Budismo. Livro A Vida de
Compaixão. Por Tenzin Gyatso (1935 - ) O Dalai-Lama. BUDISMO BÁSICO. Parte I.
Apesar de acreditar que a compaixão e a afeição humanas sejam valores
universais que transcendem as fronteiras da diferença religiosa. O significado
da compaixão dentro do budismo está baseado em uma visão de mundo específica,
com objetivos e métodos. Essa visão de mundo não expõe apenas o que expliquei
anteriormente a respeito dos benefícios da compaixão e dos métodos para
desenvolvê-la. Mas também mostra como o desenvolvimento da compaixão é parte
integrante do entendimento budista da realidade e do caminho para a iluminação.
Assim, pode ser útil fornecer algumas explicações sobre a filosofia budista. As
quatro nobres verdades e a causalidade. Os ensinamentos fundamentais de Buda se
baseiam nas quatro nobres verdades. Elas são a base do ensinamento budista. As
quatro nobres verdades são a verdade do sofrimento, sua origem, a possibilidade
da cessação do sofrimento e o caminho que leva a essa cessação. Os ensinamentos
das quatro nobres verdades baseiam-se na experiência humana, no centro da qual
está a aspiração natural para buscar a felicidade e evitar o sofrimento. A
felicidade que desejamos e o sofrimento que afastamos, não são aleatórios, mas
correm devido a determinadas causas e condições. Entender esse mecanismo causal
do sofrimento e da felicidade é o objetivo das quatro nobres verdades. De modo
a entender o mecanismo causal por trás de nosso sofrimento e de nossa
felicidade, devemos analisar a causalidade com cuidado. Por exemplo, você pode
pensar que suas experiências de dor e sofrimento e felicidade ocorrem sem
razão. Em outras palavras, que não tem causa. Os ensinamentos budistas dizem
que isso não é possível. Talvez você pense que o sofrimento e a felicidade
sejam, de alguma maneira, causados por um ser transcendente. Essa possibilidade
também é rejeitada no budismo. Talvez você pense que uma substância primeva
possa estar na origem de todas as coisas. Os ensinamentos budistas rejeitam
essa possibilidade também. Usando razões para eliminar essas possibilidades, o
budismo conclui que nossas experiências de sofrimento e felicidade não ocorrem
por moto próprio. Nem devido a alguma causa de existência independente, nem
tampouco são o produto de alguma combinação dessas coisas. Pelo contrário, o
ensinamento budista compreende a causalidade em termos do que chama de
originação interdependente. Todas as coisas e acontecimentos, incluindo nossas
experiências de sofrimento e felicidade, vem da reunião de uma multiplicidade e
causas e condições. Entendendo o papel primário da mente. Se examinarmos com
cuidado o ensinamento das quatro nobres verdades, descobriremos a importância
primordial da consciência. Ou da mente, na determinação de nossas experiências
de sofrimento e felicidade. O ponto de vista budista é que existem diferentes
níveis de sofrimento. Por exemplo, há o sofrimento que é óbvio para todos nós,
como as experiências dolorosas. Todos podemos reconhecer isso como sofrimento.
Um segundo nível de sofrimento inclui o que definimos normalmente como
sensações prazerosas. Na realidade, as sensações prazerosas são sofrimento
porque carregam dentro de si a semente da insatisfação. Há também um terceiro
nível de sofrimento, que na terminologia budista chama-se sofrimento penetrante
do condicionamento. Poder-se ia dizer que esse terceiro nível de sofrimento é o
simples fato de nossa existência como seres não iluminados sujeitos a emoções,
pensamentos e ações cármicas negativas. Como significa, e é o que nos mantém
presos a um ciclo negativo. Estar preso ao carma dessa maneira é o terceiro
tipo de sofrimento. Se você olhar para esses três tipos diferentes de
sofrimento, verá que em última instância estão baseados em estados de espírito.
Na verdade, estados de espírito indisciplinados são por si só sofrimento. Se
olharmos para a origem do sofrimento nos textos budistas, veremos que, embora
leiamos sobre carma e sobre ilusão que motiva ação cármica. Estamos lidando com
ações cometidas por um agente. Já que sempre há um motivo por trás de cada
ação, o carma também pode ser compreendido em termos de estado de espírito, um
estado de espírito indisciplinado. Da mesma forma, quando falamos sobre ilusão
que fazem com que uma pessoa aja de modo negativo, elas também são estados de
espírito indisciplinados. Portanto, quando os budistas se referem à verdade da
origem do sofrimento. Estamos falando sobre um estado de espírito que é
indisciplinado e indomado, um estado de espírito, um estado de espírito que
obscurece nossa iluminação e que nos faz sofrer. A origem do sofrimento, a
causa do sofrimento e o sofrimento em si, no final das contas, só podem ser
entendidos em termos de estado de espírito. Quando falamos sobre a cessão do
sofrimento, estamos falando apenas em relação a um ser vivo, um agente com
consciência. Os ensinamentos budistas descrevem a cessação do sofrimento como o
estado mais elevado de felicidade. Essa felicidade não deve ser entendida em
termos de sensações prazerosas. Não estamos falando de felicidade no nível do
sentimento ou da sensação. Estamos, isso sim,
nos referindo ao nível mais elevado de felicidade: total liberação do
sofrimento e da ilusão. Mais uma vez, isso é um estado de espírito, um nível de
realização. Por fim de modo a compreender nossa experiência de sofrimento e
dor, e o caminho que leva à cessação – as quatro nobres verdades – temos que
entender a natureza da mente. Mente e Nirvana. O processo pelo qual a mente
cria o sofrimento no qual vivemos é descrito pelo mestre indiano Chandrakirti
em seu Guia para o Caminho do Meio. Quando afirma: “Um estado de espírito
indisciplinado dá origem a ilusões que levam um indivíduo a ações negativas.
Que em seguida criam o ambiente negativo no qual a pessoa vive”. Para tentar
entender a natureza da ausência de sofrimento que os budistas chamam de
nirvana, podemos examinar um trecho do célebre Fundamento do Caminho do Meio,
de Nagarjuna. Onde ele, de algum modo, equilibra a existência não iluminada
(samsara) e a existência iluminada (nirvana). O que Nagarjuna explica é que não
devemos pensar que existe uma natureza intrínseca, essencial de nossa
existência, seja iluminada ou não. Do ponto de vista do vazio, ambas são
igualmente desprovidas de qualquer tipo de realidade intrínseca. O que
diferencia um estado não iluminado de um estado iluminado é o conhecimento e a
experiência do vazio. O conhecimento e a experiencia do vazio do samsara por si
só é o nirvana. A diferença entre samsara e nirvana é um estado de espírito.
Assim, levando isso em conta, é legítimo perguntar: o budismo está sugerindo
que tudo nada mais é do que a projeção da nossa mente? Essa é uma questão
crítica que suscitou diferentes respostas de professores budistas ao longo da
história do budismo. Por um lado, grandes mestres argumentaram que, em última
análise tudo, até nossa experiência do sofrimento e felicidade, nada mais é do
que uma projeção de nossa mente. Mas existe outra vertente que argumentou com
veemência contra essa forma extrema de subjetivismo. Essa segunda vertente
afirma que, embora possa, em certo
sentido, entender tudo, até mesmo as próprias experiências como criações da
própria mente. Isso não significa que tudo esteja apenas na mente. Eles
argumentam que é preciso manter um grau de objetividade e acreditar que as
coisas de fato existem. Embora essa vertente também afirme que a consciência
desempenha um papel na criação de nossa experiência e do mundo, ao mesmo tempo
existe um mundo objetivo. Abraço. Davi
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