vez transplantados para a terra do exílio, não
se despojaram instantaneamente do seu orgulho e de seus maus instintos; ainda
por muito tempo conservaram as tendências que traziam, um resto da velha levedura.
Ora, não é esse o pecado original? Livro A Gêneses – Os Milagres e as Predições
Segundo o Espiritismo. Abraços. Davi
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