Cristianismo. Livro Mostra-me o Teu Rosto - O caminho para a intimidade com Deus. Por Inácio Larranaga (1928-2013). ACEITAÇÃO DOS IRMÃOS. Os mesmos muros que separam os irmãos entre si são os que interferem entre a alma e Deus. É loucura sonhar em conseguir uma alta intimidade com o Senhor, se a alma está em pé de guerra contra o irmão. Quando Deus olha para o homem, o primeiro território que o homem sente desafiado é o da fraternidade, com uma surpreendente pergunta: onde está seu irmão? É impossível a união transformadora se o cristão leva víboras escondidas como punhais para as lutas fraternas. A harmonia fraterna é toda tecida por uma constelação de exigências fraternas, como respeitar, comunicar-se, dialogar, acolher, assumir ... Mas há uma condição primeira e imprescindível: perdoar. Precisamos urgentemente da paz. Só na paz consuma-se o encontro com Deus. E só pelo perdão é que a paz pode vir. Quando falamos aqui em aceitar os irmãos, pensamos apenas no sentido do perdão. Perdoar é abandonar o ressentimento contra o irmão. Pelo ato de abandono deposita-se nas mãos do Pai Celestia a resistência ao irmão e a si mesmo, em um único ato de adoração, no qual e pelo qual todos nós somos um. Perdoar é extinguir os sentimentos de hostilidade como quem apaga uma chama, como homenagem de amor oblativo - dádiva, oferta ao Pai Celestial. Existe um perdão intencional. Nesse caso, o cristão perdoa de verdade, com um perdão de vontade. Quer perdoar. Quereria arrancar do coração toda hostilidade e não sentir mais nenhuma malevolência. Perdoa sinceramente. Trata-se, porém, do caso daqueles que dizem: "Perdoo, mas não posso esquecer". Esse perdão é suficiente para aproximar-se dos sacramentos - Mesa Senhor, o Pão e Vinho - Ceia. Contudo, não se cura a ferida. Existe também o perdão emocional. Não depende da vontade, porque a vontade não tem domínio direto sobre o mundo emocional. A hostilidade tem as raízes mergulhadas no fundo vital instintivo. O perdão emocional cura as feridas. há três modos de dar o perdão emocional. O primeiro é em estado de oração com Jesus. Fique em posição de oração. Vá se acalmando devagar. Concentre-se. Evoque, pela fé, a presença de Jesus. Quando tiver entrado em plena intimidade com ele, lembre-se do irmão com quem "está de mal". Lentamente, prolongadamente, durante uns 30 minutos, procurando sentir cada palavra, faça esta oração: Jesus, examina meu interior, até as raízes mais profundas do meu ser. Acalma esse mar de emoções adversas. Jesus, assume meu coração com todas as hostilidades. Arranca-o e substitui pelo teu. Jesus, quero sentir, neste momento, o que tu sentes por esse meu irmão. Leva o perdão para dentro de mim. Perdoa-lhe em mim e por mim. Jesus: quero "sentir" os mesmos sentimentos que tens por esse irmão. Quero perdoá-lo, Jesus, como tu perdoas. Neste momento, quero "ser" tu mesmo. Quero perdoá-lo como tu. Quero perdoá-lo ... Imagine como desaparece a escuridão na presença da luz. Da mesma maneira, sinta como diante da presença de Jesus os rancores se esfumam. Sinta como a paz, como o fresco, entra em sua alma. Imagine-se, neste momento, aproximando-se de seu "inimigo" para abraçá-lo. Quando a ferida fica curada e não volta mais a se abrir, é sinal de que o perdão emocional foi um dom do Espírito, uma gratuidade extraordinária e infusa. Normalmente, entretanto, depois que tiver passado esse momento de intimidade com Jesus, é provável que volte a sentir aversão contra aquele irmão. Embora uma aversão menos intensa. Não se esqueça de que qualquer ferida precisa de muitos curativos para sarar de uma vez. Também pode acontecer outra coisa. Você perdoou. Parece que o rancor se apagou por completo. Todavia, de repente, depois de muito tempo, numa manhã qualquer, sem saber como nem por quê , voltou tudo: levantaram-se de novo, altas e vivas, as chamas da malevolência. Foi tão desagradável sentir outra vez a febre, quando você vivia tão livre e feliz! Não se assuste, nem se impaciente. As emoções não dependem da vontade. Torne a repetir os atos de perdão a intimidade com Jesus e, lentamente, as chagas vão ficar curadas de uma vez. O segundo modo de perdoar emocionalmente é compreendendo. Se entendêssemos não precisaríamos perdoar. Pense em seu "inimigo". Quando sua atenção fixar-se nele, faça as seguintes reflexões: A não ser em casos excepcionais, ninguém neste mundo age com má intenção, ninguém é mau. Se ele me ofendeu, vai saber o que lhe contaram? Quem sabe se estava passando por uma crise grave? O que parece orgulho pode ser timidez. Sua atitude para comigo parece obstinação, mas é outra coisa: necessidade de autoafirmação. O coitado sente-se tão inferiorizado! As vezes, sua conduta me parece agressiva, na realidade, trata-se de uma tentativa de se sentir mais seguro. Se ele é difícil pra mim, deve ser muito mais difícil para ele. Se eu sofro com esse seu modo de agir, ele sofre mais ainda. Se há uma pessoa no mundo que deseja não ser assim, essa pessoa não sou eu, é ele. Gostaria de ser constante e é instável. Gostaria de ser encantador e é antipático. Gostaria de viver em paz com todo mundo e está sempre em conflito com todos. Gostaria de agradar a todos e não consegue. Ele não escolheu esse modo de ser. Depois de tudo isso, será que o "inimigo" é tão culpado? Que adianta irritar-se contra um modo de ser que ele não escolheu? Ele não merece repulsa, mas compreensão. Afinal, não serei eu que estarei enganando e sendo injusto com minha atitude, e não ele? Nós não pedimos todos os dias a misericórdia do Pai Celestial? Se soubesse compreender, o sol da ira declinaria, e a paz, como sombra abençoada, ocuparia o nosso interior. O terceiro modo de perdoar é desligando-se. Trata-se de um ato de domínio mental pelo qual uma pessoa desliga e desvia a atenção. O sentimento de malevolência é uma corrente emocional estabelecida entre a minha atenção e o meu "inimigo". Por minha parte, é uma resistência atencional e emocional lançada contra ele. Perdoar consiste, então, em interromper ou desligar esse vínculo de atenção agressiva, ficando desligado do outro e em paz. Esse modo de perdoar pode ser exercitado a qualquer momento. Não é preciso tomar uma atitude recolhida. Quando perceber que está sendo dominado pela lembrança do outro, faça um ato de controle mental e desligue a atenção. Simplesmente corte o vínculo da atenção. Fique em um vazio interior, suspendendo, por um instante, a atividade mental. Depois comece a pensar em outra coisa e deixe sua mente voar para qualquer direção. Aproveite toda oportunidade para repetir esse exercício de perdão. Logo sentirá que já não está sendo molestado pela lembrança daquela pessoa. Abraço. Davi.
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