domingo, 6 de agosto de 2023

I. A MANSÃO CELESTIAL

 

Hinduísmo. Livro Mahabharata Recontado por Krishna Dharma. I. A MANSÃO CELESTIAL. Algum tempo depois de terem se mudado para Indraprasta, os pandavas foram visitados pelo sábio Narada. Ele foi servido por Draupadi e, depois de perceber a beleza divina dela, temeu que alguma briga pudesse surgir entre os cinco irmãos. Narada lhes contou uma história muito antiga sobre dois asuras, ou demônios celestiais, que tinham se apaixonado pela mesma mulher. Embora sempre tivessem sido muito amigos, inseparáveis e devotados um ao outro, a inveja fez com que se matassem numa luta terrível. Narada aconselhou os pandavas: “Não deixem que isso aconteça com vocês. Estabeleçam uma regra para a companhia de Draupadi, para que não surjam desacordos imprevistos”. Então, os irmãos decidiram por uma regra: cada um passaria um certo tempo com Draupadi e, se qualquer um deles invadisse o cômodo onde outro estivesse a sós com ela, sofreria uma terrível consequência: o invasor teria que ir para a floresta por um ano, sem manter contato com Draupadi durante o período do exílio. À medida que o tempo passava, Indraprasta ficou famosa até entre os deuses. A regra virtuosa dos pandavas manteve todos os cidadãos na senda da piedade. Sempre guiado pelos brâmanes, Iudistira se assegurou de que todo seu povo fosse muito bem cuidado, em todos os aspectos. Seu reino floresceu muito, muito mesmo, e diversos outros reis aceitaram sua liderança. Draupadi servia e amava seus cinco maridos com devoção inquestionável. Segundo o acordo estabelecido, cada um deles tinha seu tempo para passar com ela. Um dia, Iudistira estava sozinho em seus aposentos com Draupadi, quando um brâmane chegou aflito ao palácio e, do lado de fora, se lamentou para Iudistira: “Oh rei, salva-me! Ladrões maldosos levaram minhas vacas. Não permitas que a virtude seja destruída dessa maneira. Todos os reis têm o dever de proteger seus cidadãos”. Iudistira não escutou os lamentos do brâmane, mas Arjuna os ouviu e imediatamente lhe respondeu: “Não tema, caro brâmane. Logo irei prender os ladrões”. Mas, quando correu para pegar as armas, lembrou-se de que Iudistira estava com Draupadi no quarto onde elas eram guardadas. Parado na frente da porta, pensava cuidadosamente como poderia quebrar a regra? Mas, se não pegasse os ladrões, a virtude de Iudistira poderia sofrer. O povo naturalmente censuraria o rei por não proteger o brâmane. E ele, se entrasse no quarto, teria de ir para a floresta por um ano inteiro. Mas, mesmo que morresse lá, isso ainda seria melhor do que permitir que a calúnia e o pecado tocassem seu irmão. Arjuna bateu forte na porta e entrou. Olhando para a frente, foi direto pegar as armas. Iudistira se sentou surpreso e o saudou sorrindo. Respondendo que lhe explicaria mais tarde, Arjuna pegou rapidamente suas armas e correu atrás dos ladrões. Em pouco tempo recuperou as vacas do brâmane e prendeu os salteadores. Voltando, então, à cidade, foi à presença de Iudistira. Ajoelhando-se aos pés do irmão, lhe disse por que tivera de entrar em seu quarto e terminou: “Permita-me agora partir para a floresta, conforme o nosso acordo”. Iudistira levantou as mãos: “Por quê? Você não cometeu nenhum pecado. Estava simplesmente defendendo a virtude. Não vá”. Arjuna ficou firme: “Você disse muitas vezes que a virtude deveria ser praticada sem equívoco. Devo me manter fiel à verdade, porque esta é a minha maior fora. Mas o acordo foi quebrado e devo partir”. Lágrimas rolaram dos olhos de Iudistira, mas ele não argumentou mais. Seu irmão estava certo. O rei pandava assentiu com a cabeça, e Arjuna imediatamente saiu para preparar sua partida. Logo se aprontou e, depois de se despedir dos irmãos chorosos, saiu da cidade, seguido por muitos brâmanes ascetas que aproveitaram a oportunidade de ir em peregrinação com ele. Iudistira também ordenou que criados o acompanhassem com riquezas, para serem distribuídas com caridade aos rishis que encontrasse no caminho. Arjuna decidiu percorrer o litoral, visitando os vários lugares sagrados que existiam naquela direção, e chegou a Dwaraka, na costa oeste da Índia ficou por algum tempo. Lá morava Krishna e, com sua assistência, casou-se com Subadra, a lindíssima irmã de Krishna. Ao final do ano, regressou a Indraprasta levando a princesa consigo. Seus irmãos se rejubilaram e o cercaram quando entrava na cidade. Homenagearam-no por ter desposado Subadra e escutaram, maravilhados, a narrativa das aventuras por que tinha passado durante a viagem. Alguns dias depois de Arjuna ter regressado, Krishna e Balarama foram a Indraprasta, devidamente acompanhados pelos líderes mais importantes de Dwaraka. Entraram na cidade e admiraram sua arquitetura incrível. Indraprasta parecia uma joia entre as cidades. As ruas eram lavadas e mantidas impecavelmente limpas e perfumadas todos os dias. As mansões brancas, altas e imponentes, eram enfeitadas com guirlandas de flores silvestres e colunas de bandeiras de cores brilhantes. Enquanto a procissão de Dwaraka passava, os homens ricos jogavam pedras preciosas ao chão para os visitantes caminharem sobre elas. Milhares de conchas soaram e os bramares cantaram hinos auspiciosos que louvavam Krishna e seu cortejo. Os pandavas saudaram seus convidados com respeito e amor. Iudistira os levou aos aposentos de repouso, no seu próprio palácio magnífico. Então Krishna e Balarama lhe apresentaram a riqueza do dote de Subadra pelo seu casamento com Arjuna: montes de lingotes de ouro brilhavam junto a incontáveis pedras preciosas, cobertores e tapetes raros. Os dois chefes iadus também lhe deram milhares de vacas com os chifres decorados com folhas de ouro, mil cavalos brancos como a Lua, mil mulas e mil carros de guerra de primeira classe. Além disso, também tinham trazido mil elefantes enormes, crescidos nas praias e que pareciam montanhas cobertas de sinos e joias. A riqueza do dote de Subadra, apresentada ao pandava, parecia um mar que avançava em todas as direções. Iudistira recebeu graciosamente todos os presentes. Ele e os irmãos passaram muitos dias com os iadus, praticando esportes e conversando, felizes por estarem juntos. Finalmente, os iadus voltaram para Dwaraka, mas Krishna resolveu ficar mais uns dias, pois queria passa mais tempo com Arjuna. Os dois primos amigos caçavam na floresta que circundava Indraprasta, rinndo e lembrando coisas engraçadas, enquanto espreitavam os animais que ameçavam os rishis que viviam na floresta. Num dia especialmente quente, estavam sentados sob a sombra de uma grande árvore banian quando, para surpresa deles, um brâmane de aparência estranha apareceu no bosque. Tinha a pela acobreada, com cabelos e barba amarelos e brilhantes. Seus olhos avermelhados eram como pétalas de lótus e o corpo forte e bem delineado. Vendo esse brâmane que brilhava como fogo, Krishna e Arjuna imediatamente se levantaram respeitosamente e, de mãos postas, Krishna perguntou: “O que podemos fazer pelo senhor?” “Sei que vocês dois são os melhores dos homens”, o brâmane respondeu numa voz ressonante, “Vim pedir minha comida. Entretanto, não sou um brâmane comum. Saibam que sou Agni, o deus do fogo. Desejo comer essa floresta inteira onde estamos. Por favor, ajudem-me”. E o deus explicou que tinha tentado várias vezes consumir a floresta, mas que esta se encontrava soba a proteção de Indra. “Existe uma naga que vive aqui e que é amiga de Indra. Cada vez que me espalho para devorar a floresta, Indra manda chuvas torrenciais. Só vocês podem evitar isso. E eu preciso comer essa floresta, pois ela contém muitas ervas medicinais”. Agni contou como tinha adoecido depois de consumir muita ghee num grande sacrifício feito pelo rei Swetaki, um ancestral de Krishna. Se pudesse comer as ervas da floresta, ficaria curado. O grande criador Brahma, tinha dito a Agni que ele deveria pedir a ajuda de Krishna e Arjuna. “Esses dois são os antigos Nara e Narayana, os rishis divinos”, disse Brahma. “Agora desceram à terra para cumprir propósitos divinos dos deuses. Assim, peça a ajuda deles”. Arjuna também ficou de mãos postas para o deus e disse: “Gostaria muito de ajudá-lo, senhor, e na verdade possuo muitas armas poderosas com que posso lutar até mesmo contra os seres celestiais. Entretanto, não tenho um arco tão poderoso para enfrentá-los. E, mesmo que tivesse tal arco, também precisaria de um número inexaurível de flechas e um carro adequado de onde lutar”. Agni sorriu. “Você os terá”. Invocou Varuna, deus dos mundos subterrâneos e das águas profundas, e a divindade logo apareceu. Agni lhe pediu: “Oh senhor das profundezas, por favor, me entregue o arco e as flechas que pertenceram ao rei Soma, assim como o seu carro, decorado com uma bandeira com um macaco. Arjuna precisa deles a fim de alcançar grandes feitos para os deuses”. Varuna era o guardião das armas celestiais, que mantinha ocultas nas profundezas do oceano. Imediatamente fez aparecer o carro e as armas, e Agni lhe disse chamar Gandiva. Alta como um homem, a arma brilhava como o arco-íris e era coberta de gemas preciosas. Nenhuma falha, nenhum final de fragilidade em qualquer de suas partes. Depois de reverenciar Agni, Arjuna tomou o arco e se aproximou do grande carro, que estava cheio de armas celestiais, inclusive dois feixes inexauríveis de flechas. Ao carro estava atrelada uma parelha de cavalos prateados da terra dos gandarvas. Parecendo uma nuvem noturna e refletindo o esplendor do Sol, o carro deslumbrante ainda tinha um alto mastro de ouro com uma bandeira com a figura de Hanuman, o famoso macaco amigo e criado de Rama, que emitia gritos agudos. Quando Arjuna subiu ao carro e vestiu a armadura celestial que ali encontrou, Varuna apresentou um disco a Krishna. “Aqui está sua arma imortal, Sudarshana”, disse, entregando-lhe o objeto refulgente que parecia um círculo de fogo. “Saindo de sua mão num voo giratório, essa arma denteada poderá degolar qualquer criatura nos três mundos. E aqui está, também, sua maça, a Kaumodaki, capaz de esmagar as hordas de dáitias e danavas”. Depois de entregar as duas armas a Krishna, Varuna o reverenciou e desapareceu. De pé no carro e fechado dos pés à cabeça em sua armadura, Arjuna brilhava. Krishna pulou para o assento do auriga e tomou as rédeas na mão, dizendo que guiaria o carro para Arjuna. Em tom heroico, Arjuna disse para Agni: “”Oh grande divindade, acenda-se e espalhe-se o quanto puder. Com o Gandiva como arma e Krishna como meu auriga, estou pronto para enfrentar até a hoste celestial inteira”. Num instante Agni apresentou sua forma brilhante e cercou a floresta. Chamas imensas lambiam a vegetação e nuvens densas de fumaça negra se espalhavam pelo céu. Os ruídos dos galhos secos se tornaram ensurdecedor e o ar se encheu de um cheiro sufocante. Os lagos e as poças da vasta floresta ferviam até secar e as pedras incandesciam. Nos céus, Indra ficou alarmado. Seu amigo naga Takshaka parecia estar em perigo. O rei dos deuses, então, enviou nuvens maciças para a floresta, que logo começaram a relampejar e a despejar grande volume de água. Mas conflagração era tão imensa que a chuva simplesmente se transformou em vapor e subiu para os céus. Indra fez aparecer outras nuvens, maiores ainda, e grandes colunas de água começaram a apagar as chamas. Vendo isso, Arjuna invocou o vento à sua arma Vayavya e, atirando-a para cima, fez com que todas as nuvens se dispersassem. Indra ficou zangado e juntou muitos guerreiros celestiais para desafiar Arjuna. Milhares de asuras, gandarva, iakshas enagas apareceram no céu e atiraram suas armas sobre Arjuna. O pandava contra-atacava com habilidade incomparável. Cm o Gandiva constantemente aberto, em ação, atirava flechas aos milhares, carregadas com a força das armas celestiais. Devido à excelente direção que Krishna dava ao carro, este voava e evitava os dardos que choviam do céu. Vendo Arjuna derrotar com sucesso o exército dos céus, Indra, então apareceu pessoalmente, acompanhado de todos os deuses principais. Embora impressionado pelo poder do próprio filho, estava determinado a mostrar sua superioridade. Uma a uma as divindades lançaram suas armas sobre Arjuna. Yamaraja atirou seu cajado da morte. Surya, seu dado. Varuna seu laço e Indra seu terrível relâmpago. Dúzias de outros deuses também arremessaram suas armas, mas Arjuna permaneceu intocado em seu carro. Com suas setas mágicas, recebia todos aqueles mísseis. E tantas foram as flechas disparadas por Arjuna que elas pareciam sair de sair de seu arco numa linha contínua. Simplesmente pela força e velocidade de seus braços e pelo Gandiva, conseguiu anular o ataque dos deuses. E todos elogiaram seu poder. Então, ouviu-se uma voz no céu, que dizia: “Oh Indra, seu amigo Takshaka não está aqui. Desista da batalha. O incêndio dessa floresta e dos seres pecaminosos que vivem nela foi ordenado pela fatalidade. Você não poderá vencer Arjuna e Krishna”. Reconhecendo a voz de Brahma, os deuses se retiraram da luta. Agni continuou a devorar a floresta ainda por uns 15 dias. Enquanto esta queimava, hordas de rakshasas e outros demônios fugiam aterrorizados. Arjuna feriu-os todos com suas flechas. Krishna dirigiu o carro contornando a floresta inteira, e com tal velocidade, que parecia estar em todos os lados simultaneamente. Nenhum demônio pode escapar de Arjuna. Havia um líder da raça de demônios danava que se chamava Maya, e que conseguiu se esconder num buraco na terra durante o incêndio. Quando as chamas começaram a baixar, ele saiu e tentou escapar. Usando seus poderes de ilusão, passou despercebido de Arjuna, mas não de Krishna, que levantou o disco para matá-lo. O inteligente demônio, então, correu e se prostrou aos pés de Arjuna, implorando: “Oh herói, peço-lhe me proteja”. Preso pelos princípios, Arjuna não pode recusar. Levantou a mão e impediu que Krishna matassa Maya. O demônio agradeceu de mãos postas e disse: “Oh Arjuna, você salvou minha vida. O que posso fazer por você em troca?” Não recebo pagamento por cumprir meu dever. Arjuna respondeu, rápido. Maya insistiu: “Mas você não precisa ver isso como um pagamento. Deixe-me apenas fazer algo que lhe agrade”. Oh danava, se você deseja me agradar, então, por favor, faça algo por Krishna. Maya se virou hesitante para Krishna, que falou: Oh danava, existe uma coisa que você pode fazer que me agradará muito. Construa um salão de audiências celestial para Iudistira, em Indraprasta. Que ele seja o mais refinado e belo de todo mundo. Krishna sabia que a habilidade de Maya para construção era estupenda. Ela havia construído edifícios maravilhosos nos planetas superiores. Concordando com o pedido de Krishna, o danava os acompanhou de volta a Indraprasta. Depois de alguns cálculos, fez um projeto para o salão e partiu para os Himalaias, para pegar o material de que necessitaria. Deixei lá uma grande quantidade de pedras preciosas, desconhecidas desse mundo, explicou. Vou pegá-las e, então, começarei o meu trabalho. Depois que Maya se foi, Krishna se aproximou de Iudistira e pediu permissão para seguir também. Todos os pandavas ficaram tristes só em pensar que ele iria embora. Krishna os abraçou amorosamente e disse que voltaria novamente dentre em breve. Despediu-se carinhosamente de Kunti, Draupadi e Subadra. Todos reprimiram as lágrimas, ao vê-lo partir, para não provocar nenhum momento de tristeza em sua partida. Os pandavas acompanharam Krishna até parte do caminho. Iudistira dirigiu o carro do primo, enquanto Arjuna o abanava com um leque dourado. Bima segurava um grande para sol sobre sua cabeça, e os gêmeos iam na frente, abrindo caminho por entre a multidão que tinha se juntado para vê-lo partir. Quando finalmente eles partiram, os cinco irmãos ficaram vendo o carro avançar até que ele não fosse mais que um ponto distante. Então, voltaram devagar para a cidade, pensando no amigo íntimo de Dwaraka. Livro Mahabharata – Recontado por Krishna Dharma. Abraço. Davi

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