Budismo. www.studybudhism.com.
Texto de Alexander Berzin (1944 -). O QUE É REENCARNAÇÃO? Assim como outras
religiões indianas, o budismo também afirma a existência do renascimento ou
reencarnação. O continuum mental de um indivíduo, com seus instintos, talentos
e assim por diante, vem de vidas passadas e segue para vidas futuras.
Dependendo de suas ações e das propensões por elas geradas, um indivíduo pode
renascer em uma variedade de formas, algumas melhores e outras piores: humana,
animal, de insetos e até mesmo de fantasmas e outros estados invisíveis. Todos
os seres experimentam renascimentos incontroláveis devido à força de suas
atitudes perturbadoras, como apego, raiva e ingenuidade e o comportamento
compulsivo desencadeado por elas. Se uma pessoa segue os impulsos negativos que
surgem em sua mente devido a padrões passados de comportamento e age de forma
destrutiva, ela experimentará como resultado o sofrimento e a infelicidade. Se,
por outro lado, uma pessoa envolve-se em atos construtivos o resultado será a
felicidade. A felicidade ou infelicidade de um indivíduo em seus sucessivos
renascimentos não é, portanto, uma recompensa ou punição, mas é criada por suas
ações pregressas, de acordo com as leis de causas e efeitos
comportamentais. Como Podemos Vir a Entender o
Renascimento? Como podemos saber de forma
legítima se algo é verdadeiro? De acordo com os ensinamentos budistas, existem
duas maneiras: através da percepção direta ou por inferência. Se fizermos uma
experiência em um laboratório, podemos validar a existência de algo através da
percepção direta. Por exemplo, se olharmos através de um microscópio podemos
ver, através apenas de nossos sentidos, que existem minúsculos micróbios em uma
gota de água do lago. Entretanto, existem algumas
coisas que não podem ser validadas pela percepção direta. Precisamos nos basear
em lógica, razão e inferência, como no caso do magnetismo, cuja existência é
inferida através do comportamento de um imã e uma agulha de ferro. É muito
difícil provarmos o renascimento através da percepção direta. Entretanto,
existem muitos exemplos de pessoas que lembram de suas vidas passadas e
conseguem identificar objetos pessoais ou pessoas que conheciam na vida
anterior. Podemos inferir daí a existência do renascimento, mas algumas pessoas
podem ainda assim duvidar e achar que é um truque. Mas podemos deixar de lado
os casos de memórias de vidas passadas e usar a lógica para compreender o
renascimento. Sua Santidade o Dalai Lama declarou que, se determinados aspectos
do budismo não corresponderem à realidade, ele estaria disposto a eliminá-los,
e isso se aplica também ao renascimento. Inclusive, foi esse o contexto
original da declaração. Se os cientistas conseguirem provar a inexistência do
renascimento, teremos que deixar de tomar isso como verdadeiro. Entretanto, se
eles não conseguem provar que renascimento não existe, eles têm que investigar
se existe: afinal os cientistas seguem a lógica e a metodologia científica, que
é a aberta a coisas novas. Para provar que a inexistência do renascimento eles
teriam que encontrar sua não existência. Declarar que “renascimento não existe
porque não consigo testemunhá-lo com meus olhos” não é provar a inexistência do
fato; afinal existem muitas coisas que não conseguimos ver, e no entanto
existem, como o magnetismo e a gravidade. Linhas de Raciocínio para
Investigarmos Se Renascimento Existe ou Não. Se os cientistas não
conseguem provar a inexistência do renascimento, convêm investigarmos sua
existência. O método científico é postular uma teoria baseada em alguns dados e
depois verificar se ela pode ser validada. Portanto, olhamos os dados. Por exemplo,
percebemos que crianças não nascem como caixas vazias. Elas têm certos hábitos
e características pessoais (personalidade) observáveis até mesmo quando são
muito novas. De onde vêm essas características? Não faz sentido dizermos que
vêm apenas da continuidade física do material doado por seus pais, o óvulo e o
espermatozoide. Se nem todos os óvulos fecundados conseguem alojar-se no útero
e virar um feto, o que faz com que alguns virem bebês e outros não? O que será
que está realmente causando os vários hábitos e instintos da criança? Não
podemos dizer que é o DNA e os genes, o lado físico. Ninguém está negando que
esse é o aspecto físico que define como o bebê será, mas e quanto ao aspecto
vivencial? Como explicar a mente? A palavra inglesa para mente (e também a
portuguesa) não tem o mesmo significado que o termo supostamente traduzido do
Sânscrito e Tibetano. Nesses idiomas, “mente” refere-se à atividade mental ou
eventos mentais e não àquilo que está fazendo essa atividade. A atividade ou
evento em questão é o surgimento cognitivo de determinados fenômenos —
pensamentos, visões, sons, emoções, sentimentos e assim por diante — e um
envolvimento cognitivo com eles — vendo-os, ouvindo-os, compreendendo-os e até
mesmo não os compreendendo. De onde vem essa atividade e esse envolvimento
de um indivíduo com objetos cognitivos? Não estamos questionando de onde vem o
corpo, pois é óbvio que vem dos pais. Não estamos questionando a inteligência e
coisas do gênero, porque nesse caso também podemos argumentar que existe uma
base genética. No entanto, dizer que a preferência de uma pessoa por sorvete de
chocolate vem de seus gens é “forçar um pouco a barra”. Podemos dizer que
alguns de nossos interesses podem ser influenciados por nossas famílias e por
nossa situação social e econômica. Esses fatores, sem dúvida, têm influência,
mas é difícil utilizarmos para explicar tudo o que fazemos. Por exemplo, porque
eu me interessei por yoga quando era criança? Ninguém na minha família ou
círculo social se interessava. Havia alguns livros disponíveis na área onde eu
morava, portanto você pode dizer que houve alguma influência da sociedade, mas
por que eu me interessei especificamente por aquele livro de hatha yoga? Por
que o escolhi? Essa é uma outra questão. Será que as coisas acontecem apenas
por acaso e a sorte tem um papel nisso, ou será que tudo pode ser
explicado? De Onde Vem a Atividade Mental
de Cada Indivíduo? Deixando tudo isso de lado, voltemos à questão principal: de onde
vem a atividade que faz surgir objetos cognitivos e que causa nosso
envolvimento cognitivo com eles? De onde vem essa capacidade de percebê-los? De
onde vem a chama da vida? O que faz com que surja vida da combinação de
espermatozoide e óvulo? O que faz com que essa vida seja humana? O que faz com
que pensamentos e visões surjam e o que causa nosso envolvimento cognitivo —
que é o aspecto vivencial da química e da eletricidade do cérebro — com elas? É
complicado dizermos que a atividade mental de um bebê veio de seus pais, porque
se veio, como foi que veio? Tem que haver algum mecanismo envolvido. Será que a
chama da vida — caracterizada pela consciência das coisas — veio de nossos
pais, da mesma forma que o espermatozoide e o óvulo? Será que veio do orgasmo?
Será que veio da ovulação? Será que está no espermatozoide? No óvulo? Se não
conseguimos chegar a um indicador lógico e científico de quando ela é
transferida dos pais para os filhos, temos que buscar outra solução. De um
ponto de vista puramente lógico, percebemos que fenômenos funcionais vêm de uma
continuidade de momentos prévios de algum fenômeno da mesma categoria. Por
exemplo, um fenômeno físico, seja matéria ou energia, vem de um momento prévio
daquela matéria ou energia. É um continuum. Tomemos a raiva como exemplo.
Podemos falar da energia física que sentimos quando estamos com raiva, isso é
uma coisa. Entretanto, considere a atividade mental de vivenciar a raiva —
vivenciar o surgimento da emoção e a consciência ou inconsciência dela. A raiva
de um indivíduo tem seus próprios momentos anteriores de continuidade nesta
vida, mas de onde ela veio antes disso? Ou veio de nossos pais, e parece não
haver mecanismo para descrever como isso acontece, ou tem que vir de um Deus
criador. Para algumas pessoas, no entanto, a inconsistência lógica da
explicação de como um ser onipotente cria, é um problema. Para evitarmos esses
problemas, a alternativa é que o primeiro momento de raiva na vida de alguém
vem da continuidade de seus próprios momentos anteriores de raiva. A teoria do
renascimento explica exatamente isso. A Analogia com um Filme. Podemos tentar entender o
renascimento através da analogia com um filme. Assim como um filme é uma
continuidade de quadros, nosso continuum mental é uma continuidade de momentos
de consciência de fenômenos em uma vida, e também de uma vida para a outra. Não
existe uma entidade sólida, encontrável, como um “eu” ou “minha mente”, que
renasce. No caso do renascimento, não podemos usar uma analogia com uma estátua
em uma esteira rolante, indo de uma vida para a outra, mas sim de um filme,
algo em constante mudança. Cada quadro é diferente, mas existe uma
continuidade. Um quadro está relacionado com o próximo. Da mesma forma, existe
uma continuidade, em constante mudança de momento de consciência de fenômenos,
mesmo que alguns desses momentos sejam inconscientes. E ainda, assim como os
filmes não são todos o mesmo filme, apesar de todos serem filmes, da mesma
forma, todos os continuums mentais ou “mentes” não são uma mente apenas.
Existem inúmeros continuums individuais de consciência de fenômenos e cada um
pode ser rotulado como “eu” a partir de sua própria perspectiva. Essas são as
linhas de raciocínio que começamos a investigar quando consideramos a questão
do renascimento. Se uma teoria faz sentido lógico, podemos olhar com seriedade
o fato de que existem pessoas que se lembram de vidas anteriores. Dessa
maneira, investigamos a existência do renascimento através de uma abordagem
coerente. O Que Renasce? Segundo o budismo, a
analogia do renascimento não é a de uma alma, uma pequena estátua concreta ou
pessoa, viajando em uma esteira rolante de uma vida para a outra. A esteira
representa o tempo e a imagem representa algo sólido, uma personalidade fixa ou
alma, que chamamos de “eu”, passando pelo tempo: “Agora eu sou
jovem, agora eu sou velho; agora eu estou nesta vida,
agora eu estou naquela vida.” Esse não é o conceito budista de
renascimento. A analogia é a de um filme. Existe uma continuidade em um filme;
os quadros formam um continuum. O budismo também não diz que eu me transformo
em você ou que somos todos um. Se fossemos um, e eu fosse você, se estivéssemos
com fome, você poderia esperar no carro enquanto eu ia comer. Não é assim. Cada
um de nós tem seu continuum individual. A sequência do meu filme não se tornará
o seu filme, mas nossas vidas prosseguem como filmes no sentido de que não são
concretas e fixas. A vida segue de um quadro para outro. Ela segue uma
sequência, de acordo com nosso karma, e assim forma uma continuidade. Cada
continuum é alguém e pode ser chamado de “eu”; não é que cada continuum não
seja é ninguém. Assim como o título de um filme - que se refere a todo o filme
e também a cada quadro dele, mas não pode ser encontrado como algo concreto em
cada quadro - da mesma forma “eu” refere-se a um continuum mental individual e
a cada momento dele, mas também não pode ser encontrado como algo concreto em
nenhum desses momentos. Todavia, existe um “eu”, convencionalmente falando, um
“self”. O budismo não é um sistema niilista. Humanos Sempre Renascem como
Humanos? Estamos falando de atividade mental e dos fatores gerais que
caracterizam nossa atividade mental. O que caracteriza a atividade mental
humana é a inteligência, e essa inteligência, da forma como a conhecemos, pode
estar em qualquer ponto de uma escala de “não muito inteligente” até “muito
inteligente”. Mas existem outros fatores que também fazem parte da atividade
mental, como a raiva, a ganância, o apego, a distração e os comportamentos
compulsivos que derivam desses fatores mentais. Em algumas pessoas, esses
fatores dominam a atividade mental e portanto elas não estão utilizando sua
inteligência humana; ao invés disso estão operando principalmente com base em
ganância, raiva (...). Por exemplo, existem pessoas que tem um tremendo desejo
sexual e ficam de bar em bar conhecendo pessoas e tendo relações sexuais com
quase todos que encontram — essas pessoas estão agindo como cachorros, não
acha? Um cachorro tem relações sexuais com qualquer cachorra que encontrar,
seja quando for; ele não exerce qualquer tipo de auto controle. Se um humano se
comporta dessa forma, ele está criando um habito que pertence a uma mentalidade
animal. Assim, não é de se surpreender, pensando em termos de renascimento, que
a mentalidade de desejo dessa pessoa será o modo de atividade mental dominante
em uma vida futura; e ela reencarnará em uma base própria para essa atividade
mental, ou seja, o corpo de um animal. Portanto é muito útil examinarmos nosso
comportamento: “Será que estou agindo como esse ou aquele animal?” Pense em uma
mosca. A mentalidade de uma mosca é de total distração. Uma mosca não consegue
ficar em um lugar por mais de alguns instantes, ela está constantemente se
movendo e constantemente distraída. Assim é a nossa mente, como a de uma mosca?
Se sim, o que esperar na próxima vida? Podemos esperar ter inteligência e boa
concentração? Esses são alguns pensamentos que nos ajudam a compreender que
humanos não renascem necessariamente como humanos. Podemos renascer em muitas
formas diferentes de vida, para cima ou para baixo. Se criarmos muitos hábitos
humanos positivos, mesmo que renasçamos como um animal, quando a força kármica
do nosso comportamento animalesco se exaurir, nossa força positiva anterior
pode se tornar dominante e podemos renascer como humano novamente. Não estamos
condenados a renascimentos inferiores para sempre. O ponto aqui é entender que
não há nada intrínseco à atividade mental que faça dela uma atividade
mental humana ou que a faça masculina ou feminina ou qualquer
outra coisa. É simplesmente atividade mental, e o tipo de nascimento que
teremos depende do nosso karma, dos vários hábitos que criamos com nosso
comportamento compulsivo. Em vidas futuras teremos um corpo que funcionará como
uma base apropriada para manifestarmos esses hábitos. Conclusão. Quando utilizamos a razão
para examinar a apresentação budista do renascimento, precisamos examinar os
processos causais que perpetuam continuums mentais individuais: continuidades
mentais individuais que nunca se degeneram. A conclusão que chegamos é de
renascimentos sem início, com cada vida moldada por hábitos comportamentais
previamente criados. www.studybuddhism.com. Abraço. Davi.
Nenhum comentário:
Postar um comentário