Budismo. Livro o Evangelho de Buda. Vida e
doutrina de Sidharta Gautama – o Inspirador do Budismo. Escrito por Yogi
Kharishnanda Saraswati (1922-2001). I. O EVANGELHO DE BUDA. Da Lua cheia de
maio de 1954 à Lua cheia do mesmo mês de 1956, realizou-se na República da União de Burma ou Myanmar o Sexto Grande Congresso Budista, que foi o 60º dos
congressos desde a fundação do Budismo. Tratou-se de um acontecimento histórico
notável. A ele compareceram dois mil representantes de povos budistas, dos mais
eruditos, com a finalidade principal de estudar, comparar, corrigir ou aprovar
textos doutrinários. O primeiro congresso foi realizado pouco depois da morte
de Buda, sob os auspícios do Rei Ajatasattu, do norte da Índia. O segundo
Grande Concílio teve lugar no ano 443 a.C., apoiado pelo Rei Kalasoka. O
terceiro, sob o patrocínio do Imperador Asoka, foi celebrado no ano 308 a.C., o
quarto, em Ceilão ou Sri Lanka entre os anos 29 e 13 a.C., quando pela primeira
vez foram escritos os textos que antes eram preparados de memória. O quinto
Grande Concílio foi efetuado em Mandalay – Myanmar, no ano de 1871, sob o Rei
Mindon, quando então os textos foram escritos em 729 em lousas de mármores. Com
a técnica moderna de impressão e vulgarização, e o substancial auxílio prestado
pelo Parlamento da União República de Burma (Myanmar), o Sexto Grande Congresso
foi de inigualada eficiência, e a sua difusão teve uma amplitude jamais
alcançada no passado. Manifestando sua descrença nos processos simplesmente
materiais adotados pelos povos e governos para solucionar os problemas que
afligem a humanidade, e justificando sua assistência ao referido Congresso, o
Parlamento Burmense proclamou sua firma crença de que esses processos
proporcionam aos povos uma solução meramente parcial de seus problemas, e que
era necessário planejar e levar a cabo outras medidas, que visassem ao bem
estar moral e espiritual do homem e o ajudassem a vencer a avareza, o ódio e o
engano, as inveteradas raízes de toda violência, destruição e conflagração que
consomem o mundo (...). Essas raízes foram assinaladas por Buda em sua época.
Outra não é ainda hoje a opinião de todos os que, como nós, sentem que a
ausência de princípios espirituais sadios na conduta dos indivíduos tem sido a
maior fonte proliferadora de seus desatinos e sofrimentos. Esse foi o
sentimento que nos levou a promover a publicação deste pequeno Evangelho dos
ensinos fundamentais de Gautama Buda. Figura ímpar entre os mais aureolados
instrutores espirituais que a humanidade conheceu. Sua Majestade tem se
agigantado e projetado ao compasso de marcha dos séculos tormentosos, qual
rutilante Sol sobre densas e encapeladas nuvens. Somente esse fato bastaria
para comprovar a veracidade e segurança de sua doutrina, pois só a verdade pode
resistir ao embate destruidor do tempo. A essência dos ensinamentos de Buda se
acha condensada em três livros ou coleções, chamados os cânones budistas
(Tripitakas), cuja idade se pode fixar, de maneira geral, no século IV a.C, e
possivelmente na época do grande Instrutor. O primeiro (Vinaya Pitaka),
atribuído aos primeiros budistas, trata da Disciplina da Ordem (Sangha); o
segundo (Sutta Pitaka) se refere às Pregações Leigas, ou às regras para os
sacerdotes e ascetas, e o terceiro (Abidharma), condensa dissertações
filosóficas e metafísicas, e instruções a respeito da meditação (Dhyana). Foi
dessa fonte, sobre a qual têm se debruçado e abeberado tantos e tão notáveis
sábios e orientalistas, que o autor desta obra colheu os preciosos ensinamentos
e informações que ele denominou: “O Evangelho de Buda” e que com feliz maestria
procurou amoldar à mentalidade ocidental num estilo simples e elegante. O fato
de ter sido também um oriental, e acima de tudo, de ter podido aprender,
assimilar e viver a cultura oriental em sua mais pura nascente, o capacitou,
naturalmente, para penetrar até o âmago dos ensinamentos budistas, e assim
sentir todo o seu calor, luz e dinamismo, para formar uma verdadeira antologia
do que há de mais magnífico, essencial e inspirador na vida do venerando sábio
que um terço da humanidade adora. Neste formoso livro existem, por certo,
frases que pertencem totalmente ao seu autor, mas é inegável que elas exalam o
mesmo perfume da fonte que as inspirou e visam acomodar alguns ensinos por
demais metafísicos à inteligência ocidental, não raro objetiva e prática em
excesso. Mas o fundamento e o espírito das ideias expostas em toda a obra são
nitidamente budistas, ou seja, práticos, lógicos e enquadrados num impecável
bom senso, que é a sua característica dominante. Para muitos, poderá ser um
poderoso foco de inspiração em sua vida moralmente atribulada, e para outros
constituirá um pequeno, mas bem-acabado vestíbulo que os poderá conduzir ao
interior da nave de uma das mais esplêndidas e antigas filosofias do mundo.
Esse livro foi escrito tendo em vista esse objetivo, e tem sido traduzido para
várias línguas das mais cultas, tendo encaminhado muitas almas para o caminho
da retidão, do dever e do amor a todas as criaturas vivente. Eis o motivo de
sua publicação, agora; em nosso idioma. Capítulo Um. Alegria. Regozijem-se com
a boa nova. Nosso Senhor descobriu a raiz do mal. Ele nos mostra o caminho da salvação.
O Buda dissipa as ilusões da nossa mente e nos livra dos terrores da morte. O
Buda, nosso Senhor, traz descanso ao fatigado, ao desanimado e ao descontente;
proporciona paz aos acabrunhados sob o pesa da vida. Dá valor aos fracos, que
estão prestes a perder a esperança e a confiança em si mesmos. Todos os que
sofrem as tribulações da vida, que lutam e padecem, que aspiram à vida
verdadeira, regozijem-se com a boa nova. Eis aqui um bálsamo para os feridos,
bem como o pão para os famintos. Eis aqui a água para os sedentos, e a
esperança para os desesperados. Eis aqui a luz pra os que estão nas trevas, e a
inesgotável ventura para os justos. Os feridos serão curados de suas feridas;
os famintos terão pão para se fartarem; os sedentos serão saciados. Ergam os
olhos para a luz, vocês que estão nas trevas e recobrem ânimo, vocês que estão
abatidos. Tenham confiança na verdade os que amam, porque o reinado da Verdade
está fundado na Terra. A luz da Verdade já dissipou as trevas do erro. Podemos
ver o nosso caminho e andar com passos firmes e seguros. O Buda, nosso Senhor,
revelou a Verdade. A verdade cura as nossas enfermidades e nos salva da
perdição. A Verdade fortalece-nos na vida e na morte. Só a Verdade pode
destruir os males do erro. Regozijem-se com a boa nova. Capítulo dois. Samsara
e Nirvana. Olhem ao redor e contemplem a vida. Tudo é passageiro, nada dura
para sempre. Só nascimento e morte, crescimento e decadência, combinação e
dissolução. A glória do mundo é como uma flor esplêndida pela manhã que murcha
à tarde. Para onde quer que olhemos, ali está o receio e o impulso, a corrida
ávida aos prazeres, o medo da dor e da morte, a vaidade e o desejo de mudanças
e transformações. Tudo é Samsara. Não há nada permanente no mundo? Na
inquietude universal não há um lugar de repouso onde o nosso coração encontre a
paz? Nada, há de eterno? Nunca cessará a angústia? Não se extinguirão os
desejos ardentes? Quando o espírito poderá estar sossegado e tranquilo? O Buda,
nosso Senhor, sentiu os males da vida. Viu a vaidade na infelicidade do mundo,
e procurou a salvação em algo que não se deteriora, que é imperecível e
permanente. Aqueles que aspiram à vida saibam que a imortalidade se oculta no
ser perecível. Aqueles que desejam a felicidade sem os germes da inquietude ou
do desgosto sigam os conselhos do Grande Mestre e conduzam-se retamente.
Aqueles que desejam avidamente riquezas venham para receber os tesouros
eternos. A Verdade é eterna; não conhece nascimento nem morte; não tem começo
nem fim. Chamem a Verdade, ó mortais. Que a Verdade se aposse de suas almas. A
Verdade é o dom imortal do espírito. A posse da Verdade é grandeza, e uma vida
de Verdade é felicidade. Estabeleçam a Verdade no espírito, porque a Verdade é
a imagem do eterno. O seu retrato é imutável; revela o perdurável; imortaliza
os homens. O termo sânscrito Samsara significa literalmente ação de vagar,
constante mutação ou transição. É a passagem alternativa da alma pelos três
mundos: físico, astral e mental; os sucessivos renascimentos e mortes. Nirvana,
o oposto de Samsara; é um estado permanente e eterno de consciência desperta e
liberta. Esse termo significa, literalmente, sem combustível, extinto, e foi
definido primitivamente por alguns orientalistas ocidentais como um estado de
aniquilamento do ser. A semelhança de uma gota d’água diluída no oceano, o que
é totalmente incorreto. Representa, ao contrário, um estado de plena
consciência, cuja beleza, intensidade e poder excedem toda capacidade
descritiva da linguagem humana. É a vida do Espírito, que se desabrochou e
expandiu em seu próprio mundo ou lar, liberto de qualquer limitação de espaço e
tempo a que se condicionam as formas transitórias. Quem tem a ventura de
atingi-los, longe de se aniquilar, converte-se numa tremenda força liberadora,
que perpetuamente projeta poderosas torrentes de espiritualidade e vida sobre a
humanidade sofredora. Abraço. Davi.
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