terça-feira, 13 de agosto de 2024

AVISOS ÚTEIS PARA A VIDA ESPIRITUAL. Parte V

 

Cristianismo. Livro Imitação de Cristo. Por Tomas de Kempis (1380-1471). AVISO ÚTEIS PARA A VIDA ESPIRITUAL. Parte V. 19. O exercício do bom religioso. A vida do bom religioso deve ser ornada de todas as virtudes. Para que corresponda o interior ao que fora veem os homens. E com razão, ainda mais perfeito deve ser no interior do que por fora parece, pois lá penetra o olhar perscrutador de Deus. A quem devemos suma reverência, em qualquer lugar onde estivermos, e em cuja presença cumpre andar com pureza angélica. Cada dia devemos renovar nosso propósito e exercitar-nos com o maior fervor, como se esse fosse o primeiro dia de nossa conversão, dizendo: Confortai-me, Senhor, meu Deus, no bom propósito e em vosso santo serviço. Concedei-me começar hoje deveras, visto que nada é o que até aqui tenho feito. A medida da nossa resolução será nosso progresso, e uma grande solicitude exige o sério aproveitamento. Se aquele que toma enérgicas resoluções tantas vezes cai, que será daquele que as toma raramente ou menos firmemente propõe? Sucede, porém, de vários modos deixarmos o nosso propósito, e raras vezes passa sem danos qualquer leve missão de nossos exercícios. O propósito dos justos mais se firma na graça de Deus, que em suas próprias sabedorias, nela confiam sempre, em qualquer empreendimento. Porque o homem propõe, mas Deus dispõe “e não estão nas mãos do homem os seus caminhos” (Jeremias 10,23). Quando, por motivo de piedade ou proveito do próximo, se deixa alguma vez o costumado exercício, fácil é reparar depois essa falta. Omiti-lo, porém, facilmente, por enfadado ou negligência, já é bastante culpável, e sentir-se-á o prejuízo. Esforcemos quanto pudermos, ainda assim cairemos em muitas falhas. Contudo, devemos sempre fazer um propósito determinado, mormente contra os principais obstáculos do nosso progresso espiritual. Devemos examinar e ordenar tanto o interior como o exterior, porque ambos importam ao nosso aproveitamento. Se não podes continuamente estar recolhido, recolhe-te de vez em quando, ao menos uma vez por dia, pela manhã ou à noite. De manhã toma resoluções e à noite examina tuas ações: como te houvesse hoje em palavras, obras e pensamentos, porque nisso, talvez não raro, tenhas ofendido a Deus e ao próximo. Arma-te varonilmente contra as maldades do demônio. Refreia a gula, e facilmente refrearás todo apetite carnal. Nunca estejas de todo desocupado, mas lê ou escreve ou reza ou medita ou faze alguma coisa de proveito comum. Nos exercícios corporais, porém, haja toda discrição, porque não convêm igualmente a todos. Os exercícios pessoais não se devem fazer publicamente, mais seguro é praticá-los secretamente. Guarda-te de ser negligente nos exercícios da regra e mais diligente nos particulares. Todavia, satisfeitas inteira e fielmente as coisas de obrigação e preceito, se tempo sobrar, ocupa-te em exercícios, conforme te inspirar a tua devoção. Nem todos podem ter o mesmo exercício, um convém mais a este, outro aquele. Até do tempo depende a conveniência e o atrativo das práticas. Porque umas são mais apropriadas para os dias festivos, outras para os dias comuns. De umas precisamos para o tempo de tentação, de outras no tempo de paz e sossego. Em certas coisas gostamos de meditar quando estamos tristes e noutras quando estamos alegres no Senhor. A volta das festas principais devemos renovar os nossos bons exercícios e com mais fervor implorar a intercessão dos santos. De uma para outra festividade devemos preparar-nos, como se então houvéssemos de sair deste mundo e chegar à festividade eterna. Por isso, devemos aparelhar-nos diligentemente, nos tempos de devoção, com vida mais piedosa e observância mais fiel de todas as regras, como se houvéssemos de receber em breve o galardão do nosso trabalho. E se for adiado essa hora, tenhamos por certo que não estamos ainda bem-preparados, nem dignos de tamanha glória que, a seu tempo, se revelará em nós, e tratemos de nos preparar para a morte. “Bem-aventurados o servo – diz o evangelista Lucas – a quem o Senhor, quando vier, encontrar vigilante. Em verdade vos digo que o constituirá sobre todos os seus bens”. (Lucas 12,37 e Mateus 24,47). 20. O amor à solidão e ao silêncio. Procura tempo oportuno pra cuidar de ti e relembra amiúde os benefícios de Deus. Renúncia as curiosidades e escolhe leituras tais, que mais sirvam para te compungir que para te distrair. Se te abstiveres de conversações supérfluas e passeios ociosos, como também de ouvir novidades e boatos, acharás tempo suficiente e adequado para te entregares a santas meditações. Os maiores santos evitavam, quando podiam, a companhia dos homens, preferindo viver com Deus, em retiro. Disse alguém: Quantas vezes estive entre homens, volvi menos homem” (Sêneca).Isso experimentamos muitas vezes, quando falamos muito. Mais fácil é calar de todo do que não tropeçar em alguma palavra. Mais fácil é ficar oculto em casa, que fora dela ter a necessária cautela. Quem, pois, pretende chegar à vida interior e espiritual, importa-lhe que se afaste da turba, com Jesus. Ninguém, sem perigo, se mostra em público, senão quem gosta de esconder-se. Ninguém seguramente fala, senão quem gosta de calar. Ninguém seguramente manda, senão o que perfeitamente aprendeu a obediência. Não pode haver alegria segura sem o testemunho de boa consciência. Contudo, a segurança dos santos estava sempre misturada com o temor de Deus. Nem eram menos cuidadosos e humildes em si mesmos, porque resplandeciam em grandes virtudes e graças. A segurança dos maus, porém, nasce da soberba e presunção, e acaba por enganar-se a si mesma. Nunca dês por seguro nesta vida, ainda que pareças bom religioso no devoto ermitão. Muitas vezes, os melhores no conceito dos homens correram graves perigos, por sua demasiada confiança. Por isso, para muitos é melhor não serem de todo livres de tentações, mas que sejam frequentemente combatidos, para que não confiem demasiadamente em si. Nem se exaltem com soberba, nem tampouco busquem com ânsia as consolações exteriores. Oh! Quem nunca buscasse alegria transitória, nem deste mundo cuidasse, que consciência pura teria! Oh! Quem arredasse tudo vão cuidado para só cuidar das coisas salutares e divinas, pondo toda a sua confiança em Deus, de que grande paz e sossego gozaria. Ninguém é digno da consolação celestial, senão quem se excitar, com diligência, na santa compunção. Se queres compungir-te de coração, entra em teu quarto, despede todo o bulício do mundo, conforme está escrito: “Compungi-vos em vossos cubículos” (Salmos 4,5). Na cela acharás o que fora dela muitas vezes perdes. A cela bem guardada causa doçura e pouco frequentada gera enfado. Se bem a guardares e habitares no princípio de tua conversão, ser-te-á querida companheira e suavíssimo consolo. Abraço. Continuar página 33. No silêncio. Davi

Nenhum comentário:

Postar um comentário