Cristianismo. Livro Imitação
de Cristo. Por Tomás de Kempis (1380-1471). AVISOS ÚTEIS PARA A VIDA
ESPIRITUAL. Parte II. 3. Os ensinamentos da Verdade. Feliz aquele a quem a
própria Verdade ensina, não por meio de figuras e palavras, que passam, mas tal
qual é. Nossa razão e nossos sentidos veem pouco e muitas vezes nos enganam. De
que serve a sutil especulação sobre questões misteriosas e obscuras, de cuja
importância não seremos arguidos no juízo de Deus? Grande loucura é descurarmos
as coisas úteis e necessárias, entregando-nos, com avidez, às curiosas e nocivas.
E verdade, temos olhos e não vemos. Que se nos dá dos gêneros e das espécies
dos filósofos? Aquele a quem fala o Verbo Eterno se desembaraça de muitas
questões. Desse único Verbo procedem todas as coisas, e todas o proclamam, e
Ele é o “princípio que também nos fala” João 8,25. Sem ele, ninguém entende ou
julga retamente. Aquele que tudo encontra na unidade, que tudo refere a esta
unidade, e nela tudo vê, pode ter o coração firme e permanecer em paz no seio
de Deus. Oh! Verdade que sois o mesmo Deus! Fazei-me uma coisa só convosco em
caridade perpétua! Enfada-me, muitas vezes, ler e ouvir tantas coisas. Em vós
se encontra tudo quanto quero e desejo! Calem-se todos os doutores, emudeçam as
criaturas todas em vossa presença, falai-me Vós só. Quanto mais alguém se
recolhe em si mesmo e se tornar simples de coração, tanto mais e maiores coisas
entenderá sem esforço, porque do alto recebe a luz da inteligência. O espírito
puro, singelo e constante não se distrai no meio de múltiplas ocupações porque
faz tudo para honra de Deus, sem buscar em coisa alguma o seu próprio
interesse. Que mais te embaraça e perturba, do que os teus imortificados afetos
do coração? O homem bom e piedoso dispõe primeiro no seu interior as obras que
há de fazer externamente. Assim elas não o arrastam aos desejos de uma
inclinação viciosa, mas ele as submete ao arbítrio da reta razão. Que mais rude
combate haverá do que procurar vencer-se a si mesmo? Este deverá ser o nosso
maior empenho: vencermo-nos a nós mesmos, tornarmo-nos a cada dia mais fortes e
fazer algum progresso no bem. Toda perfeição, nesta vida, traz consigo alguma
imperfeição. Qualquer concepção de nossa mente anda mesclada de alguma sombra.
O humilde conhecimento de você mesmo é caminho mais certo para Deus que as
profundas pesquisas da ciência. Não é reprovável a ciência ou qualquer outro
conhecimento das coisas, pois é boa em si ordenada por Deus. Sempre, porém,
devemos preferir a boa consciência e a vida virtuosa. Muitos, porém, estudam
mais para saber, que para bem viver, por isso, erram amiúde e pouco ou nenhum
fruto colhem. Oh! Se se empregasse tanta diligência em extirpar vícios e
implantar virtudes como em agitar questões, não haveria tantos males e
escândalos no povo, nem tanta desordem nos mosteiros. Certamente, no dia do
juízo não se nos perguntará o que lemos, mas o que fizemos. Nem quão bem temos
falado, mas quão honestamente temos vivido. Diz-me onde estão agora todos
aqueles mestres e doutores que bem conheceste quando ainda viviam e floresciam
nas escolas? Já outros possuem as suas prebendas e talvez nem deles se lembrem.
Quando vivos pareciam alguma coisa, hoje deles nem se fala. Oh! Como passa
depressa a glória do mundo! Oxalá a sua vida tenha correspondido à sua ciência,
porque, destarte, terão lido e estudado com proveito. Quantos, neste mundo,
descuidados do serviço de Deus, se perdem por uma ciência vã! “Esvaeceram em
suas cogitações” Romanos 1,21 porque antes quiseram ser grandes que humildes.
Verdadeiramente grande é aquele que tem grande caridade. Verdadeiramente grande
é quem a seus olhos é pequeno e tem em nenhuma conta as maiores honras.
Verdadeiramente prudente é quem considera “todas as coisas da terra como lodo,
para ganhar a Cristo” Filipenses 3,8. E verdadeiramente sábio aquele que faz a
vontade de Deus e renuncia à própria vontade. 4.A prudência nas ações. Não se
deve dar crédito a qualquer palavra nem obedecer a todo impulso, mas pesar as
coisas na presença de Deus com prudência e vagar. Infelizmente, tanta é a nossa
fraqueza que, muitas vezes, aceitamos e dizemos dos outros, com mais
facilidade, o mal que o bem! Os homens perfeitos, porém, não creem levianamente
em tudo o que se lhes conta, pois conhecem a fraqueza humana, inclinada ao mal
e leviana no falar. Grande sabedoria é o não agir com precipitação, nem tão
pouco se aferrar ao próprio parecer. Sabedoria é ainda não crer sem
discernimento em tudo o que dizem os homens, nem encher os ouvidos alheios do
que ouvimos ou acreditamos. Aconselha-se com varão sábio e conscienciosos e
procura antes instruir-te com quem é melhor do que tu que seguir tuas próprias
ideias. A vida virtuosa faz o homem sábio diante de Deus e entendido em muitas
coisas. Quanto mais o homem for humilde e submisso a Deus, tanto maior será a
sua sabedoria e serenidade em todas as ações. 5.A leitura das Sagradas
Escrituras. Nas Sagradas Escrituras – Bíblia, deve-se buscar a verdade e não a
eloquência. Devemos lê-la com o mesmo espírito com que foram escritas. Nelas
devemos buscar a utilidade e não a sutileza de linguagem. Devemos ler, com
igual boa vontade, os livros simples e piedosos como os sublimes e profundos.
Não te preocupes em saber se aquele que escreve é pessoa nomeada pela erudição.
Seja apenas o amor à verdade que te leve a leitura. Considera o que diz o livro
e não leves em conta quem o escreveu. Os homens passam, “mas a verdade do
Senhor permanece eternamente” Salmos 116,2. Deus fala-nos de diversas maneiras,
sem acepção de pessoas. Na leitura das Escrituras, prejudica-nos muitas nossas
curiosidades, porque pretendemos compreender e discutir o que se devia passar
singelamente. Se queres tirar proveito, lê com humildade, simplicidade e fé,
sem aspirares à reputação de sábio. Interroga de boa vontade e ouve calado as
palavras dos santos. Nem te desagrade das sentenças dos velhos, porque eles não
falam sem razão. 6. As afeições desordenadas. Todas as vezes que o homem deseja
alguma coisa desordenadamente, torna-se logo inquieto. O soberbo e o avarento
nunca sossegam, entretanto, o pobre e o humilde de espírito vivem em muita paz.
O homem que não é perfeitamente mortificado, facilmente é tentado e vencido,
até em coisas pequenas e insignificantes. O fraco de espírito é ainda um pouco
carnal e inclinado às coisas sensíveis, dificilmente pode se desapegar de todo
dos desejos terrenos. E quando deles se priva, ordinariamente se entristece, e
com facilidade se irrita se alguém o contradiz. Se, porém, alcança o que
deseja, sente logo o remorso da consciência, porque obedeceu à sua paixão, que
nada vale para alcançar a paz que almejava. Em resistir, pois, às paixões, se
acha a verdadeira paz do coração, e não em segui-las. Não há, portanto, paz no
coração do homem carnal, nem do homem entregue às coisas exteriores. Mas
somente no daquele que é fervoroso e espiritual. Abraço. Davi
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