segunda-feira, 19 de agosto de 2024

BUDISMO BÁSICO. Parte II

 

Budismo. Livro A Vida de Compaixão. Por Tenzin Gyatso (1935 - ) o Dalai-Lama. BUDISMO BÁSICO. Parte II. Há outra coisa que penso que se deva entender em relação ao conceito budista de nirvana. Nagabuddhi, um aluno de Nagarjuna, afirma que: “A iluminação ou a liberdade espiritual não é uma dádiva que alguém possa lhe dar, nem tampouco a semente da iluminação é algo que pertença a alguma outra pessoa”. O que isso implica é que o aluno de Nagarjuna prossegue, perguntando: “O que é o nirvana, o que é a iluminação, o que é a liberdade espiritual”? Em seguida ele responde: “A verdadeira iluminação não é nada até que a natureza do próprio ser seja plenamente realizada”. Essa natureza do próprio ser é o que os budistas chamam de luz clara derradeira ou natureza interna radiante da mente. Quando isso estiver plenamente cumprido ou realizado, isso é a iluminação, isso é a verdadeira budeidade. Podemos ver que, quando falamos de iluminação e nirvana, que são frutos das realizações espirituais de cada um, estamos falando de estado de espírito. Do mesmo modo, quando falamos das ilusões que obstruem nossa realização desse estado iluminado, também estamos falando de estados de espírito – estados de espírito iludidos. Estamos nos referindo em particular às ilusões baseadas em uma maneira distorcida de apreender o próprio ser e o mundo. A única maneira de podermos eliminar esse entendimento errado, essa maneira distorcida de aprender o próprio ser e o mundo, é cultivando uma compreensão da verdadeira natureza da mente. Em suma, os ensinamentos do Buda identificam, por um lado, um estado de espírito indisciplinado com o sofrimento e, por outro, um estado de espírito disciplinado com a felicidade e a liberdade espiritual. Esse é um ponto essencial. Pensamento válido e inválido. No budismo, mente tem um significado amplo que abrange todo o espectro da experiência consciente, incluindo todos os pensamentos e emoções. Um fato natural – suponho que se possa chamá-lo de lei psicológica – de nossa experiência subjetiva. Onde dois pensamentos ou emoções diretamente opostas não podem coexistir ao mesmo tempo. A partir de nossa experiência cotidiana normal, sabemos que existem pensamentos que podem ser classificados como válidos e inválidos. Por exemplo, se um determinado pensamento corresponde à realidade, ou seja, se existe uma correspondência entre um estado de coisas no mundo. E a percepção que temos dele, então se pode chamar isso de pensamento válido ou de experiência válida. Mas também temos pensamentos e emoções completamente contrários à maneira como as coisas se apresentam. Em alguns casos, podem ser formas de exagero, mas em outros podem ser diametralmente opostos à maneira com as coisas realmente são. Esses pensamentos e emoções podem ser chamados de inválidos. Os textos budistas, especialmente aqueles que lidam com os modos de conhecimentos, fazem essa distinção entre pensamentos e emoções válidos e inválidos para discutir a cognição válida e seus resultados. O que queremos dizer é que, para que um compreendimento seja bem-sucedido e leve à realização de um objetivo, são necessários pensamentos e emoções válidos. Nos textos budistas, o alcance da mais alta liberação espiritual é considerado fruto de pensamentos e emoções válidos. Por exemplo, segundo os ensinamentos budistas, considera-se que o principal fator que dá origem à iluminação é a verdadeira percepção da natureza da realidade. A verdadeira percepção da natureza da realidade é uma maneira válida de conhecer as coisas, tais como a natureza do mundo. A compaixão, o altruísmo e o bodichita – o espírito da iluminação – são parte integrante dessa verdadeira percepção da realidade, e assim, baseiam-se em pensamentos válidos. Embora o altruísmo e a compaixão sejam mais emoções do que pensamentos cognitivos, o processo que leva à realização da compaixão universal e do bodichita envolve a comparação de verdades e falsidades. Isso é um processo de cultivar maneiras válidas de ver e experimentar as coisas. Portanto, podemos dizer que ser um buda em si é uma consequência de pensamentos e emoções válidos. Pelo contrário, podemos ver a experiência não iluminada (samsara) como produto de modos de experiência inválidos. Por exemplo, segundo o budismo, a raiz fundamental de nossa existência não iluminada é a ignorância. A principal característica dessa ignorância é uma percepção distorcida do mundo e de nós mesmos. Mais uma vez, pensamentos e emoções inválidos, maneiras inválidas de ver e experimentar as coisas e nós mesmos, são, no final das contas, a origem de nosso sofrimento e de nossa não iluminação. Em última análise, pensamentos e emoções válidos estão relacionados com a felicidade e com a liberdade espiritual. Enquanto pensamento e emoções inválidos estão relacionados com o sofrimento e com o estado não iluminado. As duas verdades. Ao treinar a mente, desenvolvemos, intensificamos e aperfeiçoamos pensamentos e emoções válidos. Assim, como impedimos, minamos e acabamos por eliminar as formas válidas. As múltiplas abordagens do treinamento da mente têm dois aspectos principais. Um dele é o desenvolvimento da percepção ou da sabedoria, ou seja, desenvolver essas maneiras válidas de pensar. O outro é o método ou os meios habilidosos. Esse modo de ver a essência dos ensinamentos do Buda como ensinamentos sobre conhecimento e sobre método corresponde maravilhosamente a uma observação de Nagarjuna. Quando diz que todos os ensinamentos do Buda devem ser compreendidos por meio das duas verdades: a verdade convencional e a absoluta. É preciso entender os ensinamentos essenciais das quatro nobres verdades em termos dessas duas verdades. No entanto, quando falamos sobre a natureza das duas verdades, devemos entender que elas não são dois reinos independentes e sem relação. As várias escolas filosóficas tem entendimentos diferentes dessas duas verdades. Quando falo sobre elas, meu entendimento está fundamentado na perspectiva dos pensadores indianos Madhyamika, com relação aos quais tenho uma inclinação particular baseada na admiração. Segundo a visão Madhyamika, a realidade convencional é constituída pela experiência comum no reino da causa e efeito. Esse é o reino da multiplicidade, no qual vemos operarem as diversas leis da realidade. Esse nível de realidade é chamado de verdade convencional, porque a verdade de nossa experiência nesse nível é específica a uma maneira convencional ou normal de entender o mundo. Se formos mais além, descobrimos que todas as coisas são o resultado de muitas causas e condições. A origem das coisas e acontecimentos depende de fatores múltiplos. Qual a implicação dessa realidade de interdependência? A implicação é que nenhuma coisa, nenhum acontecimento, incluindo o próprio eu de cada um, possui uma realidade independente ou intrínseca. Essa ausência de realidade independente é chamada de verdade absoluta. A razão pela qual é chamada de verdade absoluta é que ela não é óbvia para nós, em nosso nível comum de percepção do mundo. É preciso ir mais adiante para encontrá-la. Essas duas verdades são dois lados da mesma coisa – duas perspectivas de um mesmo e único mundo. O princípio das duas verdades é muito importante porque fala diretamente ao nosso entendimento da relação entre nossa percepção e a realidade do mundo. Encontramos na literatura budista indiana inúmeras conversas, debates e análises sobre como a mente, ou a consciência, apreende o mundo. Surgem perguntas como: qual a natureza da relação entre nossa experiência subjetiva e o mundo objetivo? E, até que ponto nossas experiências são constituídas pelo mundo que apreendemos? Penso que a razão pela qual essas questões foram tão intensamente discutidas no budismo é que sua resposta tem um papel crucial no desenvolvimento de nossa mente. Os dois aspectos da budeidade. A esses dois níveis de realidade correspondem as duas dimensões do caminho: método e sabedoria. E porque há duas dimensões principais do caminho existem dois aspectos do estado resultante de budeidade. Um deles é o corpo forma de um buda, e o outro é seu corpo verdadeiro, a verdadeira realidade de uma mente iluminada. O corpo formal é definido como um aspecto de um ser plenamente iluminado que existe puramente em relação aos outros. Ao assumir formas e aparências tão diversas, um ser plenamente iluminado pode realizar todo tipo de atividade para assegurar o bem-estar dos outros. O corpo verdadeiro de um buda é definido como o aspecto que existe em relação a outros budas. A razão para tal é que o corpo verdadeiro só é diretamente acessível a um ser plenamente iluminado. É só assumindo um corpo formal que o corpo verdadeiro pode se manifestar e realizar atividades benéficas para seres não iluminados. Assim, a budeidade pode ser considerada a realização tanto do interesse pessoal de uma pessoa quanto do interesse dos outros. Tornar-se um buda significa que uma pessoa compreendeu plenamente a verdadeira natureza da realidade e desenvolveu plenamente o desejo de beneficiar outras pessoas. Portanto, um buda é uma manifestação completa tanto de sabedoria quanto de compaixão. Abraços. Davi.

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