Budismo. Livro Bondade, Amor e Compaixão. Por Tenzin Gyatso – Dalai Lama (1935 - ). O ALTRUISMO E AS SEIS PERFEIÇÕES. Parte II. Esse enfraquecimento da vontade será incapaz de nos proteger de qualquer sofrimento. É importante gerar uma coragem cujas dimensões correspondam as dificuldades. Auxiliar o próximo não significa apenas dar-lhe alimento, abrigo ou coisa que o valha, mas também aliviá-lo das razões que fundamentam o sofrimento, proporcionando-lhe as causas básicas da felicidade. Por exemplo, via de regra, na sociedade não se oferece apenas comida e roupa as pessoas, mas tenta-se educá-las para que se desenvolvam até poderem cuidar de sua própria vida. Da mesma forma, nas práticas de Bodhisattva não damos ao outro somente bens materiais que mitiguem sua pobreza. Todavia também o instruímos, para que possa saber o que fazer na vida e o que deve eliminar do seu comportamento. Para ensinar isso aos outros, é necessário, em primeiro lugar, conhecer-lhes as inclinações e os interesses, bem como as vias benéficas, exatamente como são, sem omissão ou erro. Para ajudá-los, devemos ter certas aptidões. Consequentemente, como uma ramificação do processo de auxiliar nossos semelhante, é necessário que alcancemos a iluminação. Na qual os obstáculos que impedem a percepção de todos os objetos de conhecimento são eliminados por completo. Para um Bodhisattva que procura ajudar o próximo, os impedimentos à onisciência são piores do que os impedimentos a libertação, de modo que, é dos primeiros que o Bodhisattva quer, com mais empenho, se livrar. Na verdade, existe até o caso de um Bodhisattva usar emoções perturbadoras, que são impedimentos à libertação, para oferecer conforto a outras criaturas. Entretanto, como os obstáculos a onisciência são predisposições estabelecidas pela concepção da existência inerente, é preciso suprimir , em primeira instância, a concepção de uma tal existência. Portanto, para que um Bodhisattva realize completamente o bem-estar alheio, deve eliminar os impedimentos à libertação e a Onisciência. A eliminação total dos obstáculos perturbadores é chamada de libertação. Esse é o estado de um “destruidor de inimigos”. Quanto à eliminação dos impedimentos à onisciência, é chamada Estado de Buda, estado de onisciência, e o procuramos para sermos plenamente úteis aos outros. Uma mente que, para o bem dos seres sencientes, busca alcançar tal iluminação superior, é chamada “mente de iluminação, A intenção altruísta de se tornar iluminada. A formação dessa atitude é a última das sete instruções quintessenciais de causa e efeito. Dentro do budismo, essa é a melhor de todas as atitudes abnegadas. Quando tal altruísmo se transforma em ação, passamos a praticar as seis perfeições: generosidade ou doação, ética, paciência, esforço, concentração e sabedoria. A generosidade pode ser praticada de três maneiras: oferecendo-se recurso, doando-se o próprio corpo e dando-se as raízes da virtude. O mais difícil e importante é dar as próprias raízes da virtude. Quando possuímos um forte sendo de generosidade e dedicamos aos outros nossas raízes virtuosas, não mais buscamos recompensas para nós. Embora o simples ato de doação possa ser realizado por aqules que procuram o próprio benefício, a generosidade de um Bodhisattva não está absolutamente envolvida com o egoísmo. Existem muitos tipos de ética. Com relação a do Bodhisattva, porém, a principal prática ética é renunciar ao egoísmo ou refreá-lo. Em sânscrito, a palavra “ética” é shila, que etimologicamente significa “obtenção da serenidade”. Quando as pessoas possuem ética, suas mentes desenvolvem uma tranquilidade ou serenidade livre da aflição de lamentar o que fizeram. Com ralação a paciência, existe aquela de não nos preocuparmos com o dano que um inimigo posso anos causar, ou seja, que é a paciência de proporcionar bem-estar aos eres sencientes. A paciência como admissão voluntária do sofrimento é muito importante, porque se refere a questão de não esmorecer perante as dificuldades. Serve-se de base a intensificação do esforço com a finalidade de combater as raízes do sofrimento. No início, o esforço é fundamental, dessa maneira gera-se uma vontade firme. Todos possuímos a natureza de Buda, e assim sendo já estão em nós as substâncias que, quando nos deparáramos com as condições adequadas, podem nos transformar num ser plenamente iluminado. Dotado de todos os atributos, benéficos e, assim, sem máculas. A própria raiz do fracasso em nossa vida é pensar: “Oh, como sou inútil e incapaz”. É indispensável ter uma atitude mental vigorosa e pensarmos: “Posso fazê-lo”, sem mesclá-la ao orgulho ou a qualquer outra emoção perturbadora. O esforço moderado durante um longo período é importante, independentemente do que estejamos tentando fazer. Fracassamos por trabalhar em excesso no início, ousar demais, e então desistir de tudo depois de algum tempo. É necessário um fluxo constante de esforço moderado. De modo semelhante, quando meditamos, precisamos ser inteligentes, realizando sessões curtas e frequentes. É mais importante que a meditação seja de boa qualidade, do que longa. Quando fazemos tal esforço, passamos a dispor das “substâncias” necessárias para desenvolver a concentração. Esta tem por objetivo canalizar a mente que, no momento, está fragmentada em muitas direções. Uma mente dispersa não tem grande poder. Quando canalizada, ela se torna vigorosa, não importa qual seja o objeto de observação. Não existe uma maneira exterior de canalizar a mente, como por exemplo, através de uma operação cirúrgica. Isso deve ser feito por meio da concentração interior. O recolhimento mental também ocorre no sono profundo, quando o fator vigilância se torna indistinto. Por conseguinte, nesse caso, o recolhimento deve ser acompanhado de uma atenção clara e vigilante. Em resumo, a mente precisa possuir estabilidade, mantendo-se firmemente em seu objeto, com grande lucidez com relação a ele, num agudo e nítido estado de alerta. No que diz respeito a última perfeição, existem vários tipos de sabedoria. Os três principais são: a sabedoria convencional, que percebe os cinco campos do conhecimento, a sabedoria suprema ou final. Que apreende o modo de subsistência dos fenômenos, e a sabedoria que conhece os meios de auxiliar os seres sencientes. A principal delas é a segunda, que percebe a ausência do eu ou não eu. Com relação a ausência do eu, é necessário saber qual é o eu que existe, para podermos identificar o eu que não existe. Assim, tem-se a possibilidade de compreender seu oposto, a ausência do eu. Esta não é algo que existiu no passado e que passou a não existir, trata-se, ao contrário, de algo que nunca existiu. Deve-se identificar como não existente alguma coisa que sempre o foi. Pois, enquanto como não existente alguma coisa que sempre o foi. Pois, enquanto não fizermos esta identificação, seremos atraídos para as emoções perturbadoras do desejo e do ódio. Bem como para todos os problemas que acarretam. A que se refere este eu que não existe? No presente contexto, refere-se não apenas a pessoa ou ao eu, como normalmente designa, mas também a independência, a algo que existe de forma autônoma. Devemos examinar todos os tipos de fenômenos para determinar-se existem de modo soberano, verificando se possuem ou não um modo de subsistência autonomamente, quando investigamos para descobrir um objeto determinado, este deverá tornar-se cada vez mais claro e evidente. Por exemplo, consideremos nossa própria pessoa, o tipo usual de eu ou Eu. O eu, surge de dentro do contexto da mente e do corpo, contudo, se pesquisarmos os lugares de onde ele aflora, não conseguiremos encontrá-lo. Da mesma forma, no que diz respeito aquilo que consideramos uma mesa, se, não satisfeito com sua mera experiência, resolvermos analisar-lhe a natureza. Procurando entre as várias partes, desmembrando todas as suas qualidades, e assim por diante, não subsistirá qualquer mesa para ser considerada como o substrato dessas partes e qualidades. O fato de que as coisas que podem ser encontradas por meio da análise quando procuramos descobrir um objeto determinado, indica que os fenômenos não existem de forma autônoma. As coisas não são instituídas objetivamente nelas e a partir delas. Mas existem de fato, mesmo que, com base na análise, eu tentar encontrar a mesa e não conseguir encontra-la, ao atingi-la com meus punhos, minhas juntas ficarão doloridas. Sua existência é indicada pela minha própria experiência. Contudo, o fato de ela não poder ser encontrada por meio da análise indica-lhe a não existência em seu próprio direito objetivo. Assim, uma vez que ela existe, considera-se que existe através do poder de uma consciência convencional subjetiva. Dizer que os objetos existem em virtudes de uma consciência designativa subjetiva é o mesmo eu afirmar sua existência apenas nominalmente. Em consequência, com relação ao nosso eu ou pessoa, quando procuramos encontra-lo entre sua base de especificação, a mente e o corpo, ele não pode ser encontrado, dessa forma. Há apenas o mero eu, que existe por meio da força da conceituação. O modo como as coisas se apresentam e o modo como efetivamente existem diferem enormemente. Uma pessoa que estiver envolvida na prática da perfeição da sabedoria realiza esse tipo de análise e depois examina, como as coisas se apresentam na experiência costumeira. Alternando a análise e a comparação com o modo usual de apresentação, de forma a perceber a discrepância entre o modo real de subsistência dos fenômenos e sua manifestação. Dessa forma, a existência inerente, que é o corpo da negação, se tornará cada vez mais clara. Quanto mais claro se torna o objeto de negação, mais profunda se torna nossa compreensão do vazio. Finalmente, deparamos com a mera vacuidade que é uma negação da existência inerente. Como o vazio é um fenômeno negativo entre os fenômenos positivos e negativos, é uma negativa não afirmativa, entre as negativas e as não afirmativas. Quando ele aparece a mente, nada emergirá a não ser a ausência de tal existência inerente, uma mera eliminação do objeto da negação. Assim, para a mente de uma pessoa que percebe o vazio, não se verifica a sensação de “estou constatando o vazio” e não há o pensamento – isso é o vazio. Se tivéssemos tal sensação, o vazio se tornaria distante. Contudo, o vazio da existência inerente é constatado e percebido. Depois de tal percepção, apesar de qualquer fenômeno parecer existir autonomamente, passamos a compreender que não é assim que eles existem. Passamos a compreender que não é assim que eles existem. São como o ilusionismo de um mágico em que as ilusões criadas, apesar de aparecerem de certa forma, na realidade existem de outra. A despeito de parecerem existir de forma inerente, entenderemos que eles não possuem uma existência inerente. Quando os fenômenos são encarados dessa maneira, verifica-se uma diminuição das concepções que sobrepõem aos fenômenos uma bondade ou maldade além do que está realmente neles. Dando margem, a partir disso, à formação do desejo. Deve-se isso ao fato de que tais concepções se fundamentam na compreensão errônea de que os fenômenos existem de forma soberana, por direito próprio. Por outro lado, as consciências que possuem um fundamento válido ficam mais fortes, porque o significado do vazio é o da manifestação dependente. Como fenômeno são manifestações dependentes, condições em que ocorrem pode aumentar ou diminuir. Desse modo, a causa e o efeito são viáveis, presumíveis, e uma vez que assim se revelam, podemos afirmar que os maus efeitos, como o sofrimento. Podem ser evitados mediante o abandono das causas más e que os bons efeitos, como a felicidade, podem ser alcançados pela prática das boas causas. Se, por outro lado, os fenômenos existissem de forma autônoma, não dependeriam de outros, desse modo, causa e efeito seriam impossíveis. Uma vez que a dependência é possível, causa e efeito podem ser estabelecidos. Do contrário, se não fosse possível, não poderiam existir. O motivo final que prova que as coisas relativas são vazias de existência inerente é exatamente essa dependência com relação a causas e condições. Quando as pessoas não compreendem bem essa doutrina, pensam erroneamente que, como os fenômenos são vazios, não há nem bem nem mal, nem causa nem efeito. Isso indica falta de compreensão. É tão importante ter a capacidade e a convicção de afirmar a existência da causa e efeito que é comum dizer que entre deixar de acreditar na causalidade e no efeito das ações e deixar de acreditar no vazio, o melhor é abandonar a doutrina do vazio. Devido isso, tanto a Escola Madhyamica quanto a Chittamatra oferecem várias interpretações do vazio. Na maioria dos sistemas doutrinais aceita-se até que os fenômenos existam inerentemente, pois sem uma existência passível de verificação analítica não é possível, de momento, para muitos aceitar causa e efeito. O conhecimento do modo final de subsistência dos fenômenos deve ser inserido num contexto em que não se percam convencionalmente a causa e o efeito das ações. Se, numa tentativa de compreender o modo final de subsistência, perdêssemos de vista a causa e o efeito convencionalmente existentes, o objetivo ficaria frustrado. Assim como as crianças devem frequentar a escola primária, o ginásio e o colegial antes de ingressarem na universidade. Avançando para os níveis superiores a partir dos inferiores, nossos alicerces consistem em termos aprendido os fundamentos da causa e efeito dos atos. Para mais tarde alcançarmos a percepção profunda do vazio da existência inerente, sem abandonar a convicção anterior de causalidade e efeito e das ações resultantes. Se alguém acreditar que, a partir do fato de que os fenômenos são vazios, não pode haver nem o bem nem o mal. Mesmo que essa pessoa repita a palavra “vacuidade” mil vezes, ela estará se afastando cada vez mais do real significado do vazio. Portanto, quem tiver grande interesse pelo vazio deverá ponderar detidamente acerca da causa e do efeito dos atos. Assim é, em resumo, a prática da perfeição da sabedoria. Estas seis perfeições representam o coração da implementação do altruísmo por parte de uma Bodhisattva. Abraço. Davi.
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