Judaísmo. Livro Judaísmo e
Cristianismo – As Diferenças. Por Trude Weiss Rosmarin (1908-1989). Capítulo 8.
JESUS. Parte II. Nenhum dos profetas de Israel alguma vez pregou em seu próprio
nome ou por sua própria responsabilidade. O “Eu” dos profetas é Deus. O “Eu” de
Jesus, entretanto, é ele próprio. Jesus ensinava por sua própria conta,
frequentemente se opondo aos ensinamentos dos rabinos da época e enfatizando
suas opiniões pessoais acima de qualquer coisa que já tivesse sido ouvida em
Israel. Nenhum profeta ou mestre alguma vez profetizou ou ensinou por sua
própria conta. Pelo contrário, empenhavam-se para encontrar justificativa para
novos ensinamentos na Torá. De acordo com a convicção judaica, com o apoio dos
sábios talmúdicos e devidamente resumido pelo Maimônides, “um profeta não deve
aumentar ou diminuir”. Isto é, acrescentar ou revogar qualquer um dos
mandamentos da Torá”. Jesus, por outro lado, fez exatamente isso. Sua ênfase
exagerada na ética e sua deliberada violação da lei ritual o desqualificaram
como profeta. Pois se os profetas exigiam justiça de preferência e sacrifícios
para agradar a Deus, não afirmaram que os sacrifícios eram supérfluos. Mas
somente enfatizaram que Deus não aceitaria as oferendas dos praticantes do mal.
Jesus, entretanto, como ainda veremos, se reservava o direito de anular ou
alterar certas leis e práticas rituais. A ênfase de Jesus em seus próprios
ensinamentos, a maioria dos quais contrários ao verdadeiro espírito da profecia
hebraica, culminou em sua reivindicação de possuir proximidade especial com
Deus. Proximidade não compartilhada e nem mesmo semelhante à de qualquer outro
ser humano. Assim, ele declarou: “Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém
conhece o Filho senão o Pai, e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a
quem o Filho o quiser revelar. Vinde a mim, todos os que estais cansados sob o
peso do vosso fardo e Eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e
aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso
para vossas almas, pois o meu jugo é suave e o meu fardo leve”. Nenhuma palavra
desta natureza foi jamais pronunciada por um profeta ou mestre judeu. Pois as
alegações contidas nela são contrárias à fé democrática judaica de que todos os
seres humanos são iguais perante Deus e que não existe um “Filho de Deus”
específico, que esteja mais próximo do Pai nos Céus do que os outros. A ideia
de que uma pessoa em particular teria o poder de revelar ou não revelar,
conforme sua “escolha”, a compreensão de Deus deve ter sido chocante para os
contemporâneos judeus de Jesus, que eram ensinados a considerar apenas a Deus
como a única fonte de toda a verdade. Os Evangelhos estão repletos de alegações
feitas por Jesus de que mantém uma relação especial com Deus e com promessas
àqueles que acreditarem nele de que serão recompensados por Deus. Assim,
podemos ler: “Todo aquele que se declarar por mim diante dos homens, também eu
me declararei por ele diante de meu Pai que está nos Céus”. Mateus 10,32. “Se
alguém tem sede venha a mim e beba, aquele que crê em mim! Conforme a palavra
da Escritura: de seu seio jorrarão rios de água viva”. João 7,37. “Para um
discernimento é que vim a este mundo, para que os que não veem, vejam, e os que
veem, tornem-se cegos”. João,39. “Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não
andará nas trevas, mas terá a luz da vida”. João 8,11. “Enquanto estou no mundo
sou a luz do mundo”. João 9,5. “Eu sou a ressurreição. Quem crê em mim, ainda
que morra viverá. E quem vive e crê em mim, jamais morrer`”. João 11,25. “Eu sou
o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai a não ser por mim. Se me
conheceis, também conhecereis a meu Pai. Desde agora o conheceis e o vistes”.
“Quem me odeia, odeia também meu Pai”. João 15,23. “Não crês que estou no Pai e
o Pai está em mim? As palavras que vos digo, não as digo por mim mesmo, mas o
Pai, que permanece em mim, realiza suas obras”. João 14,10. Existem vários
outros pronunciamentos de Jesus com o mesmo teor. Representam uma ostensiva,
eterna e intransponível negação das convicções e ensinamentos judaicos, que não
aceitam uma posição privilegiada de pessoa alguma. Deus, do modo como o judeu o
conhece, está igualmente próximo de todos os seres humanos, e a sua proximidade
depende de quão próximo eles querem que Ele esteja e quão próximo eles desejam
chegar dele. Nenhum profeta judeu, nem mesmo Moisés, “o mestre dos profetas”,
alguma vez afirmou estar mais próximo de Deis do que qualquer outro ser humano.
Os profetas se consideravam servos de Deus e se empenhavam em cumprir sua tarefa
fielmente, mas mantinham suas personalidades, seus amores, ódios e ambições. O
máximo possível para um ser humano, separados de sua missão. Eram os porta
vozes de Deus que precisavam proclamar sua mensagem, quer eles quisessem, quer
não. Pois o fogo da divina inspiração consumia seu interior. O chamado era tão
poderoso que, sob o seu impacto, a personalidade do profeta era quase esmagada
e ele se tornava apenas um instrumento escolhido por Deus. Um instrumento a ser
tocado de acordo com a vontade do seu criador, mas não para tocar uma melodia
da sua própria vida. A diferença entre os profetas hebreus e Jesus não é menos
evidente em suas respectivas atitudes quanto ao pecado e aos pecadores. A
tradicional e perene tarefa dos profetas era censurar seus contemporâneos por
seus pecados, mas não os perdoar. Jesus, entretanto, atribuiu a si próprio o
poder de perdoar os pecados, o que o judaísmo reserva somente a Deus. Então
Jesus declarou ao curar um paralítico: “O que é mais fácil dizer, seus pecados
estão perdoados, ou dizer, levanta-te e anda. Mas saiba que o Filho do Homem
possui autoridade para perdoar pecados na terra”. Mateus 9,2-6. Quando Jesus
disse a uma mulher de má reputação que “seus pecados estão perdoados”, seus
companheiros se chocaram exclamando: “Quem é esse homem, que até perdoa
pecados”. Lucas 7,48. Pois tal intromissão nas prerrogativas divinas nunca foi
ouvida em Israel. A exacerbação da própria personalidade de Jesus, a ênfase no
“Mas eu digo ...” em vez de naquele por quem foi enviado, levou a que certas
vezes agisse como se fosse Deus, o senhor da doença e da saúde, da vida e da
morte. De modo bastante lógico e inevitável, a valorização excessiva de seus
próprios poderes levou Jesus a traçar uma analogia entre ele e Deus. Uma
analogia por meio da qual alegava ter o controle de poderes divino: “Como o Pai
ressuscita os mortos e os faz viver, também o Filho dá a vida a quem quer.
Porque o Pai a Ninguém julga, mas confiou ao Filho todo julgamento. A fim de
que todos honrem o Filho com honram o Pai. Quem não honra o Filho , não honra o
Pai que o envio”. João 5,18-23. Abraço - Davi
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