Budismo. O Livro das
Religiões. ENCONTRANDO O CAMINHO DO MEIO. Parte II. As três marcas da
existência. Buda dizia que todas as coisas na vida acontecem como resultado de
determinadas causas e condições. Quando essas causas ou condições deixam de
existir, os elementos que dependem delas também desaparecem. Nada, portanto, é
permanente ou independente. O termo em sânscrito para essa interdependência é
pratitya samutpada, que num sentido literal significa “coisas que avançam
juntas”. A expressão costuma ser traduzida como “originação dependente”, para
transmitir a ideia de que nada se origina do acaso – tudo está atrelado a
causas anteriores. Em outras palavras, vivemos num mundo onde tudo está
interconectado e nada é a fonte de sua própria existência. Essa observação
simples e profunda conduz ao que ficou conhecido como as três marcas universais
da existência. A primeira marca chama-se anicca: tudo é impermanente e está
sujeito à mudança. Poderíamos desejar que não fosse assim, mas é. Buda comentou
que a busca pela permanência e o desejo de que as coisas tenham uma essência
fixa levam as pessoas a um estado geral de insatisfação na vida (dukkha), o que
constitui a segunda marca. A palavra dukkha normalmente é traduzida como
“sofrimento”, porém significa mais do que sofrimento físico ou inevitabilidade
da morte. Refere-se a frustração existencial. A vida nem sempre nos dar o que
queremos e, ao mesmo tempo, apresenta situações e pessoas que não queremos.
Nada na vida nos dá satisfação completa. Tudo tem suas limitações. A terceira
marca da existência é anata: como tudo está em constante transformação, nada
possui uma essência fixa. De um modo geral, vemos as coisas (as árvores, por
exemplo) como elementos isolados e as definimos assim. No entanto, como tudo
depende de algo para existir (as árvores precisam de terra, água e o sol, por
exemplo), nada pode ser definido permanentemente em termos de percepção ou
linguagem. A ideia de interconexão, assim como o conceito das três marcas da
existência, não constitui uma suposição sobre o mundo. Ao contrário, refere-se
a como as coisas são. Demonstrando que as tentativas de negar essa realidade
representam a causa de nossa frustração diária. O ensinamento subsequente de
Buda baseou-se no conceito de interconexão. Relacionando dukkha – insatisfação
– com o processo de mudança. Os monges budistas devem comer com moderação e
dependem de doações para se alimentar – um exemplo prático de interdependência.
Buda mostrou que existem contextos nos quais essa insatisfação pode ser minimizada.
Essa observação deu origem às “Quatro Nobres Verdades” ou o “Caminho Óctuplo”.
O caminho do meio na vida diária. A ideia do caminho do meio está presente no
budismo de maneira bastante prática. Por exemplo, algumas ramificações do
budismo preconizam a vida monástica. Todavia os votos feitos não são
vitalícios, e muitos monges ou monjas voltam para casa – família após meses ou
anos de retiro. Da mesma forma, para não causar um sofrimento desnecessário, os
budistas procuram ser vegetarianos, sendo que, se por algum motivo for difícil
seguir uma dieta vegetariana ou houver alguma questão de saúde que requeira o
consumo de carne, eles tem essa permissão. Os monges, cuja alimentação depende
de doações, devem comer o que recebem. Nada disso está relacionado à
acomodação, mas ao reconhecimento de que tudo depende de condições prévias. O
conceito do caminho do meio também possui profundas implicações em nossa
compreensão geral da religião, da ética e da filosofia. Buda disse: “A
existência disto depende daquilo. Quando isto surge, aquilo toma forma. Quando
isto não existe, aquilo não vem a existir. Com o fim disto, aquilo acaba”. Em
termos práticos, a ideia é que a realidade da vida, com suas constantes
transformações, envelhecimento e morte. Não pode ser evitada para sempre, mesmo
com segurança material ou abnegação. Uma vez compreendido isso, nossa visão de
valores e de ética muda, modificando também nossa forma de encarar a vida.
Assim como uma flor vive e morre, as três marcas universais da existência de Buda
sustentam que tudo é impermanente e está sujeito à mudança – anicca. A
consequência dessa ideia é o conceito de anata, como tudo está em constante
transformação, nada possui uma essência fixa. Uma filosofia flexível. Em termos
de religião, a negação budista da essência imutável e eterna dos Upanishads
hindus foi revolucionária. Sugere que a vida não pode ser compreendida – e o
sofrimento não pode ser evitado – por crenças religiosas convencionais. O
budismo – visto como religião em vez de como uma filosofia ética – não nega a
existência de deuses ou alguma forma de alma eterna. Entretanto os considera
uma distração desnecessária. Quando lhe perguntavam se o mundo é eterno ou se
uma pessoa iluminada vive após a morte – questões centrais para a religião – Buda
se recusava a responder. Em termos de filosofia, o budismo sustenta que o
conhecimento parte da análise da experiência, não de uma especulação abstrata.
Por conta disso, o budismo sempre foi um sistema não dogmático, flexível e
aberto a novas ideias culturais, sem deixar de preservar seu princípio básico.
A interconexão de todas as coisas, manifestada no equilíbrio entre continuidade
e mudança, é a base da filosofia budista. Os conceitos do budismo também
tiveram importância psicológica. Como o ser não é simples e eterno, entretanto
um elemento complexo e sujeito a mudanças, ele pode ser explorado como uma
entidade instável. Além disso, o convite de Buda para as pessoas seguirem o
caminho do meio estende-se a toda a humanidade. Fazendo do budismo – apesar da
indiferença em relação a ideia de um deus ou de deuses – uma proposta atraente
numa sociedade presa a convenções e rituais. Abraço. Davi.
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