quinta-feira, 29 de agosto de 2024

A RELIGIÃO DO ISLAM. Parte II

 

Islamismo. Livro Manual para o Novo Muçulmano. Por Jamaal Zarabozo. A RELIGIÃO DO ISLAM. Parte II. A mensagem final. Allah enviou numerosos profetas ao longo dos séculos. Certamente, Ele enviaria o último com uma mensagem derradeira. Este último seria o mensageiro para toda a humanidade desde seus tempos até o Juízo Final. Não haveria outras revelações e nenhum outro profeta modificaria aquela última revelação. Assim, este profeta deveria ser diferente dos anteriores de alguma forma. Em primeiro lugar, posto que ninguém viria posteriormente para corrigir supostos erros ou distorções, a revelação recebida pelo último profeta teria que ser preservada com a máxima pureza. Em segundo lugar, a natureza do “sinal” do último profeta também deveria ser diferente. Isso se deve ao fato de que esta mensagem deveria não só afetar aos que viviam à época deste mensageiro, como aos que viriam depois dele. Em terceiro lugar, este profeta derradeiro não poderia ser enviado somente para uma comunidade – e que cada uma delas possuía seu próprio profeta, diferente dos demais. Este profeta deveria ser enviado para toda a humanidade, pondo um fim à sucessão de profetas e estando apto a guiar o mundo em sua totalidade. Em quarto lugar, as leis e ensinamentos desta mensagem deveriam ser fixas para aqueles assuntos que precisam ser fixos para toda a humanidade até o dia do Juízo. Também deveriam ser uma guia flexível para aqueles assuntos que necessitam de flexibilidade por estarem sujeitos a modificações em decorrência de circunstâncias mutáveis. Em todos os aspectos, pode-se observar que a mensagem do Profeta Muhammad (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) se ajusta a todos esses critérios. O Qur’an e a sunnah foram conservados com riqueza de detalhes. Da mesma forma, a natureza de seu “sinal”, o Qur’an, o milagre final, ainda pode ser vivida. E quanto ao terceiro tema, o profeta Muhammad (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) foi o único profeta que deixou claro que não foi enviado apenas a um povo em particular, senão para todos os povos do mundo. Os judeus, por exemplo, consideravam-se uma raça elegida e sustentam que sua mensagem está dirigida exclusivamente a eles. Assim, muitos judeus ortodoxos não crêem na difusão de sua fé. O Novo Testamento também deixa claro que a missão de Jesus estava dirigida às tribos de Israel. Mateus, 10: 5-6, disse: “Jesus enviou estes doze com as seguintes instruções: ‘não vão aos gentios e nem entrem em nenhum povoado dos samaritanos. Vão às ovelhas desgarradas do povo de Israel.’” Os relatores sustentam que Jesus disse a uma mulher de Canaã, que se aproximou dele para pedir ajuda: “Não fui enviado senão às ovelhas perdidas do povo de Israel.” (Mateus 15:24). Esta missão limitada de Jesus também está confirmada no Qur’an (61:6). Sem dúvidas, no caso do Profeta Muhammad (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele), Allah disse: “Dize: Ó humanos, sou o Mensageiro de Deus, para todos vós...” (7: 158). “E não te enviamos, senão como universal (Mensageiro), alvissareiro e admoestador para os humanos; porém, a maioria dos humanos o ignora.” (34: 28). Há, inclusive, mais versículos que afirmam a mesma coisa. O Profeta Muhammad também disse que se diferenciava dos profetas anteriores em cinco pontos. O último que mencionou foi: “os profetas foram enviados somente a seus povos, enquanto eu fui enviado a toda a humanidade.” (Bukhari e Muslim). Allah decretou que seu Profeta Muhammad (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) seria Seu mensageiro final. Disse Allah: “Em verdade, Muhammad não é o pai de nenhum de vossos homens, mas sim o Mensageiro de Deus e o prostremos dos profetas; sabei que Deus é Onisciente.” (33:40). O Profeta Muhammad disse: “Fui enviado para toda a criação e os profetas foram coroados por mim” (Muslim). Então, disse outra vez: “os filhos de Israel foram guiados pelos profetas; cada vez que morria um profeta, outro o sucedia. Não haverá nenhum profeta depois de mim.” (Bukhari e Muslim). Assim, ninguém tem direito de aceitar a outros profetas rechaçando, por sua vez, Muhammad. Ninguém tem o direito de dizer que Muhammad era sincero, mas “prefiro continuar seguindo a Jesus ou Moisés.” Falando logicamente, não se deve esperar que isso seja aceitável para Allah. Allah enviou Seu último mensageiro para que cressem nele e o seguissem, retificando ou anulando o que sobrou dos ensinamentos dos profetas anteriores. No Qur’an, Allah descreve da seguinte maneira dita atitude: “Quando lhes é dito: Crede no que Deus revelou! Dizem: Cremos no que nos foi revelado. E rejeitam o que está além disso (Alcorão), embora seja a verdade corroborante da que já tinham. Dize-lhes: Por que, então, assassinastes os profetas de Deus, se éreis fiéis?” (2:91). Allah declarou que as pessoas com estas características são incrédulas. Observe: “Aqueles que não creem em Deus e em Seus mensageiros, pretendendo cortar os vínculos entre Deus e Seus mensageiros, e dizem: Cremos em alguns e negamos outros, intentando com isso achar uma saída, são os verdadeiros incrédulos; porém, preparamos para eles um castigo ignominioso. Quanto àqueles que crêem em Deus e em Seus mensageiros, e não fazem distinção entre nenhum deles, Deus lhes concederás as suas devidas recompensas, porque Deus é Indulgente, Misericordiosíssimo.” (2:150-152). Disse o Profeta: “Juro por Allah, Aquele em cujas mãos está minha alma, não haverá ninguém dentre as pessoas às quais me dirijo, seja judeu ou cristão, que ouça falar de mim e morra sem crer naquilo que me foi enviado, a menos que se trate de um dos moradores do Fogo do inferno.” (Muslim). O Profeta, inclusive, disse a um de seus companheiros: “Se meu irmão Moisés estivesse vivo hoje, não teria outra opção senão seguir-me.” (Ahmad e al-Daarimi. Segundo al-Albaani, trata-se de um hadith sahih. al-Albaani, Irwa, vol. 6, p. 34.). A universalidade do islam e sua característica atemporal O Profeta Muhammad é o último mensageiro de Allah e é inconcebível pensar que Allah deixaria os seres humanos sem qualquer guia. Em outras palavras, o que Allah o deu é uma mensagem final que é adequada para guiar a humanidade a qualquer tempo e em qualquer lugar. O Profeta deixou clara a essência deste paradigma quando disse: “Deixei-vos duas coisas que, caso se apeguem a elas, nunca os fará perder o caminho para me seguir: o Livro de Allah e a Sunnah de Seu Mensageiro.” (Muslim). Aparte o fato de que o profeta Muhammad (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) é o último dos profetas, Allah também disse: “Hoje completei a religião para vós, e completei Minha graça sobre vós e dispus que o Islam é vossa religião...” (5:3). Allah também declarou que o Profeta Muhammad (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) é o profeta para toda a humanidade: “Dize: Ó humanos, sou o Mensageiro de Deus, para todos vós...” (7:158). O Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) também disse: “Foram-me dado cinco aspectos que nenhum dos profetas anteriores teve... (um deles é que) cada profeta foi enviado somente para seu povo, enquanto eu fui enviado para toda a humanidade.” (Bukhari e Muslim). Assim, a religião é completa e perfeita e não há necessidade de nenhuma alteração ou mudança. A mensagem chegou e será válida até o dia do Juízo. O Profeta enviado a todos os povos já havia chegado. Isto implica que os ensinamentos do Profeta, assim como sua Sunnah, são válidos e obrigatórios para toda a humanidade. Quer dizer, seu exemplo e ensinamentos não foram simplesmente para o povo árabe, mas são válidos e importantes para todos e cada um dos muçulmanos de hoje, que estejam em Nova Iorque ou na Malásia. Logicamente, alguém poderá perguntar: Como pode esta Lei satisfazer as necessidades de toda a humanidade até o dia do Juízo? A resposta tem a ver com a beleza da Lei. Quando se estuda a lei promulgada pelo profeta Muhammad (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele), descobre-se que ela engloba elementos de flexibilidade que permitem a prática hoje, assim como foi nos tempos do Profeta. Na realidade, a natureza dos seres humanos não muda ao longo do tempo, em primeiro lugar. A adoração, que é à base do caráter humano, não precisa mudar. Em segundo lugar, existem alguns assuntos prejudiciais aos seres humanos e que estes devem evitar. Estes também são proibidos explícita e permanentemente. Além disso, os seres humanos só necessitam algumas leis detalhadas e muitos princípios gerais que lhes permitam guiar suas vidas, a todo o momento e em qualquer lugar. Isso é exatamente o que a Lei Islâmica lhes dá. Em essência, aqueles que necessitam ser fixos e permanentes, o são graças à Lei Islâmica. Aqueles que precisam ser flexíveis, para que povos distintos, em diferentes momentos possam aplicá-los de maneira diferenciada, gozam de flexibilidade nesta Lei. Portanto, trata-se de uma forma de vida guiada divinamente que é adequada e prática para todos os seres humanos até o Dia do juízo. Por exemplo, nas relações comerciais os juros são proibidos terminantemente, para sempre. Ademais, a esta proibição, acrescem-se pautas gerais. Sem dúvidas, a norma se desenvolve de tal maneira que quando se desenvolvem novas formas de relações comerciais, como nos tempos modernos, pode-se determinar quais são aceitas segundo as pautas islâmicas e quais não são. Consequentemente, a Lei Islâmica tem demonstrado ser viável há mais de 1400 anos, e segundo as crenças islâmicas, seguirá sendo até o dia do Juízo Final. Isso significa que a orientação é completa. É tudo que os muçulmanos necessitam para ter felicidade neste mundo e no próximo. Não pode ser melhorada. Por conseguinte, não necessita acréscimos, alterações ou anulações. Por esta razão óbvia, o Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) advertiu severamente sobre as inovações e heresias. Estas não são necessárias, em absoluto, e não fazem mais que diminuir a beleza e perfeição do Islam. Por isso, o Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) disse: “As piores ações são as inventadas. E toda inovação significa perder o caminho.” (Muslim). Também disse: “E afastar-se do caminho é cair no fogo do inferno.” (Nasai) Disse também: “Todo aquele que introduza algo neste nosso assunto, que não pertença a ele, será rechaçado.” (Bukhari e Muslim). As fontes da Lei Islâmica e a orientação A meta do Islam é que o ser humano se converta em um verdadeiro servo de Allah. Por isso, sua fonte de orientação e as bases de suas ações devem fundamentar-se na revelação de Deus. A partir deste ponto de vista, os sábios falam das fontes e da lei no Islam. As autoridades máximas na Lei Islâmica são o Qur’an e a Sunnah do Profeta. O Qur’an é a palavra de Allah e uma revelação que chegou diretamente ao Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) vindo de Allah, através do Anjo Gabriel. O Qur’an foi revelado parte a parte ao longo de um período de vinte e três anos. Guiou a primeira comunidade muçulmana em todos os passos que deram. Assim transformou completamente a comunidade em uma geração piedosa. Deu o exemplo para todas as comunidades muçulmanas posteriores que enfrentaram as mesmas circunstâncias que esta primeira geração viveu. Transformou um povo árabe que se encontrava longe de toda ética aceitável em líderes de uma grande civilização, cuja influência ainda continua. Quando se lê, compreende e aplica corretamente o Islam, hoje em dia, também se transforma as pessoas ou a sociedade e as eleva através da piedade, aproximando-as de Deus. Ao receber as palavras do Qur’an, o Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) as passava a seus seguidores. Ademais, encarregava-se de que seus escribas registrassem os versículos recém revelados. O profeta Muhammad (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) disse o seguinte sobre o Qur’an: “Não houve profeta dentre os profetas que não tenha recebido milagres graças aos quais as pessoas tiveram fé, mas o que me foi dado é a Revelação Divina que Allah me revelou. Portanto, espero que meus seguidores sejam mais numerosos que de qualquer outro profeta no Dia da Ressurreição.” (Bukhari e Muslim). Em outras palavras, o grande sinal e o milagre do Profeta Muhammad foi o Qur’an. O Qur’an é milagroso de muitas maneiras. Por exemplo, os árabes do tempo do Profeta eram especialistas em linguística. Sem dúvidas, ainda que se opondo ao Profeta durante muitos anos, estavam conscientes de que jamais poderiam se igualar à eloquência literária do Qur’an. Entretanto, o Qur’an é muito mais que um simples “milagre literário”. Também é milagroso no que diz respeito ao cumprimento de suas profecias de sucessos futuros, sua consistência interna (ainda que tenha sido revelado ao longo de vinte e três anos), sua exatidão científica, sua precisão histórica, sua conservação intacta, suas leis magnas e sábias, seu efeito – que teve e tem – em relação às mudanças e reformas nos seres humanos e tantos outros aspectos. Além do Qur’an estão os ditos e o exemplo do Profeta Muhammad (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele), conhecidos como a Sunnah. Também é uma forma de inspiração Divina ao Profeta. O Profeta disse: “Foi-me dado o Qur’an e algo similar junto com ele.” A autoridade da Sunnah do Mensageiro de Allah não significa ou indica que ele foi um semideus. Definitivamente, ele foi um ser humano, tal como os outros profetas. A autoridade do profeta está relacionada com a submissão a Allah: é Allah, no Qur’an, quem estabelece a autoridade do Profeta. Assim, seguir o caminho do Profeta não é mais que atuar com obediência e submissão a Allah. Allah praticamente disse isso quando mencionou: “Quem obedecer ao Mensageiro obedecerá a Deus; mas quem se rebelar, saiba que não te enviamos para lhes seres guardião.” (2:80). No Qur’an, Allah deixa claro que se alguém ama a Allah e deseja que Allah lhe devolva esse amor, a chave está em seguir o caminho do Profeta Muhammad (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele). Disse Allah: Continuar na página 24. Abraço. Davi

terça-feira, 27 de agosto de 2024

IGUALDADE E FRATERNIDADE

 

Espiritismo. www.institutoandreluiz.org. Texto de Allan Kardec (1804-1869). IGUALDADE E FRATERNIDADE.  "A liberdade é filha da fraternidade e da igualdade. Os homens que vivam como irmãos, com direitos iguais, animados do sentimento de benevolência recíproca, praticarão entre si a justiça, não procurarão causar danos uns aos outros e nada, por conseguinte, terão que temer uns dos outros. A liberdade nenhum perigo oferecerá, porque ninguém pensará em abusar dela em prejuízo de seus semelhantes (...)" Allan Kardec. Liberdade, Igualdade, Fraternidade: estas três palavras constituem, por si sós, o programa de toda uma ordem social que realizaria o mais absoluto progresso da Humanidade, se os princípios que elas exprimem pudessem receber integral aplicação. Vejamos quais os obstáculos que, no estado atual da sociedade, se lhes opõem e, ao lado do mal, procuremos o remédio. A fraternidade, na rigorosa acepção do termo, resume todos os deveres dos homens, uns para com os outros. Significa: devotamento, abnegação, tolerância, benevolência, indulgência. Ë, por excelência, a caridade evangélica e a aplicação da máxima: "Proceder para com os outros, como quereríamos que os outros procedessem para conosco." O oposto do egoísmo. A fraternidade diz: "Um por todos e todos por um." O egoísmo diz: "Cada um por si." Sendo estas duas qualidades a negação uma da outra, tão impossível é que um egoísta proceda fraternalmente para com os seus semelhantes, quanto a um avarento ser generoso, quanto a um indivíduo de pequena estatura atingir a de um outro alto. Ora, sendo o egoísmo a chaga dominante da sociedade, enquanto ele reinar soberanamente, impossível será o reinado da fraternidade verdadeira. Cada um a quererá em seu proveito; não quererá, porém, praticá-la em proveito dos outros, ou, se o fizer, será depois de se certificar de que não perderá coisa alguma. Considerada do ponto de vista da sua importância para a realização da felicidade social, a fraternidade está na primeira linha: é a base. Sem ela, não poderiam existir a igualdade, nem a liberdade séria. A igualdade decorre da fraternidade e a liberdade é consequência das duas outras. Com efeito, suponhamos uma sociedade de homens bastante desinteressados, bastante bons e benévolos para viverem fraternalmente, sem haver entre eles nem privilégios, nem direitos excepcionais, pois de outro modo não haveria fraternidade. Tratar a alguém de irmão é tratá-lo de igual para igual; é querer quem assim o trate, para ele, o que para si próprio quereria. Num povo de irmãos, a igualdade será a consequência de seus sentimentos, da maneira de procederem, e se estabelecerá pela força mesma das coisas. Qual, porém, o inimigo da igualdade? O orgulho, que faz queira o homem ter em toda parte a primazia e o domínio, que vive de privilégios e exceções, poderá suportar a igualdade social, mas não a fundará nunca e na primeira ocasião a desmantelará. Ora, sendo também o orgulho uma das chagas da sociedade, enquanto não for banido, oporá obstáculo à verdadeira igualdade. A liberdade, dissemo-lo, é filha da fraternidade e da igualdade. Falamos da liberdade legal e não da liberdade natural, que, de direito, é imprescritível para toda criatura humana, desde o selvagem até o civilizado. Os homens que vivam como irmãos, com direitos iguais, animados do sentimento de benevolência recíproca, praticarão entre si a justiça, não procurarão causar danos uns aos outros e nada, por conseguinte, terão que temer uns dos outros. A liberdade nenhum perigo oferecerá, porque ninguém pensará em abusar dela em prejuízo de seus semelhantes. Mas, como poderiam o egoísmo, que tudo quer para si, e o orgulho, que incessantemente quer dominar, dar a mão à liberdade que os destronaria? O egoísmo e o orgulho são, pois, os inimigos da liberdade, como o são da igualdade e da fraternidade. A liberdade pressupõe confiança mútua. Ora, não pode haver confiança entre pessoas dominadas pelo sentimento exclusivista da personalidade. Não podendo cada uma satisfazer-se a si própria senão à custa de outrem, todas estarão constantemente em guarda umas contra as outras. Sempre receosas de perderem o a que chamam seus direitos, a dominação constitui a condição mesma da existência de todas, pelo que armarão continuamente ciladas à liberdade e a cercearão quanto puderem. Aqueles três princípios são, pois, conforme acima dissemos, solidários entre si e se prestam mútuo apoio; sem a reunião deles o edifício social não estaria completo. O da fraternidade não pode ser praticado em toda a pureza, com exclusão dos dois outros, porquanto, sem a igualdade e a liberdade, não há verdadeira fraternidade. A liberdade sem a fraternidade é rédea solta a todas as más paixões, que desde então ficam sem freio; com a fraternidade, o homem nenhum mau uso faz da sua liberdade: é a ordem; sem a fraternidade, usa da liberdade para dar curso a todas as suas torpezas: é a anarquia, a licença. Por isso é que as nações mais livres se veem obrigadas a criar restrições à liberdade. A igualdade, sem a fraternidade, conduz aos mesmos resultados, visto que a igualdade reclama a liberdade; sob o pretexto de igualdade, o pequeno rebaixa o grande, para lhe tomar o lugar, e se torna tirano por sua vez; tudo se reduz a um deslocamento de despotismo. Seguir-se-á daí que, enquanto os homens não se acharem imbuídos do sentimento de fraternidade, será necessário tê-los em servidão? Dar-se-á sejam inaptas as instituições fundadas sobre os princípios de igualdade e de liberdade? Semelhante opinião fora mais que errônea; seria absurda. Ninguém espera que uma criança se ache com o seu crescimento completo para lhe ensinar a andar. Quem, ao demais, os tem sob tutela? Serão homens de ideias elevadas e generosas, guiados pelo amor do progresso? Serão homens que se aproveitem da submissão dos seus inferiores para lhes desenvolver o senso moral e elevá-los pouco a pouco à condição de homens livres? Não; são, em sua maioria, homens ciosos do seu poder, a cuja ambição e cupidez outros homens servem de instrumentos mais inteligentes do que animais e que, então, em vez de emancipá-los, os conservam, por todo o tempo que for possível, subjugados e na ignorância. Mas, esta ordem de coisas muda de si mesma, pelo poder irresistível do progresso. A reação é não raro violenta e tanto mais terrível, enquanto o sentimento da fraternidade, imprudentemente sufocado, não logra interpor o seu poder moderador; a luta se empenha entre os que querem tomar e os que querem reter; daí um conflito que se prolonga às vezes por séculos. Afinal, um equilíbrio fictício se estabelece; há qualquer coisa de melhor. Sente-se, porém, que as bases sociais não estão sólidas; a cada passo o solo treme, por isso que ainda não reinam a liberdade e a igualdade, sob a égide da fraternidade, porque o orgulho e o egoísmo continuam empenhados em fazer se malogrem os esforços dos homens de bem. Todos vós que sonhais com essa idade de ouro para a Humanidade trabalhai, antes de tudo, na construção da base do edifício, sem pensardes em lhe colocar a cúpula; ponde nas primeiras fiadas a fraternidade na sua mais pura acepção. Mas, para isso, não basta decretá-la e inscrevê-la numa bandeira; faz-se mister que ela esteja no coração dos homens e não se muda o coração dos homens por meio de ordenações. Do mesmo modo que para fazer que um campo frutifique, é necessário se lhe arranquem os pedrouços e os tocos, aqui também é preciso trabalhar sem descanso por extirpar o vírus do orgulho e do egoísmo, pois que aí se encontra a causa de todo o mal, o obstáculo real ao reinado do bem. Eliminai das leis, das instituições, das religiões, da educação até os últimos vestígios dos tempos de barbárie e de privilégios, bem como todas as causas que alimentam e desenvolvem esses eternos obstáculos ao verdadeiro progresso, os quais, por assim dizer, bebemos com o leite e aspiramos por todos os poros na atmosfera social. Somente então os homens compreenderão os deveres e os benefícios da fraternidade e também se firmarão por si mesmos, sem abalos, nem perigos, os princípios complementares, os da igualdade e da liberdade. Será possível a destruição do orgulho e do egoísmo? Responderemos alto e terminantemente: SIM. Do contrário, forçoso seria determinar um ponto de parada ao progresso da Humanidade. Que o homem cresce em inteligência, é fato incontestável; terá ele chegado ao ponto culminante, além do qual não possa ir? Quem ousaria sustentar tão absurda tese? Progride ele em moralidade? Para responder a esta questão, basta se comparem as épocas de um mesmo país. Por que teria ele atingido o limite do progresso moral e não o do progresso intelectual? Sua aspiração por uma melhor ordem de coisas é indício da possibilidade de alcançá-la. Aos que são progressistas cabe acelerar esse movimento por meio do estudo e da utilização dos meios mais eficientes. (Do livro "Obras Póstumas", 38, Allan Kardec)


domingo, 25 de agosto de 2024

OS ANALECTOS - LIVRO IV

 

Confucionismo. www.rl.art.br. OS ANALECTOS – LIVRO IV. Texto de Confúcio (551 AC 479). 1. O Mestre disse: “A benevolência constitui o mais belo aspecto de uma vizinhança. Como pode ser considerado sábio um homem, que quando tem a possibilidade, não se estabelece numa vizinhança benevolente?”. 2. O Mestre disse: “Quem não é benevolente não pode permanecer por muito tempo em uma situação difícil e tampouco pode permanecer durante muito tempo em circunstâncias favoráveis. “O homem benevolente é atraído pela benevolência porque ele se sente confortável com ela. O homem sábio é atraído pela benevolência porque percebe que ela lhe é favorável”. 3. O Mestre disse: “Apenas o homem benevolente é capaz de gostar ou de não gostar de outros homens”. 4. O Mestre disse: “Se um homem aplica o seu coração no caminho da benevolência, ele estará livre do mal”. 5. O Mestre disse: “Riqueza e posições altas são o que os homens desejam, mas a menos que eu as conseguisse do jeito certo, eu não as manteria. Pobreza e posições baixas são o que os homens não querem, mas mesmo se eu não as conseguisse do modo certo, eu não tentaria escapar delas. “Se o cavalheiro abandona a benevolência, de que modo pode ele construir um nome para si? Um cavalheiro nunca abandona a benevolência, nem mesmo pelo pouco tempo que demora para se comer uma refeição. Se ele se apressa e tropeça, pode-se ter certeza de que é na benevolência que ele o faz”. 6. O Mestre disse: “Nunca conheci um homem que amasse a benevolência ou um homem que odiasse a ausência dela*. Um homem que ama a benevolência não pode ser superado. Um homem que odeia a falta de benevolência pode, talvez, ser considerado benevolente, pois ele não permitiria que aquilo que não é benevolente contaminasse sua pessoa. “Existe um homem que, pelo período de um só dia, seja capaz de dedicar toda a sua força à benevolência? Nunca conheci um homem cuja força seja insuficiente para essa tarefa. Deve haver casos de força insuficiente, mas simplesmente não os encontrei”. 7. O Mestre disse: “Os erros de um homem são condizentes ao tipo de pessoa que ele é. Observe os erros e você conhecerá o homem”. 8. O Mestre disse: “Não viveu em vão aquele que morre no dia em que descobre o Caminho”. 9. O Mestre disse: “Não há razão de buscar as opiniões de um Cavalheiro que, apesar de aplicar seu coração no Caminho, tenha vergonha da comida simples e de suas roupas pobres”. 10. O Mestre disse: “Nas suas relações com o mundo, o cavalheiro não é rigidamente contra ou a favor de nada. Ele fica do lado daquilo que é justo”. 11. O Mestre disse: “Enquanto o cavalheiro acalenta o bom governo, o homem vulgar acalenta sua terra natal. Enquanto o cavalheiro acalenta respeito pela lei, o homem vulgar acalenta um tratamento generoso”. 12. O Mestre disse: “Se as ações de alguém são guiadas pelo lucro, esse alguém provocará muitos ressentimentos”. 13. O Mestre disse: “Se um homem é capaz de governar um reino por meio da observação dos ritos e do respeito, que dificuldades terá na vida pública? Se ele é incapaz de governar um reino por meio da observação dos ritos e do respeito, de que lhe servem os ritos?” 14. O Mestre disse: “Não se preocupe por não ter um cargo oficial. Preocupe-se com as suas qualificações. Não se preocupe porque ninguém aprecia as suas qualidades. Procure ser merecedor de apreço”. 15. O Mestre disse: “Ts’an! Uma única linha amarra todo o meu pensamento”. Tseng Tzu assentiu. Depois que o Mestre tinha saído, os discípulos perguntaram: “O que ele quis dizer?” Tseng Tzu disse: “O caminho do Mestre consiste em dar o melhor de si e usar a si próprio como medida para julgar os outros. Isso é tudo.” 16. O Mestre disse: “O cavalheiro entende o que é moral. O homem vulgar entende o que é lucrativo”. 17. O Mestre disse: “Quando conhecer alguém melhor do que você, dirija seus pensamentos para tornar-se igual a essa pessoa. Quando conhecer alguém tão bom quanto você, olhe para dentro e examine a si próprio”. 18. O Mestre disse: “Ao servir seu pai e sua mãe, você deve dissuadi-los das ações erradas do modo mais gentil. Se você vir seu conselho ser ignorado, não deve se tornar desobediente, mas permanecer reverente. Não reclame, mesmo que, com isso, você se canse”. 19. O Mestre disse: “Enquanto seus pais estiverem vivos, não viaje para muito longe. Se o fizer, seu paradeiro deve sempre ser conhecido por eles”. 20. O Mestre disse: “Se, por três anos, um homem não se desviar do caminho do seu pai, ele pode ser chamado de um bom filho”. 21. O Mestre disse: “Um homem não deve desconhecer a idade do seu pai e da sua mãe. É, por um lado, uma razão para alegrias e, por outro, para ansiedade”. 22. O Mestre disse: “Na Antiguidade, os homens relutavam em falar. Isso porque consideravam vergonhoso se não conseguissem ser fiéis às suas palavras”. 23. O Mestre disse: “É raro que um homem apegado às coisas essenciais perca o autocontrole”. 24. O Mestre disse: “O cavalheiro procura ser suave no falar, mas rápido no agir”. 25. O Mestre disse: “A virtude nunca está sozinha. Está destinada a ter vizinhos”. 26. Tzu-y u disse: “Ser inoportuno com seu senhor significará humilhação. Ser inoportuno com os amigos significará afastamento. www.rl.art.br. Abraço. Davi

 

sexta-feira, 23 de agosto de 2024

OS MISTÉRIOS. Parte II

 

Religião Afro-brasileira. Umbanda. Livro Código de Umbanda. Por Rubens Saraceni (1951-2015). OS MISTÉRIOS. Parte II. Somos capazes de irradiar fé, amor, justiça, ordem, conhecimento e até podemos gerar. A partir de nós mesmos, novos serres semelhantes a nós, inventos, ideias etc. Então a doutrina de Umbanda vê o homem como o ser feito a imagem e semelhança de Deus e portador dos mistérios divinos concernentes à espécie humana. Por isso, a exemplo dos antigos mystas e magos, ela recomenda o estudo dos mistérios. De modo que, sempre que se estuda um, descobrimos que somos capazes de ativá-lo externa e internamente. No externo, a ativação acontece quando vibramos um sentimento afim com uma divindade. E internamente acontece quando, após nos colocarmos em sintonia com o mistério irradiado pela divindade, conscientemente passamos a irradiar o mistério dela para nossos semelhantes. As divindades irradiam seus mistérios no sentido vertical e nós os irradiamos no sentido horizontal, ainda que as irradiações aconteçam em um círculo de 360 graus, igual à circunferência. Assim, um médium dotado de várias faculdades mediúnicas precisa passar por um aprendizado durante o qual irá aperfeiçoar-se e colocar-se em sintonia vibratória com as divindades portadoras dos mistérios que ele está apto a manifestar. As divindades são mistérios em si mesmas, porque estão de tal forma sintonizadas com Deus que manifestam os mistérios dele, a origem de todos os mistérios. Logo, o médium tem de fortalecer cada vez mais sua fé em Deus, pois só assim ele, o micro, será uma individualização do macro e irradiará horizontalmente o que lhe chega na vertical, ou do alto. A diversidade de dons mediúnicos é a prova da existência dos mistérios. Uns irradiam mistérios da Fé, outros irradiam mistérios do Amor, do conhecimento, da justiça, da evolução, da ordenação, da geração. O estudo das divindades nos dá o conhecimento necessário pra identificarmos com qual delas um médium está ligado. E, descobrindo isso, só precisamos estimulá-lo a se aperfeiçoar e direcioná-lo conscientemente no sentido do seu dom ou mistério. O resto ele fará por si, pois traz em si mesmo a centelha divina que crescerá a partir de seu íntimo e sustentará suas irradiações de amor, fé etc. Muitos acham cansativo ou enfadonho esse estudo dos mistérios. Mas o descaso que os teólogos de plantão têm dedicado aos mistérios é a causa de tentas decepções com os corpos mediúnicos das tendas de Umbanda. E mesmo nos centros espiritas os mistérios também não são estudados, ou se o são, fazem-no de forma incorreta, estudando-os de baixo para cima, quando o correto é estudá-los de cima para baixo. Jamais chegaremos aos mistérios se nos limitarmos somente ao estudo do homem, o qual não pode ser dissociado de Deus e das divindades. Deus está no topo de todas as hierarquias divinas. As divindades formam seus degraus e graus. O homem forma a base de todas as hierarquias, por meio das quais vai evoluindo e galgando graus conscienciais cada vez mais elevados. E tanto galga esses graus que muitas das hierarquias do Ritual de Umbanda Sagrada são pontificadas por espíritos humanos já ascensionados. Por ascensos entendam espíritos que evoluíram tanto, mas tanto, que se transformaram em mistérios de Deus ... em si mesmos. Consagrando-se à humanidade, auxiliando os espíritos que ainda estão trilhando o caminho que conduz as esferas celestiais. O homem não é um, ser perfeito em si mesmo, mas, por ser uma centelha divina portadora dos mistérios de Deus. Passa então por aperfeiçoamentos conscienciais que o tornam manifestador dos mistérios divinos herdados do seu Divino Criador. Assim como o homem-carne herda as características genéticas de seu pai. Também homem-carne, o homem-espírito herdou de Deus os mistérios divinos. Todos eles armazenados na centelha divina que o anima e o sustento vivo, vibrante, irradiante e pensante. Nesta herança divina guardada na centelha original está o sêmen original que, depositado no ventre da mãe divina, que é o Universo, gera um ser análogo a Deus. Contudo limitado à sua condição de ser espiritual, ainda sujeito a tornar-se um ser divino. A doutrina de Umbanda fundamenta nos mistérios os nomes simbólicos das linhas espirituais que baixam nos centros. Um espírito, aos apresentar-se com um nome simbólico, certamente é manifestador de um mistério regido por alguma divindade. Por isso, a identificação dos guias espirituais é importante. É por meio dela que ficamos sabendo se um guia é manifestador de um mistério do Orixá Oxóssi, de Ogum, de Xangô etc. Um Caboclo Sete Flechas manifesta um mistério de Oxóssi. Um Caboclo Sete Espadas manifesta um mistério de Ogum. Um Caboclo Sete Montanhas manifesta um mistério de Xangô. Os três são espíritos que entraram em sintonia vibratória com os respectivos Orixás e evoluíram sob a irradiação direta ou vertical deles. E chegaram a tal grau de afinidade que se tornaram irradiadores de um mistério dos seus respectivos regentes divinos. A flecha simboliza Oxóssi. A espada simboliza Ogu. A montanha simboliza Xangô. Oxóssi irradia em sete níveis vibratórios, e um Caboclo Sete Flechas atua nas sete irradiações do Orixá do Conhecimento. Ogum irradia em sete níveis vibratórios, e em Caboclo Sete Espalha atua nas sete irradiações do Orixá da Lei. Xangô irradia em sete níveis vibratórios, e um Caboclo Sete Montanhas atua nas sete irradiações do Orixá da Justiça. Com isso explicado, então podemos aquilatar o alcance dos mistérios desses três espíritos. Já que se tornaram irradiadores de várias qualidades de seus regentes, desenvolveram atributos em seus íntimos. Antes pertencentes só aos seus regentes e assumiram atribuições que antes seus regentes possuíam. Por isso são tidos na conta de espíritos de “elite”, que anularam a si mesmo e passaram a ser irradiadores que antes só os Orixás irradiavam. Por eles se tornaram irradiadores de mistérios? Porque desenvolveram “conscientemente” seus dons divinos e consagraram suas vidas aos mistérios divinos que mais os atraiu e com os quais se identificaram totalmente. Dentro de suas centelhas originais, estes mistérios também já existiam e eram suas heranças divinas. São micro mistérios dos macros mistérios que são os Orixás. A tendência natural será ascenderem cada vez mais, até que chegará um tempo em que não serão vistos à humanidade. Pois é isso que acontece com todos os seres que se consagram aos mistérios de Deus. Abraço. Davi. Continuar página. Na doutrina de Umbanda, estudam-se os mistérios e dedica-se uma atenção especial à forma como eles se mostram,  atuam e influem na vida dos espíritos, porque eles não existem apenas por existir. Eles atendem a desígnios de Deus e são manifestadores de qualidades, atributos e atribuições pertencentes somente a Ele, o Divino Criador. Em Deus está a origem, meio e fim de todos os mistérios. Uma divindade tanto manifesta quanto guarda em si mesma um ou vários mistérios. Logo, mistério e divindade são sinônimos de algo que pertence a Deus e indissociável dele. Pois só nele encontra sua origem, sustentação e finalidade. Sim, a finalidade de todo mistério e divindade é facilitar, de alguma forma, nosso crescimento interior, nossa evolução individual ou coletiva e nossa ascensão vibratória. Por isso citamos, o caso da oferenda ritual e dissemos que não são mistérios, mas sim, chaves que ativam os mistérios de Deus. E citamos o homem feito à imagem e semelhança de Deus, como um portador natural de dons análogos aos mistérios divinos. Existe um Orixá Oxóssi que é o irradiador natural de muitos ou todos os mistérios “vegetais” de Deus. Assim como existem espíritos que respondem pelo nome simbólico “Sete Flechas”, irradiadores de um ou vários mistérios do Orixá Oxóssi. Dão continuidade às hierarquias divinas, ocupando seus graus vibratórios humanos, pois são espíritos e são humanos. E, sendo um mistério imensurável e irradiador por uma divindade natural. Então o Orixá Oxóssi nos chega do alto do Altíssimo e é tão vasto que, só no Ritual de Umbanda Sagrada, já formou centenas de hierarquias. Cada uma manifestando um de seus mistérios vegetais que, embora sejam em “essência” vegetais, no entanto, distribuem-se horizontalmente a todos os seres e a todos os outros elementos essenciais. Abraço. Davi

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

XINTOISMO MITOLOGIA E INFLUÊNCIA. Parte II

 

Xintoísmo. bushidor.com. XINTOÍSMO MITOLOGIA E INFLUÊNCIA na formação da cultura e do carácter do povo japonês. Parte II. O Nihongi descreve que após o nascimento de Awaji e de Hiruko, Izanagi e Izanami produzem o mar, os rios, as montanhas, as árvores e as ervas. O Kojiki lista o nascimento de outros elementos da natureza, nascendo por último o deus do fogo Kagu Tsuchi (ibidem p. 64-65). Do parto, Izanami tem sua genitália queimada, adoece, morre e desce ao reino dos mortos. Izanagi mata então o filho Kagu-tsuchi, lhe cortando o pescoço e de seu cadáver, nascem os deuses da montanha (HERBERT 1977, p. 48-50). Izanagi não se conformando vai buscar Izanami e lhe é pedido que espere enquanto ela pediria autorização para o Kami de Yomi (divindade das Trevas). Mas Izanami se demora e impaciente, Izanagi busca pela amada; ao encontrá-la,  Izanami já tendo se alimentado da comida dos mortos, encontra-se com o corpo já putrefato. Da cabeça, do peito, do ventre, da genitália, das mãos e dos pés de uma Izanami enfurecida saem então oito divindades, as deusas do Trovão (ibidem p. 50-51). Izanagi brande sua espada mas em vão. Estas, juntas com Izanami encolerizada perseguem Izanagi que lhes atira um ornato de cabeça preto que transformando-se em uva, é recolhido pelas divindades. Na fuga, desesperado, Izanagi atira três pêssegos às “horríveis mulheres de Yomi” e enquanto estas os comem, ele consegue escapar e fechar o reino dos mortos atrás de si, mas ouve a maldição de Izanami: "irei ao seu mundo todos os dias e trarei mil almas para o meu reino", ao que responde Izanagi: "e eu farei com que nasçam 1500 descendentes meus por dia" (ibidem p.  52,54). Esta maldição parece habitar ainda no inconsciente coletivo, representada quase sempre pela mulher como os seres terrificantes do mundo dos mortos. O homem é sempre a vítima aterrorizada. De fato, constitui tabu corrente para o japonês a invasão do mundo dos mortos, assim como a profanação do mundo dos kami, que pode resultar em algum mal, advertência que encontramos no provérbio "Sawaranu Kami ni tatarinashi" (não provém mal de kami que não é incomodado) (HARADA, op. cit.,  p. 46). Izanagi ao chegar ao reino dos vivos com as vestes esfarrapadas e putrefatas vai banhar-se no rio. Atribui-se a este fato o grande apreço do hábito do banho e a utilização da água em rituais de purificação xintoístas. Neste ato, de seu olho esquerdo nasce Amaterasu, a deusa do sol, de seu olho direito, Tsukiyomi, o deus da lua, e de seu nariz, nasce Susanowo, o deus dos mares (HERBERT, 1977, p. 56). É designado o reino dos Céus - Takama-no-hara - como habitação de Amaterasu, mas não se conformando com o reino dos mares que lhe foi designado habitar, Susanowo vai de vez em quando ao reino da irmã e lhe faz algumas maldades como destruir os diques da plantação de arroz (ibidem p. 62). No texto do Kogoshui lê-se que enquanto a deusa Amaterasu trabalhava nos seus arrozais,  Susano-wo fincava estacas na plantação anunciando seu direito de propriedade, semeava campos já semeados ou abria-lhe os diques danificando a plantação de arroz (ibidem p. 72-73). Quando Susano-wo atira um cavalo escanhoado na oficina de tear da irmã, que inspecionava o trabalho das tecedeiras, estas se assustam, se ferem gravemente nos teares e morrem (ibidem p.75). Amaterasu, decepcionada,  se retira para uma caverna e o universo mergulha na mais completa escuridão. Os deuses encarregam a divindade Omoikane-no-kami (Aquele que Integra o Pensamento) para trazer Amaterasu de volta. Este manda fazer um espelho místico de oito lados e junto com um colar de pedras preciosas os põe numa árvore sakaki - trazida do Monte Kagu -, na entrada da caverna, dispondo na base, oferendas. O deus então “reúne aves que cantam longamente ao País da Eternidade, e lhes faz lançar um ao outro seu canto prolongado” (ibidem p. 77). A tradição representa este ato – o canto preparatório para a cerimônia de resgate da deusa Amaterasu – nos portais chamados torii, à entrada dos santuários, indicando o limite entre o sagrado e o profano. O torii, que significa poleiro de aves, é também construído em locais considerados sagrados. A deusa Ame-no-Uzume-no-mikoto sobe em cima de uma prancha que ressoa a seus pés e dança como se estivesse possuída por uma divindade pronunciando palavras divinamente inspiradas e descobre seus seios durante a dança (ibidem p. 84). A dança fez rir os oitocentos kami, o que atraiu a atenção de Amaterasu. Espiando levemente, surpreende-se com o riso das divindades e a alegria de Ame-no-uzume que lhe diz estarem todos contentes por haver ali um kami mais ilustre que Amaterasu (ibidem p. 86). Os deuses encarregados aproximam então o espelho da deusa Amaterasu que, surpresa, deixa pouco a pouco a entrada da caverna para contemplá-la. Os deuses rapidamente fecham a caverna e ali põem um shimenawa, uma corda de palha de arroz trançada, e o mundo volta a ter o brilho do sol. 5 .Os deuses decidem proibir então a entrada de Susanowo no reino enviando-o definitivamente para o reino de Izumo, expulsando-o do reino dos Céus. Em Izumo Susanowo encontra um casal de velhinhos chorando porque o monstro de oito cabeças e oito caudas, cujo corpo sanguinolento e flamejante de comprimento que se estende por oito vales e oito colinas, em cujas costas crescem musgos e árvores - uma grande serpente (ou dragão) chamada Yamata-no-Orochi - que já havia devorado sete de suas oito filhas, viria buscar a última (ibidem p. 93). Susanowo diz que matará o monstro e pede que providenciem então oito barris de saquê destilados oito vezes, postos em cada uma das oito plataformas atrás das oito portas (ibidem p. 94). Após algum tempo de espera, surge o gigante monstro aterrador que, atraído pelo cheiro da bebida feita de arroz fermentado, mergulha as oito cabeças nos oito barris, após passar pelas oito portas e bebendo o saquê, logo adormece e Susanowo decepa as oito cabeças com sua espada de oito palmos. Ao decepar também a cauda do monstro, danifica o corte da lâmina mas aí encontra uma grande espada cortante, conhecida como Kusanagi-no-tachi que posteriormente envia à deusa Amaterasu (idem). Ambas as espadas são veneradas em santuários. A primeira, chamada de Orochi-no-aramasa, que matou a serpente gigante é venerada no santuário Iso-no-kami-jingu na província de Nara e a outra, após breve passagem pelas mãos da deusa Amaterasu, (HERBERT, 1964, p. 243) é venerada no santuário Atsuta Jingu (HERBERT, 1977, p. 95). Os outros dois objetos sagrados,  o espelho e o colar de pedras preciosas são venerados no santuário de Ise na província de Mie, o mais importante do xintoísmo (HERBERT, 1965, p. 109). A moça, de nome Kushinada, casa-se então com Susanowo e na sexta geração, nasce o deus Okuni-nushino-kami (Grande organizador e consolidador da Terra) (HERBERT, 1977, p. 95-96). O príncipe Ninigi, neto de Amaterasu, recebe dos ancestrais celestes os três tesouros sagrados: o espelho, a espada e as joias, antes de partir para a Terra com a missão de consolidá-la (ibidem p. 124). Segundo o Kojiki, Amaterasu ao entregar o espelho diz ao príncipe Ninigi: "considera este Espelho exatamente como se fosse Nosso augusto Espírito e venera-o como se tu venerasses a Nós" (HERBERT, 1964, p. 234). Segundo Kitabatake, a deusa teria dito também ao neto: " ilumine o mundo inteiro com o brilho desse Espelho. Reine sobre o mundo pelo maravilhoso [poder de] dominação dessas Joias. Triunfe sobre aqueles que não se submetem brandindo essa Divina Espada" (ibidem p. 245). Na Terra, Ninigi casa-se com a filha de O-yama-tsu-mi, Kono-hana-saku-yahime que dá à luz quatro ou cinco filhos (HERBERT, 1977, p. 126-127), um dos quais, 6 .de nome Hiko-ho-ho-demi casa-se com Toyo-tama-hime, que se torna mãe de Ugayafukiya-aezu. Este, casando-se com Tama-yori-hime torna-se pai de Kamu Yamato no Iware-hiko, mais tarde conhecido como Jinmu Tennô, o primeiro imperador (HERBERT, 1964, p. 52) que funda o país em 11 de fevereiro de 660 a. C. (SIEFFERT, 1968, p. 13). Como não havia caminhos no país, a deusa Amaterasu envia ao imperador Jinmu um corvo de três patas de nome Yatagarasu como guia para penetração no interior do país (HERBERT, 1965, p. 217). Simbolismos. O erudito Chikafusa Kitabatake (1292-1354) fala sobre o simbolismo dos três tesouros do xintoísmo: O espelho não possui nada que realmente lhe pertença, mas,   sem desejos egoístas, reflete todas as coisas revelando as suas verdadeiras qualidades. Sua   virtude reside na sua reação a essas qualidades, e como tal, ele representa a    fonte de toda honestidade. A virtude das jóias reside na sua doçura e    docilidade: são a fonte da compaixão. A virtude do sabre reside na sua    força e determinação: é a fonte da sabedoria. A   menos que o soberano reúna    em si mesmo estas três virtudes,  terá  grande dificuldade em  governar o    país (apud in HERBERT,1964,p.248)(m.t.)3. O Espelho. A tradição de não se materializar em formas visíveis as divindades, é revelada pela ausência de imagens ou ídolos como objetos de adoração nos santuários xintoístas (HARADA, op. cit., p. 45). O espelho não é propriamente objeto de adoração, mas "tipifica o coração humano que na sua pureza reflete a imagem da divindade"(idem). "O espelho limpo reflete as coisas tais quais são; simboliza a límpida mente do kami e ao mesmo tempo é considerado como a simbólica corporificação sagrada entre o fiel e o kami" (ONO, op. cit., p.23). No Jinno Shotoki, de 1339, explica Kitabatake: "O espelho é a fonte da honestidade porque ele tem a virtude de responder de acordo com a forma dos objetos. Ele aponta os desejos divinos da justiça e da imparcialidade." (idem) Em alguns santuários xintoístas, os fiéis quando querem reverenciar mais formalmente algo além da tradicional reverência na entrada dos santuários, são conduzidos pelo monge ao local sagrado onde está postado um espelho: sutil mensagem que convida o visitante à autorreflexão (HARADA, op. cit., p. 45). Fazendo uma análise a partir do nome, Hayao Kawai, moderno estudioso do Xintô, diz que kagami (espelho) deriva de kage (sombra ou reflexo) e mi (ver). Amaterasu ao aceitar sua imagem refletida no espelho, aceitou também o "lado escuro do seu espírito virgem", isto é, ao se recolher, os oitocentos deuses do Alto Plano dos Céus (Takama-no-hara) ficaram no escuro, mas a Deusa do Sol acabou também experienciando a escuridão do seu espírito. Assim como os humanos têm o lado obscuro e desconhecido da mente, para ser perfeita ela precisava ter a sombra. (KAWAI, 1964, p. 183). O torii. Os santuários xintô são precedidos pelos característicos portais torii, numa referência às aves que contribuíram para a saída da deusa Amaterasu da caverna, intrigada com seu canto (ROCHEDIEU, op. cit., p. 131). Constitui-se de duas traves verticais encimadas por duas horizontais. Postadas antes dos acessos aos santuários, separa "o mundo secular, o exterior impuro do terreno sagrado que envolve o santuário. Traz geralmente os "gohei" - tiras de papel branco cortadas em ziguezague dependuradas, indicando a presença de deuses. Ao passar por ele, o visitante do santuário simbolicamente se submete a um ritual de purificação das impurezas acumuladas no mundo exterior" (LITTLETON, op. cit., p.70). O Shimenawa Hoje, comumente vista na entrada dos santuários e nos torii, a corda trançada representa a sombra do sol (ibidem p. 87). É posta também em locais de particulares após ritos de purificação, o que preserva o local de más influências e mantém afastados os maus espíritos (HERBERT, 1967b, p. 115). Simbolicamente indica locais onde estão as oferendas aos kami ou locais sagrados onde habitam (ONO, op. cit., p. 26). Página 9. Abraço. Davi.

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

BUDISMO BÁSICO. Parte II

 

Budismo. Livro A Vida de Compaixão. Por Tenzin Gyatso (1935 - ) o Dalai-Lama. BUDISMO BÁSICO. Parte II. Há outra coisa que penso que se deva entender em relação ao conceito budista de nirvana. Nagabuddhi, um aluno de Nagarjuna, afirma que: “A iluminação ou a liberdade espiritual não é uma dádiva que alguém possa lhe dar, nem tampouco a semente da iluminação é algo que pertença a alguma outra pessoa”. O que isso implica é que o aluno de Nagarjuna prossegue, perguntando: “O que é o nirvana, o que é a iluminação, o que é a liberdade espiritual”? Em seguida ele responde: “A verdadeira iluminação não é nada até que a natureza do próprio ser seja plenamente realizada”. Essa natureza do próprio ser é o que os budistas chamam de luz clara derradeira ou natureza interna radiante da mente. Quando isso estiver plenamente cumprido ou realizado, isso é a iluminação, isso é a verdadeira budeidade. Podemos ver que, quando falamos de iluminação e nirvana, que são frutos das realizações espirituais de cada um, estamos falando de estado de espírito. Do mesmo modo, quando falamos das ilusões que obstruem nossa realização desse estado iluminado, também estamos falando de estados de espírito – estados de espírito iludidos. Estamos nos referindo em particular às ilusões baseadas em uma maneira distorcida de apreender o próprio ser e o mundo. A única maneira de podermos eliminar esse entendimento errado, essa maneira distorcida de aprender o próprio ser e o mundo, é cultivando uma compreensão da verdadeira natureza da mente. Em suma, os ensinamentos do Buda identificam, por um lado, um estado de espírito indisciplinado com o sofrimento e, por outro, um estado de espírito disciplinado com a felicidade e a liberdade espiritual. Esse é um ponto essencial. Pensamento válido e inválido. No budismo, mente tem um significado amplo que abrange todo o espectro da experiência consciente, incluindo todos os pensamentos e emoções. Um fato natural – suponho que se possa chamá-lo de lei psicológica – de nossa experiência subjetiva. Onde dois pensamentos ou emoções diretamente opostas não podem coexistir ao mesmo tempo. A partir de nossa experiência cotidiana normal, sabemos que existem pensamentos que podem ser classificados como válidos e inválidos. Por exemplo, se um determinado pensamento corresponde à realidade, ou seja, se existe uma correspondência entre um estado de coisas no mundo. E a percepção que temos dele, então se pode chamar isso de pensamento válido ou de experiência válida. Mas também temos pensamentos e emoções completamente contrários à maneira como as coisas se apresentam. Em alguns casos, podem ser formas de exagero, mas em outros podem ser diametralmente opostos à maneira com as coisas realmente são. Esses pensamentos e emoções podem ser chamados de inválidos. Os textos budistas, especialmente aqueles que lidam com os modos de conhecimentos, fazem essa distinção entre pensamentos e emoções válidos e inválidos para discutir a cognição válida e seus resultados. O que queremos dizer é que, para que um compreendimento seja bem-sucedido e leve à realização de um objetivo, são necessários pensamentos e emoções válidos. Nos textos budistas, o alcance da mais alta liberação espiritual é considerado fruto de pensamentos e emoções válidos. Por exemplo, segundo os ensinamentos budistas, considera-se que o principal fator que dá origem à iluminação é a verdadeira percepção da natureza da realidade. A verdadeira percepção da natureza da realidade é uma maneira válida de conhecer as coisas, tais como a natureza do mundo. A compaixão, o altruísmo e o bodichita – o espírito da iluminação – são parte integrante dessa verdadeira percepção da realidade, e assim, baseiam-se em pensamentos válidos. Embora o altruísmo e a compaixão sejam mais emoções do que pensamentos cognitivos, o processo que leva à realização da compaixão universal e do bodichita envolve a comparação de verdades e falsidades. Isso é um processo de cultivar maneiras válidas de ver e experimentar as coisas. Portanto, podemos dizer que ser um buda em si é uma consequência de pensamentos e emoções válidos. Pelo contrário, podemos ver a experiência não iluminada (samsara) como produto de modos de experiência inválidos. Por exemplo, segundo o budismo, a raiz fundamental de nossa existência não iluminada é a ignorância. A principal característica dessa ignorância é uma percepção distorcida do mundo e de nós mesmos. Mais uma vez, pensamentos e emoções inválidos, maneiras inválidas de ver e experimentar as coisas e nós mesmos, são, no final das contas, a origem de nosso sofrimento e de nossa não iluminação. Em última análise, pensamentos e emoções válidos estão relacionados com a felicidade e com a liberdade espiritual. Enquanto pensamento e emoções inválidos estão relacionados com o sofrimento e com o estado não iluminado. As duas verdades. Ao treinar a mente, desenvolvemos, intensificamos e aperfeiçoamos pensamentos e emoções válidos. Assim, como impedimos, minamos e acabamos por eliminar as formas válidas. As múltiplas abordagens do treinamento da mente têm dois aspectos principais. Um dele é o desenvolvimento da percepção ou da sabedoria, ou seja, desenvolver essas maneiras válidas de pensar. O outro é o método ou os meios habilidosos. Esse modo de ver a essência dos ensinamentos do Buda como ensinamentos sobre conhecimento e sobre método corresponde maravilhosamente a uma observação de Nagarjuna. Quando diz que todos os ensinamentos do Buda devem ser compreendidos por meio das duas verdades: a verdade convencional e a absoluta. É preciso entender os ensinamentos essenciais das quatro nobres verdades em termos dessas duas verdades. No entanto, quando falamos sobre a natureza das duas verdades, devemos entender que elas não são dois reinos independentes e sem relação. As várias escolas filosóficas tem entendimentos diferentes dessas duas verdades. Quando falo sobre elas, meu entendimento está fundamentado na perspectiva dos pensadores indianos Madhyamika, com relação aos quais tenho uma inclinação particular baseada na admiração. Segundo a visão Madhyamika, a realidade convencional é constituída pela experiência comum no reino da causa e efeito. Esse é o reino da multiplicidade, no qual vemos operarem as diversas leis da realidade. Esse nível de realidade é chamado de verdade convencional, porque a verdade de nossa experiência nesse nível é específica a uma maneira convencional ou normal de entender o mundo. Se formos mais além, descobrimos que todas as coisas são o resultado de muitas causas e condições. A origem das coisas e acontecimentos depende de fatores múltiplos. Qual a implicação dessa realidade de interdependência? A implicação é que nenhuma coisa, nenhum acontecimento, incluindo o próprio eu de cada um, possui uma realidade independente ou intrínseca. Essa ausência de realidade independente é chamada de verdade absoluta. A razão pela qual é chamada de verdade absoluta é que ela não é óbvia para nós, em nosso nível comum de percepção do mundo. É preciso ir mais adiante para encontrá-la. Essas duas verdades são dois lados da mesma coisa – duas perspectivas de um mesmo e único mundo. O princípio das duas verdades é muito importante porque fala diretamente ao nosso entendimento da relação entre nossa percepção e a realidade do mundo. Encontramos na literatura budista indiana inúmeras conversas, debates e análises sobre como a mente, ou a consciência, apreende o mundo. Surgem perguntas como: qual a natureza da relação entre nossa experiência subjetiva e o mundo objetivo? E, até que ponto nossas experiências são constituídas pelo mundo que apreendemos? Penso que a razão pela qual essas questões foram tão intensamente discutidas no budismo é que sua resposta tem um papel crucial no desenvolvimento de nossa mente. Os dois aspectos da budeidade. A esses dois níveis de realidade correspondem as duas dimensões do caminho: método e sabedoria. E porque há duas dimensões principais do caminho existem dois aspectos do estado resultante de budeidade. Um deles é o corpo forma de um buda, e o outro é seu corpo verdadeiro, a verdadeira realidade de uma mente iluminada. O corpo formal é definido como um aspecto de um ser plenamente iluminado que existe puramente em relação aos outros. Ao assumir formas e aparências tão diversas, um ser plenamente iluminado pode realizar todo tipo de atividade para assegurar o bem-estar dos outros. O corpo verdadeiro de um buda é definido como o aspecto que existe em relação a outros budas. A razão para tal é que o corpo verdadeiro só é diretamente acessível a um ser plenamente iluminado. É só assumindo um corpo formal que o corpo verdadeiro pode se manifestar e realizar atividades benéficas para seres não iluminados. Assim, a budeidade pode ser considerada a realização tanto do interesse pessoal de uma pessoa quanto do interesse dos outros. Tornar-se um buda significa que uma pessoa compreendeu plenamente a verdadeira natureza da realidade e desenvolveu plenamente o desejo de beneficiar outras pessoas. Portanto, um buda é uma manifestação completa tanto de sabedoria quanto de compaixão. Abraços. Davi.

sábado, 17 de agosto de 2024

JESUS. Parte II

 

Judaísmo. Livro Judaísmo e Cristianismo – As Diferenças. Por Trude Weiss Rosmarin (1908-1989). Capítulo 8. JESUS. Parte II. Nenhum dos profetas de Israel alguma vez pregou em seu próprio nome ou por sua própria responsabilidade. O “Eu” dos profetas é Deus. O “Eu” de Jesus, entretanto, é ele próprio. Jesus ensinava por sua própria conta, frequentemente se opondo aos ensinamentos dos rabinos da época e enfatizando suas opiniões pessoais acima de qualquer coisa que já tivesse sido ouvida em Israel. Nenhum profeta ou mestre alguma vez profetizou ou ensinou por sua própria conta. Pelo contrário, empenhavam-se para encontrar justificativa para novos ensinamentos na Torá. De acordo com a convicção judaica, com o apoio dos sábios talmúdicos e devidamente resumido pelo Maimônides, “um profeta não deve aumentar ou diminuir”. Isto é, acrescentar ou revogar qualquer um dos mandamentos da Torá”. Jesus, por outro lado, fez exatamente isso. Sua ênfase exagerada na ética e sua deliberada violação da lei ritual o desqualificaram como profeta. Pois se os profetas exigiam justiça de preferência e sacrifícios para agradar a Deus, não afirmaram que os sacrifícios eram supérfluos. Mas somente enfatizaram que Deus não aceitaria as oferendas dos praticantes do mal. Jesus, entretanto, como ainda veremos, se reservava o direito de anular ou alterar certas leis e práticas rituais. A ênfase de Jesus em seus próprios ensinamentos, a maioria dos quais contrários ao verdadeiro espírito da profecia hebraica, culminou em sua reivindicação de possuir proximidade especial com Deus. Proximidade não compartilhada e nem mesmo semelhante à de qualquer outro ser humano. Assim, ele declarou: “Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece o Filho senão o Pai, e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar. Vinde a mim, todos os que estais cansados sob o peso do vosso fardo e Eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para vossas almas, pois o meu jugo é suave e o meu fardo leve”. Nenhuma palavra desta natureza foi jamais pronunciada por um profeta ou mestre judeu. Pois as alegações contidas nela são contrárias à fé democrática judaica de que todos os seres humanos são iguais perante Deus e que não existe um “Filho de Deus” específico, que esteja mais próximo do Pai nos Céus do que os outros. A ideia de que uma pessoa em particular teria o poder de revelar ou não revelar, conforme sua “escolha”, a compreensão de Deus deve ter sido chocante para os contemporâneos judeus de Jesus, que eram ensinados a considerar apenas a Deus como a única fonte de toda a verdade. Os Evangelhos estão repletos de alegações feitas por Jesus de que mantém uma relação especial com Deus e com promessas àqueles que acreditarem nele de que serão recompensados por Deus. Assim, podemos ler: “Todo aquele que se declarar por mim diante dos homens, também eu me declararei por ele diante de meu Pai que está nos Céus”. Mateus 10,32. “Se alguém tem sede venha a mim e beba, aquele que crê em mim! Conforme a palavra da Escritura: de seu seio jorrarão rios de água viva”. João 7,37. “Para um discernimento é que vim a este mundo, para que os que não veem, vejam, e os que veem, tornem-se cegos”. João,39. “Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida”. João 8,11. “Enquanto estou no mundo sou a luz do mundo”. João 9,5. “Eu sou a ressurreição. Quem crê em mim, ainda que morra viverá. E quem vive e crê em mim, jamais morrer`”. João 11,25. “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai a não ser por mim. Se me conheceis, também conhecereis a meu Pai. Desde agora o conheceis e o vistes”. “Quem me odeia, odeia também meu Pai”. João 15,23. “Não crês que estou no Pai e o Pai está em mim? As palavras que vos digo, não as digo por mim mesmo, mas o Pai, que permanece em mim, realiza suas obras”. João 14,10. Existem vários outros pronunciamentos de Jesus com o mesmo teor. Representam uma ostensiva, eterna e intransponível negação das convicções e ensinamentos judaicos, que não aceitam uma posição privilegiada de pessoa alguma. Deus, do modo como o judeu o conhece, está igualmente próximo de todos os seres humanos, e a sua proximidade depende de quão próximo eles querem que Ele esteja e quão próximo eles desejam chegar dele. Nenhum profeta judeu, nem mesmo Moisés, “o mestre dos profetas”, alguma vez afirmou estar mais próximo de Deis do que qualquer outro ser humano. Os profetas se consideravam servos de Deus e se empenhavam em cumprir sua tarefa fielmente, mas mantinham suas personalidades, seus amores, ódios e ambições. O máximo possível para um ser humano, separados de sua missão. Eram os porta vozes de Deus que precisavam proclamar sua mensagem, quer eles quisessem, quer não. Pois o fogo da divina inspiração consumia seu interior. O chamado era tão poderoso que, sob o seu impacto, a personalidade do profeta era quase esmagada e ele se tornava apenas um instrumento escolhido por Deus. Um instrumento a ser tocado de acordo com a vontade do seu criador, mas não para tocar uma melodia da sua própria vida. A diferença entre os profetas hebreus e Jesus não é menos evidente em suas respectivas atitudes quanto ao pecado e aos pecadores. A tradicional e perene tarefa dos profetas era censurar seus contemporâneos por seus pecados, mas não os perdoar. Jesus, entretanto, atribuiu a si próprio o poder de perdoar os pecados, o que o judaísmo reserva somente a Deus. Então Jesus declarou ao curar um paralítico: “O que é mais fácil dizer, seus pecados estão perdoados, ou dizer, levanta-te e anda. Mas saiba que o Filho do Homem possui autoridade para perdoar pecados na terra”. Mateus 9,2-6. Quando Jesus disse a uma mulher de má reputação que “seus pecados estão perdoados”, seus companheiros se chocaram exclamando: “Quem é esse homem, que até perdoa pecados”. Lucas 7,48. Pois tal intromissão nas prerrogativas divinas nunca foi ouvida em Israel. A exacerbação da própria personalidade de Jesus, a ênfase no “Mas eu digo ...” em vez de naquele por quem foi enviado, levou a que certas vezes agisse como se fosse Deus, o senhor da doença e da saúde, da vida e da morte. De modo bastante lógico e inevitável, a valorização excessiva de seus próprios poderes levou Jesus a traçar uma analogia entre ele e Deus. Uma analogia por meio da qual alegava ter o controle de poderes divino: “Como o Pai ressuscita os mortos e os faz viver, também o Filho dá a vida a quem quer. Porque o Pai a Ninguém julga, mas confiou ao Filho todo julgamento. A fim de que todos honrem o Filho com honram o Pai. Quem não honra o Filho , não honra o Pai que o envio”. João 5,18-23. Abraço - Davi

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

BUDISMO BÁSICO. Parte I

 

Budismo. Livro A Vida de Compaixão. Por Tenzin Gyatso (1935 - ) O Dalai-Lama. BUDISMO BÁSICO. Parte I. Apesar de acreditar que a compaixão e a afeição humanas sejam valores universais que transcendem as fronteiras da diferença religiosa. O significado da compaixão dentro do budismo está baseado em uma visão de mundo específica, com objetivos e métodos. Essa visão de mundo não expõe apenas o que expliquei anteriormente a respeito dos benefícios da compaixão e dos métodos para desenvolvê-la. Mas também mostra como o desenvolvimento da compaixão é parte integrante do entendimento budista da realidade e do caminho para a iluminação. Assim, pode ser útil fornecer algumas explicações sobre a filosofia budista. As quatro nobres verdades e a causalidade. Os ensinamentos fundamentais de Buda se baseiam nas quatro nobres verdades. Elas são a base do ensinamento budista. As quatro nobres verdades são a verdade do sofrimento, sua origem, a possibilidade da cessação do sofrimento e o caminho que leva a essa cessação. Os ensinamentos das quatro nobres verdades baseiam-se na experiência humana, no centro da qual está a aspiração natural para buscar a felicidade e evitar o sofrimento. A felicidade que desejamos e o sofrimento que afastamos, não são aleatórios, mas correm devido a determinadas causas e condições. Entender esse mecanismo causal do sofrimento e da felicidade é o objetivo das quatro nobres verdades. De modo a entender o mecanismo causal por trás de nosso sofrimento e de nossa felicidade, devemos analisar a causalidade com cuidado. Por exemplo, você pode pensar que suas experiências de dor e sofrimento e felicidade ocorrem sem razão. Em outras palavras, que não tem causa. Os ensinamentos budistas dizem que isso não é possível. Talvez você pense que o sofrimento e a felicidade sejam, de alguma maneira, causados por um ser transcendente. Essa possibilidade também é rejeitada no budismo. Talvez você pense que uma substância primeva possa estar na origem de todas as coisas. Os ensinamentos budistas rejeitam essa possibilidade também. Usando razões para eliminar essas possibilidades, o budismo conclui que nossas experiências de sofrimento e felicidade não ocorrem por moto próprio. Nem devido a alguma causa de existência independente, nem tampouco são o produto de alguma combinação dessas coisas. Pelo contrário, o ensinamento budista compreende a causalidade em termos do que chama de originação interdependente. Todas as coisas e acontecimentos, incluindo nossas experiências de sofrimento e felicidade, vem da reunião de uma multiplicidade e causas e condições. Entendendo o papel primário da mente. Se examinarmos com cuidado o ensinamento das quatro nobres verdades, descobriremos a importância primordial da consciência. Ou da mente, na determinação de nossas experiências de sofrimento e felicidade. O ponto de vista budista é que existem diferentes níveis de sofrimento. Por exemplo, há o sofrimento que é óbvio para todos nós, como as experiências dolorosas. Todos podemos reconhecer isso como sofrimento. Um segundo nível de sofrimento inclui o que definimos normalmente como sensações prazerosas. Na realidade, as sensações prazerosas são sofrimento porque carregam dentro de si a semente da insatisfação. Há também um terceiro nível de sofrimento, que na terminologia budista chama-se sofrimento penetrante do condicionamento. Poder-se ia dizer que esse terceiro nível de sofrimento é o simples fato de nossa existência como seres não iluminados sujeitos a emoções, pensamentos e ações cármicas negativas. Como significa, e é o que nos mantém presos a um ciclo negativo. Estar preso ao carma dessa maneira é o terceiro tipo de sofrimento. Se você olhar para esses três tipos diferentes de sofrimento, verá que em última instância estão baseados em estados de espírito. Na verdade, estados de espírito indisciplinados são por si só sofrimento. Se olharmos para a origem do sofrimento nos textos budistas, veremos que, embora leiamos sobre carma e sobre ilusão que motiva ação cármica. Estamos lidando com ações cometidas por um agente. Já que sempre há um motivo por trás de cada ação, o carma também pode ser compreendido em termos de estado de espírito, um estado de espírito indisciplinado. Da mesma forma, quando falamos sobre ilusão que fazem com que uma pessoa aja de modo negativo, elas também são estados de espírito indisciplinados. Portanto, quando os budistas se referem à verdade da origem do sofrimento. Estamos falando sobre um estado de espírito que é indisciplinado e indomado, um estado de espírito, um estado de espírito que obscurece nossa iluminação e que nos faz sofrer. A origem do sofrimento, a causa do sofrimento e o sofrimento em si, no final das contas, só podem ser entendidos em termos de estado de espírito. Quando falamos sobre a cessão do sofrimento, estamos falando apenas em relação a um ser vivo, um agente com consciência. Os ensinamentos budistas descrevem a cessação do sofrimento como o estado mais elevado de felicidade. Essa felicidade não deve ser entendida em termos de sensações prazerosas. Não estamos falando de felicidade no nível do sentimento ou da sensação. Estamos, isso sim,  nos referindo ao nível mais elevado de felicidade: total liberação do sofrimento e da ilusão. Mais uma vez, isso é um estado de espírito, um nível de realização. Por fim de modo a compreender nossa experiência de sofrimento e dor, e o caminho que leva à cessação – as quatro nobres verdades – temos que entender a natureza da mente. Mente e Nirvana. O processo pelo qual a mente cria o sofrimento no qual vivemos é descrito pelo mestre indiano Chandrakirti em seu Guia para o Caminho do Meio. Quando afirma: “Um estado de espírito indisciplinado dá origem a ilusões que levam um indivíduo a ações negativas. Que em seguida criam o ambiente negativo no qual a pessoa vive”. Para tentar entender a natureza da ausência de sofrimento que os budistas chamam de nirvana, podemos examinar um trecho do célebre Fundamento do Caminho do Meio, de Nagarjuna. Onde ele, de algum modo, equilibra a existência não iluminada (samsara) e a existência iluminada (nirvana). O que Nagarjuna explica é que não devemos pensar que existe uma natureza intrínseca, essencial de nossa existência, seja iluminada ou não. Do ponto de vista do vazio, ambas são igualmente desprovidas de qualquer tipo de realidade intrínseca. O que diferencia um estado não iluminado de um estado iluminado é o conhecimento e a experiência do vazio. O conhecimento e a experiencia do vazio do samsara por si só é o nirvana. A diferença entre samsara e nirvana é um estado de espírito. Assim, levando isso em conta, é legítimo perguntar: o budismo está sugerindo que tudo nada mais é do que a projeção da nossa mente? Essa é uma questão crítica que suscitou diferentes respostas de professores budistas ao longo da história do budismo. Por um lado, grandes mestres argumentaram que, em última análise tudo, até nossa experiência do sofrimento e felicidade, nada mais é do que uma projeção de nossa mente. Mas existe outra vertente que argumentou com veemência contra essa forma extrema de subjetivismo. Essa segunda vertente afirma que,  embora possa, em certo sentido, entender tudo, até mesmo as próprias experiências como criações da própria mente. Isso não significa que tudo esteja apenas na mente. Eles argumentam que é preciso manter um grau de objetividade e acreditar que as coisas de fato existem. Embora essa vertente também afirme que a consciência desempenha um papel na criação de nossa experiência e do mundo, ao mesmo tempo existe um mundo objetivo. Abraço. Davi

 

terça-feira, 13 de agosto de 2024

AVISOS ÚTEIS PARA A VIDA ESPIRITUAL. Parte V

 

Cristianismo. Livro Imitação de Cristo. Por Tomas de Kempis (1380-1471). AVISO ÚTEIS PARA A VIDA ESPIRITUAL. Parte V. 19. O exercício do bom religioso. A vida do bom religioso deve ser ornada de todas as virtudes. Para que corresponda o interior ao que fora veem os homens. E com razão, ainda mais perfeito deve ser no interior do que por fora parece, pois lá penetra o olhar perscrutador de Deus. A quem devemos suma reverência, em qualquer lugar onde estivermos, e em cuja presença cumpre andar com pureza angélica. Cada dia devemos renovar nosso propósito e exercitar-nos com o maior fervor, como se esse fosse o primeiro dia de nossa conversão, dizendo: Confortai-me, Senhor, meu Deus, no bom propósito e em vosso santo serviço. Concedei-me começar hoje deveras, visto que nada é o que até aqui tenho feito. A medida da nossa resolução será nosso progresso, e uma grande solicitude exige o sério aproveitamento. Se aquele que toma enérgicas resoluções tantas vezes cai, que será daquele que as toma raramente ou menos firmemente propõe? Sucede, porém, de vários modos deixarmos o nosso propósito, e raras vezes passa sem danos qualquer leve missão de nossos exercícios. O propósito dos justos mais se firma na graça de Deus, que em suas próprias sabedorias, nela confiam sempre, em qualquer empreendimento. Porque o homem propõe, mas Deus dispõe “e não estão nas mãos do homem os seus caminhos” (Jeremias 10,23). Quando, por motivo de piedade ou proveito do próximo, se deixa alguma vez o costumado exercício, fácil é reparar depois essa falta. Omiti-lo, porém, facilmente, por enfadado ou negligência, já é bastante culpável, e sentir-se-á o prejuízo. Esforcemos quanto pudermos, ainda assim cairemos em muitas falhas. Contudo, devemos sempre fazer um propósito determinado, mormente contra os principais obstáculos do nosso progresso espiritual. Devemos examinar e ordenar tanto o interior como o exterior, porque ambos importam ao nosso aproveitamento. Se não podes continuamente estar recolhido, recolhe-te de vez em quando, ao menos uma vez por dia, pela manhã ou à noite. De manhã toma resoluções e à noite examina tuas ações: como te houvesse hoje em palavras, obras e pensamentos, porque nisso, talvez não raro, tenhas ofendido a Deus e ao próximo. Arma-te varonilmente contra as maldades do demônio. Refreia a gula, e facilmente refrearás todo apetite carnal. Nunca estejas de todo desocupado, mas lê ou escreve ou reza ou medita ou faze alguma coisa de proveito comum. Nos exercícios corporais, porém, haja toda discrição, porque não convêm igualmente a todos. Os exercícios pessoais não se devem fazer publicamente, mais seguro é praticá-los secretamente. Guarda-te de ser negligente nos exercícios da regra e mais diligente nos particulares. Todavia, satisfeitas inteira e fielmente as coisas de obrigação e preceito, se tempo sobrar, ocupa-te em exercícios, conforme te inspirar a tua devoção. Nem todos podem ter o mesmo exercício, um convém mais a este, outro aquele. Até do tempo depende a conveniência e o atrativo das práticas. Porque umas são mais apropriadas para os dias festivos, outras para os dias comuns. De umas precisamos para o tempo de tentação, de outras no tempo de paz e sossego. Em certas coisas gostamos de meditar quando estamos tristes e noutras quando estamos alegres no Senhor. A volta das festas principais devemos renovar os nossos bons exercícios e com mais fervor implorar a intercessão dos santos. De uma para outra festividade devemos preparar-nos, como se então houvéssemos de sair deste mundo e chegar à festividade eterna. Por isso, devemos aparelhar-nos diligentemente, nos tempos de devoção, com vida mais piedosa e observância mais fiel de todas as regras, como se houvéssemos de receber em breve o galardão do nosso trabalho. E se for adiado essa hora, tenhamos por certo que não estamos ainda bem-preparados, nem dignos de tamanha glória que, a seu tempo, se revelará em nós, e tratemos de nos preparar para a morte. “Bem-aventurados o servo – diz o evangelista Lucas – a quem o Senhor, quando vier, encontrar vigilante. Em verdade vos digo que o constituirá sobre todos os seus bens”. (Lucas 12,37 e Mateus 24,47). 20. O amor à solidão e ao silêncio. Procura tempo oportuno pra cuidar de ti e relembra amiúde os benefícios de Deus. Renúncia as curiosidades e escolhe leituras tais, que mais sirvam para te compungir que para te distrair. Se te abstiveres de conversações supérfluas e passeios ociosos, como também de ouvir novidades e boatos, acharás tempo suficiente e adequado para te entregares a santas meditações. Os maiores santos evitavam, quando podiam, a companhia dos homens, preferindo viver com Deus, em retiro. Disse alguém: Quantas vezes estive entre homens, volvi menos homem” (Sêneca).Isso experimentamos muitas vezes, quando falamos muito. Mais fácil é calar de todo do que não tropeçar em alguma palavra. Mais fácil é ficar oculto em casa, que fora dela ter a necessária cautela. Quem, pois, pretende chegar à vida interior e espiritual, importa-lhe que se afaste da turba, com Jesus. Ninguém, sem perigo, se mostra em público, senão quem gosta de esconder-se. Ninguém seguramente fala, senão quem gosta de calar. Ninguém seguramente manda, senão o que perfeitamente aprendeu a obediência. Não pode haver alegria segura sem o testemunho de boa consciência. Contudo, a segurança dos santos estava sempre misturada com o temor de Deus. Nem eram menos cuidadosos e humildes em si mesmos, porque resplandeciam em grandes virtudes e graças. A segurança dos maus, porém, nasce da soberba e presunção, e acaba por enganar-se a si mesma. Nunca dês por seguro nesta vida, ainda que pareças bom religioso no devoto ermitão. Muitas vezes, os melhores no conceito dos homens correram graves perigos, por sua demasiada confiança. Por isso, para muitos é melhor não serem de todo livres de tentações, mas que sejam frequentemente combatidos, para que não confiem demasiadamente em si. Nem se exaltem com soberba, nem tampouco busquem com ânsia as consolações exteriores. Oh! Quem nunca buscasse alegria transitória, nem deste mundo cuidasse, que consciência pura teria! Oh! Quem arredasse tudo vão cuidado para só cuidar das coisas salutares e divinas, pondo toda a sua confiança em Deus, de que grande paz e sossego gozaria. Ninguém é digno da consolação celestial, senão quem se excitar, com diligência, na santa compunção. Se queres compungir-te de coração, entra em teu quarto, despede todo o bulício do mundo, conforme está escrito: “Compungi-vos em vossos cubículos” (Salmos 4,5). Na cela acharás o que fora dela muitas vezes perdes. A cela bem guardada causa doçura e pouco frequentada gera enfado. Se bem a guardares e habitares no princípio de tua conversão, ser-te-á querida companheira e suavíssimo consolo. Abraço. Continuar página 33. No silêncio. Davi

domingo, 11 de agosto de 2024

JESUS. Parte I

 

Judaísmo. Livro Judaísmo e Cristianismo – As Diferenças. Por Trude Weiss Rosmarin (1908-1989). Capítulo 8. JESUS. Parte I. Nos últimos anos temos tomado conhecimento de inúmeros apelos diretos e indiretos de judeus letrados, desde Sholem Asch (1808-1957), o novelista iídiche do passado, atualmente o mais dedicado propagador das ideias cristãs, até John Cournos. O crítico literário recentemente convertido ao cristianismo, que reivindicam Jesus como filho fiel do povo e religião judaica. O argumento apresentado é que, embora o judaísmo possa não ser capaz de reconhecer as alegações cristãs do poder messiânico e da divina perfeição de Jesus. Ainda assim pode e deve aceitá-lo como profeta, mestre ou pelo menos como um grande rabino. Antes de prosseguir com a refutação detalhada dessa sugestão, devemos parar por um momento para considerar a posição de Jesus frente ao cristianismo. Claro que as várias correntes religiosas cristãs diferem em sua interpretação a respeito do fundador da sua fé. Mesmo assim, até os protestantes mais liberais que não tenham se afastado da Igreja, dificilmente estariam prontos a admitir que Jesus foi nada mais que um mestre, um profeta ou um rabino. Portanto, é errôneo, da parte de certos judeus, assumir que seu endosso a Jesus como mestre, profeta ou rabino será primordial para estabelecer um melhor relacionamento entre cristãos e judeus. Pelo contrário, vários cristãos se ressentem profundamente de ter seu filho de Deus e Messias aclamado como um simples e mortal mestre, profeta ou rabino. A posição da grande maioria dos cristãos em relação as tentativas de reaver Jesus para a Sinagoga é resumida vigorosamente pelo doutor Otto Piper (1892-1982): “Os judeus podem estar desejosos de reconhecer a grandeza de Cristo, mas somente pretendem através disso, enfatizar a grandeza do judaísmo. Pois alegam que Jesus é seu maior filho. Se o reconhecessem como Messias e Salvador, não mais poderiam ser judeus”. Para os cristãos, Jesus é infinitamente mais do que um grande profeta ou rabino, pois conforme o doutor Toy, observa adequadamente: “Ambas ramificações do cristianismo, a católica e a protestante, tem segundo as correntes de pensamento moderno, não existe um ponto de vista científico, filosófico ou literário que não tenha deixado marcas nas crenças que controlam a cristandade. Mas, apesar de toda essa liberdade de movimento, a pessoa de Cristo teve seu lugar mantido como centro da vida religiosa. Qualquer que seja a interpretação teológica, quer seja ele encarado como substancialmente divino ou somente com um homem profundamente inspirado. Quer seja a sua morte ou a sua vida mais ressaltada, ou ainda quer a Igreja ou a Bíblia sejam aceitas como um guia infalível. Ele sempre será o modelo e líder de uma experiência religiosa”. Para os cristãos, com exceção de uma insignificante parcela, Jesus é primeiramente, o Filho de Deus e Messias. Para a cristandade, ele é a revelação da perfeição de Deus. Citando o doutor A. Lukyn William (1853-1943): “Para nós, cristãos, repito, Jesus de Nazaré parece ser absolutamente sem defeitos, sem manchas ou defeitos, e como tal, a perfeita revelação do caráter de Deus. O que Deus não poderia fazer em qualquer livro, qualquer que seja a bondade, ele conseguiu concretizar em uma pessoa via (...). Quando um cristão é perguntado sobre as características de Deus invisível, ele assimila como resposta “Jesus de Nazaré”. Querendo dizer que Jesus mostra como Deus realmente é, e o que ele gosta que façamos. O pensamento relembra o dito do próprio Jesus, registrado nos quatro evangelhos; “Aquele que me viu, viu o Pai”. O cristianismo é baseado na doutrina da encarnação, o que significa que, na crença de que “Deus estava em Cristo – não em escrituras, doutrinas, milagres, experiências subjetivas ou formas sacramentais. Mas numa pessoa histórica, no espírito de Cristo, na sua palavra, na sua vida e na sua morte”. Como resultado a virtude a perfeição cristã consiste na “imitação de Cristo. Enquanto para o judeu, a bondade está atrelada a tentativa de imitar, por aproximação, a perfeição de Deus. Pois o judaísmo não reconhece a encarnação do Ser Divino. Por isso o judaísmo rejeitou e rejeita Jesus como Filho de Deus e como uma encarnação do ser Divino. A ideia de Deus para o judeu, conforme estabelecida em detalhes no capítulo um desta obra “O conceito de Deus para judeus e cristãos, é a própria negação da Trindade e a doutrina da encarnação subjacente a ela. Mas para os cristãos, Jesus não somente é a encarnação de Deus, mas também o Messias e Redentor cujos adventos futuros estão anunciados nos livros da Bíblia Hebraica. O Novo Testamento é, portanto,  de forma bastante ampla, o empenho orquestrado para provar que Jesus foi o Messias prometido e que nele todas asf promessas proféticas foram concentradas. O judaísmo, por outro lado, afirma que Jesus não foi o Messias, pois não realizou as esperanças messiânicas. Os defensores do judaísmo, nas suas “Controvérsias Religiosas” organizadas pela Igreja Medieval e impostas aos judeus com a esperança de derrotar seu porta voz. Invariavelmente enfatizavam que nenhuma das promessas messiânicas foi realizada por meio de Jesus. Ele não estabeleceu a paz universal e justiça social para toda humanidade. Nem redimiu o povo de Israel, nem tampouco elevou as montanhas do Senhor acima do todo das alturas. No tocante aos judeus, seu próprio exílio e falta de um lar e a continuação da guerra, pobreza e injustiça são provas conclusivas de que o Messias ainda não chegou. Pois sua vinda, de acordo com as promessas proféticas, apressará a redenção do povo de Israel do exílio e a redenção de todo o mundo dos males da guerra, pobreza e injustiça. Foi defendida a tese de que Jesus não foi considerava o Messias e que esse papel foi atribuído a ele posteriormente pelos autores do Evangelho. Não estamos aqui preocupados em criticar o Novo Testamento. Foge ao objetivo do nosso tema tentar concluir quais pronunciamentos atribuídos a Jesus são autênticos e quais não são. O que realmente importa não são as exatas palavras que Jesus pronunciou, mas o espírito delas. Não resta dúvida, entretanto, que nos Evangelhos temos o ipssimus spiritus - o próprio Espírito de Jesus. Aparentemente a tradição ligada a Jesus deve ter fornecido aos escritores dos Evangelhos base suficiente para enfatizar seu caráter messiânico. De outra forma, seria inexplicável que todos os relatos evangélicos ressaltem  a ênfase dada pelo próprio Jesus a seu papel e missão messiânicas. A resposta de Jesus a pergunta de João Batista se ele era o prometido pelos profetas, mostra claramente que Jesus se considerava mesmo o Messias (Mateus 11,2-6) e, ainda mais, a admissão em seu julgamento diante do sumo sacerdote de ser “Cristo, o Filho de Deus” (Mateus 26,63-66) (Marcos 14,61-64) e (Lucas 22,67-71). Também provam conclusivamente que Jesus se considerava o Messias e, mais que isso, como o Filho de Deus. Essas duas pretensões o colocaram inevitavelmente em oposição eterna ao judaísmo, o qual não pode reconhecer Jesus como o Messias por ele não ter conseguido apressar a chegada da era messiânica. E por considerar a própria ideia de “Filho de Deus” como uma transgressão do monoteísmo puro. Pode então Jesus ser classificado pelo menos de “Profeta”, do ponto de vista judaico? A resposta é não, pois ele não atendia aos padrões da profecia hebraica exemplificada pelos profetas dos primórdios ou por aqueles mais recentes. O profeta hebreu foi, no seu todo o porta voz de Deus. Abraço. Davi

 

quinta-feira, 8 de agosto de 2024

OS MISTÉRIOS. Parte I

 

Religião Afro-brasileira. Umbanda. Livro Código de Umbanda. Por Rubens Saraceni (1951-2015). OS MISTÉRIOS. Parte I. O que é um mistério? “Mistério é um mistério”, responde a maioria das pessoas desinformadas do real significado desta palavra, que se perdeu no tempo e assumiu ares de Ocultismo ou “coisa misteriosa”. Mas a doutrina de Umbanda esclarece o que é um mistério, e mergulhou no passado ancestral para devolver a esta palavra seu real significado. Afinal, dizer que a distribuição do pão e do vinho é um mistério, no mínimo, demonstra um desconhecimento do real significado das palavras ou dos rituais religiosos. A renovação da presença da divindade no corpo do ser pelo concurso de alimentos consagrados não é um mistério em si mesmo. E sim um procedimento que visa a revitalizar a fé no poder imanente da divindade cultuada. É apenas a absorção do poder ou axé da divindade por meio de alimentos. E isso fazem todas as religiões desde que este mundo é mundo, e assim sempre será. Basta estudar os rituais religiosos que sempre encontraremos o homem e as divindades se renovando na partilha de alimentos. As oferendas rituais atendem a essa necessidade do ser e das divindades em compartilharem os alimentos consagrados, pois ceia é sinônimo de fraternidade, confraternização e vida. Agora, o que é ativado com a oferenda ritual, aí sim, é um mistério. Um mistério é algo intangível, mas que tem vida própria e só precisa ser ativado pelo fiel. As divindades são mistérios de Deus e não existe mistério que não seja a manifestação de alguma divindade. Em Oxalá, encontramos o mistério da Fé, e a fé é irradiada por ele o tempo todo. Em Oxum, encontramos o mistério do Amor, e o amor é irradiado por ela o tempo todo. Se o ser vibra a fé pura, é inundado pelas irradiações de Oxalá, se vibra amor puro, é inundado pelas irradiações de Oxum. Mas, se o ser vibra descrença, não é alcançado pelas irradiações de Oxalá, e se vibra ódio, não é alcançado pelas irradiações de Oxum. Por que as coisas acontecem assim? Bom, cada mistério vibra em um padrão específico e basta nos colocarmos conscientemente em sintonia vibratória com ele para que nos inunde com suas irradiações. Então já sabemos que os mistérios vibram, cada um em um padrão próprio, e os encontramos em nós mesmos, mas na forma de sentimentos, certo? E que, para os ativarmos, basta que estejamos vibrando intensamente o sentimento afim com cada um deles. Se vibramos fé, somos inundados pelas irradiações do mistério da Fé. E se vibramos amor, somos inundados pelas irradiações do mistério do Amor, pois estas irradiações não cessam nunca, e só precisamos estar vibrando no mesmo padrão para recebê-las. É isto, então? Exatamente, é isto mesmo! Então não há Ocultismo algum, Ou há? Há, sim, senhor. Onde encontra o Ocultismo? Bem, ele surgiu quando ocultaram que os mistérios de Deus, todos eles, também estão em nós, e um tolo qualquer interpretou que a expressão “o homem feito â semelhança de Deus” diz respeito à semelhança física! O fato é que, na doutrina de Umbanda, estudam-se as divindades recorrendo à analogia pra identificá-las por meio dos mistérios que irradiam. Também se estuda o homem para descobrir com qual ou quais mistérios ele está ligado, e descobrimos que. Vibratoriamente, podemos mentalmente todos os mistérios de Deus. Desde que estejamos irradiando sentimentos afins com as irradiações deles. Estes “todos os mistérios de Deus” é relativo aos nossos limites humanos, certo? Aqui, limitamo-nos à interpretação do homem feito à imagem e semelhança de Deus. A doutrina de Umbanda buscou na ancestralidade a origem dos mistérios e encontrou os mesmos mistérios em divindades diferentes. Em Oxalá, Buda. Atom, Cristo etc., encontrou o mistério da fé, em Oxum, Ísis, Afrodite, Quanyn, etc., encontrou o mistério do Amor em seu sentido mais amplo. Logo, se essas divindades irradiam continuamos a fé ou o amor, todas são mistérios da Fé ou do Amor. E não dependem de nós para existir ou irradiar as vibrações de fé ou amor, pois são divindades manifestadoras dos mistérios divinos da Fé e do Amor. Agora, para nos inundarmos com as irradiações de fé e de amor, basta vibrarmos os sentimentos de fé e de amor e direcionarmos, nossa mente a Oxalá e Oxum e, no mesmo instante, nosso espírito imortal é envolvido pelas irradiações vibradas por estes Orixás. Isto sim, é um mistério, pois existe e se manifesta em nós, pouco importando onde estivermos. Um espírito, ainda que esteja no “paraíso”, se começa a perder sua fé, cai vibratoriamente e, se não a recuperar, poderá descer até as Trevas. Outro, estando no inferno, se começar a vibrar a fé em Deus, poderá ascender as esferas da Luz. Isto é um mistério e, desde que o acessemos por meio dos nossos sentimentos, puros e verdadeiros, seremos atuados com intensidade. Então já sabemos que os rituais de oferendas alimentares são recursos legítimos para estimular o ser em direção bem definida pelo próprio ritual e servem para ajudar o ser a se concentrar e ativar um mistério. Por isso, a doutrina de Umbanda recomenda a oferenda ritual como um dos recursos que as divindades, em infinita generosidade, permitem que usemos. Pois facilita a nossa elevação vibratória, assim como o acesso mental ao padrão vibratório por onde fluem as irradiações do mistério de Deus, do qual ela é manifestadora natural sendo uma divindade. E se as divindades estimulam os rituais, é porque sabem que nós temos em nós mesmos tantos padrões vibratórios que basta que ativemos um, o da fé, por exemplo, para inundarmo-nos de fé. E para que nos tornemos irradiadores da fé. Isto, sim, é um mistério! Um cristão mentaliza Jesus Cristo, põe-se em oração e se sente inundado de irradiações de fé. Um budista mentaliza Buda. Põe-se em oração e se sente inundado de irradiações de fé. Um umbandista mentaliza Oxalá, põe-se em oração e se sente inundado de irradiações de fé. Mistério é isto: algo que existe por si só e está à disposição de todos, desde que entrem em sintonia vibratória com o padrão por onde ele flui o tempo todo. As vibrações de fé podem estar direcionadas a divindades diferentes. Mas, como são mistério de Deus e manifestadoras divinas do mistério da Fé. Todos os fiéis do nosso exemplo sentem-se inundados elos eflúvios das irradiações vibradas pelas divindades manifestadoras do mistério da Fé. Logo, a fé é um mistério de Deus que encontramos em nós mesmos, e irradiamos eflúvios estimuladores em nossos semelhantes quando estamos vibrando intensamente na fé. Já as divindades Oxalá, Buda e Jesus são mistérios da Fé, porque estão irradiando a fé em Deus o tempo todo. Se observarmos o amor, veremos que o mesmo ocorre com ele, porque é um sentimento divino manifestado por quem vibra no amor. Com todos os mistérios ocorre a mesma coisa: se nos sintonizamos vibratoriamente com eles, tanto receberemos suas irradiações divinas como nos tornaremos irradiadores deles. Se isso acontece, é porque fomos feitos à imagem e semelhança de Deus e, guardadas as proporções, somos micro irradiadores dos seus mistérios divinos. Abraço. Davi

terça-feira, 6 de agosto de 2024

A RELIGIÃO DO ISLAM. Parte I

 

Islamismo. Livro Manual Para o Novo Muçulmano. Por Jamaal Zarabozo (1960 - ). A RELIGIÃO DO ISLAM. Parte I. O significado da palavra Islam. A palavra Islam é a raiz nominal derivada do verbo aslama. Este verbo pode ser definido como “renunciar ou submeter”. Quando se utiliza na relação com Deus, significa submeter-se a Deus. Assim, o Islam trata de uma pessoa que reconhece quem é seu Senhor e reconhece que seu Senhor e Criador merece sua submissão e adoração. Em outras palavras, Islam não se trata simplesmente do reconhecimento de unicidade de Deus ou o fato de que o Criador existe, por exemplo. O Islam trata de algo muito maior que isso. Trata-se da decisão consciente que a pessoa toma para adorar e submeter-se ao Deus único. Dessa maneira, escreveu Nomani: “literalmente, o Islam denota uma submissão ante alguém e aceitação de seu senhorio, no significado mais amplo da palavra. A religião enviada por Deus e trazida a este mundo pelos Seus Profetas é chamada Islam pela clara razão que o fiador se rende totalmente ao poder e controle do Senhor e faz com que o juramento de obediência a Ele seja o princípio cardinal de sua vida. Esta é a alma da crença islâmica.” Talvez, deva-se aclarar que a palavra islam não significa “paz”. É certo que a palavra paz, em árabe salaam, vem do mesmo verbo que a palavra Islam. Ao mesmo tempo, não obstante, deve-se deixar bem claro na mente de todo muçulmano que sua religião, o Islam, representa seu compromisso e devoção à adoração e submissão somente a Allah. Essa deveria ser a essência de tudo o que define cada muçulmano. Antes de discutir a relação entre o Islam e outras religiões, é importante reconhecer um uso mais específico da palavra “islam” como religião. O Islam, como já foi dito anteriormente, implica na submissão total ao único Deus. Assim, todo aquele que se submete sinceramente a Deus – segundo a revelação Divina e não simplesmente segundo o que implica os seus caprichos e imaginação – é um muçulmano. Neste sentido, a religião de todos os profetas de Deus era o Islam e todos eles eram muçulmanos. Noé, Abraão, Moisés e Jesus, por exemplo, eram muçulmanos e sua religião era o Islam, a verdadeira e sincera submissão a Deus. Dessa forma, Allah disse ao Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) no Qur’an: “Prescreveu-vos a mesma religião que havia instituído para Noé, a qual te revelamos, a qual havíamos recomendado a Abraão, a Moisés e a Jesus, (dizendo-lhes): Observai a religião e não discrepeis acerca disso; em verdade, os idólatras se ressentiram daquilo a que os convocaste, Deus elege quem Lhe apraz e encaminha para Si o contrito” (42:13). A seguinte passagem do Qur’an destaca o fato de que Abraão, por exemplo, era um verdadeiro servo fiel de Allah, e somente d’Ele. Seus verdadeiros seguidores eram muçulmanos. Os verdadeiros seguidores de Moisés e Jesus também eram muçulmanos. Disse Allah: “E quando Abraão e Ismael levantaram os alicerces da Casa, exclamaram: Ó Senhor nosso, aceita-a de nós, pois Tu és Oniouvinte, Sapientíssimo. Ó Senhor,  nosso, permite que nos submetamos a Ti e que surja, da nossa descendência, uma nação submissa à Tua vontade. Ensina-nos os nossos ritos e absolve-nos, pois Tu é o Remissório, o Misericordiosíssimo. Ó Senhor,  nosso, faze surgir, dentre eles, um Mensageiro, que lhes transmita as Tuas leis e lhes ensine o Livro, e a sabedoria, e os purifique, pois Tu és o Poderoso, o Prudentíssimo. E quem rejeitaria o credo de Abraão, a não ser o insensato? Já o escolhemos (Abraão), neste mundo e, no outro, contar-se-á entre os virtuosos. E quando o seu Senhor lhe disse: Submete-te a Mim!, respondeu: Eis que me submeto ao Senhor do Universo! Abraão legou esta crença aos seus filhos, e Jacó aos seus, dizendo-lhes: Ó filhos meus, Deus vos legou esta religião; apegai-nos a ela e não morrais sem serdes submissos a Deus. Estáveis, acaso, presente, quando a morte se apresentou a Jacó, que perguntou a seus filhos: Que adorareis após a minha morte? Responderam-lhe: adoraremos a teu Deus e o Deus de teus pais: Abraão, Ismael e Isaac; o Deus Único, a Quem nos submetemos. Aquela é uma nação que já passou; colherá o que mereceu e vós colhereis o que merecerdes, e não sereis responsabilizados pelo que fizeram. Disseram: Sede judeus ou cristãos, que estareis bem iluminados. Responde-lhes: Qual! Seguimos o credo de Abraão, o monoteísta, que jamais se contou entre os idólatras. Dizei: Cremos em Deus, no que nos tem sido revelado, no que foi revelado a Abraão, a Ismael, a Isaac, a Jacó e às tribos; no que foi concedido a Moisés e a Jesus e no que foi dado aos profetas por seu Senhor; não fazemos distinção alguma entre eles, e nos submetemos a Ele. Se crerem no que vós credes, iluminar-se-ão; se se recusarem, estarão em cisma. Deus ser-vos-á suficiente contra eles, e Ele é o Oniouvinte, o Sapientíssimo. Eis aqui a religião de Deus! Quem melhor que Deus para designar uma religião? Somente a Ele adoramos! Pergunta-lhes: Discutireis conosco sobre Deus. Apesar de ser o nosso e o vosso Senhor? Somos responsáveis por nossas ações assim como vós por vossas, e somos sinceros para com Ele. Podeis acaso, afirmar que Abraão, Ismael, Isaac, Jacó e as tribos eram judeus ou cristãos? Dize: Acaso, sois mais sábios do que Deus o é? Haverá alguém mais iníquo do que aquele que oculta um testemunho recebido de Deus? Sabei que Deus não está desatento a quanto fazeis. Aquela é uma nação que já passou; colherá o que mereceu vós colhereis o que merecerdes, e não sereis responsabilizados pelo que fizeram.” (2:127-141). De fato, como demonstra a passagem, o Islam também era a religião de todos seus seguidores. Em outras palavras, todo verdadeiro crente, desde os tempos de Adão, até o último crente sobre a terra, pratica o Islam e é um muçulmano. Ainda mais, esta é a única religião que Allah ordenou à humanidade que seguisse. Allah disse: “E quem quer que almeje (impingir) outra religião, que não seja o Islam, (aquela) jamais será aceita e, no outro mundo, essa pessoa contar-se-á entre os desventurados.” (3:85). Assim, a irmandade do Islam é um vínculo da verdadeira fé e abarca a todos desde Adão, até o fim dos tempos, incluindo todos os povos. Os verdadeiros crentes se amam e apoiam-se. Esta é a única e bendita irmandade. Em particular, os verdadeiros muçulmanos de todas as épocas creem em todos os profetas. Apoiam a todos eles e defendem também sua honra. Jamais ouviríamos um crente muçulmano falar mal de Abraão, Isaac, Moisés, Jesus ou qualquer um dos profetas. Pelo contrário, o muçulmano respeita, honra e ama a todos da maneira que merecem. O Islam: A religião do Profeta Muhammad Logo no início de nossa descrição sobre o profeta Muhammad (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele), é necessário fazer outra distinção a respeito da religião do Islam. Antes dos tempos do Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele), podia-se dizer que havia muitos “Islam”. Quero dizer, cada povo tinha seus profetas, seguia seus ensinamentos e estava no mesmo caminho do Islam. Abraço. Davi