quarta-feira, 8 de maio de 2024

OS MILAGRES. Parte II

 

Judaísmo. Livro Judaísmo e Cristianismo. As Diferenças. Por Trude Weiss Rosmarin (1908-1989). Capítulo II. MILAGRES. Parte II. Em outras palavras, o milagre não possui significado religioso especial para um judeu porque, como Moses Mendelssohn (1729-1786), baseado em bons precedentes e autoridade, escreveu para um estudioso cristão. Os milagres podem ser usados para comprovar a verdade de qualquer religião e, consequentemente, não podem ser aceitos como prova de nenhuma delas. Em contraposição à atitude reservada do judaísmo com relação aos milagres e sua rejeição como afirmação de verdades religiosas, encontra-se a avaliação que o cristianismo faz dos mesmos. Os milagres desempenham papel excessivamente importante no cristianismo. Os evangelhos são um longo registro dos milagres realizados por Jesus. É significativo que, enquanto o judaísmo se recusa a reconhecer milagres como prova da autoridade Divina, os Evangelhos citam os feitos milagrosos de Jesus, como o renascimento de mortos, cura de incuráveis, transformação da água em vinho e milagres similares, como provas convincentes não somente da Divina autorização, mas de sua divindade. Ainda mais significativo, entretanto, é o fato que o judaísmo não possui dogmas que envolvem a crença em eventos milagrosos na esfera terrestre. O cristianismo, por outro lado, é baseado em inúmeras doutrinas do gênero, tal como a encarnação, a personalidade Divina, a perfeição de Jesus e o nascimento a partir de uma Virgem. Enquanto o judaísmo enfatiza a importância do conhecimento racional para o estabelecimento de uma verdade religiosa e se recusa a conferir ao fato milagroso qualquer valor que certifique ou confirme a verdade. O cristianismo postula a superioridade da crença em milagres – crença inquestionável e cega em oposição ao reconhecimento razoável. Tertuliano (160-240), um dos primeiros Padre da Igreja expressou sua atitude cristã com o ditado clássico: “credo quia absurdum est” – acredito, pois, é absurdo”. Forma de argumentar totalmente rejeitada pela mente judaica e incompatível com os princípios que enfatizam que conhecimento e razão são sustentáculos indispensáveis da fé. Como resultado dessa supervalorização do sobrenatural, o cristianismo, na sua versão católica e especialmente os evangélicos, tem se tornado virtualmente escravo dos milagres. O catolicismo escolhe seus santos de acordo com o poder dos milagres que realizaram ou de vido às maravilhas que se tornaram manifestas através deles. Assim, enquanto o judaísmo sustenta que os milagres não são importantes e, sim, demonstrações secundárias das quais o líder pode fazer uso para apressar alguma coisa. O catolicismo assevera que a experiência ou realização de milagres é a prova decisiva da veracidade da missão religiosa de tal santo e o “sine qua non” – sem o qual não, da canonização. Além disso, a aprovação da Igreja de cultos milagrosos tais como o da Virgem de Lourdes, por exemplo, mesmo hoje em dia, mostra que o catolicismo ainda se prende ao princípio de Tertuliano de credo “quia absurdum est” – acredito, pois, é absurdo. Como resultado do papel desempenhado pelos milagres nos primórdios da História do cristianismo, os cultos cristãos, católicos e protestantes ponderam sobre os mistérios dos sacramentos, totalizando sete na Igreja Católica e dois entre os protestantes. O batismo e a Santa Ceia, os dois sacramentos reconhecidos por todos os cristãos, são totalmente imbuídos de elementos místicos e milagrosos. Portanto, acredita-se que o batismo faça no recém-nascido uma “limpeza” do “Pecado Original” e o salve da eterna perdição. A Santa Ceia, o compartilhar da Eucaristia e o vinho sacramental são considerados como o estabelecimento de um vínculo físico direto entre aqueles que creem em Jesus, de cujo sangue e corpo simbolicamente compartilham, comendo a hóstia e bebendo do vinho da Comunhão. O judaísmo que se libertou dos últimos vestígios dos conceitos mitológicos da idolatria com a extinção dos sacrifícios, aproximadamente dois mil anos atrás, não possui sacramentos. Seu verdadeiro teor é incompatível com o conceito mitológico da Transubstanciação – a crença na transformação da hóstia no corpo de Cristo e do vinho em seu sangue – sagrada para todos os católicos confessos. O judaísmo torna a salvação dependente unicamente dos esforços éticos feitos pelo devoto por meio de seu livre-arbítrio. O ritual da sinagoga, entretanto, não contém qualquer oração, sacramento ou simbolismo pelos quais a salvação possa ser magicamente atingida. Seria fútil argumentar que os cristãos “modernos” não endossam essas crenças e que essa diferença entre judaísmo e cristianismo, portanto,, não é mais perceptível. De fato, o catolicismo não alterou de forma alguma sua posição quanto aos milagres e sacramentos. Que a Reforma Protestante foi uma revolta social dos leigos contra a tutela e domínio do clero. E não uma revolta contra os milagres, fica evidenciado pelo fato de que o próprio Lutero (1486-1546) acreditava piamente em aparições do diabo a e visões milagrosas similares. Além disso, o protestantismo, ao manter os sacramentos do batismo e a Ceia de Jesus também manteve sua interpretação mística, apesar de ter democratizado sua desobrigação. Com exceção de alguns poucos reformistas radicais, cuja influência na Igreja pode ser comparada com a de alguns reformistas drásticos na Sinagoga, os protestantes aceitam os milagres registrados no Novo Testamento de forma literal e se submetem aos básicos ensinamentos do cristianismo com os quais os milagres são inseparavelmente entrelaçados. A crença cristã nas suas várias interpretações protestantes é, portanto, ainda “justificada pela fé” em oposição ao judaísmo, que torna o “conhecimento de Deus” o primeiro pré-requisito da crença. Devido ao empenho de gerações e gerações de rabinos e pensadores, que aplicaram a luz da razão a cada princípio e ensinamento do judaísmo. Não há virtualmente nada na crença autorizada judaica – é claro que existem superstições populares – que seja contrário à razão e às leis da natureza. Para dar só um exemplo: a crença na ascensão de Elias aos Céus numa carruagem de fogo é pouco importante do ponto de vista judaico e pode, portanto, ser explicada alegoricamente. A ascensão de Jesus, entretanto, é muito importante ao cristianismo, e interpretar esse fato alegoricamente acarretaria privar as religiões cristãs de sua própria base e justificativa. Paulo, portanto, estava certo em advertir os coríntios contra qualquer dúvida sobre a ressurreição de Jesus, pois “se Cristo não ressuscitou, vazia é a nossa pregação, vazia também é a nossa fé. “Acontece mesmo que somos falsas testemunhas de Deus, sendo que atestamos contra Deus que ele ressuscitou a Cristo, I Coríntios 15,14 e seguintes, até 22. Graças a essa total desobrigação de acreditar em milagres, o judaísmo se conserva em melhor posição que o cristianismo em face da emergência da ciência moderna. A teoria da evolução não é necessariamente contrária ao espírito do judaísmo e de sua interpretação da criação. Visto que, há uma antiga afirmação rabínica que equivale a dizer que a Criação do Mundo, tal como o conhecimento, foi precedida pela criação e destruição de outros mundos. A crença judaica em Deus como o incomparável e único Poder Criativo Unificado não é afetada se assumirmos que a Criação se deu através de um único ato ou por um processo contínuo. Dado que o judeu não agradece diariamente a Deus “que renova todos os dias a obra da Criação”? Como resultado, o empenho que a Igreja exibe em reprimir as “heresias” de homens com Nicolau Copérnico (1473-1543), Giordano Bruno (1548-1600) e vários outros cientistas. Esses pagaram alto preço por sua integridade e ousadia como estudiosos, seria impossível no judaísmo, que sempre se empenhou em compreender o Criador e a Criação em vez de aceitá-los e suas obras extraordinárias baseado somente na fé propriamente dita, especialmente se tal fé envolve irrestrita crença em milagres. Abraço. Davi.

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