segunda-feira, 6 de outubro de 2025

A TENTAÇÃO

Budismo. Livro O Evangelho de Buda. Vida e Doutrina de Sidarta Gautama. A TENTAÇÃO. O Senhor Buda encaminhou-se novamente pra a colossal árvore baniana, sob cuja folhagem ia ser revelada a Verdade do seu destino. No momento em que se sentou sob a árvore, caiu a noite. Porém, Mara, o príncipe das trevas, tendo notícia de que ali estava o Buda. Que ele iria libertar os homens sendo chegada a hora de encontrar a Verdade para a salvação do mundo, enviou ordens as potestades do mal. Então, os demônios inimigos da Sabedoria e da Luz saíram dos abismos profundos e se congregaram. Eram Arati, Trishna e Raga, com suas tramas de paixões, horrores, ignorâncias e concupiscências, com todos os engenhosos inventos das trevas e do temor. Aborrecedores de Buda, cujo espírito tentavam conturbar. Entre os fragores da tormenta, legiões de demônios se agitaram no espaço com o ribombar do trovão e relâmpagos ofuscantes, semelhantes a dardos, que se desprendiam do céu purpúreo. Com estratagemas e conjurações, faziam aparecer figuras de belezas feiticeiras entre a tranquila folhagem. As quais ressoavam cânticos voluptuosos e murmúrios de amor. Algumas vezes o tentavam, oferecendo-lhe poder. Outras, apresentavam-lhe dúvidas sobre a Verdade como se ela fosse ilusão. Chegaram os pecados capitais, os anjos do mal. Primeiro Attavada, o pecado do egoísmo, que se compraz em contemplar a sua imagem refletida no universo como num espelho, lhe disse: Se você é Buda, deixe que os demais andem nas trevas. Basta que seja invariavelmente você mesmo. Levante-se e desfrute da felicidade dos deuses, que não sofrem mudança nem derrota nem luta. Porém, Buda lhe replicou: Em você, a justiça e menosprezível e a injustiça uma maldição. Vá enganar aqueles que amam a si mesmo. Aproximou-se depois a pálida dúvida, o pecado irônico, que silvou nos ouvidos do Mestre: Todas as coisas são ilusões e vã é a ciência de sua vaidade. Você só busca a sua própria sombra. Levante-se e abandone estes lugares. Não há maior recurso do que um desdém paciente, e não existe nenhum: remédio para o home, que é incapaz de deter a roda que gira sem parar. E o Senhor Buda respondeu: Você nada tem a ver comigo, dúvida insidiosa, o inimigo mais astuto dos homens. Em terceiro lugar veio a superstição, a feiticeira que se encobre sob o manto da modesta fé. Porém que sempre engana as almas com cerimônias e orações, tendo em suas mãos as chaves que fecham os infernos e abrem o céu. Disse-lhe a superstição: Você é audacioso. Trancafie os nossos livros sagrados, destrua os nossos deuses. Despovoe os templos e estraçalhe a Lei que mantém os sacerdotes e sustenta os reis. No entanto, o Buda respondeu: Você me pede que destrua a forma transitória, mas, a Verdade livre permanece. Volte para as suas trevas. Depois, adiantou-se galhardamente o mais ousado tentador. Era Kama, o rei das paixões, que exerce influência até mesmo sobre os deuses. Era o mestre de amores, o soberano do reino do prazer. Aproximou-se da árvore, sorridente, com seu arco de ouro enfeitado de flores vermelhas, e na aljava as setas do desejo e cujas ponta são cinco línguas de fogo. Pungindo o coração e ferindo mais cruelmente do que dardos envenenados. Acompanhavam-no coortes de esplêndidas formosuras, de lábios e olhos celestes que sensualmente louvavam o amor ao som de instrumentos invisíveis e harmoniosos. Era tal o encanto delas que até a noite parecia suspender o seu curso para ouvi-las. As estrelas e a Lua se detiveram atentas à sua carreira. Enquanto em seu canto as beldades recordavam ao Buda as delícias perdidas. Dizendo-lhe que um mortal não pode encontrar nos três imensos mundos nada comparável aos perfumados seios da formosa amante abandonada. Nem os seus rosados mamilos rubros de amor. Acrescentaram que nada sobrepuja a suave harmonia da forma, que oferece à vista linhas e encantos da pessoa amada. Na indizível harmonia que se encontra de alma para alma, que faz ferver o nosso sangue e que a vontade adora e deseja. Porque sabe que ali está o ótimo, que é o verdadeiro céu onde os são como deuses. Criadores e soberanos, que é o dom dos dons, sempre renovado, podendo por ele suportar mil dores. Porque, quem se lembra de ter sofrido quando era enlaçado por braços ternos e toda a sua vida se fundia num suspiro de felicidade. Num ardente e apaixonado beijo possuía o mundo inteiro? Assim cantavam com gestos lânguidos, com olhos que soltavam amorosas chamas e com lábios de sedutores sorrisos. Em sua dança lasciva deixavam entrever os quadris e coxas como casulos entreabertos que ostentam seus matizes e, no entanto, ocultam seus corações. Jamais houve para olhos humanos encanto maior do que aquelas bailarinas noturnas que se aproximavam da árvore. Cada qual mais sedutora que a precedente, murmurando: Ó excelso Sidarta! Sou sua.  Prove de minha boca e veja se não é deleitosa a minha juventude. Mas ao ver que o espírito de Buda permanecia inquebrantável. Kama brandiu o seu arco mágico, e de repente destacou-se do grupo de dançarinas uma figura muito mais bela. Mais majestosa do que as outras cujo semblante se assemelhava ao da bela Yasodhara - sua esposa. Seus olhos negros, regados de lágrimas, refletiam paixão extremamente veemente. Seus braços, abertos para ele, se retorciam de dor. Gemendo suavemente, a encantadora sombra chamou-o pelo seu nome, dizendo entre suspiros. : Meu príncipe. Estou morrendo porque você me abandonou. Que céu encontrou que seja comparável ao que gozamos nas margens do límpido Rohini. Na mancha do prazer, onde choro por você há já longos e penosos anos? Volte, Sidarta. Oh, volte! Ao menos beije-me outra vez em meus lábios. Que ao menos outros vez eu repouse no seu peito, para que seus sonhos estéreis se desvaneçam. Contemple-me. Não sou aquela que você ama? Buda respondeu-lhe: pelo doce amor daquela que desse modo você lembra, sombra formosa e falsa de vã astúcia. Não a maldigo porque você assumiu uma forma tão querida. Ainda que, como todas as aparições terrenas, seja uma ilusão mil vezes enganosa. Desvaneça-se de novo no vazio. Então, ressoou um grito no bosque, e o tropel sedutor se desvaneceu com as cenas vaporosas. Abraços. Davi

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