Cristianismo. Livro Imitação
de Cristo. Por Tomás de Kempis (1380-1471). AVISOS UTÉIS PARA A VIDA
ESPIRITUAL. Parte III. 7. Deve-se fugir da vã esperança e da vã soberba.
Insensato é quem põe sua esperança nos homens ou nas criaturas. Não te
envergonhes de servir aos outros por Jesus Cristo e ser tido como pobre neste
mundo. Não confies em ti mesmo, mas põe em Deus tua esperança. Faze de tua
parte o que puderes, e Deus ajudará tua boa vontade. Não confies em tua
ciência, nem na sagacidade de qualquer vivente, mas antes na graça de Deus, que
ajuda os humildes e abate os presunçosos. Se tens riquezas, não te glories
delas, nem dos amigos, por serem poderosos. Senão em Deus, que dá tudo e, além
de tudo, deseja dar-se a si mesmo. Não te desvaneças com a robustez ou
formosura de teu corpo, que com pequena enfermidade se quebranta e desfigura.
Não te orgulhes de tua habilidade ou de teu talento, para que não desagrades da
Deus, de quem é todo bem natural que tiveres. Não te reputes melhor que os
outros, para não seres considerado pior por Deus, que conhece tudo que há no homem.
Não te ensoberbeças pelas boas obras, porque os juízos dos homens são muito
diferentes dos de Deus, a quem não raro desagrada o que aos homens para. Se em
ti houver algum bem, pensa que ainda melhores são os outros, para assim te
conservares na humildade. Nenhum mal te fará julgares inferior a todos. Muito,
porém, se a qualquer pessoa te preferires. De contínua paz goza o humilde no
coração do soberbo, porém, reinam o ciúme e a irritação. 8. Deve-se evitar a
excessiva familiaridade. “Não abras teu coração a qualquer pessoa, Eclesiastes
8,22”. Mas trata de teus negócios com o sábio e temente a Deus. Com moços e
estranhos conversa pouco. Não lisonjeies os ricos, nem busques aparecer muito
na presença dos poderosos. Busca a companhia dos humildes e simples, dos
devotos e morigerados, e trata com eles de assuntos edificantes. Não tenhas
familiaridade com mulher alguma. Mas, em geral, encomenda a Deus todas as que
são virtuosas. Procura intimidade apenas com Deus e seus anjos, e foge de seres
conhecido dos homens. Caridade se deve ter para com todos, mas não convém ter
com todos familiaridade. Sucede, não raro, que uma pessoa, de longe, brilha com
o esplendor da fama, mas, de perto, desmerece aos olhos dos que a veem.
Julgamos, às vezes, agradar aos outros com a nossa intimidade, mas antes os
aborrecemos com os defeitos que em nós vão descobrindo. 9. Obediência e
sujeição. Grande coisa é viver na obediência, sob a direção de um superior e
não dispor da própria vontade. Muito obedecem mais por necessidade que por
amor. Por isso sofrem e facilmente murmuram. Esses não alcançarão a liberdade
de espírito, enquanto não se sujeitarem de todo o coração, por amor de Deus.
Anda por onde quiseres, não acharas descanso senão na humilde sujeição e
obediência ao superior. A imaginação dos lugares e mudanças a muitos tem
iludido. Verdade é que cada um gosta de seguir seu próprio parecer e mais se
inclina àqueles que participam da sua opinião. Entretanto, se Deus está
conosco, cumpre-nos, às vezes, renunciar ao nosso parecer por amor da paz. Quem
é tão sábio que possa saber tudo completamente? Não confieis, pois,
demasiadamente em teu próprio juízo, mas atende também, de boa mente, ao dos
demais. Se o teu parecer for bom e o deixares, por amor de Deus, para seguires
o de outrem, muito lucrarás com isso. Com efeito, muitas vezes ouvi falar que é
mais seguro ouvir e tomar conselho que dá-lo. É bem possível que seja acertado
o parecer de cada um. Mas não querer ceder aos outros, quando a razão ou as
circunstâncias o pedem, é sinal de soberba e obstinação. 10. Deve-se evitar as
palavras supérfluas. Evita, quanto puderes, o bulício – murmúrio dos homens,
porque muitos nos perturbam os negócios mundanos, ainda quando tratados com
pura intenção. Bem depressa somos manchados e cativos da vaidade. Quisera eu
ter calado muitas vezes e não ter conversado com os homens. Por que razão
gostamos tanto de falar e conversar, quando, raras vezes, voltamos ao silêncio
sem trazer a consciência magoada? Gostamos tanto de falar, porque pretendemos, com
essas conversações, ser consolados uns pelos outros e desejamos aliviar o
coração fatigado por preocupações diversas. E ordinariamente sentimos prazer em
falar e pensar, ora nas coisas que muito amamos e desejamos, ora nas que nos
contrariam. Mas, infelizmente, muitas vezes é em vão e sem proveito, pois essa
consolação exterior é muito prejudicial â consolação interior e divina. Cumpre,
portanto, vigiar e orar, para que não passe o tempo ociosamente. Quando for
permitido ou conveniente falar, fala de coisas edificantes. O mau costume e o
descuido do nosso progresso espiritual concorrem muito para o desenfreamento de
nossa língua. Ajudam muito, porém, ao aproveitamento espiritual os devotos
colóquios sobre coisas espirituais. Mormente quando se associam em Deus pessoas
que pensam e sentem do mesmo modo. 11. A conquista da paz e o zelo da
perfeição. Muita paz poderíamos gozar, se não nos quiséssemos ocupar com os
ditos e fatos alheios que não pertencem ao nosso cuidado. Como pode ficar em
paz por muito tempo aquele que se intromete em negócio alheio, que busca
relações exteriores, que raras vezes e mal se recolhe interiormente?
Bem-aventurado os simples, porque hão de ter muita paz! Por que muitos santos
foram tão perfeitos e contemplativos? É que eles procuraram mortificar-se
inteiramente em todos os desejos terrenos e assim puderam, no íntimo de seu
coração, unir-se a Deus e atender livremente a si mesmo. Nós, porém, nos
ocupamos demasiadamente das próprias paixões e cuidados excessivos às coisas
transitórias. Raro é vencermos sequer um vício perfeitamente. Não nos
inflamamos no desejo de progredir cada dia. Daí a frieza e tibieza em que
ficamos. Se estivéssemos perfeitamente mortos a nós mesmos e interiormente
desimpedidos, poderíamos criar gosto pelas coisas divinas e algo experimentar
das doçuras da celeste contemplação. O que principalmente e mais nos impede é o
não estarmos ainda livre das nossas paixões e concupiscência, nem nos
esforçarmos por trilhar o caminho perfeito dos santos. Basta pequeno contratempo
para desalentarmos completamente e voltarmos a procurar consolações humanas. Se
nos esforçássemos por ficar firmes no combate, como soldados valentes, por
certo veríamos descer sobre nós o socorro de Deus. Porque pronto está Ele a
socorrer aos que pelejam e em sua graça confiam. Pois Ele nos proporciona
ocasiões de combate, para que alcancemos a vitória. Se fizermos consistir nosso
aproveitamento espiritual tão somente nas observâncias exteriores, nossa
devoção será de curta duração. Ponhamos o machado a raiz, para que, livres das
paixões, alcancemos a paz interior. Custoso é deixar nossos costumes, mais
custoso, porém, contrariar a própria vontade. Mas, se não vences obstáculos
pequenos e fáceis, como trinfarás dos maiores? Resiste no princípio à tua inclinação
e rompe com o mau costume, para que te não metas pouco a pouco em maiores
dificuldades. Se bem considerasses quanta paz gostarias e quanto prazer darias
aos outros, se vivesses bem, de certo cuidarias mais do teu adiantamento
espiritual. Abraço Davi
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