quinta-feira, 16 de maio de 2024

ENCONTRANDO O CAMINHO DO MEIO. Parte II

 

Budismo. O Livro das Religiões. ENCONTRANDO O CAMINHO DO MEIO. Parte II. As três marcas da existência. Buda dizia que todas as coisas na vida acontecem como resultado de determinadas causas e condições. Quando essas causas ou condições deixam de existir, os elementos que dependem delas também desaparecem. Nada, portanto, é permanente ou independente. O termo em sânscrito para essa interdependência é pratitya samutpada, que num sentido literal significa “coisas que avançam juntas”. A expressão costuma ser traduzida como “originação dependente”, para transmitir a ideia de que nada se origina do acaso – tudo está atrelado a causas anteriores. Em outras palavras, vivemos num mundo onde tudo está interconectado e nada é a fonte de sua própria existência. Essa observação simples e profunda conduz ao que ficou conhecido como as três marcas universais da existência. A primeira marca chama-se anicca: tudo é impermanente e está sujeito à mudança. Poderíamos desejar que não fosse assim, mas é. Buda comentou que a busca pela permanência e o desejo de que as coisas tenham uma essência fixa levam as pessoas a um estado geral de insatisfação na vida (dukkha), o que constitui a segunda marca. A palavra dukkha normalmente é traduzida como “sofrimento”, porém significa mais do que sofrimento físico ou inevitabilidade da morte. Refere-se a frustração existencial. A vida nem sempre nos dar o que queremos e, ao mesmo tempo, apresenta situações e pessoas que não queremos. Nada na vida nos dá satisfação completa. Tudo tem suas limitações. A terceira marca da existência é anata: como tudo está em constante transformação, nada possui uma essência fixa. De um modo geral, vemos as coisas (as árvores, por exemplo) como elementos isolados e as definimos assim. No entanto, como tudo depende de algo para existir (as árvores precisam de terra, água e o sol, por exemplo), nada pode ser definido permanentemente em termos de percepção ou linguagem. A ideia de interconexão, assim como o conceito das três marcas da existência, não constitui uma suposição sobre o mundo. Ao contrário, refere-se a como as coisas são. Demonstrando que as tentativas de negar essa realidade representam a causa de nossa frustração diária. O ensinamento subsequente de Buda baseou-se no conceito de interconexão. Relacionando dukkha – insatisfação – com o processo de mudança. Os monges budistas devem comer com moderação e dependem de doações para se alimentar – um exemplo prático de interdependência. Buda mostrou que existem contextos nos quais essa insatisfação pode ser minimizada. Essa observação deu origem às “Quatro Nobres Verdades” ou o “Caminho Óctuplo”. O caminho do meio na vida diária. A ideia do caminho do meio está presente no budismo de maneira bastante prática. Por exemplo, algumas ramificações do budismo preconizam a vida monástica. Todavia os votos feitos não são vitalícios, e muitos monges ou monjas voltam para casa – família após meses ou anos de retiro. Da mesma forma, para não causar um sofrimento desnecessário, os budistas procuram ser vegetarianos, sendo que, se por algum motivo for difícil seguir uma dieta vegetariana ou houver alguma questão de saúde que requeira o consumo de carne, eles tem essa permissão. Os monges, cuja alimentação depende de doações, devem comer o que recebem. Nada disso está relacionado à acomodação, mas ao reconhecimento de que tudo depende de condições prévias. O conceito do caminho do meio também possui profundas implicações em nossa compreensão geral da religião, da ética e da filosofia. Buda disse: “A existência disto depende daquilo. Quando isto surge, aquilo toma forma. Quando isto não existe, aquilo não vem a existir. Com o fim disto, aquilo acaba”. Em termos práticos, a ideia é que a realidade da vida, com suas constantes transformações, envelhecimento e morte. Não pode ser evitada para sempre, mesmo com segurança material ou abnegação. Uma vez compreendido isso, nossa visão de valores e de ética muda, modificando também nossa forma de encarar a vida. Assim como uma flor vive e morre, as três marcas universais da existência de Buda sustentam que tudo é impermanente e está sujeito à mudança – anicca. A consequência dessa ideia é o conceito de anata, como tudo está em constante transformação, nada possui uma essência fixa. Uma filosofia flexível. Em termos de religião, a negação budista da essência imutável e eterna dos Upanishads hindus foi revolucionária. Sugere que a vida não pode ser compreendida – e o sofrimento não pode ser evitado – por crenças religiosas convencionais. O budismo – visto como religião em vez de como uma filosofia ética – não nega a existência de deuses ou alguma forma de alma eterna. Entretanto os considera uma distração desnecessária. Quando lhe perguntavam se o mundo é eterno ou se uma pessoa iluminada vive após a morte – questões centrais para a religião – Buda se recusava a responder. Em termos de filosofia, o budismo sustenta que o conhecimento parte da análise da experiência, não de uma especulação abstrata. Por conta disso, o budismo sempre foi um sistema não dogmático, flexível e aberto a novas ideias culturais, sem deixar de preservar seu princípio básico. A interconexão de todas as coisas, manifestada no equilíbrio entre continuidade e mudança, é a base da filosofia budista. Os conceitos do budismo também tiveram importância psicológica. Como o ser não é simples e eterno, entretanto um elemento complexo e sujeito a mudanças, ele pode ser explorado como uma entidade instável. Além disso, o convite de Buda para as pessoas seguirem o caminho do meio estende-se a toda a humanidade. Fazendo do budismo – apesar da indiferença em relação a ideia de um deus ou de deuses – uma proposta atraente numa sociedade presa a convenções e rituais. Abraço. Davi.

 

 

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