terça-feira, 30 de julho de 2024

AVISO ÚTEIS PARA A VIDA PESSOAL. Parte IV

 

Cristianismo. Livro Imitação de Cristo. Por Tomás de Kempis (1380-1471). AVISOS ÚTEIS PARA A VIDA ESPIRITUAL. Parte IV. 12. A utilidade das adversidades. Bom é passarmos algumas vezes por aflições e contrariedades, porque frequentemente fazem o homem refletir. Lembrando-lhe que vive no desterro, e, portanto, não deve por sua esperança em coisa alguma do mundo. Bom é encontrarmos às vezes contradições, e que de nós façam conceito mau ou pouco favorável, ainda quando nossas obras e intenções sejam boas. Isso ordinariamente nos conduz â humildade e nos preserva da vanglória. Porque, então, mais depressa recorremos ao testemunho interior de Deus, quando de fora somos vilipendiados e desacreditados pelos homens. Por isso, devia o homem firmar-se de tal modo em Deus, que lhe não fosse mais necessário mendigar consolações às criaturas. Estando o homem de boa vontade ou tentado, ou molestado por maus pensamentos, sente logo melhor a necessidade que tem de Deus, sem o qual não pode fazer bem algum. Entristece-se então, geme e chora pelas misérias que padece. Pesa-lhe, também, o vier mais tempo, e deseja que venha a morte levá-lo do corpo e uni-lo a Cristo. Então compreende ainda que neste mundo não pode haver perfeita segurança nem paz completa. 13. A resistência às tentações. Enquanto vivemos neste mundo, não podemos estar sem trabalho e tentações. Por isso está escrito no livro de Jó “Não tem o homem uma tarefa sobre a terra, não são os seus dias como os de um mercenário? Jó 7,1”. Deve, pois, cada qual estar sempre alerta sobre as tentações que o assaltam e vigiar e orar para que o não surpreenda o demônio, que não dorme e “rodeia-vos como leão que ruge, a procura de quem devorar I Pedro 5,8”. Ninguém há tão perfeito e santo que, de quando em quando, não tenha tentação, e não podemos ser delas totalmente isentos. As tentações, porém, ainda que molestas e graves, são muitas vezes de grande utilidade para o homem, porque nelas se adquire humildade, pureza e experiência. Todos os santos passaram por muitas tentações e tribulações com elas aproveitaram. Os que não puderam resistir-lhes foram reprovados e perderam-se. Não há ordem religiosa tão santa nem lugar tão retirado onde não haja tentações e adversidades. Enquanto viver nenhum homem estará inteiramente ao abrigo das tentações. Porque, nascidos da concupiscência, em nós está a causa pela qual somos tentados. Mal acaba uma tentação ou tribulação, outra sobrevêm e sempre teremos de sofrer, porque perdemos o dom da primitiva felicidade. Muitos procuram fugir das tentações e nelas caem mais gravemente. Não basta a fuga para vencê-la. É pela paciência e verdadeira humildade que nos tornamos mais fortes que todos os nossos inimigos. Pouco adianta quem somente evita as ocasiões exteriores, sem arrancar as raízes. Antes lhe voltarão mais depressa as tentações e se achará pior. Vencê-las á melhor com o auxílio de Deus. Pouco a pouco com paciência e resignação, que com importuna violência e esforço próprio. Toma amiúde conselho na tentação e não sejas desabrido e áspero para o que é tentado. Trata antes de o consolar, como desejas ser consolado. A causa de todas as tentações perigosas é a inconstância e a falta de confiança em Deus. Assim como o navio sem leme é joguete das ondas. Assim o homem remisso e pouco firme nos seus propósitos é agitado por toda sorte de tentações. O ferro é provado pelo fogo, e o justo, pela tentação. Ignoramos muitas vezes o que valemos e a tentação faz-nos ver o que somos. Todavia, devemos vigiar, principalmente no princípio da tentação. Porque mais fácil nos será vencer o inimigo, quando não o deixamos entrar na alma, enfrentando o logo que bater no limiar. Por isso disse alguém: “Atalha no princípio, tarde chega o remédio se o mal, por longo tempo, fundas raízes lançou”, Ovídio – De Remediis 2,9. Porque primeiro ocorre a mente um simples pensamento, donde nasce a importuna imaginação, depois o deleite, o movimento. E assim, pouco a pouco, entra de todo na alma o malvado inimigo, porque se não resistiu a princípio. E quanto mais alguém for indolente em lhe resistir, tanto mais fraco se tornará a cada dia, e mais forte o seu adversário. Uns padecem tentações mais violentas no início de sua conversão, outros, no fim. Alguns, porém, são atormentados quase toda a vida. Alguns são tentados brandamente, segundo a sabedoria da divina Providência, que pondera as circunstâncias e o merecimento dos homens e tudo predispõe para a salvação de seus eleitos. Por isso, não devemos perder a confiança quando somos tentados, antes pedir a Deus com mais fervor que se digne a ajudar-nos na tribulação. Ele quer, segundo a palavra de São Paulo, “com a tentação vos há de também providenciar o meio de sair-vos bem dela, dando-vos o poder para suportá-la” I Coríntios 10,13. Humilhemos, portanto, nossas almas, debaixo da mão de Deus,  em qualquer tentação e tribulação, porque ele há de salvar e engrandecer os que são humildes de coração. Nas tentações e adversidades se vê o quanto cada um tem aproveitado. Nelas consiste no maior merecimento e se patenteia melhor a virtude. Não é lá grande coisa ser o homem devoto e fervoroso quando tudo lhe corre bem. Mas, se no tempo da adversidade conserva a paciência, pode-se esperar grande progresso. Algumas há que vence nas grandes tentações e, nas pequenas caem frequentemente, para que, humilhados, não presumam de si grandes coisas, visto que com tão pequenas sucumbem. 14. Deve-se evitar o juízo temerário. Volta os olhos para ti mesmo e guarda-te de julgar as ações alheias. Quem julga os outros trabalha em vão, erra o mais das vezes e facilmente peca. Mas, examinando-se e julgando-se a si mesmo, trabalha sempre com proveito. De ordinário, julgamos as coisas segundo a inclinação do nosso coração, pois o amor-próprio facilmente nos altera a retidão do juízo. Se Deus fosse sempre o único objeto de nossos desejos, não nos perturbaríamos tão depressa quando contrariam a nossa vontade. Muitas vezes existe, dentro ou fora de nós, alguma coisa que nos atrai e em nós influi. Muitos buscam secretamente a si mesmos em suas ações e não o percebem. Parecem até gozar de boa paz, enquanto as coisas correm a medida de seus desejos, mas, se de outra sorte sucede, logo se inquietam e entristecem. Da discrepância de pareceres e opiniões frequentemente nascem discórdias entre amigos e vizinhos, entre religiosos e pessoas piedosas. É custoso perder um costume inveterado, e ninguém renúncia, de boa mente, a seu modo de ver. Se mais confias em tua razão e talento que na graça de Jesus Cristo, só raras vezes e tarde serás iluminado. Pois Deus quer que nos sujeitemos perfeitamente a Ele e que nos elevemos acima de toda razão humana, inflamados do seu amor. Abraço. Davi

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