Teosofia.
Revista Teosófica. Ano 2016. Por J. R. Lassen-Willens. O MISTÉRIO DO EU – PARTE
I. O que queremos dizer por eu? Nas últimas décadas qualquer consenso sobre o
significado implodiu no que agora chamamos de guerras culturais. Raramente
aqueles que estão na busca espiritual querem dizer a mesma coisa quando usam a
palavra “eu”. Nosso propósito aqui é uma discussão aberta de uma possível
estrutura, ou paradigma que possa ajudar a localizar várias descrições do eu em
um continuum de interpretações pessoais do problema do eu. Com tal referência,
podemos, então, localizar nosso próprio lugar na discussão, e talvez também
começar a entender por que temos problemas ao falar aos nossos companheiros na
Senda. Com a compreensão surge a compaixão pelas diferenças e o respeito mútuo.
O “eu” poderia ser visto como uma resposta ao problema da identidade pessoal.
Como os seres humanos tradicionalmente vieram a compreender a estrutura ou
processo que dá origem ao fenômeno de uma identidade pessoal específica? Nosso
esforço aqui será prático, não acadêmico. Há três respostas básicas ao problema
da identidade, ou seja, eu: não eu, eu monárquico e eu em camada. A posição do
não eu, é mais encontrada no Budismo, na Moderna Psicologia comportamental, na
Psicologia e nos estudos da consciência na obra de Oliver Sachs. Há variações
no tema. A posição mais extremada é a de B. F. Skinner (1904-1990). Ele nega
até mesmo uma utilidade funcional ao uso do “eu” como identidade pessoal. Sob a
posição não eu, o ego, identidade pessoal, o eu, é considerado uma ilusão.
Criado por fatores dinâmicos na operação da consciência ou, numa representação,
a atividade do cérebro biológico. Muitos budistas theravadianos, usando seus
textos epistemológicos, o Abhidharmma, também consideram o eu como nada mais
que uma ilusão. Eles argumentam que várias condições causais, inclusive a
operação da memória, provê fatores de continuidade que dão origem à ilusão de
um eu ou ego específico que persiste e é considerado real. É uma incompreensão
maior atribuir a esse eu ou ego qualquer papel dominante na operação dos cinco
Khandhas ou agregados básicos que interagem para dar origem a uma coisa. Isto
é, um ser humano, um cão, ou uma cadeira. Para os budistas theravadianos esses
khandhas incluem rupa (corpo), sanna (sensação), vedana (resposta positiva,
negativa ou neutra aos estímulos orgânicos). Sankhar (informação mental, isto
é, emoções e pensamentos e vinna
(consciência). No Theravada, os khandhas são os componentes básicos do mundo da
aparência. Rupa é material, sanna e vedana são responsivos, sankhara é o
conteúdo da atividade mental. Vinna é o próprio processo de consciência. Esses
são considerados os componentes minuciosos ou completos da realidade. Não
existe coisa per se (em si mesmo, intrinsicamente) no budismo. Antes, o que
existe são condicionamentos kármicos desses cinco agregados. Assim, a coleção
de condições kármicas num local, agindo durante algum tempo, dá origem à
continuidade aparentemente específica a que chamamos do eu, ou uma pessoa. O
budismo vê a pessoa como uma construção dinâmica e impermanente, completamente
dependente de uma interação relacional com todas as outras condições que surgem
à sua volta. A pessoa não tem essência real – não tem existência separada das
condições que lhe dão origem. No Budismo, é melhor pensar na pessoa numa
identidade pessoal como uma matriz dinâmica. Uma matriz de condicionalidade
relacional. Assim, com a condicionalidade relacional há aspectos tanto
subjetivos quanto objetivos a tais surgimentos contingentes. Para os budistas,
o apego a este eu impermanente dá origem à dor primordial, ou dukkha. Aliás, as
três marcas da existência no Budismo, dukkha (sofrimento), anatta (não eu) e
anichcja (impermanência) devem ser plenamente experienciadas, investigadas e
compreendidas. Para que cesse todo apego, de modo que a percepção possa então
experienciar o Nirvana ou Iluminação. Joseph Goldstein (1944 - ) certa vez
definiu Nirvana como “agarrar-se a absolutamente nada. Em resumo, “João” ou
“Jão” é uma construção do karma. Não um acidente do karma, porque com o karma
não há acidentes. As explicações biológicas ocidentais de autoconsciência (essa
terminologia é preferida a “eu” ou “ego”) podem ser resumidas da seguinte
maneira. No desenvolvimento evolutivo do ser humano, aparece o estágio quando,
dentro da sofisticada estrutura cerebral, surge a experiência de
“autoconsciência”. Essa é a verdadeira e totalmente função do tecido orgânico.
Ela aparece quando o tecido cerebral alcança uma certa complexidade e
densidade. Assim é o próprio tecido orgânico que causa o aparecimento da
autoconsciência. Essa posição é considerada como ponto pacífico porque, quando
o tecido cerebral degenera ou ocorrem danos significativos ao cérebro, a
autoidentidade é seriamente prejudicada. E às vezes desaparece com mudanças
radicais na operação do cérebro ou na destruição de seu tecido. Assim,
considera-se que a autoconsciência não tem existência real em si mesma e de si
mesma. Para a psicologia comportamental, a identidade pessoal é simplesmente a
quase imperceptível operação de condicionamentos múltiplos operando no organismo.
Para nossa discussão, este organismo é considerado uma tábula rasa com relação
à autoidentidade até que os condicionamentos deem origem a uma pseudo
identidade construída. Porque é possível conceber programas de condicionamentos
químico ou operantes que, então, destruirão o senso de pseudo eu. Isto é
considerado uma prova para os comportamentalistas, de que esse tal “eu” não tem
existência real, isto é, é uma ilusão. A posição do eu monádico é mais rara
atualmente, mas já foi a fundação da filosofia Ocidental. A posição monádica
afirma que existe um mundo eterno. Mais profundo do que o mundo de mudanças,
isto é, o mundo de aparências ou fenômenos. Este reino imutável é chamado o
reino das ideias, da mente pura. Aqui, nada muda. Para que exista uma cadeira
específica no mundo da aparência, deve haver uma forma ou ideia imutável de
cadeira no reino das ideias. Diz-se que esta ideia da cadeira é o terreno para
o surgimento fenomenal transitório da cadeira. Aliás, esta ideia da cadeira
provê a realidade para todas as cadeiras que podem ser encontradas no mundo da
aparência. De modo semelhante, o fenômeno da autoconsciência em nossas vidas
diárias tem sua fundação no interior da mente ou no mundo das ideias (formas).
Autoconsciência é a expressão de uma alma imutável, imortal. Posteriormente, a
filosofia deu a essa alma o nome de mônada – especialmente Leibniz (1646-1716)
e Espinoza (1632-1677). Este uso da “monada” é diferente do uso feito pela
Senhora Helena P. Blavatsky (1831-1891). Sob muitos aspectos, Platão (428 AC
347) é o responsável por essa compreensão de uma alma eterna. No entanto, ele
verdadeiramente tinha um conhecimento da alma “eu” em camadas, que, de algum
modo, se parece com o pensamento teosófico posterior. Mas porque Platão não era
epistemologia. Isto é, interessado na questão do conhecimento da realidade per
se, isto é, sua verdade. Seu discípulo Plotino (205-270) tentou esclarecer a
ambiguidade do status ontológico das camadas de Platão no interior do mundo das
aparências e declarar. Em vez disso, que a monada mental superior era o
verdadeiro ser no centro de toda existência. Revista Teosófica. Ano 2016.
Abraço. Davi.
Nenhum comentário:
Postar um comentário