Religião
Afro-brasileira. O Candomblé da Bahia – Rito Nagô. Tradução de Maria Isaura
Pereira de Queiroz (1918-2018) Capítulo III. A ESTRUTURA DO MUNDO II. As
apetebi e os babalaô de grau superior utilizam de 16 búzio. Finalmente, certos
babalaô têm um jogo de 32 búzios. Todavia, as apetebi não têm o direito de
ultrapassar as 16 "letras", como se diz muitas vezes no meio
africano. Embora existindo búzios nas praias do Brasil, não são empregados na
adivinhação. Esta só pode ser praticada com caramujos vindos da África e que no
mercado são vendidos a alto preço. Cada búzio tem uma das faces quebrada, de
maneira a apresentar um lado aberto e outro fechado. O adivinho sacode os entre
as duas mãos reunidas em concha e lança-os; segundo a maneira pela qual caem,
lê-se a "palavra" formada. O jogo mais utilizado é o de 16 búzios.
Eis, com relação a este, a lista das combinações possíveis e os significados
peculiares à Bahia: 1 aberta 15 fechadas Nome do odu: Okaran: Exú fala. 2
abertas 14 fechadas Nome do odu: Eiioko: os lbeji falam. 3 abertas 13 fechadas
Nome do odu: Etaogunda: Ogun fala. 4 abertas 12 fechadas Nome do odu: Orosun:
Xangô fala. 5 abertas 11 fechadas Nome do odu: Oxé: Yemanjá-Ogun falam. 6
abertas 10 fechadas Nome do odu: Obara: Yansan fala. 7 abertas 9 fechadas Nome
do odu: Odí: Exú fala. 8 abertas Nome do odu: Ejionilé: Oxalá fala. 9 abertas 7
fechadas Nome do odu:osa : Yemanjá fala. 10 abertas 6 fechadas Nome do odu: ofu:
Oxalá fala. 11 abertas 5 fechadas Nome do odu: Owanrin: Exú fala. 12 abertas 4 fechadas Nome do Odu: Efila
Sebora : Xangô fala. 13 bertas 3 fechadas Nome do odu: Efi ologbon: Obetegunda
fala. 14 abertas 2 fechadas Nome do odu: Ika: Oxunmaré fala. 15 abertas 1
fechada Nome do odu: ? Obatala fala. 16 abertas ou 16 fechadas: a jogada é nula, é preciso recomeçar. No
interior dos candomblés há filhas de Oxun; têm o direito de tirar a sorte com
os búzios devido à sua filiação espiritual. Assim, o edilogun não é privativo
dos babalaô. Pode-se vê-lo praticado também no interior dos terreiros por yauô
que pertencem a Oxun. O colar de Ifa, ao contrário, é privilégio dos babalaô
unicamente e estes, para utilizá-lo, têm de se submeter a uma iniciação e
aprendizagem especiais. Este colar ou opelê é composto de quatro metades de
nozes de cola presas a uma cadeiazinha de ferro que se joga sobre a mesa de
modo a cair formando um U cuja abertura fica colocada diante do adivinho
(segundo o método yoruba que neste ponto se distingue do método dahomeano). As
duas extremidades do U são de sexo diferente, e neste sistema yoruba, a
extremidade masculina está à direita do babalaô, a extremidade feminina à sua
esquerda. A diferença de sexo está indicada simbolicamente por um pequeno nó
para o sexo masculino, por uma pequena franja de quatro a cinco pedacinhos de
linha para o sexo feminino. As metades de noz ao cair apresentam os lados
convexos, ou os lados côncavos, obtendo-se então 16 palavras ou odu.
Antigamente existiam na Bahia, e talvez ainda existam hoje, pequenas pranchas
de madeira ou ononifa sobre as quais eram inscritos os Odu, de acordo com o que
mostrava o opelê. Duas linhas para cada metade de noz caída sobre o lado
côncavo, uma linha para a que caía sobre o lado convexo. Como existem dois
lados, masculino e feminino, e quatro metades de nozes de cada lado, temos duas
séries de linhas que se marcam na prancha e que são lidas da direita para a
esquerda. Está claro que esta marcação de linhas não é necessária em todas as
cerimônias, não é obrigatória senão para quem quer fazer seu Fa pessoal ou kpoli.
Quando se trata de uma consulta comum, o babalaô se contenta em ler o odu sem
escrevê-lo, pronunciando em voz alta seu nome e interpretando-o. Não vimos
nunca na Bahia, sem dúvida por não termos feito nosso kpoli, nenhum babalaô
escrever os odu. Mas como é mais cômodo para a leitura desenhá-los do que
descrevê-los minuciosamente, damos a título de indicação o quadro dos 16 sinais
duplos. 1 - Direito: 4 metades de noz caídas sobre o lado convexo Esquerdo: 4
caídas do lado convexo: Ogbe-meji. 2 - Direito: 4 metades caídas do lado
côncavo Esquerdo: 4 caídas do lado côncavo: Oye-Ku-meii,. 3 - Direita e
esquerda: duas metades caídas sobre o lado côncavo entre duas metades caídas sobre
o lado convexo: Iwori-meji. 4 - Dos dois lados, duas metades caídas sobre a
face convexa entre duas metades caídas sobre a face côncava: Ode-meji. 5 - Dos
dois lados, duas metades sobre a face convexa, seguidas de duas metades sobre a
face côncava: Irosun-meji. 6 - O odu seguinte é inteiramente o inverso do
precedente: Dwonrin-meji. 7 - Dos dois lados, meia noz sobre a face convexa e
três sobre a face côncava: Obara-meji. 8 - O inverso do precedente:
Okaran-meji. 9 - Dos dois lados, duas meias-nozes sobre as faces convexas, e
uma sobre a face côncava: Oguda-meji. 10 - O inverso da jogada precedente:
Osa-mefi. 11 - De cada lado, uma meia noz sôbre a face côncava, uma sobre a
face convexa, as duas últimas sobre as faces côncavas: Ika-meji. 12 - O inverso
da figura precedente: Oturuson-mefi. 13 - De cada lado, uma meia noz sobre a
face convexa, uma sobre a face côncava, as duas últimas sobre as faces
convexas: Otura-meji. 14 - O inverso da figura precedente: Irete-meji. 15 - Dos
dois lados, alternativamente, uma meia noz sobre a face convexa, e uma meia noz
sobre a face côncava: Osemeji. 16. - Dos dois lados, alternativamente, meia noz
sobre a face côncava, meia noz sobre a face convexa: Ofu-meji. Estes sinais
estão colocados em certa ordem: os odu são considerados filhos de ifa, nasceram
uns após outros e os mais velhos são tidos, por isso, como mais fortes que os
mais jovens. A esta primeira observação é preciso acrescentar outra, tão
importante quanto ela: é muito raro que as metades de noz dos lados direito e
esquerdo caiam exatamente simétricas. Os 16 odu que apresentamos são os
odu-meji, mas podem se combinar entre si e formar assim até 256 figuras, da
qual cada metade é uma das metades de um dos odu-mefi. Por exemplo, a parte
direita do opelê pode formar uma das metades de Irete, e a parte esquerda, uma
das metades de Irosun. Neste caso, é a metade mais forte do odu-mefi que vence;
no exemplo que acabamos de dar, seria o Irosun, que tem o nº5, enquanto Irete
tem o nº14 e é, por conseguinte, muito mais jovem. Vê-se que o modo de proceder
na Bahia não apresenta teoricamente nada de muito difícil. Mas, isto posto,
cada odu, simétrico ou complexo, tem um significado diferente; está ligado a
certos sacrifícios que o consulente deve fazer, e que variam em importância e
composição de sinal para sinal. E também a todo um conjunto de historiazinhas
que miticamente explicam o significado, fasto, neutro ou nefasto, do odu. Isto
é verdadeiro não apenas para os 16 sinais do opelê, como ainda para os 16
sinais do edilogun que apresentamos atrás. Desse modo, compreende-se que
condição principal para o indivíduo ser babalaô é possuir boa memória. Mas,
para auxiliá-la, conserva-se a lista dos sacrifícios e as historietas
registradas em cadernos escolares, ao abrigo de olhares indiscretos. Tivemos um
em nosso poder. Ora, é interessante notar que os mitos assim copiados são
também encontrados em Cuba e na África. Tais são os quatro processos principais
de adivinhação dos africanos da Bahia, resumidos brevemente. Somente os dois
últimos pertencem aos babalaô, embora os babalorixá tentem usurpar-lhes hoje o
edilogun. É verdade que, mesmo conseguindo os babalorixá obter vitória neste
domínio, os babalaô continuariam únicos detentores do colar de Ifa.
Infelizmente, estes apresentam atualmente tendência para abandonar Ifa por Exú,
o opelê pelo edilogun. Os informantes que pude interrogar a respeito deste
estranho enfraquecimento de lfa deram-me duas razões diferentes mas não
contrárias: a primeira é que o sacerdote de Ifa deve obrigatoriamente formar,
antes de morrer, um aprendiz em sua arte. Senão Ifa condenar-lhe-á a alma a
errar em torno da terra, sem poder se reencarnar nem encontrar descanso. Ora, é
difícil hoje encontrar alguém que queira consagrar sua vida a Ifa. A segunda
razão que, como se vai ver, longe de se opor à primeira, ao contrário
explicaria aquela amarga constatação final, é que quanto mais se sobe na
hierarquia sacerdotal, mais numerosos são os tabus que manietam as pessoas. As
obrigações ou as proibições concernentes aos babalaô que trabalham com os opelê
são muitíssimo mais rigorosas do que as dos babalaô que se contentam em trabalhar
com 16 ou 32 búzios. Ora, hoje em dia os jovens querem gozar a vida e, uma vez
que os búzios respondem tão bem quanto o colar de Ifa, os babalaô de nossa
época, para evitar carga que se tornou pesada demais para seus ombros, preferem
não trabalhar senão com o edilogun. Sôbre o culto de Ifa paira pois ameaça de desaparecimento,
embora subsista ainda hoje na Bahia. Mas, trabalhem os babalaô com Ifa ou com Exú,
devem obedecer em suas jogadas a certo número de regras que nos resta agora
definir. Primeiramente, a consulta não pode se realizar em qualquer lugar. Tor-
namos
a encontrar aqui o espaço sagrado, com o qual já nos tínhamos deparado no
candomblé. Toda casa de babalaô contém, afora os aposentos da habitação, um
quarto especial no qual Ifa ou Exú são interrogados. Não é tudo; neste cômodo
já consagrado por sua função e muitas vezes pela sua ornamentação, há um lugar
que apresenta como que um grau mais alto de santificação, é a mesa sobre a qual
são atirados o colar ou os búzios. Pode ser uma pequena bandeja de palha
trançada, bem chata, com os bordos ligeiramente revirados, ou então uma grande
mesa formando um círculo constituído pelos colares dos deuses o primeiro, o
mais exterior, de Xangô, o segundo de Oxalá, o terceiro de Ogun e o quarto. O
mais interior, composto de todas as cores para todos os outros Orixá. O opelê
ou os búzios devem cair no interior deste círculo "encantado".
Encontramos igualmente na consulta a lei de participação que tanto nos chamara
a atenção em capitulo anterior. Para que lfa ou Exú possam responder, é preciso
que uma participação seja previamente efetuada entre o colar, os búzios e o
consultante de um lado, e o mundo sobrenatural de outro. Eis porque cada
consulta obedece ao seguinte esquema: 1) O babalaô começa por fazer oração em
língua africana, para pedir a Ifa ou Exú que tenha a bondade de responder às
perguntas que lhe serão feitas. 2) O consulente toma na mão esquerda um búzio
que não esteja quebrado, ou dois búzios colados um ao outro pela base: o
akoueo, e na mão direita uma pedrinha, o adjikoni. Se a pedrinha responde: sim,
o resultado é positivo, ibo-lotum. Se o búzio duplo responde: não, o resultado é
negativo, ibo losi. 3) Antes de começar, o babalaô coloca os búzios em
participação com o consulente, tocando ou com os búzios, ou com o colar,
sucessivamente a testa deste último que é a sede do ori ou espírito, o coração
que é o centro da personalidade, e as duas mãos que seguram os búzios ou a
pedra, pois estes devem responder de acordo com a vontade de Ifa ou de Exú. 4) O
babalaô conversa em voz baixa com seu colar ou com seus búzios. 5) A consulta
começa. O babalaô formula uma questão, depois atira o opelê. Retomemos o
exemplo já dado anteriormente. Imaginemos que a parte direita do colar, ao
cair, apresente uma metade do Irête, e a parte esquerda uma metade de Irosun (uma
vez que o odu é sempre lido da direita para a esquerda). Neste caso, Irosun
ganha por ser o mais velho dos filhos de Ifa. O babalaô faz o consulente abrir
a mão correspondente, a mão esquerda. Se contém a pedrinha, a resposta à
questão formulada é afirmativa; se é o búzio duplo, a resposta será negativa. É
claro que a cada questão proferida o consulente junta as mãos e as sacode, de
modo a fazer búzio e pedrinha mudarem de posição. Mas não é o acaso que leva a
pedrinha ora para a mão direita, ora para a mão esquerda, como não é por acaso
que o colar recai no espaço sagrado apresentando esta ou aquela metade de noz sobre
a face côncava ou convexa. A dupla participação do consulente com o opelê e,
através da oração, do opelê com Ifa, faz com que o modo de deixar cair as
metades de noz, ou a posição da pedrinha obedeçam à vontade do dono do destino.
Acontece algumas vezes que, apesar de tudo, a resposta permanece ambígua; neste
caso, lança-se uma segunda e mesmo uma terceira jogada. A maneira de proceder
do babalaô com o edilogun é semelhante. Mas por que certas respostas podem ser
ambíguas? É que a resposta do odu é dada pelo conjunto de mitos, de lendas ou
de historietas a ele referentes, sendo preciso interpretá-las de acordo com o
sentido da pergunta formulada. Ora, um engano é possível nas interpretações; a
obrigação do babalaô é, pois, pedir sempre uma ou duas confirmações, de modo a
estar seguro de que não se enganou. Sua responsabilidade de adivinho está em jogo,
e ele tem consciência dos deveres de seu cargo. Compreende-se, também, porque
se diz algumas vezes que não é suficiente ter boa memória para ser bom babalaô,
pois outra qualidade, a intuição, se exige dele também. Esta intuição, ele a
demonstra na leitura do odu, no modo pelo qual, tira uma conclusão dos mitos,
conclusão aplicável ao caso particular que tem de resolver. Página 153 – O
BABALOSAIM. Livro O Candomblé da Bahia – Rito Nagô. Abraço. Davi.
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