quarta-feira, 10 de julho de 2024

AVISOS ÚTEIS PARA A VIDA ESPIRITUAL. Parte III

 

Cristianismo. Livro Imitação de Cristo. Por Tomás de Kempis (1380-1471). AVISOS UTÉIS PARA A VIDA ESPIRITUAL. Parte III. 7. Deve-se fugir da vã esperança e da vã soberba. Insensato é quem põe sua esperança nos homens ou nas criaturas. Não te envergonhes de servir aos outros por Jesus Cristo e ser tido como pobre neste mundo. Não confies em ti mesmo, mas põe em Deus tua esperança. Faze de tua parte o que puderes, e Deus ajudará tua boa vontade. Não confies em tua ciência, nem na sagacidade de qualquer vivente, mas antes na graça de Deus, que ajuda os humildes e abate os presunçosos. Se tens riquezas, não te glories delas, nem dos amigos, por serem poderosos. Senão em Deus, que dá tudo e, além de tudo, deseja dar-se a si mesmo. Não te desvaneças com a robustez ou formosura de teu corpo, que com pequena enfermidade se quebranta e desfigura. Não te orgulhes de tua habilidade ou de teu talento, para que não desagrades da Deus, de quem é todo bem natural que tiveres. Não te reputes melhor que os outros, para não seres considerado pior por Deus, que conhece tudo que há no homem. Não te ensoberbeças pelas boas obras, porque os juízos dos homens são muito diferentes dos de Deus, a quem não raro desagrada o que aos homens para. Se em ti houver algum bem, pensa que ainda melhores são os outros, para assim te conservares na humildade. Nenhum mal te fará julgares inferior a todos. Muito, porém, se a qualquer pessoa te preferires. De contínua paz goza o humilde no coração do soberbo, porém, reinam o ciúme e a irritação. 8. Deve-se evitar a excessiva familiaridade. “Não abras teu coração a qualquer pessoa, Eclesiastes 8,22”. Mas trata de teus negócios com o sábio e temente a Deus. Com moços e estranhos conversa pouco. Não lisonjeies os ricos, nem busques aparecer muito na presença dos poderosos. Busca a companhia dos humildes e simples, dos devotos e morigerados, e trata com eles de assuntos edificantes. Não tenhas familiaridade com mulher alguma. Mas, em geral, encomenda a Deus todas as que são virtuosas. Procura intimidade apenas com Deus e seus anjos, e foge de seres conhecido dos homens. Caridade se deve ter para com todos, mas não convém ter com todos familiaridade. Sucede, não raro, que uma pessoa, de longe, brilha com o esplendor da fama, mas, de perto, desmerece aos olhos dos que a veem. Julgamos, às vezes, agradar aos outros com a nossa intimidade, mas antes os aborrecemos com os defeitos que em nós vão descobrindo. 9. Obediência e sujeição. Grande coisa é viver na obediência, sob a direção de um superior e não dispor da própria vontade. Muito obedecem mais por necessidade que por amor. Por isso sofrem e facilmente murmuram. Esses não alcançarão a liberdade de espírito, enquanto não se sujeitarem de todo o coração, por amor de Deus. Anda por onde quiseres, não acharas descanso senão na humilde sujeição e obediência ao superior. A imaginação dos lugares e mudanças a muitos tem iludido. Verdade é que cada um gosta de seguir seu próprio parecer e mais se inclina àqueles que participam da sua opinião. Entretanto, se Deus está conosco, cumpre-nos, às vezes, renunciar ao nosso parecer por amor da paz. Quem é tão sábio que possa saber tudo completamente? Não confieis, pois, demasiadamente em teu próprio juízo, mas atende também, de boa mente, ao dos demais. Se o teu parecer for bom e o deixares, por amor de Deus, para seguires o de outrem, muito lucrarás com isso. Com efeito, muitas vezes ouvi falar que é mais seguro ouvir e tomar conselho que dá-lo. É bem possível que seja acertado o parecer de cada um. Mas não querer ceder aos outros, quando a razão ou as circunstâncias o pedem, é sinal de soberba e obstinação. 10. Deve-se evitar as palavras supérfluas. Evita, quanto puderes, o bulício – murmúrio dos homens, porque muitos nos perturbam os negócios mundanos, ainda quando tratados com pura intenção. Bem depressa somos manchados e cativos da vaidade. Quisera eu ter calado muitas vezes e não ter conversado com os homens. Por que razão gostamos tanto de falar e conversar, quando, raras vezes, voltamos ao silêncio sem trazer a consciência magoada? Gostamos tanto de falar, porque pretendemos, com essas conversações, ser consolados uns pelos outros e desejamos aliviar o coração fatigado por preocupações diversas. E ordinariamente sentimos prazer em falar e pensar, ora nas coisas que muito amamos e desejamos, ora nas que nos contrariam. Mas, infelizmente, muitas vezes é em vão e sem proveito, pois essa consolação exterior é muito prejudicial â consolação interior e divina. Cumpre, portanto, vigiar e orar, para que não passe o tempo ociosamente. Quando for permitido ou conveniente falar, fala de coisas edificantes. O mau costume e o descuido do nosso progresso espiritual concorrem muito para o desenfreamento de nossa língua. Ajudam muito, porém, ao aproveitamento espiritual os devotos colóquios sobre coisas espirituais. Mormente quando se associam em Deus pessoas que pensam e sentem do mesmo modo. 11. A conquista da paz e o zelo da perfeição. Muita paz poderíamos gozar, se não nos quiséssemos ocupar com os ditos e fatos alheios que não pertencem ao nosso cuidado. Como pode ficar em paz por muito tempo aquele que se intromete em negócio alheio, que busca relações exteriores, que raras vezes e mal se recolhe interiormente? Bem-aventurado os simples, porque hão de ter muita paz! Por que muitos santos foram tão perfeitos e contemplativos? É que eles procuraram mortificar-se inteiramente em todos os desejos terrenos e assim puderam, no íntimo de seu coração, unir-se a Deus e atender livremente a si mesmo. Nós, porém, nos ocupamos demasiadamente das próprias paixões e cuidados excessivos às coisas transitórias. Raro é vencermos sequer um vício perfeitamente. Não nos inflamamos no desejo de progredir cada dia. Daí a frieza e tibieza em que ficamos. Se estivéssemos perfeitamente mortos a nós mesmos e interiormente desimpedidos, poderíamos criar gosto pelas coisas divinas e algo experimentar das doçuras da celeste contemplação. O que principalmente e mais nos impede é o não estarmos ainda livre das nossas paixões e concupiscência, nem nos esforçarmos por trilhar o caminho perfeito dos santos. Basta pequeno contratempo para desalentarmos completamente e voltarmos a procurar consolações humanas. Se nos esforçássemos por ficar firmes no combate, como soldados valentes, por certo veríamos descer sobre nós o socorro de Deus. Porque pronto está Ele a socorrer aos que pelejam e em sua graça confiam. Pois Ele nos proporciona ocasiões de combate, para que alcancemos a vitória. Se fizermos consistir nosso aproveitamento espiritual tão somente nas observâncias exteriores, nossa devoção será de curta duração. Ponhamos o machado a raiz, para que, livres das paixões, alcancemos a paz interior. Custoso é deixar nossos costumes, mais custoso, porém, contrariar a própria vontade. Mas, se não vences obstáculos pequenos e fáceis, como trinfarás dos maiores? Resiste no princípio à tua inclinação e rompe com o mau costume, para que te não metas pouco a pouco em maiores dificuldades. Se bem considerasses quanta paz gostarias e quanto prazer darias aos outros, se vivesses bem, de certo cuidarias mais do teu adiantamento espiritual. Abraço Davi

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